sábado, 7 de outubro de 2023

Em Rajaz a raiz progressiva do grupo está em extrema evidência, mostrando um trabalho criativo, inspirado e uma banda em sua melhor forma no período pós 70's.

Camel - Rajaz (1999)

Após uma década de setenta em quase sua totalidade bastante interessante, o final da mesma e os anos oitenta foi a época de dividir boa parte dos fãs do grupo entre os que aceitavam aquela sonoridade que fugia das suas raízes progressivas e os que não se interessavam mais tanto pelo que a banda vinha fazendo em álbuns como The Single Factor e Stationary Traveller. Mas seguindo o bom e velho ditado em que diz que depois da tempestade a bonança, após um hiato de sete anos, os anos noventa serviram pra banda voltar com suas raízes progressivas que pareciam terem sido senão totalmente esquecidas, pouco utilizadas em trabalhos anteriores.

Essa espécie de “regresso as origens” resultou em três ótimos trabalhos na década de 90, sendo Rajaz, na opinião desse que vos escreve, o ápice da criatividade da banda naquele período, podendo ser citado inclusive como o melhor álbum desde a trinca que no geral os fãs escolhem como seus melhores discos, Mirage, The Snow Goose e Moonmadness. Rajaz trata-se de um álbum conceitual em que conceito está no próprio encarte que tem escrito o seguinte: “A música dos poetas conduzia antigamente as caravanas através de grandes desertos. Cantada ao ritmo dos passos dos camelos, despertava cansados viajantes para seu único objetivo...o fim da jornada. Esta poesia é chamada "Rajaz". Ao ritmo do camelo.” Enfim, o tema do álbum é basicamente sobre a solidão do deserto e todos os seus mistérios. Muito interessante também, é como a banda conseguiu criar uma sonoridade totalmente condizente com a temática do álbum, transportando o ouvinte pro meio do deserto. Novamente, Andy Latimer mostra extrema capacidade em criar melodias muito belas e inspiradas, além de letras de grande carga emocional.

O início do álbum é por meio da faixa instrumental “Three Wishes”, com um começo que nos remete a “Shine You Crazy Diamond” do Pink Floyd, só que pouco mais sombrio, ganha uma mudança de andamento se tornando um excelente início de jornada para o álbum. Guitarras e teclados tocados de forma bastante sólidas e com interessantes mudanças de humor. 

“Lost and Found” é uma variação de passagens instrumentais suaves e outras mais veementes, por meio de sintetizadores influenciados pela música oriental e linha de baixo extremamente idônea pra ocasião. A guitarra de Andy Latimer também merece destaque, sobretudo na parte final da música, com  bela instrumentação a desacelerar o clima da faixa. Ainda sobre o guitarrista, seus vocais estão bem suaves e com timbres baixo, nada de excepcional, mas serve como uma luva pro tema do álbum.

Chegado a “The Final Encore”, novamente a influência da música oriental aparece em grandes doses. Uma faixa que não me soa muito bem, de cadência lenta, faz parecer de fato que o ouvinte está andando em cima de um camelo, as teclas em algumas partes estão com uma sonoridade bastante 80’s e o vocal de Andy está demasiadamente melódico, parecendo um morto vivo. A faixa não chega a ser ruim, mas alguns detalhes poderiam ter sido mais bem trabalhados.

O quarto passo dessa jornada pelo deserto é o da música homônima ao álbum, Rajaz", uma faixa de caráter bastante melódico, onde a carga emotiva da sua execução é bem elevada por conta do vocal e guitarra de Latimer extremamente bem cadenciado e coeso com a temática do álbum. Também conta com belo e relaxante solo de guitarra.

“Shout”, confesso que é a canção do álbum que embora não ache ruim, é a que menos chama minha atenção, extremamente simples, um uso de moog totalmente sem propósito algum, além de que a música foge um pouco das atmosferas apresentada nas outras faixas, o que se tratando de um álbum conceitual, é um ponto negativo.

Em “Straight To The Heart”, em alguns momentos, certas passagens de guitarras podem fazer o ouvinte remeter a faixa “Rajaz”, mas a semelhança é mais enganosa do que qualquer outra coisa. Uso de slide guitarra com muita propriedade, teclado, baixo e bateria fazem a cama melódica a qual a guitarra e voz de Latimer deitam bem à vontade construindo um dos momentos mais bonitos do álbum, com direito a um solo final de extrema beleza e bom gosto.

A penúltima música é a excelente “Sahara”. Baseado no que disse mais lá no começo sobre o álbum ser de uma sonoridade bastante condizente com a temática, aqui é um dos momentos onde eles mais fazem isso com clareza. Um trabalho magistral por parte de Andy Latimer, o uso de guitarra jazzy e um solo fascinante, bateria e baixo preenchem seus espaços com ótimas seções rítmicas, além de novamente o excelente uso de teclas. A influência oriental aqui se apresenta de forma perfeita. Ainda que todos tenham feito bem o seu papel, é inegável que novamente o destaque é a guitarra de Andy Latimer. 

O ultimo trajeto dessa viagem pelo deserto é por meio de “Lawrence”, uma música de solo extremamente belo, mas tirando isso, não tem um atrativo tão grande assim, poderia ser mais curta, parece que a faixa se arrastou demais sem necessidade. Rajaz chega ao fim com uma música mais ou menos, ótimo solo, mas ainda assim, cansativa.

Bom, mesmo com suas influências diferentes das usadas nos anos 70, em Rajaz a raiz progressiva do grupo está em extrema evidência, mostrando um trabalho criativo, inspirado e uma banda em sua melhor forma no período pós setentista. 

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sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Muitas vezes, não compreendido instantaneamente, mas mesmo assim, muito bom.

King Crimson - Islands (1971)

Islands é um disco que requer paciência e talvez por isso alguns fãs do King Crimson torcem um pouco o nariz pra ele. Particularmente, eu não vi dificuldade alguma em me deixar levar pela sua música. Existe um desenvolvimento lento e sereno das peças, onde apesar de que, quem acompanha a banda, saber que eles costumam ter um lado suave, aqui é diferente, pois as coisas giram inteiramente em torno dessas passagens musicais, tendo raros momentos mais ásperos e pesados. Admito que não é bem um álbum pra iniciar no universo musical do King Crimson.

“Formentera Lady” abre o disco com um bom baixo, levando o ouvinte de imediato a uma atmosfera clássica. Logo se junta a uma boa flauta e piano, que são abraçados pelas primeiras frases vocais. Após os três primeiros minutos, a música começa a decolar com os brilhantes tambores jazzísticos começando um pouco timidamente, mas depois crescendo. Tem um momento de improvisação de piano que é belíssimo. Mais a frente, há algumas peças agradáveis de violão, com Fripp mostrando seu habitual talento. O final da música traz algumas partes brilhantes de improvisação.

“Sailor's Tale” começa com tambores funky e um baixo, onde logo se juntam a guitarra e saxofone. A parte do solo de guitarra se encaixa muito bem na música, levando a peça a um clímax que é muito bom, com alguns instrumentos que tocam uma nota que se encaixa perfeitamente no motivo rítmico. O solo de saxofone é incrível. Após isso, a música começa uma parte maravilhosa e descontraída, com Fripp “brincando na guitarra”. Sua diferença melódica e rítmica do baixo e da bateria é ótima. De repente, essa parte ganha velocidade, seguindo agora com um apoio orquestral e improvisação da bateria.

“The Letters” começa com voz e trabalho acústico de guitarra. Essa parte é bastante emocional, com a guitarra escolhendo melodias continuamente alternadas. De repente, acontece uma explosão musical, bem ao estilo que a banda costuma fazer, logo depois a peça retorna a algo mais suave, com todos os membros da banda mostrando que eles fazem música progressiva como deve ser, complexa, virtuosa e sentimental.

“The Ladies of the Road” é minha música favorita do disco, embora seja um pouco repetitiva. O baixo e a bateria são muito divertidos, com o excelente saxofone que toca no começo. O vocal faz um bom trabalho, mostrando algumas emoções muito bem construídas O coro é maravilhosamente suave, com o alto som da guitarra e as segundas vozes. No final da música, tem um lindo solo de saxofone, mostrando mais um belo trabalho de Mel Collins. “Prelude: Song Of The Gulls” é uma bela peça clássica, preparando o ouvinte para a faixa homônima ao disco e que fecha o trabalho. É uma música simples e que combina perfeitamente com o resto do disco, belas melodias que se assemelham com a introdução de Islands.

“Islands” mostra um equilíbrio perfeito de letra e música, uma paternidade de Fripp e Sinfield. Traz uma belíssima melodia de piano e flauta. Tem um momento de saxofone solitário, o vazio de tudo se soma a atmosfera triste. A parte vocal/piano se repete, mas em vez de terem a flauta como companhia, o violino a substitui. Uma faixa que se desenvolve muito bem e dá uma sensação onírica ao ouvinte, um poder imaginativo e a capacidade de despertar inúmeras sensações diferentes.

Por mais que o King Crimson dos anos 70 seja uma banda impressionante, nem sempre tudo produzido pela grupo na época deve ser encarado como algo que o ouvinte vai sentir amor à primeira audição. Islands é justamente esse tipo de registro, muitas vezes não compreendido de forma instantânea, acaba sendo largado de mão. Mas se lhe derem mais do que uma chance, é grande a possibilidade que qualquer má impressão inicial mude.

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quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Rock progressivo sinfônico de personalidade própria.

Monarch Trail - Sand (2017)

O nome de Ken Baird não é novidade no progressivo canadense, esteve de maneira solo na cena por quase quinze anos, quando decidiu após o lançamento do seu quinto disco, Further Out, expandir suas atividades e apresentar o trio Monarch Trail, um projeto formado pela necessidade de Baird produzir música em um maior status de trabalho em equipe. Após uma estreia bastante promissora em 2014, a banda está de volta com Sand, um trabalho que certamente poderá ser visto como um dos melhores do ano dentro do universo musical progressivo. Aqui temos um trio formado teclados, baixo e bateria, além de mais três convidados ajudando nas guitarras. A mesma formação que foi na estreia.

O disco inicia com “Station Theme”, com baixo, piano e bateria que se juntam rapidamente com sintetizadores, formando uma sonoridade espacial retrô meio perturbadora, uma espécie de jingle para um programa de ficção científica no History Channel. O piano apresenta uma destreza que lembra Rick Wakeman. Os sintetizadores voltam junto do baixo e bateria “energizando” a música novamente antes de chegar ao fim.

Em “First Thoughts”, os que desconhecem a voz de Ken, logo de cara irão perceber que é uma voz extremamente humilde, expressiva e de grande apelo emocional. Além do belo vocal, trata-se de uma breve canção de ninar, levada em cascatas de sintetizadores de cordas e uma incursão de violão que é simplesmente encantador. Uma música brilhantemente simples e perfeita.

Digamos que o desembarque orbital completo ocorre em “Back to the Start'”, onde são sete minutos de um desenrolar de unidade sinfônica esplendorosa quase ritualística e teclados colossais liderados por um violento ataque de baixo. Ken revela seu ofício nas várias nuances de tecladas à sua disposição, passando de delicado para bombástico e de despretensioso para complexo com inegável afluência. O guitarrista John Mamone cuspiu alguns bons lick para manter o impulso, outra peça cinematográfica.

“Missing” tece um caminho angustiante por meio de refluxos vocais e fluxos instrumentais, todos os teclados de Ken ardendo furiosamente, os sintetizadores em particular em chamas através de uma infinidade de solos que desafiam a lógica. Há um leve sentimento de IQ nas melodias e na entrega vocal, embora não seja perto do mesmo timbre de voz de que Peter Nicholls, o que acaba ilustrando uma banda que apesar das influências, tem um estilo próprio e gosta de cumpri-lo.

“Charlie's Kitchen” é uma canção de piano bar bem jazz que acrescenta guitarra cortante e uma seção de ritmo que se desloca que é legal e louco ao mesmo tempo. Ela se transforma vagarosamente em um passeio sinfônico bastante animado, cheio de pompa e circunstância, decorado com plumas de sintetizadores floridos por um lado e complexidades métricas da batente no outro (sei que esse disco está me fazendo poetizar, mas não tenho culpa se a música me deixa assim). Todos os instrumentos estão fascinantes.

“Another Silent World" é uma peça curta com sintetizadores e atmosfera em toda parte que serve como uma introdução inteligente para o épico que fecha o álbum. “Sand” é um épico ambicioso, começa com uma fragilidade musical como a de Anthony Phillips, uma criação de ambiente bucólico e pastoral que evolui para uma paisagem mais sinfônica, carregada de tons ameaçadores, medo delicado e solidão desavisada, chegando às vezes em uma linha teatral. O humor da faixa é sempre um enigma colidindo entre a promessa do futuro e o conforto relativo do passado, certamente uma definição bastante adequada de música progressiva moderna. A música segue com toda a sua exuberância em uma passagem instrumental maravilhosa liderada pelas teclas de Ken, crescendo em espirito com o solo de guitarra, desafiado constantemente pelos sintetizadores estridentes e pianos persuasivos por baixo de tudo. Tudo entra em serenidade instrumental de belos vocais até crescerem em uma viagem emocionante de som e estilo que não deixa de impressionar até o ouvinte mais casual. O final é apoteótico, influência clássica que apenas eleva o prazer do ouvinte que se deixou levar até aqui, ultrapassando a norma comum de composição, dando a sensação onírica como se estivéssemos empunhados a um passeio de tapete mágico em direção as estrelas. Sensacional define.

Se o primeiro álbum foi um grande sucesso, aqui os arranjos, o desempenho dos músicos e a produção são muito superiores, o que significa que só podemos esperar um crescimento e a maior firmação da banda no cenário progressivo. Além disso, os ouvintes serão testemunhas de um dos mais proeminentes tecladistas atuais em ação, Ken Baird, podendo juntar a outros grandes nomes da era moderna como por exemplo. Clive Nolan, Fred Schendel, Andy Tillison, Neal Morse e Robert Reed. Em termo de sinfônico puro quem sabe até o melhor de 2017, em termos de progressivo em geral, sem dúvida alguma, um dos melhores. Imperdível.

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Um disco de sonoridade poderosa e evocativa.

Genesis - Nursery Cryme (1971)

Em Nursery Cryme, as substituições ocorridas na banda não foram situações simples com que os músicos remanescentes tiveram que conviver. Ao menos, não como um todo. John Meyhew, de fato, já estava ficando pequeno demais pra banda, era um baterista muito dependente e não correspondia com a edição final das sessões. Ainda que, na época, foi dito que sua saída estava ligada à problemas de saúde, era uma desculpa que ficava muito a desejar. Agora, em relação a Anthony Phillips, sem sombra de dúvida, a preocupação foi muito maior, primeiro, porque ele era membro fundador do Genesis, segundo, porque tinha bom relacionamento com todos os companheiros da banda, afinal, eram amigos de adolescência desde a época de escola na metade dos anos 60 e, terceiro, por causa do virtuosismo de Phillips que começava a se tornar cada vez mais gradual e complexo, sem contar no desenvolvimento musical criativo que o guitarrista possuía, aliás, isso é comprovado na carreira sol do guitarrista. Phillips alegava que sua permanência na banda o deixou frustrado, além de desgastado com aquilo que estavam fazendo, mas confesso que é muito difícil até entender este motivo dele - acho que o fato dele nunca ter gostado muito de palcos possa ser um motivo muito mais plausível. Naquela altura do campeonato, eles não acreditavam em jogar fora tudo aquilo que sonhavam desde os tempos de adolescentes, por isso, vão à procura do que necessitavam. Primeiramente, a procura foi por um baterista, onde em meio a cerca de cinquenta candidatos, surgiu Phil Collins, que na época era de uma banda chamada Flaming Youth e tinha gravado um disco intitulado, Ark II, lançado em 1969, além de dois compactos. Collins tinha muita precisão e ritmo na bateria e percussão, além de um vocal melodioso que no decorrer do tempo dividiria com Gabriel. Em relação ao guitarrista, o trabalho foi um pouco mais difícil, chegaram a recrutar um chamado Mike Bernard, mas que ficou pouco tempo fazendo apenas ensaios, foi então que eles encontram um anúncio musical de um guitarrista que estava procurando uma banda que correspondesse o seus "instintos", Peter Gabriel então fez contato com este que era nada menos que Steve Hackett. Hackett tinha muito talento como guitarrista e variava desde o estilo clássico/erudito, folk, acústico entre outros. Também havia feito um álbum antes de ingressar no Genesis numa banda chamada Quiet World intitulado como The Road e lançado no ano de 1970. 

Assim como ocorreu com o disco anterior, Trespass, e ocorreria com o posterior, Foxtrot, a arte da capa ficou por conta de Paul Whitehead. A ilustração que estampa Nursery Crime teve muita repercussão na época porque foi considerada muito ousada para um disco, contendo a ilustração de uma garotinha segurando um martelo de críquete e insinuando que as cabeças de outras crianças eram as bolas espalhadas no campo de jogo. 

O certo é, que a partir deste trabalho, eles começaram a ter uma presença forte em outros países europeus, incluindo a Itália, onde as paradas musicais nas primeiras colocações os apontavam como os melhores e também pelo fato que os artistas italianos de rock da época estavam se baseando em bandas inglesas do gênero, e no caso do Genesis, o próprio país de origem, a Inglaterra, não observava isto cautelosamente. Mais tarde, Anthony Phillips elogiou o resultado do trabalho, embora devido as suas características, não seria este tipo de coisa que gravaria com o grupo, além de Keith Emerson, que os recomendavam a todo o público que gostava de rock progressivo. Enfim, a estreia deste line-up foi muito bem recebida tanto pelo público quanto pela crítica, com músicas sempre bem elaboradas, criativas, originais, estruturadas, onde mesmo com os dois novatos na banda, a interação parecia está mais forte do que nunca.

A primeira faixa do disco é também a que ilustra a famosa capa. “The Musical Box”, uma das maiores obras prima da história do rock progressivo. A jovem Cynthia Blaise-William de nove anos, através de uma martelada de críquete arranca a cabeça de Henry Hamilton-Smythe de oito. Passado duas semanas do acidente, Cynthia vai ao quarto de Henry onde encontra uma caixinha musical que quando abre, toca uma música chamada “Old King Cole” e surge um "espectro fantasmagórico" do garotinho que vai ficando envelhecido conforme a musiquinha da caixa vai tocando e ele a vai desejando de maneira pervertida, então uma enfermeira ao notar algo estranho no quarto, vai ver do que se tratava, ao ver a cena, arremessa uma caixinha de música no velho que se insinuava para Cynthia. Com isso, Henry e a caixinha são destruídos, mas apesar de um clima meio perturbador, Gabriel saber ser sutil como ninguém em suas letras. A faixa começa com algumas notas de guitarra acústica seguida pelas primeiras frases pronunciadas por Peter Gabriel. A flauta tocada suavemente, em dueto com a guitarra, dá à música um gosto antiquado. Essa faixa em si, transmite uma sensação de mundo infantil. A música então começa a ganhar mais força com bateria e baixo pulsante, riff e solo de guitarra, além de um trabalho enérgico de órgão, a fazendo entrar no seu momento mais progressivo. Em seguida, tudo suaviza novamente por um instante antes de, pela segunda vez, a musicalidade ganhar paredes sonoras robustas. Seu final apresenta a catarse de toda a peça, a famosa interpretação de Gabriel, "Por que você não me toca? Toque-me, toque-me, TOQUE-ME. Agora! Agora! Agora! Agora! AGORA!”. É impressionante como uma música de temática tão delicada como o abuso sexual pode ser tão boa. Sempre irei me questionar em relação a isso. 

“For Absent Friends” é a faixa mais curta do álbum. Simples e extremamente linda, além de ser a primeira música da banda que a liderança vocal fica por conta de Phil Collins. Sonoridade acústica e edificante, dá ao ouvinte uma sensação de passeio no campo. “The Return of the Giant Hogweed" tem um conceito que eu definiria até mesmo como bobo, Peter Gabriel na perspectiva de um humano, narra sobre, Giant Hogweed, uma planta invasiva encontrada em morros da Rússia e trazida por um explorador britânico para o Kew Gardens, jardim botânico de Londres e que ameaça dominar a humanidade. Mas musicalmente, é maravilhosa e onde Steve Hackett usa a técnica do “tapping” pela primeira vez na sua carreira. Entrega toda uma carga obscura que é algo clássico do Genesis em sua fase progressiva. O início é pesado - para os padrões da banda - em uníssono entre Hackett e Banks, tem ótimos vocais e uma cozinha consistente. Mas o destaque mesmo está na proeminência do teclado e belas linhas de guitarra. 

“Seven Stones” é uma faixa que admito não ter me atingido inicialmente, mas que cresceu em mim com o tempo e a sua sonoridade pacífica hoje simplesmente me hipnotiza cada vez que eu a escuto. Hoje a considero, inclusive, subestimada, a melodia vocal de Peter Gabriel e as progressões acompanhantes soam dolorosas, o conceito gira em torno da lenda da terra perdida de Lyonesse, onde a letra é sobre um velho que provavelmente foi o único sobrevivente do ocorrido. Musicalmente, é bastante emotiva, possui uma introdução de Mellotron um tanto mística e requintada, além de uma orquestração por volta dos quatro minutos que é sublime. 

“Harold the Barrel” tem uma sonoridade bem Broadway, digamos assim, com um piano sendo tocado ao estilo honky-tonk. A princípio, podemos encarar a música como se fosse o alívio “cômico” do álbum. O trabalho de guitarra de fundo, apesar de sutil, também é marcante. Mas voltando a sensação “cômica”, ela vai embora quando prestamos atenção na letra, onde o tema é sobre um homem chamado Harold, dono de um restaurante e que comete suicídio. Após decepar seus dedos e servir para as pessoas em um chá, fugiu, mas passou a ser procurado por todos da cidade. Sendo visto em cima de um parapeito, todos, inclusive a família de Harold tentaram convencê-lo a não pular, mas não foi o bastante. Gabriel faz uma ótima interpretação nesta canção. Lembro até hoje quem em meus primeiros contatos com esse disco, eu achava que Phil Collins era quem fazia os vocais principais em “Harlequin”. Essa canção tem uma sonoridade onírica, flutuante, etérea e de letras que nos deslocam do mundo, estabelecendo um visual de calmaria em nossa mente. Também acústica, os vocais de Gabriel e Collins soam muito bem harmonizados. 

O álbum chega ao fim por meio de “Fountain of Salmacis”, sem dúvida alguma é um dos pelo menos três arranjos mais complicados que eles já fizeram. Aos interessados em mitologia grega, já devem ter ouvido falar em Salmacis, uma ninfa aquática que vivia em um lago. Pois bem, certa vez o filho de Hermes e Afrodite, Hermafrodito, que inclusive era muito bonito, teve a sua beleza desejada por Salmacis, mas por sua vez, ele a rejeitou, tendo tempos depois, e enquanto tomava banho no mesmo rio, sofrido um ataque de Salmacis que se enroscou nele, fazendo com que seus corpos se fundissem e eles se transformassem em um só corpo andrógino. Então que Hermafrodito lançou uma maldição no lago, fazendo com que, quem ali banhasse, também teria o mesmo destino que ele. Possui uma excelente introdução de mellotron, ótimas melodias tanto de facetas obscuras quanto em partes mais edificantes. Um rock progressivo sinfônico na sua essência, onde as linhas de baixo são bastante fortes, a bateria hiperativa, os teclados colorem a música magistralmente e a guitarra preenche bem toda a faixa, onde o seu ápice se encontra no final, criando uma atmosfera que encerra o disco lindamente. Gabriel interpreta a faixa com seu talento e teatralidade de sempre, além de acrescentar em alguns pontos uma contribuição tocando flauta. 

Pra finalizar, sem dúvida alguma, Nursery Cryme é um dos melhores álbuns de toda a história da cena de rock progressivo, um álbum onde a sua sonoridade é tão poderosa e evocativa que você não só pode ouvir, mas na verdade também "assistir" as músicas, e onde as letras, no equilíbrio maravilhoso entre fantasia e realidade, certamente trazem um valor agregado de importância incalculável. Não menos que uma verdadeira obra-prima.

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quarta-feira, 4 de outubro de 2023

O suprassumo da criatividade de Hammill e companhia.

Van Der Graaf Generator - Godbluff (1975)

Considero Godbluff, com suas quatro faixas, o suprassumo da criatividade de Peter Hammill e companhia. Tudo começou depois da banda ter dado uma pausa após terem lançado quatro álbuns em apenas dois anos. Decidiram então ficar quatro anos parados até gravarem sua maior obra prima - obviamente que falo isso em caráter pessoal. 

"Undercover Man" abre o álbum com alguns vocais tranquilos de Hammill, quase em sussurros, eles logo crescem e um órgão agradável entra na canção. Tem algo que devo mencionar logo na primeira música, o áudio deste álbum é um pouco abaixo da média, tanto na versão original de 1975 quanto na de 1988, tudo soa com certa conspurcação e qualidade não muito boa, por isso, aos mais detalhistas, é sempre bom tentar ouvir o remasterizado de 2005, quando enfim, corrigiram esse erro. Mas isso é apenas um pequeno inconveniente. Destaques para os vocais dramáticos de Hammill e também ao que acontece por volta da metade da peça, quando David Jackson entrega um grande interlúdio de saxofone/flauta que realmente ajuda na atmosfera geral da faixa.

"Scorched Earth" possui uma ótima atmosfera. Tem uma letra interessante aliada aos ótimos vocais de Hammill. Órgão e sax emotivo que tem o acompanhamento da agradável bateria de Guy Evans, além de um ritmo subjacente de guitarra solo. Sem dúvida, é uma música típica do seu repertório mais clássico, menos melodioso, mais obscuro e intrincado. Possui também um final excelente.

"Arrow" tem uma base rítmica sólida e alguns sax que nos dão a sensação de improviso. Então que entram em uma seção espacial antes dos vocais - que em minha opinião, só servem mesmo pra preencher uma lacuna de tempo, mas também não quero dizer comprometa a música -, então que a canção vai pegando ritmo lentamente. Os vocais e letras de Hammill estão em sua mais cortante e agressiva forma - ainda que soem de maneira muito compactada e o órgão seja mais dominante do que os próprios vocais. Longe de não ser uma música incrível, mas se eu fosse falar algum contra, diria que poderia ter sido mais curta. O final, porém, é grandioso, com órgãos distorcidos e modulados aliados a um solo arrojado de sax criando uma parede de som que pode ser definida como embaraçosa ao ouvinte. 

O álbum fecha por meio de, "The Sleepwalkers". Essa não é apenas a melhor música do álbum, mas sim, a epítome da Van Der Graaf Generator em si. Uma verdadeira alquimia musical, inúmeros estilos em apenas uma canção. Nada menos do que genial. Até mesmo a maneira de Hammill trabalhar é bem variável, pois canta, chora, resmunga, grita, enfim, viaja. Sem dúvida, um desempenho memorável de todos os envolvidos nessa obra de arte. Bateria, órgão, sax, clangor, tudo sob um vocal quase teatral. Um final de álbum simplesmente sensacional.

Certo que Van der Graaf Generator é um dos grupos mais inventivos da história do rock progressivo, mas mesmo assim, Godbluff se destaca dentro da inventividade da banda. Um álbum praticamente sem uso de guitarra - ou solos virtuosos de teclados pra supri-la - porém, mesmo assim é completo musicalmente e que sem sombra de dúvida pode ser colocado entre um dos discos fundamentais em qualquer coleção de amantes de rock progressivo.

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The Road of Bones é sombrio, edificante e impecável.

IQ - The Road Of Bones (2014)

Quantas bandas com 40 anos de carreira conseguem fazer com que o seu disco mais recente seja o melhor? Se essa pergunta me fosse feita em 2014, antes que o IQ lançasse seu álbum The Road of Bones, talvez eu demorasse pra responder - isso se eu respondesse. Mas desde aquele ano, após ouvir o disco, minha resposta é outra, afinal, The Road of Bones, é sim o melhor trabalho da carreira da banda inglesa.

Mas ainda assim, como nada é unânime, qualquer álbum do IQ está obviamente sujeito a uma grande gama de opiniões, que variam desde "obra-prima" até "não entendi muito bem". Mas acima disso tudo, vi nesse álbum que a banda não somente foi um dos grande nomes do neo progressivo em resposta ao "desaparecimento" iminente do progressivo clássico no final dos anos 70, como mesmo depois de basicamente quatro décadas, mostram que obras relevantes e musicalmente tão ricas quanto os "anos de ouro" do gênero ainda estão entrando em catálogo, sendo a banda um dos principais responsáveis por isso. 

Particularmente, eu sou um grande fã da banda, tirando dois deslizes seguidos no final dos anos oitenta com seus discos, Nomzamo de 1987 e Are You Sitting Comfortably? de 1989 - ambos sem Peter Nicholls no vocal -, a banda sempre foi coesa. A capa do álbum já é algo bastante condizente com a música em si, ou seja, um clima sombrio, uma tristeza melancólica sob uma névoa. Um dos principais responsáveis para que o desenvolvimento disso tudo tenha um grande resultado ficou por conta das mãos do tecladista Neil Durant que arquitetou tudo brilhantemente.

CD1:

O disco começa por meio da faixa “From The Outside In”. A música tem o seu início com a voz do ator húngaro, Bela Lugosi, que interpretou Drácula em 1931, inclusive, a frase é uma famosa dita por ele no filme, “listen to them, children of the night, what music they make”, isso junto de um som atmosférico. Então os instrumentos entram em uma explosão que faz lembrar um pouco o que a banda de neo progressivo dos seus compatriotas da Galahad fizeram nos discos mais recentes. Na abertura, nos é apresentado um Mellotron poderoso, e segue assim por toda a faixa, exceto no momento que ela se acentua mais. O baixo dessa música é extremamente profundo. Uma peça que tem um brilho melancólico incrível. É uma das faixas mais pesadas que a banda criou em toda a sua discografia, quase um metal progressivo.

A música seguinte é a que dá nome ao disco. “The Road of Bones” é uma faixa sensacional, possui um brilho moderno, partes com teclados orquestrais, baixo fretless e uma instrumentação que varia entre grande leveza e crescentes partes sinfônicas que são avassaladoras, criando uma paisagem sonora soberba.

Em 2004, dez anos antes do lançamento de The Road of Bones, a banda gravou um épico, "Harvest of Souls", para o disco Dark Matter. Aqui eu digo que gravaram uma música companheira a ela chamada "Without Walls", afinal, algo me faz uma lembrar a outra. Um épico de mais de 19 minutos. A música tem o começo por meio de uma balada que confesso ser meio chato, mas ainda bem que a musicalidade da faixa é substituída por uma levada de guitarra e bateria ao estilo "Kahsmir" do Led Zeppelin. No meio tem uma parte introspectiva criada por uma orquestração até a entrada de um violão e o vocal sereno e emotivo de Peter Nicholls. A faixa então ganha novamente uma cadencia mais excitante, até chegar em um momento que faz parecer que a peça chegou ao fim, com os instrumentos sendo executados de maneira "bagunçada" e caótica, mas então tudo volta a mesma instrumentação inicial da faixa, sim, aquele que não me agradou, mas agora, tem a vantagem de ter um som mais encorpado, com direito a um belo solo final de guitarra.

“Ocean”  eu confesso ter demorado um tempo para apreciá-la. Uma canção de clima pastoral, bucólico e atmosfera pura muitas vezes por conta do clima criado pelo teclado de Neil Durant, que é completamente influenciado por Tony Banks. Uma balada simples que vai crescendo conforme nos acostumamos com ela. Destaque também para os vocais emotivos.

“Until the End” encerra o primeiro CD de forma positiva. Após a introdução de cerca de três minutos em tom de balada, a música entra em uma crescente onde os trabalhos de maior destaque ficam por conta da bateria criativa e enérgica de Paul Cook e as ótimas linhas de baixo de Tim Esau. Mas toda a banda desempenha bem o seu papel, possuindo também um ótimo vocal, excelente ambientação criada pelo teclado e uma bela guitarra de final. Uma música que soa menos obscura que boa parte do resto do álbum, ainda que seu final seja melancólico.

CD2:

Abre com “Knucklehead” por meio de uma seção rítmica que remete a sonoridades indianas. Um dos melhores momentos da guitarra no álbum está nessa faixa, desde a parte acústica que encerra a linha indiana, até os seguidos por ideias pesadas e bom arpejo. A seção rítmica também brilha durante toda a canção. Uma peça de começo sereno e final enérgico.

"1312 Overture", o nome da faixa é uma alusão bem-humorada a peça “1812” do compositor russo PyotrTchaikovsky (1840 – 1893). Uma curta faixa instrumental em que Neil é o maior destaque criativo, nos brindando de maneira ímpar com um teclado que por si só vale por toda a música. Não é complexo, mas é belo e progressivo.

“Cosntellations” sem dúvida alguma é um dos melhores momentos do álbum. Já no início, carrega uma excelente percussão e Mellotron. Poucas vezes, durante toda a carreira da banda, nota-se um grupo com o grau tão elevado de inspiração. Os vocais de Nicholls estão no seu ápice de beleza e emotividade, compelido para a grandiosidade e excelência novamente dos teclados, esses por sua vez, impulsionados por linhas de baixo corpulentas e uma condução rítmica sensacional de bateria. Holmes que até então só havia feito uma guitarra tímida, finalmente brilha junto dos demais músicos pra compor um som que já nasceu com status de clássico. Com claras influências de Genesis, a banda atingiu um apogeu musical como poucas vezes foi visto durante sua rica carreira. 

O álbum segue agora com a belíssima, "Fall and Rise". Uma balada sublime em que Tim brilha com o seu baixo fretless por meio de linhas maravilhosas entrelaçadas com a bateria sinuosa de Cook. No meio da faixa, Holmes mostra o quão bom também é no violão em um solo simples, mas ao mesmo tempo, de bastante feeling, bem no estilo guitarra espanhola e que casa muito bem com os vocais de Nicholls. Outra vez os teclados de Neil Durant são excepcionais.

"Ten Million Demons" é mais um dos momentos arrepiantes do álbum. Começa isoladamente com um baixo encorpado - esse começo sempre me lembra "One of These Days" - que logo ganha a companhia dos demais instrumentos. O que Neil Durant faz nessa música é sublime, as progressões de acordes escolhidas pelo tecladista são maravilhosamente deliciosas de ouvir. Se existe alguém que faz que essa música seja da grandeza que é, com certeza essa pessoa é o Sr. Durant. Sempre com nítidas influências em Tony Banks, mas sabendo se apresentar de forma singular. Ouvi-la com um fone de ouvido e luzes apagadas é uma forma mais barata de viajar pra fora de órbita.

"Hardcore" é a faixa que finaliza o álbum. Uma sonoridade triste e gótica, fazendo lembrar o compositor clássico alemão Wagner, mas claro, dentro de um contexto progressivo, injetando uma carga sombria na música. Destaque também para o uso do mellotron, executado de forma melíflua. O álbum finaliza com sua música mais fúnebre. O baixo de Tim tem um breve momento solo, sempre carregado com notas tristes. Holmes faz uma mescla entre duas de suas influências, Steve Hackett e Anthony Phillips pra compor um lindo final acústico para o álbum.

Ao contrário do que costuma acontecer com muitas bandas com bom tempo de estradas, o IQ lançou seus melhores álbuns a partir dos anos 2000. A produção, o som, a qualidade das músicas, enfim, tudo ficou impecável. Vida longa a uma banda que depois de tanto tempo de estrada não se acomoda, mas procura de fato fazer sempre algo melhor do que o que foi feito anteriormente. Indispensável.

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terça-feira, 3 de outubro de 2023

Um dos mais complexos e desafiadores trabalhos da banda.

 Gentle Giant - The Power And The Glory (1974)


Entre tantas pérolas lançadas pelo Gentle Giant em tão pouco tempo, existe aquela que brilha mais do que as outras na visão desse que vos escreve e se chama The Power and the Glory. Um verdadeiro petardo e aula de uma banda trabalhando como banda. Não existe um destaque senão o trabalho como um todo. 

O álbum começa de maneira fantástica, "Proclamation" tem uma grande melodia e uma composição relativamente complexa, seu início traz um som único de órgão executado de forma discreta, seguido pela voz inconfundível de Derek Shulman e depois pela linha de baixo muito bem cadenciada pelo seu irmão Ray Shulman. Uma abertura que define perfeitamente bem o tom geral da faixa. Também gosto bastante da maneira como Derek a canta. Tem uma grande mistura entre tons altos e baixos. A música flui muito bem com teclados e baixo fazendo o papel principal.

"So Sincere" tem uma maneira bem discreta de fluir, com influência significativa de música de vanguarda. Desta vez, quem domina a canção é o violino e violoncelo, com alguns preenchimentos de guitarra e piano. Um dos momentos mais interessantes da faixa é quando é cantado, "So Sin-Cere", dá pra perceber que todos os instrumentos são tocados em multi direções, mas eles ainda assim mantem toda a harmonia global. Uma composição brilhante, mesmo que não seja vista com bons olhos por muitos fãs da banda, eu gosto bastante do resultado final obtido aqui.

A terceira faixa, "Aspirations", tem um estilo balada, mas construído na veia prog. É uma ótima música, relativamente suave com o som do teclado. É uma faixa de letra bastante positiva, de frases como, "quando a poeira baixar, veremos todos os nossos sonhos se tornando realidade". Ótimo trabalho. "Playing the Game", falando grosso modo, é um progressivo da gema, desde os seus vocais. Ela tem todos os elementos que a música típica prog sempre teve: dinâmica, relativamente complexa e mudanças de tempos incomuns. Mais uma vez, trata-se de uma faixa que tem como abertura um som de teclado estranho, mas acompanhada por uma linha de baixo brilhante. Falando nele, sempre que eu escuto essa música, percebo o quão dinâmico é tocado o baixo ao longo de todo os segmentos. Tem um ritmo relativamente otimista com algumas quebras agradáveis. A quinta faixa, "Cogs in Cogs", é outra excelente trilha, com uma introdução onde todos os instrumentos são tocados simultaneamente e seguido pelo estilo único de vocal encontrado na banda. Como é de costume, aqui também encontra-se uma grande variedade de andamentos, mas sendo executados sempre de maneira magistral pela banda, nunca se perdendo. 

No God's a Man" é uma faixa melódica, podendo ser equiparada até a algo na veia de "Aspirations", mas é um trabalho mais complexo. Possui grandes solos de teclados, clavinete e guitarra. "The Face" é uma faixa edificante, com grande harmonia preenchida por meio de violino, violoncelo e violão, sendo todos tocados de forma extremamente habilidosa por Ray Shulman. Pouco mais de quatro minutos de puro swing e musicalidade deleitosa. "Valedictory" é um prog rock direto, fortemente influenciado pelo hard rock daquele período, abre com um solo de bateria e guitarra. A música, então, flui bem quando é adicionado a linha vocal. Desta vez, a voz é realizada num tom alto e novamente em um desempenho de alta performance.

Com certeza, The Power and the Glory é um dos mais complexos e desafiadores trabalhos do Gentle Giant, cada faixa é bem posicionada e garante um prazer único ao ouvinte que se permite viajar em seu som. Cada membro contribui de maneira ímpar com o seu talento para a construção de um dos mais incríveis álbuns de rock progressivo já criados.

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Um álbum belíssimo e de narrativa extremamente condizente com sua musicalidade.

Anubis - A Tower Of Silence (2011)

A Tower os Silence é o segundo álbum dos australianos da Anubis. Como é costume da banda, a música é liderada principalmente por fortes guitarras e sintetizadores. Às vezes, com assinaturas de tempos complexos e outras vezes a melodia domina com uma progressão de acordes mais simples. O álbum possui paisagens sonoras de temas pungentes e também gloriosas e longas pausas instrumentais. A banda agracia o ouvinte com uma variação de tons tensos e menos tensos sob uma atmosfera sonora que varia o estilo entre o de bandas clássicas sinfônicas e bandas de neo progressivo.

O álbum é conceitual, onde o tema é sobre uma garota de 11 anos que viveu e morreu em um asilo para menores na Inglaterra do século 19, estando agora presa em um limbo. Então que muitos anos depois, um grupo de adolescentes invade um dos edifícios abandonados, mais precisamente na parte das enfermarias e começam uma sessão de um jogo, levando à aparição da garota, que passa a contar sua vida, morte e sua incapacidade de passar para qualquer forma de vida após a morte. O álbum pode servir como metáfora sobre qualquer tipo de aprisionamento, seja depressão, perda ou doença terminal. O tema de ser apanhado entre dois lugares no desconhecido é o conceito central. No caminho, o álbum aborda a alienação, a divisão social entre ricos e pobres e até mesmo o próprio conceito de vida após a morte.

Começa com "The Passing Bell', música que traz uma avalanche de estruturas magníficas, cheias de momentos ímpares e fluindo de maneira orgânica, abrangendo muitas ressonâncias emocionais. Particularmente, adoro a forma como a faixa muda os seus segmentos. Algumas passagens nos fazem remeter a King Crimson, outros momentos mais suaves à Pink Floyd, coros ao estilo Genesis, enfim, mas sempre soando da sua maneira e não apenas emulando esse e/ou outros grandes medalhões. Todos os instrumentos são executados de forma inspirada sob um vocal bastante emotivo. Mas vale destacar principalmente o momento em que uma guitarra gilmouriana toma a frente em um solo lindo sobre um belo piano.

"Archway of Tears" começa com um delicioso trabalho acústico, possui uns vocais limpos, apaixonados e vibrantes. Tem clara influência em bandas de neo progressivo como IQ, Arena e Pendragon. Frases acústicas casam muito bem com o Mellotron. Música de cadencia simples e de ótimo resultado final.

"This Final Resting Place" é uma música de melodia forte. Um órgão faz excelente cama de fundo. A faixa possui um som dinâmico que é gerado utilizando várias camadas instrumentais, desde o já citado órgão, aliado a outros timbres de teclas e uma guitarra poderosa. Trata-se da música do álbum com maior reflexão sobre a morte.

"A Tower of Silence", música homônima ao álbum, é uma faixa melancólica, com letras fortes sobre a tragédia da morte e do espírito que olha em silêncio para fora de sua torre, invejando os seres humanos que vivem. Inicia por meio de um piano muito bonito, a guitarra sobre um órgão exuberante também dão o tom, enquanto a percussão vai se moldando. Possui mudança de camadas de picking guitar e sintetizadores acústicos. A letra é sobre a forma que lidamos com a dor e como o tempo tem o poder de ameniza-la. É uma faixa de musicalidade bem dentro do conceito do álbum, onde sentimos a tristeza e reflexões de um espírito que está preso em uma tumba sepulcral e não é capaz de detectar os sentidos humanos. Uma canção assombrosa que tem o poder de crescer cada vez mais em quem a ouve.

A faixa mais curta do álbum é "Weeping Willow". Carrega bela musicalidade, harmonias suaves e melodia extremamente agradável, principalmente por parte dos vocais quando cantados em camadas. Também traz uma sonoridade espacial pontuada por uma guitarra acústica e teclados atmosféricos. "And I Wait for my World to End" inicia com uma sonoridade espacial e que logo dá início a um forte riff de guitarra, baixo pulsante, além da bateria enérgica em um tempo incomum. Tem uma melodia memorável em uma ponta incrível, com guitarra distorcida, além de um vocal aos moldes Roger Waters em seus momentos mais "maníaco" de cantar. O refrão gruda facilmente na cabeça. 

"The Holy Innocent" é uma música de mudança métrica com um ritmo constante. Aqui é um lamento da protagonista implorando desesperadamente por ajuda devido ao fato de não conseguir ouvir uma voz que a chame e a leve pra um lugar melhor, somente conseguindo permanecer paralisada. Possui um piano lindo unido a guitarra igualmente bela que cria uma atmosfera extremamente melancólica. Em determinadas partes, a música carrega uma mistura de Porcupine Tree com IQ. Sobre essa instrumentação forte, há vocais emotivos de uma personagem que está presa e enterrada pra sempre em um mundo agoniante. A música termina com um solo sensacional de saxofone, levando a faixa para outro nível, trazendo sem sombra de dúvidas a parte mais bela de todo o álbum, transformando essa canção em um clássico da banda. A forma como o saxofone e teclado vão desaparecendo, remete um pouco ao usado pelo Pink Floyd em Money.

O álbum finaliza com a faixa "All That Is". É uma suíte dividida em três partes. A primeira, "Light of Change", tem como instrumento dominante o Mellotron, até que entram riffs mais acentuados de guitarra e uma bateria esporádica. Também possui vocais reflexivos e órgão hammond que complementam bem a música, além de sintetizadores oníricos que conduz a faixa para a segunda parte. O segundo capítulo, "The Limbo of Infants", é a parte mais simples, possui uns vocais de boa cadência e enérgicos, pouco depois a música sofre outra quebrada pra que entre na última parte. "Endless Opportunity" finaliza a faixa e o álbum, possui ótimas entonações corais, lindas harmonias em crescente, fazendo desse final algo espiritualmente edificante. Ótimo solo de guitarra seguido de um belo coral. Tudo soa como se finalmente os anjos tivessem chegado e libertado o espírito sepultado.

Um álbum belíssimo e de narrativa extremamente condizente com sua musicalidade. A Tower of Silence é uma peça clássica de rock progressivo sinfônico moderno.

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segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Um disco que fornece uma jornada por meio de várias facetas de composições do rock progressivo, mostrando, principalmente, o lado menos sério e mais acessível.

Flying Colors - Flying Colors (2012)

Confesso que inicialmente, minhas expectativas eram bastante altas em relação ao resultado deste disco, afinal, o elenco se tratava de uma gama luminária de músicos da escola progressiva, mas assim que eu ouvi pela primeira vez suas músicas, não foi nada do que esperava e senti até um pouco de frustração. Mas como em muitos casos, podemos começar a mudar de opinião por meio de um gosto adquirido, fui escutando mais algumas vezes, e quer saber? Não me arrependo nenhum pouco disto. Talvez minha primeira birra tenha sido pelo fato de que apesar da banda conter instrumentistas renomados no meio do metal progressivo, rock progressivo e jazz, tudo soava um tanto pop demais pro meu gosto - nada contra o pop, apenas não o esperava aqui -, provavelmente mais por culpa do vocalista Casey McPherson.

A música é bastante acessível e a ampla gama de influência dos envolvidos tem a capacidade de confundir a cabeça até mesmo dos mais ecléticos. Mas apesar de tanta variedade, no fim das contas, tudo soa coerente, não se trata de um monte de retalho grudado de qualquer maneira em uma cama melódica, existe uma organização. Outro ponto importante, é como eles se entrosaram em tão pouco tempo tocando juntos, afinal, tudo funciona extremamente bem, performances excelentes e uma produção cristalina, além das composições serem bastante fortes e versáteis. Ok, mas nem tudo são flores e alguns pontos do disco que deixa desejar.

No começo do álbum, o ouvinte é envolto de uma atmosfera relaxante logo no início de “Blue Ocean”, quando após uma brincadeirinha no estúdio seguida por uma forte linha de baixo que vai definir o ritmo da música, a banda entra junta de maneira enérgica e cativante. Os vocais são ótimos e possui um refrão excelente, uma das melhores peças do álbum. “Shoulda Coulda Would”é um rock and roll pesado daqueles pra balançar a cabeça logo nos seus primeiros acordes e que são carregados de grande energia. Novamente, possui ótimos vocais e refrãos. A cozinha bateria/baixo coloca o concreto necessário na parede melódica para que haja as pinceladas de guitarra base, solo e teclado.

 “Kayla” tem um início suave e acústico antes das belas primeiras frases vocais de Casey McPherson. Certamente, uma das melhores e cativantes músicas do álbum. Impressionante como esta banda tem o poder de fazer ótimos refrãos, aqui ele soa viciante e mostra o quanto um meio desconhecido McPherson é um grande vocalista. Muito bem arranjada, Steve Morse acrescenta um solo de guitarra bastante requintado, a música então suaviza com umas brincadeiras vocais, antes de retornar novamente à guitarra de Steve com um solo limpo e polido. O refrão regressa até que a música chega com a mesma linha acústica que foi apresentada no início. “The Storm” é uma balada que começa quase silenciosa, mas acaba crescendo um pouco no seu refrão. Sinceramente, não diz muito a que veio. Não é exatamente uma música ruim, mas ela me lembra uma  trilha sonora de filme teen da Sessão da Tarde. Mesmo o solo de guitarra que às vezes pode tirar músicas assim do limbo conseguiu algo dessa vez, é técnico, é bonitinho, mas somente isso. 

“Forever in a Daze” é  mais um dos pontos fortes do álbum. Começa com alguns riffs simplórios de guitarra, mas logo bateria e um baixo matador também vão de encontro à música. Um pop rock bastante envolvente e de vocais fortes que edificam o ânimo da canção. O baixo realmente é o maior destaque. “Love is What I'm Waiting For” é um dos momentos mais pop do disco, embora isso não teria problema algum, mas infelizmente, não possui uma grande melodia que a justifique. Um refrão meloso e o solo de guitarra em nada consegue agregar ao conjunto da obra algo muito relevante. Uma música até animada, mas não merece muitos replays.

Em “Everything Changes” parece que estamos diante de uma música do Neal Morse, certamente os fãs do músico vão adorar esta. Começa melosa e possui outros momentos mais intrincados. Os vocais são bastante emocionais tanto por parte de Casey McPherson quanto os de Neal Morse. Steve Morse presenteia a canção com um solo maravilhoso. Baixo e bateria são simples, mas conseguem direcionar muito bem a música. Linda canção. 

“Better Than Walking Away” é mais uma das músicas que começa bastante serena. Primeiramente uns “choros” de guitarra, a voz então entra e ao fundo podemos notar um violão acústico, além de lindos toques de órgão. Os vocais combinados de McPherson por cima tendo o de Neal por trás são bem emotivos. A bateria então redefine o ritmo da música, continuando muito bem arranjada com belos teclados e boas linhas de baixo, o refrão agora está cada vez mais imponente, pois diferentemente do primeiro, aqui possui uma gama maior de instrumentos o abraçando. Steve Morse deixa mais uma vez sua marca com um solo que acrescenta uma grande dignidade musical. 

“All Falls Down” possui um começo o qual eu confesso ter me assustado inicialmente. Um metal progressivo que aparece assim tão de repetente com uma bateria matadora, linhas de baixo cavalares, solos de guitarra nervosos e selvagens. Os vocais também seguem a linha metal, mas nos refrãos é onde eles ganham mais força, às vezes, fazendo parecer com os utilizados por bandas nórdicas de power metal. Uma faixa extremamente empolgante. 

“Fool in My Heart” é a faixa que tem Mike Portnoy nos vocais, algo que sinceramente, nunca me agradou muito, suas aparições nos vocais de apoio do Dream Theater sempre achei desnecessárias. Mas aqui, até que ele surpreendeu - não que a música também tenha feito isso também. Uma introdução bonita de guitarra e então peça ganha companhia de uma bateria tranquila. A música é uma balada que não diz muita coisa e de refrão meio enjoativo - mesmo com a ajuda de Neal Morse -, mas de qualquer forma, tem um solo de guitarra que a deixa com uma qualidade ao menos um pouco maior. 

“Infinite Fire”, com pouco mais de doze minutos é o épico do disco. Raramente músicas desta natureza começam sem uma instrumentação atmosférica e aqui não é seria diferente. Mas logo, todos entram juntos, nesta hora, Steve Morse faz um solo bem melódico para a introdução. Sem sombra de dúvidas, é a música mais progressiva do disco, podendo agradar até fãs de progressivo mais exigente. Ótimo trabalho de guitarra, teclados/órgão incríveis e uma seção rítmica de tirar o fôlego. Novamente, parece mais uma música tirada de um disco do Neal Morse. 

Talvez não seja um disco para os mais radicais por conta da sua tendência pop e produção moderna, mas se você não se preocupa com nada disso, está na hora de conhecer esse ótimo álbum deste projeto. Um disco de musicalidade intensa, composições interessantes, músicas facilmente reconhecíveis, mas também mais profundas do que a variante do pop usual dentro do rock progressivo. Este disco fornece ao ouvinte, uma jornada por meio das várias facetas de composições do rock progressivo, mostrando principalmente o lado menos sério e mais acessível. 

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Extremamente agressivo e bastante dissonante.

Il Balletto di Bronzo - Ys (1972)

Excelente, mas nada fácil, talvez assim seja a melhor maneira de descrever a música encontrada no disco, YS, segundo dos italianos da Il Balletto Di Bronzo. O disco é conceitual baseado em uma lenda medieval da ilha de YS, coberta pelas águas do oceano e submersa para sempre, que relata a história do último homem na Terra e que tem o dever de encontrar algum indivíduo ainda vivo, mas depois de dificuldades, suas forças vão deixá-lo e ele acaba eventualmente e tragicamente desaparecendo na escuridão. Tudo é feito em um incrível desenvolvimento teatral de atmosfera sombria e variação de humor sonoro que vai do jazz-rock e avant-garde para o sinfônico e clássico em um piscar de olhos, mas sempre de forma bem cadenciada. 

Quando alguém nos pede pra criar uma imagem que caracteriza o rock progressivo italiano 70's, a primeira coisas que nos vem em mente é algo de musculatura forte, sinfônica, melódica, provavelmente algumas influências em bandas como Genesis e Emerson Lake & Palmer, algumas atmosferas pastorais e vocais tradicionais e emotivos como costuma ser. Isso pode servir pra infinitas bandas, mas Il Balletto di Bronzo não entra nesse meio, pois trata-se de uma banda muito pouco em comum com este estereótipo. 

YS é extremamente agressivo, além de bastante dissonante, quase nenhuma reminiscência sinfônica nas bandas supracitadas. Digamos que Il Balletto di Bronzo soa exclusivamente como Il Balletto di Bronzo e nada mais que isso. Uma fusão psicodélica ao melhor estilo Jimi Hendrix, hard rock, alguns elementos jazzy e a forma mais original, digamos assim, da linha progressiva italiana. Tudo é bastante insano e alucinante. 

O começo do disco é por meio do épico, "Introduzione", a faixa abre com suaves vozes femininas, seguido por longos acordes de órgão, até que Gianni Leone começa a desenvolver a história lentamente. A música então logo entra em uma “quarta marcha”, aumentando completamente o ritmo. Possui bastante tensão e agressividade, ficando cada vez mais intensa durante seu desenvolvimento. Guitarra explosiva e melodia que progride mostrando vários aspectos. Uma composição esmagadora e que poderia ser usado muito mais caracteres para uma melhor explanação, mas com pouco se resume e atiça a curiosidade. 

“Primo Incontro” é uma continuação da última sessão de “Introduzione”. Tem uma linha barroca e uma guitarra de poder ofensivo que avança muito bem. Os vocais são sólidos e consistentes. A faixa é executada em uma sintonia digna de grandes mestres virtuoses, mas sem perder sua aura sentimental que a deixa condizente com o momento do enredo. 

“Secondo Incontro” começa com uns gritos à capela que segue pra um ataque instrumental, sendo depois silenciado apenas por vocais sobre acordes de teclado. A música segue em uma linha de bonança e tempestade, vocais sobre arranjos atmosféricos e mudanças de ritmo para algo mais pesado e jazzístico. O fluxo que esta faixa se cadencia não é sensacional. 

Sem nem meio segundo pra uma respiração em relação a faixa anterior, “Terzo Incontro" já emenda sendo introduzida por uma linha de baixo. A guitarra elétrica se desloca em modo solo contínuo, embora todas as suas notas estejam sendo presas em um efeito eletrônico chiando fortemente e oscilante enquanto, baixo, bateria, piano, órgãos e vocais dão forte melodia a música, este último em um “boom boom” que dentro das letras simbolizam anjos. Baterias jazzísticas, queda instrumental com ponte vocal e “alucinações” soando um pouco como Emerson, Lake & Palmer.

“Epilogo” abre em ritmo vertiginoso com destaque principalmente ao ritmo mantido pelo baixo e bateria. Guitarra elétrica e outros sons elétricos de teclado e órgão são introduzidos com uma nova base de ritmo de estilo militar. As interjeições instrumentais intermitentes e sincopadas continuam enquanto o vocalista parece atuar estressado. Quando ele finalmente começa a cantar, ele parece tão cansado, talvez derrotado. Enquanto isso, a música desenha algo que acontece em melodia de cores tristes. Nesta atmosfera, a música segue por cerca de cinco minutos até piano e bateria começar a “duelar” loucamente, vozes angelicais cantam em uníssonos como quem encoraja alguém a vida. No fim, vozes flutuantes finalizam de maneira arrepiante o disco. 

Confesso nunca ter compreendido bem esse final. Nosso personagem entrou ao Purgatória? Tem a ver com vida após a morte? Gianni Leone com certeza saberia responder, mas talvez ele seja a favor da mesma coisa que eu, ou seja, a  criação de discos conceituais de fáceis interpretações de conceito e de final aberto a imaginação de qualquer ouvinte que se interesse por viajar. 

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domingo, 1 de outubro de 2023

Uma divertida mistura de jazz rock, conjunto de metais e um rock progressivo que além de paisagístico, também é profundo.

Samurai - Samurai (1971)

O disco de estreia autointitulado da banda inglesa, Samurai, lançado em 1971, também foi o único gravado pelo quinteto, que ainda tinha o auxílio de mais dois convidados nos metais e flauta. A banda consegue combinar muito bem uma sonoridade jazzística com linhas puramente progressiva. Com bons fones de ouvidos, o disco parece conseguir me levar para dentro de algum pub obscuro da Inglaterra do início dos anos 70.  

A banda contava com, Tony Edwards (guitarra e violão), Lennie Wright (vibrafone, percussão e produção), Kerry Beveridge (bateria e percussão), John Eaton (baixo), mas certamente o seu nome mais conhecido é o de Dave Lawson (órgão, piano, teclados e vocais), que se juntaria ao Greensland após esse lançamento e o fim do grupo.  

“Saving It Up For So Long” começa por meio de um baixo isolado que logo ganha a companhia do restante da banda, criando um arranjo de rock psicodélico, além de algumas pinceladas jazzísticas. Conforme a peça vai passando, também fornece algumas mudanças atraentes. Mas o que realmente domina a música, certamente é a psicodelia. “More Rain” é uma faixa muito mais suave e atmosfera quase onírica. Adoro os trabalhos principalmente de percussão e flauta. Mais uma peça encharcada de psicodelia, mas com boas doses de jazz. “Maudie James”, parece inicialmente seguir a mesma atmosfera da anterior, mas logo ganha a sua própria imagem, se tornando muito dramática e poderosa. Conforme vai se desenvolvendo, apesar de manter a sua natureza jazzística, também é acrescida de um peso diferente. O trabalho de saxofone é requintado e delicioso de ouvir. Com certeza, é um dos melhores momentos do disco. A música é uma homenagem à modelo de mesmo nome e que teve o seu auge no final dos anos 60 e começo dos anos 70.  

“Holy Padlock”, o começo é feito por meio apenas de um arranjo de piano e trompa. Então que peça muda de direção e entrega uma música mais enérgica. A seção rítmica é excelente, principalmente o baixo que fica bastante evidente em alguns pontos. Os metais, como sempre, estão ótimos. Ainda há um solo de órgão muito curto, porém, bem eficaz e apropriado. “Give A Little Love” não possui a mesma sonoridade polida que a banda estava entregando até o momento, aqui há algo mais visceral. A seção rítmica é pulsante, a guitarra entraria tranquilamente em algum disco do Frank Zappa, o solo de órgão e o de sax também são excelentes.    

“Face In The Mirror” é mais uma música que começa com atmosfera muito mais roqueira. A peça vai seguindo em uma melodia constante, até que suaviza e o rock dá lugar para um jazz liderado por saxofone até os vocais entrarem pela primeira vez, com isso, o tom jazzístico encontra algumas vibrações progressivas, mas principalmente psicodélicas. Gosto principalmente dos seus momentos mais enérgicos, onde possui algumas linhas ácidas de guitarra, o órgão é sempre robusto e a seção rítmica bastante sólida. “As I Dried The Tears Away”, uma introdução suave logo é interrompida por uma breve instrumentação que lembra a primeira fase do King Crimson. Com mais de 8 minutos de duração, é a mais longa do disco. Há uma grande variação e mudanças por meio de uma jornada musical poderosa. Tem jazz rock, rock progressivo e até mesmo algumas pitadas de música de vanguarda, porém, apesar disso, tudo se mantem dentro de muita coerência, encerrando o álbum de maneira brilhante e com a sua melhor faixa.  

Samurai não foi uma banda que deixou uma herança musical volumosa, mas seu único disco, é de um material recomendadíssimo. Formada por guerreiros musicais, dedicando-se com toda a força de vontade e determinação de um piloto kamikaze que se prepara para a sua primeira e última missão, a banda fornece uma divertida mistura de jazz rock, conjunto de metais e um rock progressivo que além de paisagístico, também é profundo.  

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quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Prog folk encharcado de psicodelia.

Jan Dukes De Grey - Mice And Rats In The Loft (1971)

Jan Dukes de Grey  certamente é uma das bandas mais subestimadas da história do rock progressivo. Formada em 1969 apenas como um duo, foi uma das últimas bandas de rock progressivo a ter assinado com a gravadora Decca. Falei o nome da gravadora, pois essa ficou famosa por ser o selo que recusou os Beatles, quando ainda lá nos seus primórdios, os garotos de Liverpool mostraram-lhes algumas músicas para teste.

Lançaram apenas dois trabalhos, o primeiro, Sorcerers, foi um álbum de folk ácido típico, não particularmente inovador, mas apresentou os talentosos multi-instrumentais, Michael Bairstow e Derek Noy., porém, foi um disco de pouco impacto.  Mas a sua maior obra, com certeza era o que estaria por vir. Já como trio, após a entrada do baterista Denis Conlan, lançaram o álbum Mice and Rats in the Loft. Composto por três longas músicas encharcadas de psicodelia, soava mais livre e improvisado que o seu trabalho anterior. Muito mais inclinado pra música progressiva - prog folk especificamente. Uma enorme variedade de instrumentos. Entre algumas influências, se pode notar a mistura entre Jethro Tull com pitadas de Incredible String Band. Infelizmente, o álbum teve pouco sucesso, visibilidade e o grupo não conseguiu continuar e teve que se dissolver alguns anos após esse brilhante lançamento.

A primeira e maior faixa do álbum, contendo dezenove minutos é "Sun Symphonica". Começa com um fantástico tema folk acompanhado por vocais excêntricos, mais linha de baixo com bom groove. Depois de dois minutos de música, a calmaria cede espaço e a sonoridade frenética, ácida, freak, folk que faz o ouvinte que conhece a banda Magma até remeter esse som a eles. Após essa passagem instrumental que também possui um ótimo solo de violão, a banda novamente cai em uma calmaria vocal, antes de mais uma vez crescer de novo com a sua sonoridade folk dentro do sobe e desce que a música se cadencia. Seções instrumentais sempre compostas com veia bastante psicodélica. Por volta de seis minutos, é quando aparecem alguns elementos sinfônicos, assim como algumas partes de cordas que são realmente impressionantes e que agregam o resultado final do som. Os vocais quando reaparecem, se comportam de maneira bem menos alegre, fazendo quem escuta a música esquecer como foi que tudo começou. A letra entra em reviravolta, tendo como base agora vários temas obscuros e descrições sinistras. Uma espécie de pseudo-zeuhl retorna com a música após essa parte. A linha final da faixa é composta inicialmente por vocais carregados de lamentos e depois vai se transformando em uma verdadeira aberração psicodélica, com todos os tipos de instrumentos e sons em camadas um por cima do outro tendo como pano de fundo a base de um baixo repetitivo. Sem sombra de dúvidas um dos grandes épicos negligenciados da história do rock progressivo e que qualquer admirador do estilo deveria conhecer.

"Call of the Wild" começa com muito menos loucura que a sua antecessora, com uma extrema influência em Jethro Tull, soa muito por meio de algumas excelentes harmonias vocais que criam uma sonoridade folk que tem um resultado muito bonito. A música inclui vários intervalos entre vocais e inconstância de solos de guitarra e flautas insanas que variam de padrão folk acústico para algo mais sombrio. De fato, boa parte do meio da faixa tem uma seção instrumental que parece que foi realizada em uma única guitarra, sendo impressionante o quanto a banda é capaz de arrancar uma sonoridade encorpada a partir de um - ou no máximo dois -  instrumentos tocando desacompanhado. Tal como a primeira faixa, no entanto, são os últimos minutos que realmente brilham se você está procurando música psicodélica freak-out. Dedilhar sombrio e frenético de guitarra, é o que temos como carro chefe do final da canção, mas novamente, todos os tipos de instrumentos aparecem nesta seção final. "Call of the Wild" pode não ser o épico magistral que "Sun Symphonica" é, mas ainda é uma viagem de folk executada na base de muito ácido, como era de costume na época.

A faixa título, "Mice and Rats in the Loft", é de longe a mais obscura e estranha entre as três. Começando com um barulho de sirene estridente, mas rapidamente se aprofundando em um ritmo incomum, contém alguns vocais bastante nefastos e traz seções instrumentais muito estranhas. É a música de estrutura menos rebuscada do álbum - embora ainda seja bem distante de ser considerado simples -, mas é, provavelmente, também a faixa mais visceral e intensa entre todas elas.

Uma banda esquecida, ou pior, desconhecida, um disco pouco mirado, mas com certeza uma obra sensacional, sobretudo, aos amantes do prog rock caído mais pro folk, na linha principalmente do Jethro Tull. Mas nesse caso, com muito mais experimentalismo e psicodelia. Um verdadeiro pecado Mice and Rats in the Loft ter sido apenas o álbum de uma banda que não vingou. Sorte da música ser algo atemporal e que cedo ou tarde, a arte pode ter o seu valor reconhecido.

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Welcome To The Freakroom entrega um rock progressivo despretensioso, divertido e agradável

Shadow Circus - Welcome To The Freakroom (2006)

Há um tempo, eu havia visto o nome dessa banda em alguns lugares, assim como algumas vezes já me pediram pra ouvi-la e eu por algum motivo não tinha tanto interesse assim em fazê-lo. Então que, finalmente, decidi ouvir os seus três discos, sendo, Welcome To The Freakroom, o primeiro deles e lançado em 2006. 

O disco abre com uma faixa homônima ao nome da banda, “Shadow Circus”, uma música com melodia meio circense que começa a diminuir a intensidade enquanto que o Mellotron entra em crescimento introduzindo uma explosão de teclado que lembra o estilo do Clive Nolan. Essa música é muito bem desenvolvida e serve não apenas como introdução ao álbum, mas também à banda. Ótimo começo. 

“Storm Rider” começa com um teclado forte que logo ganha a companhia da bateria, os vocais devo admitir que soam um pouco estranhos, mas ainda assim, combinam bem com a música. Ela se desenvolve de maneira rápida e vibrante, com boas mudanças de andamento e uma linha de piano incrível, além, claro, de guitarras fortes como manda o figurino das bandas de rock progressivo estadunidenses. Vale ressaltar também, o refrão, que tem uma espécie de atmosfera country progressiva - pode parecer estranho, mas basta ouvi-la pra me entender o que eu estou falando. 

“Inconvenient Compromise” começa mostrando que será uma faixa mais pomposa, a banda nos toca com tudo o que têm, mas depois tem uma mudança radical, entra uma seção que faz lembrar um pouco o Yes no disco Going for the One, mas antes do ouvinte se acostumar com a música, ela proporciona novamente uma mudança que a leva a um território mais suave e melódico, apenas como ponte pra nova mudança pra uma linha mais hard rock liderada por bons vocais. Isso é, o que eu considero exatamente o rock progressivo, mudanças constantes e ao mesmo tempo mantendo o controle do que está acontecendo. Uma música brilhante. 

“Radio People” é a música que faz o papel de momento cativante do disco. Fornece um órgão quase psicodélico, mas apesar de alguns excessos - que particularmente eu inclusive gosto -, temos uma boa faixa de hard rock. Não tem nenhuma complexidade - principalmente se comparada com a peça anterior -, mas ainda assim é muito boa e possui arranjos excelentes. 

“In The Wake Of A Dancing Flame” começa com um órgão atmosférico, seguido por guitarra e bateria suave que juntos funcionam muito bem como uma espécie de power ballad meio orientada para a música psicodélica, principalmente por conta dos teclados que parecem terem sido tirados dos anos 60. O trabalho de guitarra também combina perfeitamente. Essa faixa é muito boa e novamente eu sinto um pouco de Southern rock no som da banda, acho que apesar de serem uma banda de rock progressivo, esses caras também gostam de apreciar o rock do sul do seu país.

“Journey Of Everyman” é a faixa mais longa e que também que encerra o álbum. Dividida em três partes, foi baseada no romance O Talismã, escrito por Stephen King em 1983. Antes de ouvir esse som, eu falei pra mim mesmo, que eles reservaram o melhor para o fim. Começa com um bom solo de piano até que a banda explode com uma seção de guitarra e teclados que tocam no limite entre o sinfônico e o hard rock. Então, o ouvinte pode esperar qualquer coisa em relação ao que está por vir, moogs, Mellotron, violoncelo, tudo que seja capaz de tornar o rock progressivo algo tão incrível. Sempre que há alguma mudança de andamento, elas são dramáticas, mas sem perder a continuidade. Esse é o tipo de música feita por uma banda do século XXI com potencial pra satisfazer até mesmo o amante mais saudosista e exigente de rock progressivo 70’s. Do começo ao fim, uma viagem onde à música é extremamente condizente com a narrativa. 

Welcome To The Freakroom é um disco essencial para qualquer amante de rock progressivo sinfônico que não tem problema com a escola mais moderna do gênero. Musicalmente impressionante, a banda não aborda um virtuosismo instrumental intimidador, uma confusão lírica ou complexidades composicionais, mas mostra com maestria que a música progressiva não precisa ser séria o tempo todo. Welcome To The Freakroom entrega um rock progressivo despretensioso, divertido e agradável.

Contato: progrocksociety85@gmail.com

quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Um disco moderno de rock progressivo italiano, mas que soube capturar de forma original a vitalidade e criatividade que tornaram os anos 70 tão incríveis.

Nuova Era - Il Passo Del Soldato (1995)

Acho que não tem como negar, que o pico do rock progressivo italiano foi atingido em meados dos anos 70, por meio de bandas como, Premiata Forneria Marconi, Banco Del Mutuo Socorsso e Le Orme, isso falando apenas da ponta do Iceberg, pois inclusive foram inúmeros os grupos “one shot” que também apresentavam um estilo impecável, grande musicalidade e outras características únicas que fazem da Itália uma espécie de segunda casa do rock progressivo, ficando atrás apenas do Reino Unido. 

É verdade também, que a Itália conseguiu produzir boas bandas até mesmo nos anos 80, além dos anos 90 em diante, mas quando falamos do caso da Nuova Era, parece que estamos falando de uma banda que está em uma época errada, como se tivesse demorado demais pra surgir. A banda apresenta um som imaculado dos anos 70 e final dos anos 80, porém, fazem isso no começo dos anos 90, sendo que o melhor de tudo é perceber que eles não soam como derivados, sua abordagem e incomparável, mas ao mesmo tempo, familiar o bastante pra agradar qualquer fã de rock progressivo produzido na terra da bota. Uma das poucas bandas capazes de resistir a comparação com os monstros do início dos anos 70. 

Il Passo del Soldato é sem dúvida alguma o ponto alto da discografia da banda, um álbum conceitual  sobre todos os estágios de uma guerra, que começa com a declaração e termina com o epitáfio, como de costume em todos os conflitos.

A banda antes de começar a compor esse disco, teve uma perda muito grande quando Alex Camaiti (guitarra e vocal) abandonou o barco, mas eles surpreendentemente decidiram por recrutar apenas Claudio Guerrini para os vocais – que os faz maravilhosamente bem e dramático - e seguir sem guitarrista. 

Existem bandas de rock progressivo que não usam guitarras, mas o problema é limar a guitarra de uma banda que sempre teve o instrumento como um dos fixos da sua formação. Mas a partir do momento que o ouvinte vai entrando no trabalho dos teclados de Walter Pini, percebe que eles cobrem qualquer um dos “problemas”. Mais impressionante é saber que estamos falando de um músico que segundo palavras dele mesmo, não possui estudo algum, e mesmo assim domina muito bem e com habilidades iguais, moog, órgão e Mellotron. 

“All'ombra Di Un Conflitto (La Dichiarazione)” já começa o disco muito bem, com uma marcha militar como quem anuncia o início de uma guerra. Mais do que sua rica instrumentação, quem assume o papel principal, digamos assim, são os vocais fortes de Claudio Guerrini, comprovando sua grande habilidade, especialmente nos momentos que é alcançada notas incrivelmente altas e cheia de uma carga dramática pesada. Enquanto Gianluca Lavacchi mantém o clima de marcha militar com sua bateria sincopada, Walter Pini faz um trabalho incrível com o hammond e moog. Um começo com muito rock progressivo puro e da melhor qualidade. 

“Lo Spettro Dell'agonia Sul Campo” já começa cheia de vigor por meio de um solo de teclado, apesar de primeiramente não parecer influência da escola italiana, basta alguns segundos pra se notar que o sentimento ali é sim de bandas típicas daquele país. O órgão nesse cenário musical é de força pura e os vocais agora soam mais agressivos e levam a uma passagem que nos fazem lembrar Emeson, Lake & Palmer. Uma performance incrível do começo ao fim. “La Parata Dei Simboli”, após um breve solo de piano, ela começa com outra marcha militar. Um teclado dramático adiciona muito bem uma sensação de nostalgia. A música é toda instrumental e bastante sinfônica, transmitindo vários tipos de sentimentos em cada uma de suas notas.

“Il Passo Del Soldato” é o épico do disco, com mais de doze minutos de duração e que inicia com um piano maravilhoso, depois a música se direciona pra uma linha que lembra novamente Emerson, Lake & Palmer, mais precisamente algo encontrado em Pictures at a Exhibition, mas de certa forma, com um pouco mais de sentimentos e paixão, não que o ELP também não possua isso em suas músicas, mas se existe algo que destaca o rock progressivo italiano dos demais países são suas fortes emoções explícitas, logo, sendo isso uma das principais diferenças da Nuova Era. A música possui várias passagens instrumentais frenéticas com mudanças radicais de andamento e performances notáveis de cada membro. Nada nesse som é forçado, nada é fora do lugar, tudo acontece de maneira perfeita. Um feito que somente os grandes músicos são capazes de realizar. 

“Armicrazia” começa com uma atmosfera bastante misteriosa. A banda vai apresentando várias passagens, nos levando a uma explosão que nunca chega, criando assim uma sensação de transito perfeito entre uma seção e outra. A parte vocal é de tirar o fôlego. Certamente, uma das faixas mais complexas, mas ao mesmo tempo, emocional do disco.

“L'Armistizio” tem uma introdução bastante agressiva e quase brutal liderada por um forte toque de órgão. Então que ela acentua em uma performance suave de piano que reflete claramente uma cessação de hostilidade como no armistício, mas no final, o som da abertura é repetido para refletirmos que isso é apenas temporário. Mais uma vez, é impossível não mencionar a performance vocal de Claudio Guerrini, simplesmente brilhante. 

“Riflessi di Pace” tem uma linha bem mais suave do que foi apresentado até aqui, passando até mesmo uma sensação de esperança, mais ou menos como se depois de tudo a paz tivesse sido finalmente alcançada. O órgão e os vocais são maravilhosos e muito bem suportados pela ótima seção rítmica que mantem o clima militar. Mais uma faixa avassaladora, onde os teclados são tocados ao melhor estilo Rick Wakeman. 

“Epitaffio” e “Nuova Era Atto Secondo” são as duas últimas faixas do disco, comento sobre elas juntas porque acho pertinente. Elas resumem muito bem o álbum inteiro. Ambas apresentam performances absolutamente incríveis de mellotron e órgão. Il Passo del Soldato chega ao fim de uma forma tão forte quanto começou. 

Esse é um daqueles discos que por mais minuciosa que seja a audição, ainda assim, ela passa pelo ouvinte sem que possamos notar uma pequena falha sequer. Não se trata apenas de um álbum banal de uma banda que sucedeu os melhores anos do rock progressivo italiano, mas sim, um álbum que também soube capturar a vitalidade e criatividade que tornaram os anos 70 tão incríveis. Apesar da influência no clássico, é uma empreitada moderna de rock progressivo sinfônico conduzido principalmente por teclados. Il Passo del Soldato é uma das maiores joias da rica história do rock progressivo italiano.

Contato: progrocksociety85@gmail.com

Em Rajaz a raiz progressiva do grupo está em extrema evidência, mostrando um trabalho criativo, inspirado e uma banda em sua melhor forma no período pós 70's.

Camel - Rajaz (1999) Após uma década de setenta em quase sua totalidade bastante interessante, o final da mesma e os anos oitenta foi a époc...

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