Mostrar mensagens com a etiqueta Obituários. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Obituários. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, outubro 18, 2023

Carla Bley (1936 - 2023)

[ Downbeat ]

Celebremos a depuração formal e a vibração emocional de Carla Bley — símbolo nuclear do freejazz dos anos 60, o seu legado de pianista, compositora e líder de várias formações transcende qualquer enquadramento formal, afirmando uma liberdade criativa que, em boa verdade, nunca deixa de nos transmitir a alegria inclassificável do instinto.
Atingida já há algum tempo por um cancro no cérebro, Carla Bley faleceu no dia 17 de outubro, na sua casa em Willow, Nova Iorque — contava 87 anos.

>>>
Lawns, do álbum Sextet (1987).


>>> Tema-título do álbum Life Goes On (2020), com Andy Sheppard (saxofone) e Steve Swallow (baixo).


>>> Em 2015, quando foi distinguida com um Jazz Master Award pelo National Endowment for the Arts.


>>> Obituário na NPR.
>>> Conversa com Steve Swallow (ECM, 2019).
>>> Página de Carla Bley na ECM.

domingo, outubro 15, 2023

Piper Laurie (1932 - 2023)

[ jjlr_lopes ]

Foi uma daquelas eternas secundárias... Senhora de requintada presença e subtil versatilidade, Piper Laurie (nascida Rosetta Jacobs) ganhou evidência no interior de Hollywood, ironicamente, com uma nomeação para o Oscar de melhor actriz: aconteceu graças à sua composição em The Hustler/A Vida É um Jogo (1961), do grande e tão esquecido Robert Rossen, contracenando com Paul Newman [foto]. Seria nomeada mais duas vezes, agora como secundária, graças a Carrie (1976), de Brian de Palma, e Flhos de um Deus Menor (1986), de Randa Haines.
Para muitos espectadores, terá sido apenas a Catherine Martell de Twin Peaks (1989-1991), o que não deixa de envolver um amargo simbolismo: como muitos outros talentos da sua geração, Piper Laurie foi sendo esquecida pelos grandes estúdios, cumprindo, a partir de meados dos anos 80, uma carreira sobretudo televisiva — que, valha a verdade, começou ainda na década de 60.
Nascida em Detroit, Piper Laurie faleceu no dia 14 de outubro, em Los Angeles — contava 91 anos.

>>> Com Paul Newman, A Vida É um Jogo.


>>> Com Sissy Spacek, Carrie.


>>> Recebendo um Globo de Ouro de actriz secundária por Twin Peaks (19 jan. 1991).


>>> Obituário no Variety.
>>> Entrevista na Television Academy.

sexta-feira, setembro 29, 2023

A herança de Erwin Olaf

Uma imagem da série Keyhole (2011-2013)

Faleceu aos 64 anos: Erwin Olaf, um gigante da fotografia europeia, expôs muitas formas de solidão dos seres humanos, sempre com tocante serenidade — este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 setembro).

O fotógrafo holandês Erwin Olaf morreu no dia 20 de setembro, na cidade de Groningen. Sofria de enfisema pulmonar, detectado em 1996, não tendo resistido às complicações decorrentes da transplantação de um pulmão, realizada há poucas semanas. Muito cedo, a gravidade da sua condição levara os médicos a considerar que dificilmente chegaria aos 60 anos de idade — na verdade, resistiu um pouco mais, tendo falecido com 64 anos.
Nas derradeiras imagens de Olaf num acto público, vêmo-lo com um sistema de inaladores para auxiliar a respiração. Foram obtidas no passado dia 23 de março, no Palácio Noordeinde, em Haia, na cerimónia em que o Rei Willem-Alexander o condecorou com a Medalha de Honra das Artes e Ciências da Ordem da Casa de Orange. Aliás, em 2013, Olaf concebera o design de uma moeda de um euro com a imagem do rei, tendo também assinado, em 2018, um notável portfolio de retratos oficiais da família real holandesa.
Sua Majestade Rainha Máxima
(Março 2018)

É provável que, por vezes, esta dimensão oficial do trabalho de Olaf tenha contribuído para uma menor atenção às singularidades do seu universo fotográfico, incluindo os breves complementos filmados que ia registando, como aconteceu nas séries Separation (2003) ou Shangai (2017) — tudo isso pode ser descoberto no seu site oficial. Além do mais, sendo ele um activista dos direitos LGBT — veja-se a prodigiosa série de auto-retratos, realizados entre 1985 e 2015 —, Olaf terá sido também rotulado como mais um artista “militante”, diluindo-se na “mensagem” da obra a precisão com que nela encontramos uma questão fulcral da iconografia contemporânea. A saber: qual o lugar do corpo — apetece dizer: da carnalidade do corpo — numa paisagem cada vez mais pontuada por artifícios digitais?
Entenda-se: a herança de Olaf não envolve qualquer conceito “purista” da imagem, já que ele nunca renegou as potencialidades criativas da manipulação digital. Lembremos as distorções dos rostos na série Le Dernier Cri (2006), com destaque para o retrato de uma modelo, quase sósia da Princesa Diana, em Royal Blood (2000): numa pose serena, olhando directamente para a câmara, a personagem surge salpicada de sangue devido a uma ferida, no braço esquerdo, provocada por um círculo metálico (que sugere o emblema dos automóveis Mercedes).
Royal Blood: Di, †1999

A maior parte das suas fotografias, sobretudo as que integram figuras humanas (e são quase todas…), resistem a qualquer ilusão naturalista, antes expondo e, num certo sentido, sublinhando a teatralidade da respectiva encenação. Algumas das suas séries integram mesmo memórias que nos remetem para referências muito específicas. Será o caso do elaborado “expressionismo” da série intitulada Berlin (2012), ou ainda de Palm Springs (2018), dir-se-ia uma celebração do espírito comunitário de cenários emblemáticos da Califórnia contaminada por uma sofisticada contradição emocional. Porquê? Porque em todas aquelas personagens há uma postura de radical solidão. A singeleza dessa solidão é também especialmente evidente nos nus de Skin Deep (2015), lembrando, se tal é possível, ou explicável, algumas pinturas do britânico, nascido em Berlim, Lucian Freud (1922-2011).
Embora correndo os riscos de algum esquematismo, talvez se possa considerar que os retratos de Olaf não são estranhos a toda uma herança multifacetada da pintura holandesa. Não porque ele pretenda “copiar” quadros dos respectivos mestres, antes porque entre os humanos retratados e os cenários em que os descobrimos parece haver um misto de tolerância e alheamento contrário a qualquer racionalização sociológica: as personagens são livres, mesmo quando os cenários definem os limites insuperáveis da sua própria condição histórica. Assim, por exemplo, as séries Grief (2007) e Waiting (2014). Como os títulos indicam, são imagens de luto e espera, respectivamente: tudo se passa como se a austera geometria dos cenários apenas pudesse acolher as vibrações indizíveis que sentimos, e pressentimos, na austeridade das poses humanas.
Expressão sublime disso mesmo será a série Keyhole (2011-2013), ou seja, à letra, “buraco de fechadura”. Em boa verdade, não há “voyeurismo”, muito menos choque ou escândalo. São crianças solitárias, quase sempre escondendo o rosto da câmara, preservando os enigmas de uma solidão, talvez triste, mas de contagiante harmonia. Para Olaf, tanto na contenção destas poses como na contundência dos nus, a fotografia existe, em última análise, como mensageira de um valor cada vez menos respeitado nas nossas sociedades viciadas em “comunicação”. É um valor que se diz através de uma palavra ancestral: pudor.
Da série Keyhole (2011-2013)

quinta-feira, abril 06, 2023

Robert Blake & Robert Blake

Hollywood, 1967: Robert Blake em A Sangue Frio

No dia 9 de março de 2023 morreu Robert Blake, um dos grandes actores das décadas de 1960/70 em Hollywood, com uma filmografia que vai de Richard Brooks a David Lynch — este texto evocativo foi publicado no Diário de Notícias (12 março).

O actor Robert Blake faleceu no dia 9 de março, em Los Angeles — contava 89 anos. Inevitavelmente, as notícias da sua morte recordaram as muitas atribulações da sua existência: uma infância marcada pelo abuso de um pai alcoólico que o levaria a fugir de casa aos 14 anos; a condição de estrela precoce em Hollywood, graças à série de filmes infantis The Little Rascals, uma produção da MGM cujo elenco integrou de 1939 a 1944 (portanto, entre os seis e os onze anos); o suicídio do pai em 1956, tinha Blake 23 anos; enfim, o episódio trágico da morte de Bonny Lee Bakley, a sua segunda mulher, em 2001, assassinada a tiro à porta de um restaurante de Los Angeles.
As duas últimas décadas da vida de Blake ficaram marcadas por este episódio. Em 2002, foi acusado da morte da mulher, tendo cumprido um ano de prisão. Em novo julgamento, três anos mais tarde, seria absolvido. Um processo civil levou-o de novo ao tribunal, para ser julgado por eventual cumplicidade na montagem do crime, sendo condenado a pagar 30 milhões de dólares (valor mais tarde reduzido para metade) aos quatro filhos de Bonny Lee Bakley. Depois de ter declarado falência, Blake abriu um canal no YouTube, “I ain’t dead yeat” (à letra: “Ainda não estou morto”) que utilizou para partilhar memórias da sua carreira. Oficialmente, as condições da morte de Bonny Lee Bakley continuam por esclarecer.
No obituário publicado pela revista Variety, são recordadas as palavras breves, mas radicais, com que Blake, numa entrevista dada em 2011, resumiu a sua condição profissional: “Se não tivesse tido uma vida tão doentia e tão atribulada, talvez não tivesse sido um actor.” Como é óbvio, importa não desviar tais palavras para o determinismo com que, hoje em dia, se faz psicologia “social”, nomeadamente em alguns “talk shows” televisivos e na chamada imprensa cor-de-rosa. Acontece que, porventura por causa das convulsões da sua existência, mas sobretudo através de uma invulgar exigência profissional, Blake foi uma figura central (a meu ver, um dos mais notáveis actores) do cinema de Hollywood nas décadas de 1960/70.
Ao ler alguns obituários de Blake escritos nos EUA, não posso deixar de ficar chocado com a ligeireza com que é referido o seu filme Tell Them Willie Boy Is Here (entre nós, O Vale do Fugitivo). Desde logo porque marcou o regresso à realização de Abraham Polonsky (1901-1999), um dos “Dez de Hollywood”, marginalizados durante as perseguições do período “maccartista”, mas sobretudo porque se trata de um título fulcral na reconversão narrativa e simbólica do lugar dos índios no cinema americano.
Nele se encena a tragédia de Willie Boy (Blake), um índio marginal, acusado de um crime, que, depois de a sua tribo ter sido “deslocada” do território dos seus antepassados, se confronta com o xerife (Robert Redford) que o persegue… Dir-se-ia que, também em algum jornalismo cinematográfico, o “politicamente correcto” dos nossos dias se alimenta de uma desavergonhada ignorância, a ponto de as narrativas que abordam a complexidade da história dos índios (também das mulheres, também dos afro-americanos) serem reduzidas a um fenómeno exclusivo da última meia dúzia de anos… De facto, Tell Them Willie Boy Is Here transporta esse pecado insuperável de ter sido estreado há mais de meio século, em 1969! Já agora, com uma curiosa adenda portuguesa: foi o filme de abertura do cinema Apolo 70, em Lisboa, no dia 27 de maio de 1971, com programação da responsabilidade de Lauro António.
Entre os títulos incontornáveis da filmografia de Blake, recordo em particular o prodigioso A Sangue Frio (1967), de Richard Brooks, uma adaptação do romance homónimo de Truman Capote, investigando um crime ocorrido em 1959, no estado do Kansas. Muitas vezes referido como modelo do chamado “romance de não-ficção”, o livro de Capote (editado entre nós pela Dom Quixote, com tradução de Maria Isabel Braga) corresponde à emergência de novas matrizes realistas que o filme de Brooks transfigura numa impressionante narrativa cinematográfica, rodada a preto e branco, com direcção fotográfica de Conrad Hall (sem esquecer a música composta por Quincy Jones).
Ao interpretar um dos dois homens que assaltam e assassinam os membros de uma família rural, Blake consegue expor a perturbante “naturalidade” de um comportamento maligno que ignora a simples possibilidade de qualquer laço social — o mesmo se dirá, aliás, da composição do outro assaltante, por Scott Wilson (1942-2018), eterno e talentoso secundário de Hollywood (uma das suas derrradeiras personagens, entre 2011 e 2018, foi na série televisiva The Walking Dead).
Por alguma razão, em Lost Highway/Estrada Perdida (1997), David Lynch escolheu Robert Blake para interpretar o “Homem Mistério” — seria o seu último filme. É ele que, numa festa, sugere a um dos convidados, de nome Fred (Bill Pullman), que já se tinham encontrado. Fred acha que não e pergunta-lhe onde isso terá acontecido. Blake responde: “Em sua casa. Não se recorda?” Fred diz que não, o que leva Blake a esclarecer que, na verdade, naquele preciso momento, ele próprio está em casa de Fred…
Perante a reacção de Fred, Blake sugere que ele telefone para a sua própria casa — assim faz e o “Homem Mistério”… responde do outro lado [video]. Não haveria maneira mais eloquente de expor a clivagem interior da identidade humana. Ou, pelo menos, o medo de a pressentir através do misto de carnalidade e abstração que um actor pode dar a ver.

quarta-feira, abril 05, 2023

Memória (musical) de José Duarte

José Duarte faleceu no dia 30 de março, contava 84 anos [DN]. Deixa um legado precioso como divulgador do jazz e, mais do que isso, militante de uma cultura do conhecimento e da paixão artística. O seu programa da Antena 1 — Cinco Minutos de Jazz — é o perfeito cartão de visita desse legado. Aqui fica o tema que, a partir da sua criação, em 1966 (na Rádio Renascença), serviu de entrada ao programa: Lou's Blues, do saxofonista norte-americano Lou Donaldson, faixa de abertura do seu álbum The Time Is Right (1960).

sábado, fevereiro 18, 2023

Raquel Welch (1940-2023)

[FOTO: Terry O'Neill, 1966]

Figura icónica do cinema das décadas de 1960/70, a actriz americana faleceu no dia 15 de fevereiro, na sua casa de Los Angeles, na sequência de uma breve doença — contava 82 anos.
A abundância de notícias que caracterizaram Raquel Welch através de um velho rótulo — sex symbol — envolve qualquer coisa de desconcertante. Não que o seu trabalho como modelo e actriz — da aventura pré-histórica One Million Years B.C./Quando o Mundo Nasceu (1966), de Don Chaffey, até ao portfolio na revista Playboy (dez. 1979), assinado por Chris von Wangenheim — possa ser desligado de conotações sexuais.
Em qualquer caso, a suposta universalidade do rótulo, além de pressupor que a sua significação actual "duplica" o respectivo uso jornalístico há 50 ou 60 anos, mascara o facto de a própria Raquel Welch sempre ter tentado demarcar-se do seu simplismo descritivo, embora, com desarmante franqueza, reconhecendo a importância decisiva que teve no desenvolvimento da sua carreira — veja-se e escute-se a deliciosa conversa de Raquel Welch com Dick Cavett no Lincoln Center, a 12 de fevereiro de 2012 [video], precedendo uma projecção de Os Três Mosqueteiros (1973), de Richard Lester.
Exemplo revelador de tais dualidades pode ser a foto, em pose crística, feita por Terry O'Neill para a promoção de Quando o Mundo Nasceu. De facto, sabendo dos purificadores de todos os quadrantes ideológicos que pululam na cena cultural, valerá a pena colocar uma pergunta de bolso: como é que os guardiões do "iconicamente correcto" tratariam esta imagem se fosse uma produção do nosso presente?
Isto para dizer que Raquel Welch foi, de uma só vez, veículo e símbolo, revelação e máscara, exposição e suspensão, de uma conjuntura de profunda reconversão do estatuto do feminino (não necessariamente feminista): um processo dinâmico, pontuado por muitos contrastes e contradições, vivido ao longo das déc adas de 1960/70.
Com papéis que oscilaram entre as variantes dessa "imagem" e funções mais ou menos "decorativas", Raquel Welch pontuou, afinal, uma época de Hollywood em que a decomposição, ora trágica, ora irónica, das matrizes clássicas foi vivida (e filmada) em tom de "tudo é possível"... Além dos textos já citados, lembremos a ficção científica Viagem Fantástica (Richard Fleischer, 1966), o western Bandolero! (Andrew V. McLaglen, 1968), o policial Uma Mulher no Cimento (Gordon Douglas, 1968), de novo o western 100 Armas ao Sol (Tom Gries, 1969), a comédia burlesca Myra Breckinridge (Michael Sarne, 1970), a comédia dramática A Noite do Pecado (James Ivory, 1975), ou ainda a estranha, estranhemente ambivalente, e muito esquecida comédia "social" que é Mother, Jugs & Speed/Ambulância para Todo o Serviço (Peter Yates, 1976).
Em 1978, a sua participação no show de Os Marretas [video] poderá servir de símbolo exemplar da sua trajectória artística: uma actriz enredada na sua imagem de marca, ao mesmo tempo, inteligentemente, sabendo desmontar os seus próprios clichés.

>>> Trailer de Ambulância para Todo o Serviço (1976).


>>> The Muppet Show (gravado em 25-27 abril 1978).


>>> Lincoln Centre, 12 fevereiro 2012, com Dick Cavett.


>>> Obituário no jornal Los Angeles Times.

quinta-feira, fevereiro 16, 2023

Memória de Carlos Saura

Os espectadores da geração que descobriu o cinema ao longo das décadas de 1960/70 lembrar-se-ão do valor simbólico de Carlos Saura no panorama da produção europeia — ele era, de uma só vez, um herdeiro da contundência de Luis Buñuel (mesmo se a sua obra se foi libertando de qualquer filiação unilateral) e também um valor exemplar de uma Europa cinematográfica a construir a sua modernidade.
Falecido aos 91 anos, no dia 10 de feverrio, na cidade de Collado Mediano (cerca de 50 km a norte de Madrid), Saura acabou por se tornar um criador mal conhecido, ou mesmo ignorado, pelos espectadores mais jovens. Ainda assim, é verdade que o seu nome é frequentemente citado como "cenógrafo" de diversas matérias musicais — lembremos Carmen (1983), nomeado para o Oscar de melhor filme estrangeiro, Flamenco (1995) e, claro, Fados (2007), disponível na plataforma Filmin, incursão a meu ver pouco feliz no imaginário da canção tradicional portuguesa (não é fácil, de facto, filmar o fado através do sistemático recurso ao playback, ainda que os intérpretes estejam a "reproduzir" os seus próprios fados).
Se Saura foi um genuíno inovador do cinema espanhol (e não há dúvidas sobre isso), tê-lo-á sido sobretudo através de alguns títulos que, de forma calculadamente perversa, reflectiam o clima ditatorial do franquismo através de narrativas capazes de combinar um descarnado realismo com uma sofisticada dimensão simbólica.
A Caça (1966), uma parábola política centrada num grupo de caçadores, é uma referência nuclear na paisagem do “novo cinema” europeu, pertencendo, afinal, a uma dinâmica que ia marcando também a produção de países como França, Itália, Checoslováquia e, claro, Portugal.
Depois, podemos recordar objectos tão singulares como Peppermint Frappé/Ideia Fixa (1967), exemplo de um cruel assombramento melodramático, Ana e os Lobos (1973) ou Cría Cuervos (1976), ou seja, os filmes em que dirigiu Geraldine Chaplin (com quem foi casado no período 1967-79). Também apaixonado pela fotografia, Saura foi, à sua maneira, um explorador de um realismo ambíguo, marcado pela violência fantasmática dos desejos.

>>> Trailer francês da A Caça.


>>> Cría Cuervos: Carlos Saura e Geraldine Chaplin no Festival de Cannes de 1976.


>>> Obituário no jornal El País.
>>> Página oficial sobre Carlos Saura.

segunda-feira, fevereiro 13, 2023

Hugh Hudson (1936 - 2023)

Realizador de Momentos de Glória, um título lendário na história dos Oscars, o inglês Hugh Hudson faleceu no dia 10 de fevereiro, no Charing Cross Hospital, de Londres, a sua cidade natal — contava 86 anos.
Seria incorrecto reduzir a trajectória criativa de Hudson à apoteose de Momentos de Glória, o célebre Chariots of Fire (1981), evocando a experiência dos atletas ingleses nos Jogos Olímpicos de 1924, quanto mais não seja porque ele começou por ser um competenete director de publicidade e documentários televisivos; além do mais, dirigiu também Greystoke (1984), uma curiosa variação sobre o mito de Tarzan, e Revolução (1985), evocação trágica dos movimentos revolucionários que geraram os EUA (a meu ver, o seu filme mais consistente).
O certo é que Momentos de Glória se destaca, desde logo por causa da sua retumbante vitória nos Oscars, com quatro estatuetas, incluindo melhor filme de 1981. Acontece que foi uma vitória, no mínimo, discutível (e muito discutida...), já que entre os nomeados se encontravam, por exemplo, Os Salteadores da Arca Perdida, de Steven Spielberg, e Reds, de Warren Beatty. Em termos simbólicos, tal vitória envolveu o reconhecimento da importância da produção britânica para aquele momento específico de Hollywood e, em particular, do produtor David Puttnam — sem esquecer, claro, que uma parte significativa do impacto do filme passou pela banda sonora de Vangelis [video], precisamente uma das contribuições "oscarizadas" (as outras foram o argumento original e o guarda-roupa, respectivamente de Collin Welland e Milena Canonero).


>>> Obituário no jornal The Guardian.
>>> Chariots of Fire na Wikipedia.

sábado, fevereiro 11, 2023

Burt Bacharach (1928 - 2023)

Pianista, compositor, produtor musical, o seu legado inclui algumas das canções mais poulares do século XX, muitas delas com letras de Hal David (1921-2012): nascido em Kansas City, Burt Bacharach faleceu em Los Angeles, no dia 8 de fevereiro — contava 94 anos.
A ligeireza da sua arte sempre foi ambígua, nascia de uma formação sofisticada, em nada estranha ao swing de algum jazz, apoiada numa arte da instrumentalização que ele controlava como quem retira (em vez de acrescentar) instrumentos para encontrar a contenção própria da harmonia final. Com uma obra de impressionante grandeza e diversidade, tem o seu nome ligado a alguns títulos marcantes de um período de drásticas transformações no cinema de Hollywood — eis três referências emblemáticas.

>>> What's New, Pussycat?: Tom Jones interpreta a canção-tema da comédia homónima de 1965 (Que Há de Novo, Gatinha?), de Clive Donner, com Peter Sellers, Peter O'Toole, Romy Schneider, Ursula Andress e Woody Allen (também autor do argumento).
 

>>> Raindrops Keep Fallin' on My Head: canção da banda sonora de Butch Cassidy and the Sundance Kid/Dois Homens e um Destino (1969), de George Roy Hill, com Paul Newman, Robert Redford e Katharine Ross; o filme valeu-lhe dois dos seus três Oscars (melhor música e melhor canção) — primeiro, extracto do filme com a canção; depois, com Bacharach ao piano, numa performance em Glastonbury 2015.




>>> I Just Don't Know What to Do with Myself: composta em 1962, a canção seria celebrizada pela versão de Dusty Springfield, gravada em 1964; esta é a versão dos White Stripes, data de 2003, em teledisco protagonizado por Kate Moss e dirigido por Sofia Coppola.


>>> Obituário: NPR + The Guardian.
>>> Página dedicada a Burt Bacharach no Billboard.
>>> Site oficial de Burt Bacharach.
>>> Burt Bacharach no Songwriters Hall of Fame.
>>> Tributo de Elvis Costello [Variety].

quinta-feira, fevereiro 02, 2023

"Ele era Tom Verlaine"

[ FOTO: Howard Barlow / The New Yorker ]

Tom Verlaine faleceu no dia 28 de janeiro, em Nova Iorque — contava 73 anos. Na revista The New Yorker, sob o título 'He was Tom Verlaine', Patti Smith recorda o seu amigo e companheiro num texto tão breve quanto comovente. Como ela escreve, o som das gotas de água a cair numa superfície ferrugenta bastava para que ele criasse um acontecimento poético. Aliás, diz mesmo que foi assim que nasceu a canção Marquee Moon [letra + video], do álbum de estreia, homónimo, dos Television, lançado em 1977 — é um belo texto que vale a pena ler.

I remember
How the darkness doubled
I recall
Lightning struck itself

I was listening
Listening to the rain
I was hearing
Hearing something else

Life in the hive puckered up my night
A kiss of death, the embrace of life
There I stand neath the Marquee Moon
Just waiting

I spoke to a man
Down at the tracks
And I ask him
How he don't go mad
He said, "look here, junior, don't you be so happy
And for heaven's sake, don't you be so sad"

Life in the hive puckered up my night
The kiss of death, the embrace of life
There I stand 'neath the Marquee Moon
Hesitating

Well, the Cadillac
It pulled out of the graveyard
Pulled up to me
All they said, "get in, get in"
Then the Cadillac
It puttered back into the graveyard
Me, I got out again

Life in the hive puckered up my night
A kiss of death, the embrace of life
Ooh, there I stand neath the Marquee Moon
But I ain't waiting

I remember
How the darkness doubled
I recall
Lightning struck itself

I was listening
Listening to the rain
I was hearing
Hearing something else



>>> Obituário na NPR.
>>> Tom Verlaine na Wikipedia.
>>> Site oficial de Patti Smith.

segunda-feira, dezembro 26, 2022

António Mega Ferreira (1949 - 2022)

[ FOTO: Gerardo Santos / DN ]

Escritor, jornalista, criador de novos e fascinantes factos culturais, António Mega Ferreira faleceu no dia 26 de dezembro, em Lisboa — contava 73 anos.
Começou no jornalismo, em 1968, como redactor do Comércio do Funchal, tendo passado, entre outras publicações, pelo Jornal Novo, Expresso, O Jornal e Jornal de Letras — neste último foi chefe de redacção, cargo que também desempenhou na RTP2. Depois, como colunista, o seu nome surgiu em diversas publicações, incluindo Expresso, Diário Económico e Diário de Notícias.
O seu trabalho foi decisivo na organização da Expo'98, tendo sido seu comissário — depois, entre 1999 e 2002, presidiu ao Parque Expo. Presidiu ao Conselho de Admninistração da Fundação Centro Cultural de Belém, de 2006 a 2012. O último cargo público que assumiu foi o de director da Orquestra Metropolitana de Lisboa.
Entre 1986 e 1988, foi director editorial do Círculo de Leitores, tendo criado a revista Ler, que também dirigiu. Como autor literário, por certo a área fulcral do seu legado, deixa uma obra de várias dezenas de títulos, entre a crónica de viagens e o romance, passando pela poesia. A paixão pela Itália — e, também por isso, pela escrita "italiana" de Stendhal — é um dos pontos de fuga, afectivo e civilizacional, da sua escrita.
Estes são os dois primeiros parágrafos de 'O centro de Roma', texto de abertura do livro Roma - Exercícios de reconhecimento (ed. Sextante, 2003).

>>> Cada viajante constrói, das cidades que ama, uma ideia que raramente coincide com a lógica da geografia urbana. Na sua forma de amar uma cidade, desenha percursos, associações imaginárias, mitos instrumentais que o fazem ver as fachadas, os monumentos, as praças e as gentes de uma determinada zona como os melhores sinais identificadores do espírito do lugar. A sua noção de geografia é essencialmente afetiva, as suas preferências não são racionais, e, por isso, essa zona eleita figura no seu espírito, e para sempre, como o centro da cidade. Para mim, a Piazza della Rotonda e o Panteão são o verdadeiro centro de Roma.
Lembro-me perfeitamente da primeira vez que vi o Panteão, há mais de três décadas. Vinha da Piazza della Minerva, onde alguém me chamara a atenção para o gracioso elefante de Bernini que suporta um antiquíssimo obelisco egípcio em granito de Assuão e, antes mesmo de abordar lateralmente a entrada principal do Panteão, extasiara-me com um golpe de luz sobre a fachada ocre do modesto Albergo Abruzzi. O templo estava fechado, era talvez ao fim da tarde, e grupos de turistas vagueavam sob as colunas do pórtico. A imagem que guardo é a de um sereno abandono, mas era verão e as tardes aquecem ao calor da pedra, na Roma que amo como nenhuma outra cidade.

>>> Depoimento para a RTPN (2011) sobre três "leituras eternas".


>>> Obituário: RTP + Imprensa Nacional.

terça-feira, dezembro 13, 2022

Angelo Badalamenti (1937 - 2022)

A sua música é indissociável do universo de David Lynch: o compositor americano Angelo Badalamenti faleceu no dia 11 de dezembro, em sua casa, em Lincoln Park, New Jersey — contava 85 anos.
Foram muitos os cineastas com quem Badalamenti colaborou, incluindo Paul Schrader (Estranha Sedução, 1990), Danny Boyle (A Praia, 2000) e Jean-Pierre Jeunet (Um Longo Domingo de Noivado, 2004). O certo é que o seu lugar na história dos filmes, e também da televisão, confunde-se com o imaginário de Lynch — para ele compôs o célebre tema de Twin Peaks, primeiro na série (1990), depois no filme Twin Peaks: Os Últimos Sete Dias de Laura Palmer (1992), sem esquecer diversas contribuições, incluindo Blue Velvet (1986) e Mulholland Drive (2001). As suas ambiências, sempre ligadas a melodias de sedutor secretismo, foram instrumentos decisivos para fazer vacilar as fronteiras de qualquer realidade, nessa medida ajudando a definir e consolidar a marca "lynchiana".

>>> Angelo Badalamenti recordando a composição do tema de Laura Palmer, para Twin Peaks.



>>> Genérico de abertura de Blue Velvet.



>>> Tema da banda sonora de Um Longo Domingo de Noivado.
 

>>> Obituário em The Hollywood Reporter.
>>> Site oficial de Angelo Badalamenti.

quarta-feira, novembro 30, 2022

Christine McVie (1943 - 2022)

[Wikipedia]

A sua história na música é indissociável da condição de vocalista, teclista e compositora dos Fleetwood Mac, ainda que tenha também uma pequena discografia a solo: a inglesa Christine McVie faleceu no dia 30 de novembro — contava 79 anos.
Em 1998, abandonou a banda para viver um período de grande privacidade. Regressou em 2013 para um lendário concerto na O2 Arena, em Londres — nesse mesmo ano, passou a integrar o Rock and Roll Hall of Fame, enquanto membro dos Fleetwood Mac, tendo também recebido um Brit Award pela sua excepcional contribuição para a Música.

>>> Dreams, Fletwood Mac (álbum: Rumours, 1977).


>>> Little Lies, Fleetwood Mac (álbum: Tango in the Night, 1987).
 

>>> Songbird, Christine McVie (BBC Radio 2, 2017).
 

>>> Obituário na BBC.

sexta-feira, novembro 25, 2022

António da Cunha Telles, in memoriam

[ DN ]

Para lá da escrita de um obituário de António da Cunha Telles — falecido no dia 23, em Lisboa, contava 87 anos —, permito-me, num registo mais pessoal, citar um período especificamente profissional da minha relação com o autor de O Cerco (1970).
Assim, tendo trabalhado como seu assistente no filme Continuar a Viver (1977), guardo desse tempo de filmagens com os pescadores da Meia Praia, em Lagos, uma memória de muitos contrastes, entre perplexidade e felicidade, de alguma maneira reveladora do tempo original que estávamos a viver — não apenas eu, como é óbvio, não apenas a equipa do filme, mas toda a sociedade portuguesa.
Valerá a pena recordar que, de forma mais ou menos programática, se tratava de relançar toda uma ideia de cinema (português, antes do mais), indo filmar o povo e, em particular, os sinais concretos de uma nova história, ou de um novo capítulo histórico, aberto com o dia 25 de abril de 1974. Concretizando: Continuar a Viver é uma crónica documental sobre a actividade do SAAL naquele contexto — ou seja, o Serviço de Apoio Ambulatório Local, criado, precisamente, para tentar resolver os problemas habitacionais das populações mais desfavorecidas.
Reflectindo as singularidades daqueles sinais, a canção Os Índios da Meia Praia, composta e interpretada por José Afonso para a banda sonora do filme, ficou, para mim, como um espelho modelar desse tão peculiar estado das coisas.


É bem verdade que esse impulso "popular" (as aspas pretendem reflectir as muitas ambiguidades e incertezas do processo que vivemos, dentro e fora do cinema) gerou e, de alguma maneira, legitimou as experiências mais variadas, das mais pensadas às meramente circunstanciais, estas últimas por vezes cedendo a uma demagogia política e, sobretudo, moralista que as décadas que se seguiram nem sempre souberam dissipar. Mas não é menos verdade que foram tempos empolgantes, de infinita discussão do que poderia fazer sentido num cinema "colado" às vidas concretas deste ou daquele grupo de portugueses.
Com o passar dos anos, Continuar a Viver foi-se inscrevendo na minha memória mais íntima (e, por isso mesmo, de partilha menos fácil, ou até menos desejada) como um objecto sintomático de toda uma conjuntura em que, de uma maneira ou de outra, todos os cidadãos foram desafiados a pensar ou repensar a sua pertença a um país.
Este é, para mim, um filme de certezas e incertezas, gestos racionais e momentos instintivos, cuja agilidade face à novidade do que estava a acontecer lhe confere uma paradoxal fragilidade: tratava-se de filmar o presente (ou, é caso para dizer: continuar a filmar) com um empenho cinematográfico tecido de hesitação e ousadia. Recordo essa fragilidade com imensa ternura pelo António e uma profunda gratidão pela possibilidade que ele me deu de, a seu lado, poder lidar com a avalanche da nossa história colectiva.

quinta-feira, novembro 10, 2022

Gal Costa (1945 - 2022)

Nome fulcral da história da música popular brasileira, Gal Costa faleceu no dia 9 de novembro, em São Paulo — contava 77 anos.
Do álbum Domingo (1967), com Caetano Veloso, até Nenhuma Dor (2021), foi atravessando as décadas, sabendo integrar variações e transfigurações, mas sem nunca por em causa o misto de transparência, dramatismo e metódico confessionalismo que a sua voz transportava. Em 2011, foi distinguida com um Grammy Latino pelo conjunto da sua obra.

>>> Meu Nome É Gal (1982).


>>> Desafinado (1999).


>>> Quando Você Olha Pra Ela (lyric video, 2015).


>>> Obituário: O Globo + NPR.
>>> Site oficial de Gal Costa.

sábado, outubro 29, 2022

Jerry Lee Lewis (1935 - 2022)

Se é possível dizer onde e como começou o rock'n'roll, então a resposta será Jerry Lee Lewis: o cantor, pianista e compositor, celebrizado por canções como Great Balls of Fire e Breathless, faleceu no dia 28 de outubro, de causas naturais, na sua casa de Nesbit, Mississippi — contava 87 anos.
Dos tempos heróicos, na década de 50, das gravações em Memphis, Tennessee, na Sun Records, até aos concertos já depois de completar 70 anos, passando pela entrada no Rock & Roll Hall of Fame, em 1986, a história da sua carreira confunde-se com uma mitologia em que a vibração da música nunca é estranha a um atitude capaz de conciliar o entertainment com a rebeldia, por vezes envolvida em perfume de escândalo.
A sua longa discografia integra um legado de quatro dezenas de álbuns, o último dos quais, Rock & Roll Time, surgiu em 2014. Em 2022, O Festival de Cannes revelou o documentário Jerry Lee Lewis: Trouble in Mind, realizado por Ethan Coen.

>>> Great Balls of Fire, num programa televisivo de 1957.


>>> Whole Lotta Shakin Going On, em The Johnny Cash Show (1969-71).


>>> She Even Woke Me Up To Say Goodbye, em The Ed Sullivan Show (16 nov. 1969).


>>> Obituário na CNN.
>>> Site oficial de Jerry Lee Lewis.

segunda-feira, outubro 10, 2022

Douglas Kirkland (1934 - 2022)

[Toronto Star]

A sua sessão fotográfica com Marilyn Monroe, no dia 17 de novembro de 1961, poucos meses antes da morte da actriz, valeu-lhe um lugar na história e na mitologia da arte fotográfica: o canadiano Douglas Kirkland faleceu na sua casa de Los Angeles, no dia 2 de outubro — contava 88 anos.
A lista de personalidades fotografadas por Kirkland é, de facto, impressionante — vai de Brigitte Bardot a Björk, passando por Andy Warhol, Audrey Hepburn, Catherine Deneuve, Leonardo DiCaprio, Romy Schneider ou o Papa João Paulo II. Nas suas imagens encontramos uma fascinante "contradição": por um lado, confirmamos a sedução abstracta (nalguns casos, pelo menos, diremos o star power) dos fotografados; por outro lado, a câmara de Kirkland sabe com eles estabelecer um compromisso de cumplicidade que fica, em última instância, como a mensagem mais forte de cada acto fotográfico.
Marilyn Monroe, 1961

Coco Chanel, 1962

Andy Warhol, 1970
— rodagem de Trash: com Paul Morrisey, de perfil,
Jane Forth e Joe Dallesandro

>>> Obituário no site Deadline.
>>> Site oficial de Douglas Kirkland.

segunda-feira, outubro 03, 2022

Sacheen Littlefeather (1946 - 2022)

[AMPAS]

Sacheen Littlefeather, americana de origem Apache, actriz e activista na defesa dos direitos civis dos nativos americanos, faleceu no dia 2 de outubro na sua casa de Novato, California, em consequência de cancro da mama — contava 75 anos.
O seu lugar na história dos filmes é inseparável do facto de ter sido a representante de Marlon Brando na 45ª cerimónia dos Oscars, a 27 de março de 1973. Brando boicotou o espectáculo realizado no Dorothy Chandler Pavilion, em Los Angeles, como protesto pelo "tratamento dos nativos americanos pela indústria cinematográfica": quando foi anunciada a vitória de Brando na categoria de melhor actor (pela sua interpretação em O Padrinho), Littlefeather foi a sua porta-voz.
Recentemente a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas [AMPAS] promoveu uma sessão com Littlefeather, apresentando desculpas formais pelo modo como ela foi tratada nessa cerimónia — este é o registo da sua intervenção naquela noite.


>>> Obituário em The Hollywood Reporter.

domingo, setembro 25, 2022

Pharoah Sanders (1940 - 2022)

Lenda do jazz — assim se escreveu em todas as notícias. E com total fundamento. O saxofonista americano Pharoah Sanders foi um protagonista de eleição de seis décadas de música, quer a solo, quer através de muitas e frutuosas colaborações: faleceu no dia 23 de setembro, na sua casa de Los Angeles — contava 81 anos.
A sua discografia como líder inicia-se em 1965, com Pharoah's First, tendo tido um dos seus derradeiros e esplendorosos momentos com a edição em 2020 de um concerto inédito em Paris, em 1975. Sanders trabalhou com John Coltrane, nomeadamente nos álbuns Ascension e Meditations (ambos com data de 1966). Colaborou, entre muitos outros, com Don Cherry, Ornette Coleman, Alice Coltrane, Kenny Garrett e McCoy Tyner. O seu estilo, pontuado por muitas memórias, integra uma invulgar energia experimental que envolve também uma obstinada demanda espiritual. Em 2020, colaborou com o produtor de música electrónica Sam Shepherd (nome artístico: Floating Points) e a London Symphony Orchestra para concretizar Promises, um dos grandes álbuns deste nosso século XXI.

>>> Três momentos de Pharoah Sanders:
— em concerto no Festival France (1968);
— Love Is Here 2, do álbum Live in Paris (1975), Lost ORTF Recordings, editado em 2020;
— extracto de Movement 1, do álbum Promises (2021).






>>> Obituário: NPR + DownBeat.
>>> Site oficial de Pharoah Sanders.

Louise Fletcher (1934 - 2022)

Voando Sobre um Ninho de Cucos (1975)

Um só filme, Voando Sobre um Ninho de Cucos, valeu-lhe um Oscar, um Globo de Ouro e um BAFTA: a americana Louise Fletcher faleceu no dia 23 de setembro, na sua casa em Montdurausse, França — contava 88 anos.
A vibrante interpretação da implacável enfermeira Ratched, em Voando Sobre um Ninho de Cucos (1975), sob a direcção de Milos Forman, foi para ela uma consagração e uma maldição artística [trailer]. De facto, para o melhor e quase sempre para o pior, passou a ser mobilizada para papéis de personagens mais ou menos "antipáticas" ou "perversas", obviamente limitando a expressão das suas qualidades. Entre os seus títulos mais significativos encontramos Exorcista II: O Herege (1977), de John Boorman, Na Selva de Chicago (1979), de Lewis Teague, ou O Jogador (1992), de Robert Altman. A sua carreira começou na televisão, na transição das décadas de 1950/60, nomeadamente em séries como Maverick ou Perry Mason. Entre os seus derradeiros trabalhos incluem-se o telefilme Mentes em Conflito (2012), de Jim O'Hanlon, e o filme A Perfect Man (2013), de Kees Van Oostrum.


>>> Obituário no Variety.