Mostrar mensagens com a etiqueta João Pedro Rodrigues. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta João Pedro Rodrigues. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, outubro 21, 2016

"O Ornitólogo" e a sua natureza

Com O Ornitólogo, João Pedro Rodrigues prossegue uma filmografia tecida de originalidade e ousadia — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 Outubro), com o título 'A natureza nunca existiu'.

Perante a singular beleza de um filme como O Ornitólogo, importa começar por sublinhar o mais básico. O realizador João Pedro Rodrigues é criador de um universo que existe como um continente autónomo e mágico, inclusive através dos títulos em que tem partilhado a realização com João Rui Guerra da Mata (aqui presente, de novo, como co-argumentista e responsável pela direcção artística). Estamos perante um universo enraizado numa pulsão realista, paradoxal e envolvente, exemplarmente assumida pelo trabalho de direcção fotográfica de Rui Poças.
Daí a insólita sinopse desta aventura por terras e águas de Trás-os-Montes. Fernando (Paul Hamy), o estudioso dos pássaros, começa por ser aquilo que qualquer filme que se preze oferece (e retira) ao seu espectador. A saber: um olhar sem equivalente, pessoal e intransmissível como os passaportes, que nos convoca para a descoberta de uma natureza tecida de inusitadas cores e secretos sons. A pouco e pouco, ele descobre (e nós com ele, hesitantes e fascinados) que não há nada de natural na natureza.
Tudo se passa como se a natureza nunca tivesse existido. Fernando vai vivendo e sobrevivendo como incauto figurante de uma odisseia em que tudo pode ser novo e revelador, desde as convulsões do sexo às intromissões do sagrado, porventura equivalendo-se nesse país sem fronteiras que é o próprio cinema. Será preciso acrescentar que, à sua maneira, O Ornitólogo, é também um filme de resistência? A quê? Ao naturalismo pueril dos nossos tempos televisivos. Em nome de quê? De um gosto de olhar e escutar que celebra o cinema como arte de libertação das evidências. Questão radical, enredada no labirinto do rio Douro? Sim, sem dúvida. Nele redescobrimos o esplendor da tragédia. E também os seus esquecidos humores.

segunda-feira, agosto 15, 2016

João Pedro Rodrigues — Locarno & etc.

João Pedro Rodrigues com o prémio de Locarno (FOTO: DN)
O Ornitólogo valeu a João Pedro Rodrigues o prémio de realização na 69ª edição de Locarno, com o produtor Rodrigo Areias (El Auge del Humano) a surgir também no palmarés do certame — este texto foi publicado no Diário de Notícias (14 Agosto), tendo como base declarações de João Pedro Rodrigues e do produtor João Figueiras, recolhidas por Marina Marques.

O cinema português surgiu de novo no palmarés de um grande certame internacional: O Ornitólogo valeu a João Pedro Rodrigues o prémio de melhor realização no Festival de Locarno, evento tradicionalmente associado aos circuitos “alternativos” da produção internacional. O filme narra a odisseia de um homem que, ao estudar algumas aves raras no norte de Portugal, se vê envolvido numa viagem inesperada, com componentes fantásticas.
Outro português, Rodrigo Areias, na qualidade de coprodutor, partilhou o prémio principal, Leopardo de Ouro, da secção “Cineastas do presente”, atribuído a El Auge del Humano (Argentina/Brasil/Portugal), realizado pelo argentino Eduardo Williams. Recorde-se que a presença portuguesa portuguesa em Locarno envolveu ainda a longa-metragem Correspondências, de Rita Azevedo Gomes, sobre as cartas trocadas por Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner Andresen, e quatro curtas: Campo de Aviação, de Joana Pimenta, Estilhaços, de José Miguel Ribeiro, Setembro, de Leonor Noivo, e À Noite Fazem-se Amigos, de Rita Barbosa.
O prémio principal, o Leopardo de Ouro do concurso internacional (secção em que estava O Ornitólogo), foi atribuído ao filme búlgaro Godless, de Ralitza Petrova, coproduzido com Dinamarca e França. Nele se faz o retrato de uma mulher que trata doentes com demência, numa teia dramática que envolve a circulação ilegal de documentos e a dependência de morfina (no site oficial, o festival chamava a atenção para o facto de certas cenas poderem “chocar a sensibilidade de alguns espectadores”).
Na edição de 2012 de Locarno, João Pedro Rodrigues tinha já ganho o Prémio da Crítica, com A Última Vez que Vi Macau, um dos seus títulos co-realizado com João Rui Guerra da Mata (também presente em O Ornitólogo como co-argumentista e director artístico). Em declarações ao DN, falando de um filme “muito difícil de fazer”, quis sublinhar o seu reconhecimento: “É evidente que é um prémio para o filme. Mas também tem a ver com o meu percurso, pelo que o sinto como uma certa recompensa em relação aos filmes anteriores”.

“Rampa de lançamento”

Para João Pedro Rodrigues, o festival continua a ser uma referência muito especial: “Locarno aposta num cinema mais radical, mais pessoal e ousado. Não é um certame que pense só nos actores, como alguns que são, sobretudo, um mostruário de estrelas de Hollywood — tenho, por isso, um carinho muito especial por este festival.”
Relembrando os problemas financeiros que o filme ainda enfrenta, encara esta distinção também como uma maneira de superar a situação: “Dedico o prémio aos que trabalharam comigo. Só foi possível fazer O Ornitólogo com as pessoas que acreditaram no filme — são pessoas que, apesar de não ainda não terem sido pagas, não deixaram de trabalhar. Espero que a atenção que o filme tem recebido, com o prémio, as reacções muito positivas na imprensa e agora o percurso dos festivais, ajude a desbloquear a situação e a resolvê-la com justiça.”
João Figueiras, da produtora Blackmaria, garante que a situação está em processo de resolução, sublinhando que o prémio é “uma boa rampa de lançamento para o filme” — Toronto, San Sebastian e Pusan (Coreia do Sul) são alguns dos festivais que, nos próximos meses, vão acolher O Ornitólogo. A estreia em Portugal está a ser negociada, podendo acontecer apenas em 2017.
O realizador não esconde que gostava de ter uma data de estreia para breve nas salas do nosso país: “É um filme que tem por base uma das grandes mitologias populares portuguesas, a história de Santo António de Lisboa — estou ansioso por mostrá-lo em Portugal.” Entretanto, em França, O Ornitólogo estará no circuito comercial a partir de 30 de Novembro; antes, a 25 de Novembro, ocorre a sua ante-estreia que serve de abertura oficial da retrospectiva de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata, em Paris, no Centro Georges Pompidou.

sábado, agosto 13, 2016

Locarno premeia "O Ornitólogo"

O ORNITÓLOGO, de João Pedro Rodrigues
O Ornitólogo valeu a João Pedro Rodrigues o prémio de realização na 69ª edição do Festival de Cinema de Locarno. Outro português, Rodrigo Areias, surge também no palmarés, na qualidade de coprodutor de El Auge del Humano (Argentina/Brasil/Portugal), do argentino Eduardo Williams, vencedor do Leopardo de Ouro da secção “Cineastas do presente”.
O Leopardo de Ouro do concurso internacional (onde foi apresentado O Ornitólogo) foi atribuído a Godless (Bulgária/Dinamarca/França), realizado pela búlgara Ralitza Petrova — palmarés integral no site oficial do festival.

quinta-feira, julho 18, 2013

Cinco dias, cinco curtas (4)

Ainda por Vila do Conde, continuam a passar por aqui algumas breves notas a acompanhar imagens de filmes que se destacaram entre a presença da produção nacional. Além dos títulos do Estaleiro, de que já aqui se falou...

Não havia então fotografia. A própria pintura e o desenho estavam ainda longe de atingir certas qualidades retratistas que mais tarde nos dariam a noção do aspeto físico daqueles de quem se falava. Qual seria então a aparência de D. Afonso Henriques, o primeiro rei de Portugal? Durante séculos, a sua imagem foi mitificada... E da dúvida nasce a ideia que serve de ponto de partida a O Corpo de Afonso, curta-metragem de João Pedro Rodrigues que surgiu no quadro do programa de produção ligado a Guimarães 2012 e que passou agora por Vila do Conde. O olhar procura representações possíveis, onde os tempos se cruzam e os corpos tentam vestir heranças e memórias, cruzando-as com as marcas do seu dia a dia e com visões dos espaços habitados por quem se evoca.

sexta-feira, julho 12, 2013

Varziela, em clima 'noir'...

Integrado entre os dois programas Estaleiro que o Curtas Vila do Conde apresentou este ano conta-se Mahjong, um novo filme de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata. Este texto foi originalmente publicado na edição de 11 de julho do DN com o título ‘Uma perseguição em clima noir num bairro chinês em Vila do Conde’.

É possivelmente um dos títulos maiores desta edição do Curtas e assinala o que parece ser um momento de destino de um caminho trilhado entre os mais recentes filmes de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata. Mahjong, um dos quatro títulos do programa de produção Estaleiro, parte de um lugar físico concreto: Varziela, uma zona industrial em Vila do Conde. Mas João Pedro e João Rui apropriam-se do lugar, lançam sobre ele uma trama com arrepio de film noir e constroem um filme narrativamente empolgante e esteticamente deslumbrante que abre caminhos a várias leituras e se mostra carregado de ressonâncias com episódios vários da sua obra recente.

A vertigem daquele caminho no gume entre o olhar documental e a construção de uma ficção de A Última Vez Que Vi Macau, um enigmático stiletto como o que vimos em Alvorada Vermelha ou o pontual travo de fantástico de Manhã de Santo António (que procura aquela bússola digital?) estabelecem ligações comMahjong, tornando-o parte de um corpo comum (a obra conjunta dos dois realizadores e sobretudo as pontes entre as culturas portuguesa, chinesa e cinéfila que a têm marcado).

Entre um labirinto de armazéns brota uma perseguição, cruzam-se um vulto feminino e manequins que nos trocam as coordenadas de género, uma peça de mahjong... Uma procura,suspense (que a noite adensa, o tempo aprofunda e a música tão bem sublinha), a auto-representação dos realizadores lançando depois ainda mais ecos sobre outras experiências suas.

quarta-feira, março 20, 2013

História(s) de Macau

Um filme para dar conta de um lugar vivido e imaginado, intensamente passado, mas sempre presente — este texto foi publicado no Diário de Notícias (13 Março), com o título 'O desejo de fazer história'.

Antes de chegarem à montagem final de A Última Vez que Vi Macau, João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata, fizeram Alvorada Vermelha, curta-metragem de 20 minutos com imagens (de um mercado de Macau) recolhidas durante o trabalho de rodagem da longa-metragem que agora estreia nas salas. As suas componentes decorriam já de um essencial princípio de trabalho: quanto mais o cinema se aproxima do concreto das coisas, mais as suas imagens e sons parecem libertar-se de qualquer dependência naturalista, apelando ao gosto multifacetado da efabulação.
Eis uma moral narrativa que conhecemos desde Hitchcock: na sua vontade de ver o detalhe mais ínfimo, o grande plano pode apresentar-se como uma galáxia de medidas e significações incomensuráveis; do mesmo modo, a amostragem que o documento envolve coabita, lado a lado, com os artifícios mais depurados da ficção. Não se trata de escolher uma coisa “ou” outra, mas de compreender que, ao contrário do que todos os dias a televisão promove, as imagens e os sons ensinam-nos a olhar com uma coisa “e” outra.
Inútil, por isso, resumir A Última Vez que Vi Macau a partir de qualquer pressuposto descritivo. As memórias do passado, individual e colectivo, projectam-nos num misto de nitidez e incerteza que nos faz respeitar a complexidade de qualquer desejo de fazer história: a história não se faz porque, juntando os factos e as referências, ganhamos seja o que for; a história faz-se porque essa soma é também um modo de sentirmos aquilo que perdemos. Daí a pedagogia, a um tempo cinematográfica e filosófica, deste filme: somos aquilo que somos porque nunca voltamos àquilo que imaginámos ser. Pela consciência dramática, por vezes irónica, dessa vulnerabilidade, circula a mais depurada lição de amor.

domingo, março 17, 2013

Macau vivido e imaginado

João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata
Em A Última Vez que Vi Macau, descrever e imaginar são tarefas cúmplices. Ou ainda: para os seus realizadores, João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata, o documentário está do lado da ficção — esta entrevista foi publicada no Diário de Notícias (13 Março), com o título “Um documentário sobre um lugar real, mas que só existe no nosso imaginário”.

Como filmar Macau e as suas memórias? Mais do que isso: como filmar o presente de Macau, reencontrando o labirinto das memórias individuais e familiares? A Última Vez que Vi Macau é uma resposta estética e afectiva a tais perguntas. Para os realizadores, João Pedro Rodrigues (JP) e João Rui Guerra da Mata (JR), o projecto envolve a invenção de um território com imagens reais.

Documentário ou ficção? A combinação dos dois registos estava inscrita no projecto desde o início ou resultou do próprio trabalho de preparação?
JP – Penso que foi uma questão que nunca nos interessou, pelo menos do ponto de vista conceptual. O filme começou como um documentário sobre a memória de um lugar, mais do que sobre esse lugar.
JR – Um cruzamento de memórias, a partir da minha infância em Macau (onde nunca tinha voltado até começarmos a filmar em 2010). Tais memórias, como aliás todas as memórias, são uma espécie de ficção. Lembro-me da minha infância em Macau como de um grande filme de aventuras. Sozinho, perdia-me no labirinto das ruas. Continuo a pensar que a melhor maneira de se conhecer uma cidade é perdermo-nos nela...
JP – Eu nunca tinha ido a Macau. Conhecia o território através das histórias que o João Rui me contava: um passado colonial, grutas de piratas, a China "comunista" que ele observava de binóculos do terraço da casa onde vivia... As minhas memórias estavam também povoadas pelo imaginário do cinema americano que tantas vezes reinventou o Extremo Oriente, desde o Macau (1952), de Josef von Sternberg, à História Imortal (1968), de Orson Welles, e também do cinema de Hong-Kong ou até do 007, já que O Homem da Pistola Dourada (1974) foi em parte filmado em Macau.
JR – Quisemos fazer o mesmo, mas ao contrário: inventar um território com imagens reais. Um documentário sobre um lugar real, mas que só existe no nosso imaginário. Uma espécie de vai-vem entre documentário e ficção.
JP – Daí termos tido a liberdade de criar um filme onde também cabem imagens filmadas em Hong Kong, na China e até em Portugal.
JR – Interessou-nos fazer um filme lúdico, com uma liberdade e imaginação quase infantil, como se de uma grande aventura se tratasse.

Até que ponto o reencontro com as memórias individuais envolve também uma revisitação da história portuguesa?
JR – Ao falarmos de um território que teve presença portuguesa durante quase 500 anos e, tendo em conta que vivi em Macau num período em que era oficialmente uma colónia portuguesa, essa questão tinha que estar presente. Mas não achamos que seja o assunto principal. Este filme pode ter várias leituras, está construído por diferentes camadas.
JP – A revisitação da história portuguesa é só uma delas, uma espécie de camada subcutânea.

E a voz off: para que serve? Para informar ou para efabular?
JR – Informar e efabular... Pensámos o som e a imagem como duas bandas separadas, fisicamente separadas como nas cópias de celulóide: umas vezes síncronas, outras vezes não. A ficção nasce também desse desfasamento.
JP – O som é uma espécie de fantasma das imagens: assombra-as e deixa-se assombrar por elas.

Sentem que a percepção do filme numa sala escura será diferente do seu efeito num ecrã de televisão?
JP – Claro que a concentração pedida a um espectador numa sala de cinema é diferente. Até agora, o filme já foi exibido em cerca de 40 festivais em todo o mundo. Essa é a realidade que conhecemos. No entanto, estamos conscientes da importância da televisão.
JR – O filme foi feito a pensar na difusão em salas de cinema. Existe ainda a questão dos filmes que são vistos num computador. Esperamos que o nosso filme possa circular entre os vários meios de difusão. Diferentes espectadores, utilizando diferentes meios de visionamento, terão talvez diferentes percepções, mas isso não nos parece necessariamente negativo.

sexta-feira, dezembro 21, 2012

Os melhores filmes de 2012 (N.G.)

Continuando a fazer o balanço de 2012 (e num blogue que gosta de listas), hoje visitamos o espaço do cinema.

Para arrumar ideias, resolvi separar este ano os filmes que vi em sala (ou seja, que tiveram estreia comercial entre nós) dos muitos outros que vi em festivais (cá e lá fora). Como novidade junto ainda uma tabela de bandas sonoras, representando todas elas casos com lançamento em disco (o que deixa de fora as belíssimas contribuições de Mihaly Vig em O Cavalo de Turim e Kylie Minogue e Neil Hannon em Holy Motors).


Estreados em sala

É linda a vida, comenta a personagem que Emmanuelle Riva numa cena de Amor, de Michael Haneke, na qual folheia um velho álbum de fotografias onde o presente confronta o passado perante um futuro que a assombra. É apenas um dos muitos instantes profundamente humanos de um filme onde o pouco faz muitos, o simples explora o complexo e o olhar depurado à essência mostra tudo e que, tendo dado ao realizador a sua segunda Palma de Ouro em Cannes, chegou às nossas salas já nas últimas semanas do ano. Fecha assim um ano onde devemos destacar num mesmo plano dos acontecimentos maiores uma outra visão do fim, meticulosamente coreografada e magnificamente fotografada (e uma vez mais contando com a preciosa contribuição da música de Mihaly Vig) naquele que deverá ter sido o derradeiro filme de Béla Tarr e ainda um olhar desencantado do panorama do ensino, do papel do professor e da escola, em O Substituto, que brilha pela realização de Tony Kaye e a interpretação de um soberbo Adrien Brody. O ano trouxe-nos ainda um ponto de vista diferente (o dos criados) sobre a revolução francesa por Benoît Jacquot, a confirmação da relação ímpar entre Jeff Nichols e Michael Shanon (com importante contribuição de Jessica Chastain) em Procurem Abrigo e novo exemplo de um saber na exploração das relações familiares por Hirokazu Koreeda. O lugar e o tempo, como moldura para uma história na Anatólia pelo olhar de Ceylan, a desafiante composição de jogos de máscaras (e cinefilia) de Léos Carax em Holy Motors, o incompreendido e tão injustamente sovado olhar coletivo (centrado numa vivência pessoal) do 11 de setembro segundo Daldry e a Rússia do nosso tempo em mais um espantoso filme de Zvyaginstsev completam um quadro de dez escolhas que, fosse alargado (mas um top 10 é um top 10) poderia abarcar filmes como Deste Lado da Ressurreição de Joaquim Sapinho e o mais belo filme de Oliveira nos últimos anos (O Gebo e a Sombra) e o internacionalmente muito elogiado Tabu de Miguel Gomes, assim como experiências recentes de Steven Soderbergh, Steve McQueen, Steven Chobovsky (e é raro um escritor tratar tão bem do seu próprio livro como vimos em As Vantagens de Ser Invisível, o filme mais ignorado este ano pela imprensa portuguesa), o regresso de Tim Burton ao seu melhor (em Frankenweenie) ou o documentário sobre o último concerto dos LCD Soundsytem. Note-se ainda que, com Sam Mendes, 007 teve em Skyfall um dos seus melhores filmes de sempre. Já em O Hobbit, Peter Jackson tropeçou como nenhum momento da trilogia O Senhor dos Anéis poderia ter imaginado...

PS. O filme É Na Terra Não É Na Lua, de Gonçalo Tocha, integrou a minha lista de 2011, pelo que não se repete nesta, apesar de ter sido uma das melhores estreias do ano.

1. Amor, de Michael Haneke
2. O Cavalo de Turim, de Béla Tarr
3. O Substituto, de Tony Kaye
4. Adeus, Minha Rainha, de Benoît Jacquot
5. Procurem Abrigo, de Jeff Nichols
6. O Meu Maior Desejo, de Hirokazu Koreeda
7. Era Uma Vez Na Anatólia, de Nuri Bilge Ceylan
8. Holy Motors, de Léos Carax
9. Extremamente Alto e Incrivelmente Perto, de Stephen Daldry
10. Elena, de Andrei Zvyaginstsev



Estreados entre festivais


Vale-nos a cada vez mais bem recheada oferta de festivais para ver o que não chega às salas em sessões comerciais. O melhor que o ano nos deu nesse departamento chegou na noite de abertura do DocLisboa e, como outros títulos deste lista (mas poucos...), chegará a salas em 2013. Trata-se de A Última Vez Que Vi Macau, filme co-assinado por João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata, uma das duplas mais ativas do ano (o primeiro tendo ainda estreado as curtas Manhã de Santo António e O Corpo de Afonso, o segundo O Que Arde Cura, filme sobre o qual, por nele ter colaborado, naturalmente me abstenho de me pronunciar em público). Partindo de um projeto de documentário, A Última Vez Que Vi Macau mostra-nos como são ténues as fronteiras que o podem separar da ficção, bastando que o olhar nos conduza e, nele, faça nascer uma narrativa. Uma experiência única e arrebatadora, terá estreia nacional (e noutros mercados) em inícios do novo ano. Da colheita festivaleira destaco ainda o épico pop de Xavier Dolan em Lawrence Anyways, um dos mais interessantes olhares que o cinema alguma vez deu a uma personagem transgénero, magnificamente interpretada por Melvil Poupaud. A estes títulos somam-se experiências inesquecíveis como Keep The Lights On de Ira Sachs, vencedor do Queer Lisboa 16 e parte do top 10 do ano nos Cahiers du Cinema, o filme de Mathew Akers sobre a exposição de Marina Abramovic no MoMA, um olhar sobre a morte a história de um condenado, visto por Herzog ou uma visão (partilhada inclusivamente pela participação de um dos realizadores) de uma escola de dança na Índia. E juntem-se quatro ficções que não caberiam nada mal num programa de estreias, do retrato da culpa no confronto entre as aparências e vida sexual paralela de um sul africano em Beauty, uma história sobre os efeitos do bullying em Despues de Lucia, um espantoso jogo narrativo construído em torno da escrita em Dans La Maison ou a história de um homem que, quase de três décadas depois, não se libertou da vivência hedonista dos seus anos 80, em Avalon (sim, o título da canção dos Roxy Music).

1. A Última Vez Que Vi Macau, de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata
2. Lawrence Anyways, de Xavier Dolan
3. Keep The Lights On, de Ira Sachs
4. Marina Abramovic - The Artist is Present, de Mathew Akers
5. Into The Abyss, de Werner Herzog
6. La table Aux Chiens, de Cédric Martinelli e Julien Touati
7. Despues de Lucia, de Michel Franco
8. Beauty, de Oliver Hermanus
9. Dans La Maison, de François Ozon
10. Avalon, de Axek Pétersen


Bandas sonoras


Ao ser convidado a assinar, mensalmente, um espaço sobre bandas sonoras na revista Metropolis, estive mais atento que em muitos anos a este importante espaço discográfico profundamente ligado ao cinema. A lista que apresento é um top 10 dos melhores discos com música para cinema, não uma tabela da melhor música que o cinema viveu em 2012 (que nem todas as bandas sonoras foram editadas). A mais interessante das bandas sonoras do ano serviu em pleno as imagens e as personagens de Vergonha, de Steve McQueen, com particular brilho não apenas nas composições originais de Harry Escort, mas nos complementos escolhidos entre gravações de John Coltrane, Glenn Golud, Chic, Blondie ou Tom Tom Club. Igualmente soberba é a coleção de canções de Arthur Russell com que Ira Sachs valoriza os espaços de Keep The Lights On (sublinhando a identidade nova iorquina das vivências que retrata). E merece ainda nota maior a colaboração entre Howard Shore e os Metric na composição da música para o mais recente filme de David Cronenberg. Composições de Michael Brook, Alexandre Desplat, Nick Urata, Danny Elfman e David Wingo e uma invulgar colaboração entre um pianista e um cineasta, como vemos em Amor, de Haneke, que conta com uma contribuição de Alexadre Tharaud que não se limita ao plano do áudio completam uma lista de dez momentos que, depois de vistos no ecrã, podemos continuar a ouvir.

1. Shame, de Hary Escott + outros (Sony)
2. Keep The Lights On, de Arthur Russell (Audika Records)
3. Cosmopolis, de Howard Shore + Metric (Howe Records)
4. The Perks Of Being a Wallflower, de Michael Brook (Lions Gate Records)
5. Amour, de Alexandre Tharaud (EMI)
6. Moonrise Kingdom, de Alexandre Desplat + outros (Commercial Marketing)
7. Ruby Sparks, de Nick Urata (Milan)
8. Frankenweenie, de Danny Elfman (EMI Catalogue)
9. Extremly Loud And Incredibly Close, de Alexandre Desplat (Water Tower Music)
10. Take Shelter, de David Wingo (Grove Hill)

sábado, agosto 11, 2012

Dois filmes portugueses
no palmarés do Festival de Locarno

João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata
LOCARNO 2012
La Fille de Nulle Part, do francês Jean-Claude Brisseau, foi o vencedor do Leopardo de Ouro do Festival de Locarno.
Dois filmes portugueses surgem no palmarés desta 65ª edição do certame. Assim, o prémio Film und Video Untertitelung, atribuído pela empresa homónima na secção 'Pardi di Domani' (Leopardos do futuro), foi para a curta-metragem O Que Arde Cura, de João Rui Guerra da Mata. Com assinatura também de João Rui Guerra da Mata, neste caso em co-autoria com João Pedro Rodrigues, a longa-metragem A Última Vez que Vi Macau recebeu uma menção especial do júri presidido pelo cineasta tailandês Apichatpong Weerasethakul; é o seguinte o texto dessa menção:

>>> Para a extraordinária personagem de CANDY, do filme "A Última Vez que Vi Macau", devido à sua poderosa presença através da ausência, de uma maneira que surgiu ao júri como representando a imensa coragem do cinema português num tempo em que os falhanços de governos e sistemas sociais ameaçam a arte cinematográfica em todo o mundo.

>>> Site oficial do Festival de Locarno.

quinta-feira, maio 31, 2012

Manhã de Santo António

Foto de João Pedro Rodrigues

Foi com uma fotografia, tirada com o telemóvel, numa manhã de Santo António (a de 2009) que nasceu a base da ideia que conduziria ao “filme de zombies”, como João Pedro Rodrigues apresentou Manhã de Santo António na mais recente edição do Sound + Vision Magazine. A assombrosa curta-metragem, onde se nota a procura de uma nova forma de trabalhar a ficção, teve estreia no encerramento da Semana da Crítica, em Cannes. Esperamos agora por notícias da sua passagem por ecrãs nacionais.

Um muito obrigado ao João Pedro Rodrigues pela cedência desta imagem ao Sound + Vision.

terça-feira, maio 29, 2012

João Pedro Rodrigues:
hoje no Sound + Vision Magazine


Hoje à tarde, pelas 18.30 na Fnac Chiado, a edição de maio de 2012 do Sound + Vision Magazine assegurará a estreia em Portugal de algumas imagens do filme Manhã de Santo António, de João Pedro Rodrigues (com a presença do realizador), que recentemente teve estreia mundial no Festival de Cannes.

Este mês escutamos ainda os novos discos dos Sigur Rós, Jack White e de Damon Albarn, olhamos para as três curtas de João Salaviza agora editadas em DVD, partilhamos histórias e imagens da edição 2012 do Festival de Cannes, antecipamos a estreia de Cosmopolis e assinalamos os 40 anos da edição de Ziggy Stardust, o histórico álbum que David Bowie lançou junho de 1972.

quinta-feira, maio 17, 2012

João Pedro Rodrigues em Cannes

Um dos filmes-surpresa da Semana da Crítica, em Cannes, é a curta metragem Manhã de Santo António de João Pedro Rodrigues. Rodado em 2011, o filme, com 25 minutos de duração, terá a estreia mundial na noite de encerramento desta secção do Festival de Cannes.

segunda-feira, janeiro 09, 2012

2011: as escolhas do Sound + Vision

Um disco: 
'Video Games', de Lana del Rey 


N.G.: Lana del Rey foi uma das revelações maiores de 2011. Uma música que sabemos ser de agora mas que carrega toda uma história feita de memórias. Uma voz que sabe vestir uma ideia de interpretação como um actor que entra num papel. E duas belíssimas canções neste EP de estreia que abriu apetites para o álbum que agora vem a caminho.

J.L.: Será que estamos a assistir a uma "nova vaga" romântica? E poderá Lana del Rey ser a líder simbólica de tal movimento? Uma coisa é certa: o dramatismo distanciado da sua voz, a nonchalance da sua pose e as qualidades dos seus telediscos transformam-na, desde já, num caso sério de energia criativa. Mais do que uma promessa, uma certeza.

Um filme:
'Alvorada Vermelha' de João Pedro Rodrigues
e João Rui Guerra da Mata


N.G.: 2011 foi um ano particularmente vibrante para o cinema português. E para o panorama em geral um tempo de belíssimas revelações na área do cinema documental. Não é por isso que Alvorada Vermelha represente um eventual dois em um. O filme vale em tudo por si mesmo. Abrindo por um lado a cortina sobre mais imagens e olhares que nos esperam em A Última Vez Que Vi Macau. E mostrando como um documentário pode não ser apenas um retrato do que se vê, mas antes uma interpretação na expressão de um olhar sobre o que observa.

J.L.: Estranho poder o do cinema: o de aplicar um olhar mais ou menos descritivo para, a pouco e pouco, instalar o sentimento desconcertante de passagem para um universo outro, onde realidade e sonho, vida concreta e existência mitológica coexistem num delirante processo de contaminação — não acontece todos os dias, nem em todas as cinematografias; este exemplo (raro) é eminentemente português e sabe confrontar-nos com as memórias paradoxais de Macau.


Um livro: 'Apenas Miúdos'
de Patti Smith

N.G.: Tinha já passado por aqui há um ano em tempo de edição internacional. Em 2011 chegou a tradução portuguesa. Mais não fez senão o sublinhar de um raro talento na escrita de uma voz que não apenas referência do punk mas antes uma força maior da cultura americana do século XX. Ao evocar aqui a Nova Iorque dos setentas, a figura de Mapplethorpe, ecos de músicas, livros e imagens, o livro de Patti Smith é um verdadeiro retrato da cultura do nosso tempo. O que hoje somos passa, de certa forma, por aqui.

J..L.: É bem verdade que algumas das grandes figuras da música popular (de todas as origens) são admiráveis contadores de histórias. Patti Smith é um caso tanto mais extraordinário quanto os seus dotes narrativos se aplicam também às zonas mais íntimas da sua história pessoal. Neste caso, evocando Robert Mapplethorpe, Smith consegue combinar com raro fulgor o testemunho social, a memória cultural e a mais secreta arte confessional.

Um site: Glass Engine
em http://www.dunvagen.com/music/glassengine.php#


N.G.: O debate sobre como deve um músico assegurar o acesso à sua obra pode conhecer no site oficial de Philip Glass uma importante contribuição. Chama-se Glass Engine e é, simplesmente, um arquivo de sons gravados que permite (re)descobrir a música de Philip Glass. A audição é gratuita e legal. Os arquivos áudio são disponibilizados pelo próprio compositor, tomando os seus Looking Glass Studios como "biblioteca". E qual não é o meu espanto quando ali descubro vários excertos da ópera o Corvo Branco?

J.L.: Via Net, como entrar na obra de Philip Glass? Em boa verdade, a partir de qualquer lugar, qualquer tema, qualquer obra. O Glass Engine é um caso exemplar de integração dos poderes do virtual nas formas de divulgação da música, nessa medida ajudando também a entender a dinâmica de trabalho de Glass: um músico capaz de gerar a sua própria geometria criativa, preservando-a e transfigurando-a através de todos os canais de comunicação.

terça-feira, outubro 18, 2011

'Alvorada Vermelha' hoje em Lisboa


O Shortcutz apresenta hoje o filme Alvorada Vermelha, de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata. A sessão, que terá lugar no Bicaense (junto ao elevador da Bica, em Lisboa) pelas 22.00 horas contará com a presença dos dois realizadores. Esta é mais uma oportunidade para ver em Lisboa um filme que passou recentemente em Locarno e que integrou já a programação dos festivais Indie Lisboa e Curtas Vila do Conde.

Podem ler mais sobre o filme aqui e aqui.