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domingo, maio 13, 2012

Entrevistas de arquivo:
Bernardo Sassetti, 2007

Foto: José Carlos Carvalho

Esta entrevista com Bernardo Sassetti foi publicada no suplemento DN:música, do DN, em dezembro de 2007, por alturas do lançamento do disco com a banda sonora do filme Alice. A foto que abre este post foi tirada no mesmo dia em que gravei a entrevista. É seu autor o José Carlos Carvalho. O lugar?  A rotunda do Marquês de Pombal, muito perto da sede do DN. A conversa decorreu num restaurante ali perto. E durou horas... Sempre com o cinema e a sua relação com a música na linha do horizonte.

Poucas semanas antes Bernardo Sassetti gravara no álbum Ascent alguma da música que havia composto para A Costa dos Murmúrios, de Margarida Cardoso. Nada que nos surpreenda num meio discográfico pouco (ou quase nada) habituado a editar em disco a música que se faz para o cinema deste lado da fronteira. Mas com Alice aconteceu o inesperado. Não só a música representa a melhor banda sonora que o cinema português recebeu nos últimos anos, como o filme conheceu invulgar aceitação em sala, com bons números de bilheteira. Com o apoio do produtor do filme, palavras amigas de entusiasmo e o aval da sua editora, a Clean Feed, Alice chegou ao disco numa operação-relâmpago. Bernardo Sassetti reentrou em estúdio para preparar a edição, juntar elementos de som à música já gravada. E, poucas semanas depois, o disco está nos escaparates das discotecas.

Não é a primeira vez que faz música para cinema, mas desta feita a música foi editada “oficialmente” em disco. O que aconteceu de diferente? 
Para além de ser a música que mais me marcou até hoje, resolvi lançar esta edição em CD porque representa a minha visão musical definitiva sobre o filme. Inclui todo o material gravado em estúdio que não aparece como complemento das imagens. Para mim, seria uma pena deixá-lo na prateleira – como acontece na grande maioria dos casos em Portugal, comigo e com todos os compositores que se dedicam à música para cinema. Houve muita vontade de quebrar este quase inexistente meio de continuidade dos projectos. Existe muito a tendência em Portugal para se ver o estrangeiro como exemplo, e usar muito o queixume e a má-língua para as coisas que acontecem cá dentro. E o que acontece é que os artistas incorrem neste sistema. Fala-se mais, diz-se coisas que não se deve. E faz-se pouco. A produção nunca pensou em fazer uma banda sonora, apesar de o Paulo Branco me ter posto completamente à disposição o material. E de me ter dito que tinha gostado muito das minhas bandas sonoras para os filmes dele, nomeadamente o Quaresma, a Costa dos Murmúrios, o Milagre Segundo Salomé e este. Mas a realidade é que não é este pensamento que devia fazer parte da pós-produção de um filme. A música de um filme é lançada em qualquer editora lá fora…

E porque não se editam mais bandas sonoras portuguesas?
A questão é muito difícil… Há aqui dois caminhos de pensamento. O primeiro diz que, salvo algumas excepções, muitas vezes música de filme é totalmente posta de parte até ao momento em que o filme está a ser montado e o realizador ou o produtor pensam que está a precisar de música… Isto acontece muitas vezes… Devia dar-se mais importância à música no cinema em Portugal. Por outro lado, há uma luta, que eu tenho vindo a fazer, que é o uso de pessoas, de seres humanos, apesar dos orçamentos serem baixíssimos… Ou seja termos pessoas a tocar instrumentos, porque muitas vezes recorre-se a sintetizadores. E há um ou dois músicos a fazer tudo. A música para cinema tem uma ciência muito grande e há uma falta de conhecimento profunda em Portugal nesta área.

É uma música com características específicas?
É, sim… As entradas, os timings, a tensão constante que deve criar. E conseguir transmitir o que está por detrás das imagens e não banhar um filme com som musical que, no fundo, é uma fórmula comercial. E esse tipo de fórmula não me interessa. É uma fórmula que se vê muito no cinema comercial de Hollywood e no cinema comercial europeu. Eu acho que a música tem um lugar e um tempo num filme. E cada vez mais o silêncio musical ajuda as entradas de música. Se a música for bem colocada e elaborada é uma mais valia para o filme. E isso aconteceu no Alice, que foi um trabalho extremamente complicado com o Marco Martins, em que eu procurei dividir a música em três capítulos diferentes…

Quando estabelece essa divisão fê-lo com conhecimento do argumento, ou já com imagens vistas?
Conhecia o filme. A primeira e a segunda montagem… Não consigo trabalhar com guiões, porque preciso de ver a cara das pessoas, a cor do filme… Na música para filme, por distinção à música de concerto que é grande parte da minha carreira, interessa-me conseguir a contenção musical, indo de acordo a tudo o que o realizador me pede no briefing que faz. O Marco Martins foi muito claro. O bom briefing vai dar um bom produto, usando a linguagem do publicitário. Falámos longas horas, almoçámos, jantámos… Quando encontrei o tema minimalista, a partir desse momento foi como um suspiro de alívio para ele. Disse logo: “É isto!”. Eu tinha variações do tema, mas pediu-me para me manter fiel àquelas notas na primeira fase…

Fazer música para cinema obriga o compositor a um exercício de humildade perante o filme?
Absolutamente, tem de ser. E sobretudo o enorme respeito pelo trabalho por alguém que está envolvido no projecto desde o princípio. Em Portugal o realizador participa em tudo…

Disse há pouco que dividiu musicalmente o filme em três partes. Quais?
Eu tinha conhecimento prévio de que o som da cidade, versus o silêncio que é simbolicamente retratado como o de um casal que perdeu uma filha, ia ser um golpe muito violento. Pensei dividir uma primeira etapa, até ao aparecimento do tema principal, que só surge numa fase adiantada da história. O princípio fala da rotina do Mário, os passos quase em suspenso de um pai numa procura obsessiva por uma filha com uma esperança que nunca morre. Este é o primeiro capítulo, que tem muito a ver com a rotina que o acompanha diariamente. O segundo é a descoberta das câmaras de filmar. Há aquela imagem do pai no meio da rua a olhar para os monitores e a ter a ideia das câmaras de filmar, da vigilância. E é a partir daí que começa a surgir uma esperança maior. E entra o tema principal que é minimalista…

Porque optou por um tema minimalista?
Gosto muito de música minimalista. Sou admirador, embora algumas vezes não concorde com algumas soluções por razões de gosto. Mas isso fazemos todos em qualquer tipo de música… Mas gosto muito do Steve Reich e do Philip Glass. Acho que é uma arte e tem um papel muito importante na música de hoje. A música do The Hours é fantástica. E foi gravada antes… É caso para dizer que o Stephen Daldry rodou o filme em muitas sequências com aquela música em mente… Houve uma opção por um tema minimalista no Alice, tanto no primeiro como no segundo capítulos (porque o terceiro é mais o retrato da indiferença, do desespero e solidão). Fiquei semanas à procura do tema. E experimentei muitas coisas até chegar àquelas notas. E depois foi num clic… O tema surgiu na rua. Cantei-o, e depois desenvolvi-o ao piano.

O tema é também minimalista no arranjo, apenas para contrabaixo e clarinete…
Totalmente… E depois há outro elemento importante, que são os sons que produzi dentro do piano com um copo de cristal, na harpa do piano ou as ressonâncias de sons violentos produzidos com o pedal de suspensão.

E porque traz ao disco os sons da cidade que são usados no filme?
Porque muitas vezes os compositores de música para cinema incorrem numa ego trip. Querem mostrar a sua banda sonora tal como a gravaram em estúdio…

E esta é, basicamente, uma música funcional…
Acho que sim… Não poderia deixar de fazer uma homenagem ao som do filme, brilhantemente executado pela Elsa Ferreira na edição, e pelo Branko Neskov na mistura. O disco teria perdido uma certa alma. E foi importante ter tido acesso a esse material, remisturá-lo e usar em função da música que tinha gravado.

Teve a ideia para o tema do filme na rua. O filme mostra muito as ruas na nova Lisboa. Esta música é também a música de uma nova Lisboa, fugindo a velhos estereótipos?
Lisboa nunca foi vista desta forma em cinema. A Lisboa turística… já lá vão os tempos. E a vida não é um mar de rosas em Lisboa. Aliás, começa a transformar-se num lugar onde é bastante difícil encontrar um espaço para reflexão. Mas isso tem a ver com os tempos. Melhorar vai ser difícil… No filme, Lisboa já é retratada de uma forma agressiva e violenta. A música não vai contribuir para melhorar essa visão do realizador. O que eu queria então retratar nesta banda sonora, e esta foi a principal ideia, era o interior da personagem principal. O pai e, sobretudo, a relação que existe entre a sua esperança e a indiferença das pessoas que lhe estão mais próximas e, também muito importante, a quase desistência da mãe. E, de facto, é isto que me interessa na música para cinema: conseguir chegar à mente das personagens, à sua psicologia. Ao que as imagens não transmitem e onde a música pode trazer algo mais para a compreensão das pessoas. E esse é o primeiro caminho de raciocínio quando parto para a elaboração de uma banda sonora.

Quais são os autores de música para cinema que mais admira?
Existem muitos. O primeiro grande compositor de música para cinema foi o Bernard Herrmann. Gosto muito dele porque também tem muito de minimal. Ele repete sempre os motivos de quatro em quatro ou oito em oito compassos, de maneira a ir criando um ambiente para a história de uma forma facilmente compreendida pelas pessoas. E isso é uma arte absolutamente fantástica. O John Williams, por seu lado, é um génio. Apesar de achar que os filmes onde colabora estão completamente banhados de música. Mas a música é tão boa… É um grande criador de melodias e de ritmos. Conhece a música do globo, a étnica, a clássica, o jazz. Aliás, começou como pianista de jazz. Dos mais recentes, e não necessariamente mais novos, há também o Philip Glass. E há um outro de quem gosto muito, mas é menos conhecido. Está muito interessado no timbre dos instrumentos e chama-se Eliott Goldentahl. A banda sonora que fez do Alien 3 é extraordinária.

A música de um Herrmann ou Williams teria sido a mesma sem a matéria-prima de imagens de, respectivamente, Hitchcock ou Spielberg?
Muitas vezes o trabalho do Hitchcock, mais talvez que o Spielberg, é inovador. Sobretudo no grande segredo do Hitchcock, que é a montagem. E acho que existe ali um trabalho de colaboração muito forte com o compositor. No caso do Psycho, a música é a alma do filme… Também adoro a música do Vertigo. É de um romantismo desmedido.

Há boa música a ser feita para cinema em Portugal?
Eu estou no meio… Mas são poucos os exemplos de música para cinema entre nós que admiro. Para além de existir pouca tradição, muitas vezes os músicos não têm condições para trabalhar nem orçamentos para usufruir de estúdios e músicos. Devia repensar-se a forma como os filmes são geridos, e pensar quanto se gasta em película. E pensar que a música é tão importante quanto a fotografia… Dos filmes que conheço, admiro a náusea que a música de Alexandre Soares transmite no filme Noite Escura de João Canijo; gosto também do trabalho operático de João Paes para Os Canibais de Manoel de Oliveira; uma ópera! Que mais pode pedir um compositor de qualquer área?

Há entre nós um frequente recurso a material já gravado, a música clássica…
Muitas vezes é propositado. Era, por exemplo, nos filmes do João César Monteiro. Ele não tinha grande paciência para aturar compositores e só utilizava música de que gostava. E pensava muito nessas faixas de música antes mesmo de rodar o filme. Muitas vezes essas faixas são muito explícitas… Nesse caso concordo. Mas já não gosto daquela coisa de “puxar ao pingarelho” que é usar música clássica orquestral. Por vezes é pretensioso. Em Portugal vivemos num meio em que impera o cinema de autor, parece-me desmedido comprarem-se direitos de temas de Mozart, Bach, por vezes a preços alucinantes, e não se dar importância em relação a esta coisa da música original em relação com a imagem. Tenho pena, mas isso acontece em Portugal.

Como coloca este tipo de trabalho ao lado do tronco estrutural da sua carreira?
Eu acho que é um complemento muito forte. Apesar de neste momento estar muito dedicado à composição para formações fora do jazz., estou envolvido no meio da música improvisada e do jazz. E se as pessoas me conhecem é sobretudo por aí… Apesar de agora a minha música estar a mudar um bocadinho. E tanto a música deste filme, como a relação que tive com o realizador José Álvaro de Morais, ensinaram-me a olhar para a composição e para a música de uma outra maneira. Gosto de pensar que faço música sem qualquer tipo de complexos. Não estou à procura de um som nem jazzístico nem clássico. Não sei explicar o que é, mas há qualquer coisa dentro de mim que faz com que tenha esta necessidade enorme de colocar estas ideias musicais cá para fora, como representação de qualquer coisa, por muito abstracto que seja. E isso tem muito a ver com a ligação com o cinema. Esta banda sonora tem muito pouco a ver com jazz. Talvez umas passagens... Eu gosto de muitos tipos de música. Muitas vezes aponta-se o dedo às pessoas por colaborarem com este ou aquele, por razões comerciais. Há um lado muito mesquinho, num meio que devia fazer mais que falar. O facto de ter colaborado com o Rui Veloso vem de uma amizade de há oito anos. Estou-me nas tintas se é jazz ou pop… Gosto deste tipo de trabalhos de colaboração. Gosto de contribuir para… Há um complexo na cabeça de alguns músicos que dizem fazer uma música especial. A música, quando é bem feita, é tão boa em qualquer meio. Sobretudo aquela música que traz algum risco, que é o que acho que falha no meio artístico, não português mas mundial. Uma falta de risco tremenda… Quando penso em música penso numa coisa grande… E tenho pena que muitas vezes a arte na música tenha de ser posta em causa por condicionalismos externos à própria música.

sábado, maio 12, 2012

Bernardo Sassetti, 2007

Escrevi, aqui, no Sound + Vision, em dezembro de 2007:

"Poucas semanas depois de editar um dos melhores discos da sua obra, Ascent, Bernardo Sassetti volta a marcar o ano musical com a edição em disco de uma das melhores bandas sonoras alguma vez compostas para um filme português. Em espaço não-jazz, a música de Alice é um espantoso universo de caminhos definidos ao piano (nos dedos do próprio Bernardo Sassetti), com intervenções do clarinete de Rui Rosa e do contrabaixo de Yuri Daniel, envolvendo ainda, a dados momentos, elementos ambientais da sonoplastia do filme, colocando esta música no seu lugar de origem: uma Lisboa de horas perdidas e sofridas, uma Lisboa actual e desencantada, melancólica. Os ciclos melódicos aceitam a ideia de temas e variações, num jogo em ciclos que nos encanta. Por vezes lembra os diálogos entre o piano e o clarinete do Facades, de Glassworks (Philip Glass, 1982), mas a personalidade de Sassetti e as intenções de contextualização desta música num espaço e numa história definem vida própria. Aplauda-se não só a excelente banda sonora, mas também a ousadia da aposta da Trem Azul numa edição de música para cinema feita entre nós. Coisa rara. Muito rara!"



Recordamos aqui um pequeno filme de Cláudia Varejão sobre a música de 'Alice', criado por alturas da sua apresentação ao vivo, no Teatro Maria Matos, em Lisboa.

sexta-feira, maio 11, 2012

A IMAGEM: Bernardo Sassetti, 2008

BERNARDO SASSETTI
Passagem_Mov. 3
Rabat, 2008

Bernardo Sassetti (1970-2012)

Acho que não consigo, pelo menos para já, arrumar muito mais ideias sobre o homem, o músico, a sua obra e quão ímpar era no panorama musical português. Falava-se do Bernardo Sassetti (uso o "do" e não o "de" mais distante, que o tinha como amigo) como um homem do jazz, mas era mais que isso. Essa era talvez a sua formação primordial e importante ponto de partida, mas a sua visão não era dada a fronteiras e por isso soube ver mais longe. Grande pianista, grande compositor, raro pensador do que é fazer música para cinema, incrivelmente dotado para a criação instrumental mas também um espantoso pensador e autor de canções (Sérgio Godinho ou Carlos do Carmo que o digam, que para eles assinou temas inesquecíveis). 

Lembro-me de conversas intermináveis, de entrevistas que o deixavam de ser e a fita acabava e nós continuávamos a falar. Falando de Bernard Hermann e de como pensava o cinema. Dos minimalistas. De outras coisas que íamos ouvindo e do que nos entusiasmava.

A notícia da morte do Bernardo é coisa que ensurdece.

(em actualização)

Ler aqui a notícia no DN

segunda-feira, setembro 12, 2011

Novas edições:
Sérgio Godinho, Mútuo Consentimento


Sérgio Godinho 
"Mútuo Consentimento" 
Universal 
4 / 5 

São 40 os anos de canções gravadas em disco (em nome próprio) que Sérgio Godinho celebra este ano. Na verdade já tinha discos gravados antes do EP Romance de um dia na Estrada que, em 1971, fazia de cartão de visita ao álbum Os Sobreviventes que chegaria só meses depois, em 1972. Já havia, por exemplo, uma colaboração com José Mário Branco no EP Seis Cantigas de Amigo, de 1969. Bom, e se na verdade quisermos o “primeiro” de Sérgio Godinho, então teremos de regressar ao Porto, aos seus dias de estudante de piano, num disco de 78 rotações gravado na Ideal Rádio como presente de aniversário para a sua mãe, em 1955... Mas agora, 40 anos depois do EP que assinalou o início de uma história em seu nome anos depois, em tempo de assinalar um número “redondo” (redondo pelo zero, que o quatro o não é, mas a convenção existe e respeitemo-la), Sérgio Godinho opta por dizer “estou cá” em vez do “andei por aí”. Que é como quem diz, prefere editar um novo álbum de originais em vez de lançar nova antologia ou qualquer outra ideia essencialmente conduzida pela memória. E a verdade é que Mútuo Consentimento, o seu novo álbum de originais é, mais que tudo, um claro depoimento de vitalidade criativa e interpretativa de um veterano que prefere viver o presente em lugar das nostalgias que tantas vezes caracterizam opções editoriais em carreiras com mais que uns dois ou três palmos de mãos de anos de vida.
Foi em 1997, com o soberbo (mas hoje algo injustamente esquecido) Domingo no Mundo, que Sérgio Godinho encontrou novos caminhos para a sua música. Não apenas no momento da descoberta de uma parceria com Nuno Rafael (que com os anos se aprofundou) mas na capacidade em entender quão importante para a renovação de uma linguagem musical pode ser o diálogo. E em Domingo no Mundo encetou uma nova política de abertura a novas colaborações que entretanto ganharam corpo não apenas nos dois títulos de originais subsequentes – Lupa (de 2000) e Ligação Directa (2006) – mas igualmente em parcerias que ganharam forma em discos como Afinidades (em 2001, com os Clã) ou O Irmão do Meio (2003, entre uma multidão de parceiros, de Caetano Veloso a David Fonseca, de Carlos do Carmo a Camané). Mútuo Consentimento é como que o verdadeiro sucessor de Domingo no Mundo, no sentido em que representa novo espaço aberto a várias intervenções, a espantosa valsa assombrada assinada por Bernardo Sassetti em Dias Consecutivos ou o arranjo luminoso de António Serginho em A Invenção da Roda mostrando duas frestas entre as muitas janelas abertas a novas ideias que o disco propõe. O disco abre com Mão na Música, um olhar poético, falado, que no fundo reflecte sobre esta arte essencialmente abstracta onde contudo podemos encontrar sentidos e ideias. E é dessa reflecção que parte um disco que ora comenta o presente em Acesso Bloqueado, ora reencontra um interesse antigo pelos diálogos entre a tradição popular e a pulsão da música urbana em Vai Lá! De paisagens variadas, em canções de “carpintaria cuidada”, entre arranjos de horizontes largos e uma linguagem profundamente pessoal, Mútuo Consentimento é como aqueles álbuns confiantes e seguros do valor da expressão clara de uma identidade como Dylan assinou em Modern Times, McCartney em Chaos and Creation In The Backyard. Os rascunhos que ouvimos há meses na Culturgest viraram Tinta Permanente. E vieram para ficar.