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quinta-feira, julho 31, 2014

Sete filmes inéditos de Béla Tarr em DVD


Este texto, sobre uma caixa de DVD que a Midas Filmes agora apresenta, foi originalmente publicado na edição de 29 de julho do DN com o título 'Novos filmes de Béla Tarr'

Na arte não há democracia... Quem o disse foi o húngaro Béla Tarr (no documentário de Jean-Marc Lamore sobre a sua obra - Tarr Béla, I Used To Be a Filmaker - que vimos na edição de 2013 do DocLisboa), cineasta que criou o assombroso O Cavalo de Turim (2012) como um filme-testamento. E de facto desde então não mais filmou. O ponto final assim anunciado representou todavia para nós um momento de partida para um extenso olhar antológico sobre a sua carreira em suporte de DVD. E assim, a juntar-se à edição de O Homem de Londres (filme de 2007 já antes editado em Portugal), o catálogo de Béla Tarr disponível entre nós ganhou importante novo passo com o lançamento de uma primeira caixa na qual se juntavam os filmes Danação (1987), O Tango de Satanás (1994), As Harmonias de Werckmeister (2000) e o mais recente O Cavalo de Turim.

Agora chega, uma vez mais pela Midas Filmes (que também editou a primeira caixa antológica), uma segunda caixa que, sob o título Béla Tarr – Volume II, alarga mais ainda nosso acesso ao seu cinema com sete outros filmes, entre longas e curtas metragens, que junta em dois DVDs. Se o volume 1 apresentava (salvo O Homem de Londres) as suas longas posteriores a Danação (de 1987), a nova caixa mergulha mais atrás no tempo, da obra mais recente de Béla Tarr apresentando-se apenas a curta Viagem Pela Planície (1995), uma apresentação, por Mihály Vig (o compositor que trabalhou habitualmente com o cineasta), do universo poético de Sándor Petöfi.

Esta segunda antologia recua a O Ninho Familiar (1977), retrato de uma família numerosa na longa-metragem que assinalou a estreia de Béla Tarr na realização. Seguem-se as (também longas) Realções Pré-Fabricadas (1982) e Almanaque de Outono (1984). Os três filmes focam atenções sobre os espaços de vida doméstica, assinalando um progressivo aprumo estilístico e, no filme de 84, refletindo, com os blocos de habitação pública por cenário, sobre a época que ali ficou retratada. Este último filme assinalou o início de uma frutuosa colaboração entre o realizador e o compositor Mihály Vig.

Além destas “longas” a caixa inclui McBeth, uma abordagem em dois planos ao texto de Shakespeare criada para a televisão em 1982 e as curtas-metragens Hotel Magnezit (1978) e o já referido Viagem na Planície de 1995, aos quais se junta ainda o Prólogo com o qual o cineasta contribuiu para o projeto Visions of Europe (2004), no qual colaboraram ainda nomes como os de Teresa Villaverde, Aki Kaurismaki, Sharunas Bartas ou Peter Greenaway.

sábado, dezembro 22, 2012

Os melhores DVD/Blu-ray de 2012 (N.G.)

Voltamos ao cinema, mas hoje através das edições em formatos de home vídeo. Resolvi dividir as listas entre edições em DVD e Blu-ray, já que entre nós o volume de lançamentos em tecnologia HD não é ainda dominante e muitos foram os casos de edições importantes que vale a pena destacar. Estas listas referem sobretudo a presença de títulos que não correspondem necessariamente ao plano das estreias em sala mais recentes (quando isso acontece é porque os extras valorizam as edições), sendo sobretudo dominadas pela presença de obras anteriores a 2011, antologias ou mesmo filmes que não tiveram estreia no nosso circuito comercial (algumas nem sequer mesmo em festivais). De ficção televisiva só vi, que me entusiasmasse mesmo, The Newsroom... E ainda não chegou a estes lados em DVD ou Blu-ray...

DVD

O filme venceu o DocLisboa no ano passado e teve estreia comercial em sala este ano. Mas não só é um dos mais surpreendentes filmes de produção nacional mais recente e nos dá um olhar sincero e tranquilo sobre um espaço que assim descobrimos no seu ritmo próprio, como ao chegar ao DVD revelou mais que apenas o filme. Na verdade a edição de É Na Terra Não É Na Lua é um exemplo do que pode ser o valor acrescentado de um lançamento em DVD, não só pelas (bem arrumadas) duas horas de imagens extra que acrescenta num segundo disco, como pelo diário de rodagem que, na forma de livro, soma experiências ao que foi a vivência de Gonçalo Tocha e Dídio Pestana durante as suas viagens à Ilha do Corvo, afinal o objeto do seu olhar. Da restante lista destaca-se a muito oportuna caixa (a primeira de um díptico) dedicada ao cinema de Béla Tarr, que chega no ano do sublime O Cavalo de Turim, que foi na verdade o seu primeiro filme a ter estreia comercial entre nós. Importante é também o três-em-um de João Salaviza que junta num mesmo DVD três curtas (Arena, Cerro Negro e Rafa) que, juntas, definem algumas características comuns e interessante base de trabalho para o estabelecer da sua própria linguagem. Passam ainda por aqui filmes que não estrearam em sala (mas que deviam ter estreado, até mesmo com potencial de mercado) como Maria-Rapaz, um poderoso olhar sobre identidade de género por Céline Sciama, Pão Negro, mais uma incursão de Agusti Villaronga pelas memórias da guerra civil espanhola, uma narrativa sobre imigração ilegal na fronteira entre os EUA e o Canadá por Courtney Hunt ou um dos mais interessantes retratos alguma vez feitos em cinema sobre a história dos Beatles em O Rapaz de Liverpool, que recua aos dias em que Lennon vivia na casa da sua Tia Mimi. Deste ano editorial merece ainda destaque a soma de olhares de Sergei Loznitsa sobre imagens dos tempos do cerco de Leninegrado (em plena II Guerra Mundial), a recuperação de dois títulos fulcrais do cinema de Koreeda ou, finalmente, a recuperação de um clássico radical do new queer cinema assinado em 1993 por Gregg Araki

1. É Na Terra Não é Na Lua, de Gonçalo Tocha (Alambique)
2. Coleção Béla Tarr, de Béla Tarr (Midas Filmes)
3. III Filmes de João Salaviza, de João Salaviza (Midas Filmes)
4. Maria-Rapaz, de Céline Sciama (Leopardo)
5. Totalmente Lixados, de Gregg Araki (Films 4 You)
6. Pão Negro, de Augusti Villalonga (Leopardo)
7. O Cerco de Leninegrado, de Sergei Loznitsa (Alambique)
8. O Rapaz de Liverpool, de Sam Taylor Wood (Zon Lusomundo)
9. Ninguém Sabe / Andando, de Hirokazu Koreeda (Leopardo)
10. Rio Gelado, de Courtney Hunt (Zon Lusomundo)

Blu-ray


Pelo Blu-ray têm regressado à vida uma série de títulos, agradecendo o espectador as vantagens do restauro digital na era da alta definição. Editada para já apenas para zona A (ou seja, as Américas), a trilogia Qatsi, de Godfrey Reggio (que junta os filmes Koyaanisqatsi, Powaqqatsi e Naqoyqatsi) é um dos exemplos maiores do relacionamento do mundo das imagens com o da música através de três experiências de diálogo muito próximo entre o realizador e Philip Glass, o compositor. Três visões do mundo do nosso tempo (a terceira, na verdade, coisa menor) que mereciam lançamento também por território europeu... Apesar de editados no Reino Unido ainda em 2011, o clássico Deep End de Skolimovsky sobre as leis do desejo (de 1970, aqui num restauro magnífico e bem acompanhado por um booklet extenso) e How I Ended This Summer, de Popogrebsky, que encena um espantoso confronto entre gerações com cenário num posto científico no Ártico, chegaram-me às mãos já em 2012 e marcaram o meu ano de visionamentos (e por isso estão na lista). Ao nosso mercado chegaram boas edições recordando filmes de Malick, Spielberg, Hitchcock, Lean ou Hawks. Entre o melhor que o ano nos deu conta-se ainda uma edição substancialmente rica em extras de Things To Come, utopia de ficção científica de 1936 de William Cameron Menzies e o documentário de Patricio Guzman Nostalgia For The Light, que nos mostra, com o deserto do Atacama por cenário, casos distintos de procura: a dos astrónomos que buscam pistas nos céus, a dos arqueólogos que procuram vestígios de antigos trilhos andinos e as mulheres que não desistiram de ali encontrar os restos de maridos, irmãos e filhos desaparecidos durante o regime de Pinochet.

1. Qatsi Trilogy, de Godrey Reggio (Criterion)
2. Deep End, de Jerzy Skolimovsky (BFI Video)
3. How I Ended This Summer, de Alexei Popogrebsky (New Wave)
4. A Barreira Invisível, de Terrence Malick (CLMC)
5. Things To Come, de William Cameron Menzies (Network)
6. E.T. – O Extraterrestre, de Steven Spielberg (Zon Lusomundo)
7. Lawrence da Arábia, de David Lean (Sony Pictures)
8. Obras Primas de Alfred Hitchcock (Zon Lusomundo)
9. Os Homens Preferem as Loiras, de Howard Hawks (CLMC)
10. Nostalgia For The Light, de Patricio Guzman

sexta-feira, dezembro 21, 2012

Os melhores filmes de 2012 (N.G.)

Continuando a fazer o balanço de 2012 (e num blogue que gosta de listas), hoje visitamos o espaço do cinema.

Para arrumar ideias, resolvi separar este ano os filmes que vi em sala (ou seja, que tiveram estreia comercial entre nós) dos muitos outros que vi em festivais (cá e lá fora). Como novidade junto ainda uma tabela de bandas sonoras, representando todas elas casos com lançamento em disco (o que deixa de fora as belíssimas contribuições de Mihaly Vig em O Cavalo de Turim e Kylie Minogue e Neil Hannon em Holy Motors).


Estreados em sala

É linda a vida, comenta a personagem que Emmanuelle Riva numa cena de Amor, de Michael Haneke, na qual folheia um velho álbum de fotografias onde o presente confronta o passado perante um futuro que a assombra. É apenas um dos muitos instantes profundamente humanos de um filme onde o pouco faz muitos, o simples explora o complexo e o olhar depurado à essência mostra tudo e que, tendo dado ao realizador a sua segunda Palma de Ouro em Cannes, chegou às nossas salas já nas últimas semanas do ano. Fecha assim um ano onde devemos destacar num mesmo plano dos acontecimentos maiores uma outra visão do fim, meticulosamente coreografada e magnificamente fotografada (e uma vez mais contando com a preciosa contribuição da música de Mihaly Vig) naquele que deverá ter sido o derradeiro filme de Béla Tarr e ainda um olhar desencantado do panorama do ensino, do papel do professor e da escola, em O Substituto, que brilha pela realização de Tony Kaye e a interpretação de um soberbo Adrien Brody. O ano trouxe-nos ainda um ponto de vista diferente (o dos criados) sobre a revolução francesa por Benoît Jacquot, a confirmação da relação ímpar entre Jeff Nichols e Michael Shanon (com importante contribuição de Jessica Chastain) em Procurem Abrigo e novo exemplo de um saber na exploração das relações familiares por Hirokazu Koreeda. O lugar e o tempo, como moldura para uma história na Anatólia pelo olhar de Ceylan, a desafiante composição de jogos de máscaras (e cinefilia) de Léos Carax em Holy Motors, o incompreendido e tão injustamente sovado olhar coletivo (centrado numa vivência pessoal) do 11 de setembro segundo Daldry e a Rússia do nosso tempo em mais um espantoso filme de Zvyaginstsev completam um quadro de dez escolhas que, fosse alargado (mas um top 10 é um top 10) poderia abarcar filmes como Deste Lado da Ressurreição de Joaquim Sapinho e o mais belo filme de Oliveira nos últimos anos (O Gebo e a Sombra) e o internacionalmente muito elogiado Tabu de Miguel Gomes, assim como experiências recentes de Steven Soderbergh, Steve McQueen, Steven Chobovsky (e é raro um escritor tratar tão bem do seu próprio livro como vimos em As Vantagens de Ser Invisível, o filme mais ignorado este ano pela imprensa portuguesa), o regresso de Tim Burton ao seu melhor (em Frankenweenie) ou o documentário sobre o último concerto dos LCD Soundsytem. Note-se ainda que, com Sam Mendes, 007 teve em Skyfall um dos seus melhores filmes de sempre. Já em O Hobbit, Peter Jackson tropeçou como nenhum momento da trilogia O Senhor dos Anéis poderia ter imaginado...

PS. O filme É Na Terra Não É Na Lua, de Gonçalo Tocha, integrou a minha lista de 2011, pelo que não se repete nesta, apesar de ter sido uma das melhores estreias do ano.

1. Amor, de Michael Haneke
2. O Cavalo de Turim, de Béla Tarr
3. O Substituto, de Tony Kaye
4. Adeus, Minha Rainha, de Benoît Jacquot
5. Procurem Abrigo, de Jeff Nichols
6. O Meu Maior Desejo, de Hirokazu Koreeda
7. Era Uma Vez Na Anatólia, de Nuri Bilge Ceylan
8. Holy Motors, de Léos Carax
9. Extremamente Alto e Incrivelmente Perto, de Stephen Daldry
10. Elena, de Andrei Zvyaginstsev



Estreados entre festivais


Vale-nos a cada vez mais bem recheada oferta de festivais para ver o que não chega às salas em sessões comerciais. O melhor que o ano nos deu nesse departamento chegou na noite de abertura do DocLisboa e, como outros títulos deste lista (mas poucos...), chegará a salas em 2013. Trata-se de A Última Vez Que Vi Macau, filme co-assinado por João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata, uma das duplas mais ativas do ano (o primeiro tendo ainda estreado as curtas Manhã de Santo António e O Corpo de Afonso, o segundo O Que Arde Cura, filme sobre o qual, por nele ter colaborado, naturalmente me abstenho de me pronunciar em público). Partindo de um projeto de documentário, A Última Vez Que Vi Macau mostra-nos como são ténues as fronteiras que o podem separar da ficção, bastando que o olhar nos conduza e, nele, faça nascer uma narrativa. Uma experiência única e arrebatadora, terá estreia nacional (e noutros mercados) em inícios do novo ano. Da colheita festivaleira destaco ainda o épico pop de Xavier Dolan em Lawrence Anyways, um dos mais interessantes olhares que o cinema alguma vez deu a uma personagem transgénero, magnificamente interpretada por Melvil Poupaud. A estes títulos somam-se experiências inesquecíveis como Keep The Lights On de Ira Sachs, vencedor do Queer Lisboa 16 e parte do top 10 do ano nos Cahiers du Cinema, o filme de Mathew Akers sobre a exposição de Marina Abramovic no MoMA, um olhar sobre a morte a história de um condenado, visto por Herzog ou uma visão (partilhada inclusivamente pela participação de um dos realizadores) de uma escola de dança na Índia. E juntem-se quatro ficções que não caberiam nada mal num programa de estreias, do retrato da culpa no confronto entre as aparências e vida sexual paralela de um sul africano em Beauty, uma história sobre os efeitos do bullying em Despues de Lucia, um espantoso jogo narrativo construído em torno da escrita em Dans La Maison ou a história de um homem que, quase de três décadas depois, não se libertou da vivência hedonista dos seus anos 80, em Avalon (sim, o título da canção dos Roxy Music).

1. A Última Vez Que Vi Macau, de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata
2. Lawrence Anyways, de Xavier Dolan
3. Keep The Lights On, de Ira Sachs
4. Marina Abramovic - The Artist is Present, de Mathew Akers
5. Into The Abyss, de Werner Herzog
6. La table Aux Chiens, de Cédric Martinelli e Julien Touati
7. Despues de Lucia, de Michel Franco
8. Beauty, de Oliver Hermanus
9. Dans La Maison, de François Ozon
10. Avalon, de Axek Pétersen


Bandas sonoras


Ao ser convidado a assinar, mensalmente, um espaço sobre bandas sonoras na revista Metropolis, estive mais atento que em muitos anos a este importante espaço discográfico profundamente ligado ao cinema. A lista que apresento é um top 10 dos melhores discos com música para cinema, não uma tabela da melhor música que o cinema viveu em 2012 (que nem todas as bandas sonoras foram editadas). A mais interessante das bandas sonoras do ano serviu em pleno as imagens e as personagens de Vergonha, de Steve McQueen, com particular brilho não apenas nas composições originais de Harry Escort, mas nos complementos escolhidos entre gravações de John Coltrane, Glenn Golud, Chic, Blondie ou Tom Tom Club. Igualmente soberba é a coleção de canções de Arthur Russell com que Ira Sachs valoriza os espaços de Keep The Lights On (sublinhando a identidade nova iorquina das vivências que retrata). E merece ainda nota maior a colaboração entre Howard Shore e os Metric na composição da música para o mais recente filme de David Cronenberg. Composições de Michael Brook, Alexandre Desplat, Nick Urata, Danny Elfman e David Wingo e uma invulgar colaboração entre um pianista e um cineasta, como vemos em Amor, de Haneke, que conta com uma contribuição de Alexadre Tharaud que não se limita ao plano do áudio completam uma lista de dez momentos que, depois de vistos no ecrã, podemos continuar a ouvir.

1. Shame, de Hary Escott + outros (Sony)
2. Keep The Lights On, de Arthur Russell (Audika Records)
3. Cosmopolis, de Howard Shore + Metric (Howe Records)
4. The Perks Of Being a Wallflower, de Michael Brook (Lions Gate Records)
5. Amour, de Alexandre Tharaud (EMI)
6. Moonrise Kingdom, de Alexandre Desplat + outros (Commercial Marketing)
7. Ruby Sparks, de Nick Urata (Milan)
8. Frankenweenie, de Danny Elfman (EMI Catalogue)
9. Extremly Loud And Incredibly Close, de Alexandre Desplat (Water Tower Music)
10. Take Shelter, de David Wingo (Grove Hill)

sexta-feira, junho 15, 2012

Béla Tarr, cineasta húngaro

Em 1889, Friedrich Nietzsche viu um cavalo a ser batido pelo seu dono, numa rua de Turim: chocado e emocionado, agarrou-se ao animal, desfalecendo. Este episódio mais ou menos lendário (tido como prenúncio simbólico da decomposição mental de Nietzsche nos seus anos finais) serve de ponto de partida ao extraordinário O Cavalo de Turim. É, enfim, um filme de um grande cineasta húngaro, Béla Tarr, a chegar às salas portuguesas — este texto foi publicado no Diário de Notícias (13 Junho), com o título 'A morte interminável de Deus'.

Filmado sob o signo de Friedrich Nietzsche, O Cavalo de Turim colhe da herança do filósofo alemão muito mais do que a referência ao episódio que justifica o seu título. Aliás, o facto de esse episódio persistir através da ambígua conjugação da crónica histórica e da deriva lendária, empresta ao filme uma respiração “nietzschiana” que talvez se possa resumir através de uma solidão brutal. A sua definição começa na terrível indiferença divina ou, se preferirem, na interminável morte de Deus. Para usarmos as palavras do filósofo: “Deus morreu: mas a natureza humana é de tal ordem que é muito provável que, durante milhares de anos, haja grutas em que a sua sombra continuará a ser vista.” (in A Gaia Ciência, 1887).
Para sermos exactos, Béla Tarr apenas filma ciclos de vida: o dono do cavalo, a sua filha, as rotinas de uma quinta que parece emergir da terra como o cenário apocalíptico de todas as perdições humanas. Mas o que vemos não é tanto a banalidade da rotina como a cruel nitidez do tempo. O senso comum (arma dilecta do populismo televisivo) dirá, por certo, que a repetição dos gestos se torna redundante... O que desse modo se ignora é a própria questão existencial do tempo e o modo como a sua formulação implica o mais radical dos desafios cinematográficos. A saber: como encenar a consciência muito humana, demasiado humana, da morte?
A resposta de Béla Tarr envolve uma estranha e fascinante musicalidade que faz do filme, não o “relato” de uma experiência existencial, mas a íntima celebração dessa própria experiência. Em boa verdade, o cineasta convoca-nos para um cinema em que o simples efeito do vento na estabilidade dos corpos adquire a dimensão de uma escultura terrena. O céu pode esperar.

quinta-feira, junho 14, 2012

O vento levar-nos-á


Às vezes temos de observar retratos extremados nos outros para nos entendermos a nós mesmos, ao nosso espaço e ao nosso tempo. E um filme de época (com ação que decorre em finais do século XIX) que acompanha as rotinas em incessante repetição de um pai e uma filha, numa casa no meio de nada, fustigada por uma tempestade que não acaba e que, perante a incapacidade para trabalhar dão por si sem nada que fazer nem objetivos senão o assegurar da sobrevivência e passar o tempo que resta a olhar para o vento, por uma janela, na verdade pode estar também a falar sobre as vidas de muitos de nós, aqui, hoje.

Em O Cavalo de Turim, claramente o melhor filme a conhecer estreia entre nós nestes primeiros seis meses de 2012, o realizador húngaro Béla Tarr coloca uma premissa narrativa, que uma voz partilha connosco: Em Turim, em janeiro de 1898, o filósofo Friedrich Nietzsche vê um cocheiro a chicotear violentamente um cavalo que se recusa a andar. Perante o que vê interrompe a sova e abraça o pescoço do cavalo. É então levado para casa, onde fica por dois dias em silêncio, proferindo depois as últimas palavras, ao que se seguem dez anos de vida “silenciosa e demente”, sob a atenção da sua mãe e irmãs. E a voz termina: “não sabemos o que aconheceu ao cavalo”...

Nietzsche não surge nunca nas imagens. Mas as suas ideias fustigam, como o vento, tudo o que se segue. Um homem regressa a casa com o seu cavalo (uma égua, como saberemos depois). E quando esta se recusa a caminhar no dia seguinte, a sua vida acaba reduzida a ciclos de repetições, do acordar e vestir às refeições feitas de batata e sal. Com duas janelas como único ponto de fuga (de uma fuga impossível). Resta-lhes a solidão, que Béla Tarr desenha com uma austeridade minimalista que o som em loop do vento e a música (também ela repetida e repetitiva) de Mihály Víg (o mesmo compositor que consigo trabalha desde 1985) assombra e aprofunda. O realizador tinha razão quando dizia que, depois de vermos O Cavalo de Turim, entenderíamos porque decidiu que este seria o seu último filme.

sexta-feira, junho 01, 2012

'O Cavalo de Turim' chega dia 14


Tem estreia marcada para dia 14 de junho aquele que certamente será um dos filmes do ano. O Cavalo de Turim, anunciado pelo húngaro Béla Tarr como o seu último filme, chega aos ecrãs portugueses. O Cavalo de Turim terá depois edição local em DVD, num lançamento dos primeiros volumes da sua obra completa que será igualmente lançada entre nós: O Tango de Satanás, As Harmonias de Werckmeister e Perdição. Aqui fica o trailer que apresenta O Cavalo de Turim.