quarta-feira, dezembro 31, 2008
Figura do ano: Barack Obama (2/4)
Sophe Lux: expressionismo pop
Figura do Ano: Barack Obama (1/4)
Obama foi o ícone de 2008. Foi retratado na pintura, na fotografia, no graffitti. Chegou à música. E dos seus livros (biografia, reflexões, discursos) fez alguns dos maiores best sellers do ano. Com o poder de atracção de uma estrela pop (os discursos em campanha mostraram-no), polarizou uma América descontente. E levou os mais novos, que se julgavam alheados da política (mas afinal não conheciam há muito quem a eles falasse), a intervir.
Com Obama a política ganha um novo paradigma. O da modernidade (no discurso, nas ideias, nas ferramentas de comunicação, na forma de angariar fundos para campanhas). O da seriedade (rejeitando, por exemplo, fazer de questões da vida pessoal dos adversários, como a gravidez da filha de Palin um alvo político). O da competência (preferindo falar aos canalizadores em vez de os levar ao palco para deles fazer maus oradores do tipo basta-juntar-água). Nasceu assim o modelo do político para o século XXI. (pena que sem a mínima correspondência, em que frente seja, por estes lados).
Os melhores de 2008: DVD
Foi o ano em que Once/No Mesmo Tom, de John Carney, premiado com o Oscar de melhor canção, saíu... directamente em DVD. Que é como quem diz: está posta em causa a relação de equilíbrio e complementaridade entre salas e mercado de DVD. Não que seja possível "retroceder" a uma idade pré-video. Mas não é fácil perceber que vantagens tem o afunilamento da oferta nas salas, com o consequente lançamento de cada vez mais títulos em DVD, porventura acima daquilo que o mercado e o consumo conseguem integrar. Mas não simplifiquemos: o ano foi absolutamente frondoso nas áreas dos "clássicos" ou de outras obras que transcendem qualquer época — símbolo exemplar são as História(s) do Cinema [foto], monumento godardiano de celebração do cinema através do video. Sublinhe-se, em particular, que vários dos títulos a seguir nomeados são apenas um pequeno sintoma de uma (re)descoberta comercial do cinema europeu que merece a máxima atenção e incentivo — inclusive em termos de legislação.
1. História(s) do Cinema, Jean-Luc Godard (Midas)
2. Nos Lábios Não, de Alain Resnais (LNK)
3. Não Toquem no Machado, de Jacques Rivette (Atalanta)
4. Seis Contos Morais, Eric Rohmer (Atalanta)
5. O Dinheiro, Robert Bresson (Midas)
6. A Noite, Michelangelo Antonioni (Costa do Castelo)
7. O Evangelho Segundo São Mateus, Pier Paolo Pasolini (Costa do Castelo)
8. Moloch, Aleksandr Sokurov (Midas)
9. O Poder da Arte, Simon Schama (Lusomundo)
10. Eros, Michelangelo Antonioni, Steven Soderbergh e Wang Kar-Wai (LNK)
1. The Promise Of Music, de Enrique Sánchez Lanson (Deutsche Grammophon)
2. As Curtas da Pixar, de vários realizadores (Disney/Zon Lusomundo)
3. Mishima, de Paul Schrader (Criterion)
4. 1984 (ópera de Lorin Maazel), de Brian Large (Decca)
5. A Linha da Beleza (série), de Saul Dibb (BBC/Prisvídeo)
6. Weeds 2 (série), de Jenji Kohan (Sony Pictures)
7. Joy Divsion, de Grant Gee (Midas)
8. Wild Combination: A Portrait Of Arthur Russell, de Chuck Russell (Plexi Film)
9. Harryhausen Collection (Sony Pictures)
10. Kraftwerk & The Electronic Revolution, de Thomas Arnold (Plastic Head)
Com os desejos de um bom ano novo...
'Pink Flag', agora para ler
terça-feira, dezembro 30, 2008
Beck: "Modern Guilt" na rádio
Eis a emissão completa:
Este é um registo videográfico de parte do mesmo programa (14 minutos), com os temas Gamma Ray, Modern Guilt e Orphans.
Jim Carrey à deriva
Com a estreia do filme Sim! (Yes Man), de Peyton Reed, voltamos a deparar com esse bizarro paradoxo: por um lado, reencontramos Jim Carrey, sem dúvida um dos mais fabulosos actores que o cinema americano revelou nos últimos vinte anos; por outro lado, continuamos a perguntar por que razão tanto talento continua a ser esbanjado em filmes que, mesmo quando partem de ideias sugestivas (um homem negativista que decide adoptar o “sim” como princípio de vida), acabam por se submeter aos clichés da comédia mais banal e repetitiva. Vale a pena lembrar que o nome de Carrey está ligado a pelo menos dois filmes fulgurantes, exemplares da sua espantosa versatilidade: A Vida em Directo (1998), de Peter Weir, e Homem na Lua (1999), de Milos Forman. O certo é que a sua imagem associada a títulos menores como Ace Ventura (1994) parece emergir sempre como uma condicionante artística. A sua carreira à deriva reflecte um drama insólito: a perda de poder de algumas grandes estrelas numa conjuntura em que os filmes de “acção” privilegiam os efeitos especiais contra os actores.
Portugal, país da gripe
Os melhores de 2008: filmes
1. Corações, de Alain Resnais
2. Alexandra, de Aleksandr Sokurov
3. Destruir depois de Ler, de Joel e Ethan Coen
4. Haverá Sangue, de Paul Thomas Anderson
5. No Vale de Elah, de Paul Haggis
6. A Solidão, de Jaime Rosales
7. Quatro Noites com Anna, de Jerzy Skolimowski
8. I’m Not There, de Todd Haynes
9. Antes que o Diabo Saiba que Morreste, de Sidney Lumet
10. A Ronda da Noite, de Peter Greenaway
1. Os Fragmentos de Tracey, de Bruce McDonald
2. Patti Smith: Dream Of Life, de Steven Sebring
3. Darjeeling Limited, de Wes Anderson
4. XXY, de Lucia Puenzo
5. Persepolis, de M Satrapi e V Ponnaraud
6. Otto, or up With Dead People, de Bruce LaBruce
7. Nós Controlamos a Noite, de James Gray
8. Valsa com Bachir, de Ari Folman
9. Wall-E, de Andre Stanron
10. Il Pranzo di Ferragosto, de Gianni di Gregorio
Freddie Hubbard (1938-2008)
Morreu aos 70 anos, em Los Angeles. Em Novembro havia sido internado num hospital na sequência de um ataque cardíaco.
(em actualização)
Canções de 2008 (7)
A música, por quem a grava
Ann Savage (1921 - 2008)
Com Tom Neal, seu parceiro de Detour [cartaz da época com o par], Ann Savage surgiu em mais três filmes: Klondike Kate/Uma Mulher às Direitas (1943), de William Castle, Two Man Submarine/Submarino de Algibeira (1944), de Lew Landers, e The Unwritten Code (1944), de Herman Rotsten. De acordo com a matriz consagrada em Detour, Ann assumia muitas vezes o papel da femme fatale cuja primeira e ostensiva imagem de marca era o modo provocante de fumar. Tal como outros actores e actrizes das mesmas áreas de produção, a partir dos anos 50, também ela viu a sua carreira orientar-se, sobretudo, para a televisão. Além de Ulmer, trabalhou sob a direcção de outros mestres da série B, como André de Toth e Allan Dwan, respectivamente em Passport to Suez (1943) e Woman They Almost Lynched (1953).
A IMAGEM: Jeff Stahler, 2008
The Columbus Dispatch, Dez. 2008
segunda-feira, dezembro 29, 2008
Realismo contra (tele)novelas
Não está na moda, mas anda por aí: o realismo cinematográfico continua a marcar algumas das mais estimulantes imagens e narrativas do nosso presente. Mais do que produto de uma estética (há no seu seio muitas e variadas tendências), trata-se da afirmação de uma ética que nos ajuda a sobreviver à formatação das narrativas e à normalização dos olhares todos os dias decorrentes do domínio totalitário das telenovelas.
Curiosamente, o fim de ano cinematográfico foi marcado por quatro estreias que nos permitem compreender os fascinantes riscos criativos desse realismo, ou melhor, realismos que não aceitam submeter-se à estreiteza mental dos modelos narrativos que ocupam os horários nobres das televisões e também a imprensa cor de rosa que os cauciona. São, além do mais, todas elas estreias europeias, a confirmar a vitalidade do cinema do nosso continente (o que, como é óbvio, não implica qualquer desinteresse pela actualidade de muitos títulos fascinantes da produção americana).
O Silêncio de Lorna [foto], dos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, poderá servir de símbolo de tudo aquilo que está em jogo. Filmando a saga de uma jovem albanesa (interpretada pela fabulosa Arta Dobroshi) que tenta adquirir a nacionalidade belga, os irmãos Dardenne mergulham fundo nas inquietações de uma Europa que nem sempre sabe lidar com as suas próprias contradições internas. Se o trabalho dos Dardenne visa criar uma ambígua ilusão de documentário, Steve McQueen, artista plástico inglês, filma um desespero que tende para a indizível nitidez da morte. O seu filme Fome, premiado com a Câmara de Ouro (melhor primeira obra) do último Festival de Cannes, é uma evocação da greve da fome de Bobby Sands e outros militantes do IRA que, em 1982, lutavam pelo estatuto de prisioneiros políticos. Tanto O Silêncio de Lorna como Fome são exercícios em que o olhar realista passa, antes de tudo o mais, pela vibração dos corpos.
Algo de semelhante se poderá dizer de Caos Calmo, do italiano Antonello Grimaldi, e Os Três Macacos [cartaz], do turco Nuri Bilge Ceylan. Com uma diferença que está longe de ser secundária: para além de todas as diferenças de tom e ambiente, ambos nos dão a ver os laços familiares despidos de clichés deterministas e moralistas (precisamente os que fazem lei no espaço das telenovelas). No primeiro caso, trata-se de observar a vivência de um administrador de uma grande empresa (extraordinária interpretação de Nanni Moretti) confrontado com a morte súbita da sua mulher; no segundo, a família (pai/mãe/filho) vive rasgada pela teia de equívocos e mentiras que vai construindo. Além do mais, o filme de Ceylan é um notável exemplo de integração das mais recentes câmaras digitais ao serviço de um look cuja estranheza e inquietação se enraíza num novo entendimento das potencialidades do olhar realista.
Nem todo o cinema europeu tem estas marcas realistas. Aliás, mais do que nunca, importa reconhecer a sua pluralidade e defender a respectiva existência cultural e económica. Seja como for, esta exigência de “colar” as histórias à realidade social decorre de uma exigência fundamental: a de olhar à sua volta e não pactuar com a mediocridade televisiva.
Os melhores de 2008: discos
2008 foi um ano intenso em acontecimentos para o verbo ouvir. Veteranos e estreantes assinaram feitos que escreveram a história de 12 meses que nos deram banda sonora da qual é quase difícil fazer agora escolhas (porque necessariamente deixam de lado títulos e nomes não menos interessantes e importantes para a história do ano que os que aqui hoje se ordenam em listas top 10). Já iremos à produção nacional e à clássica. Comecemos pelo espaço pop/rock onde, sem dúvida, o ano elege dois discos fulcrais: o primeiro dos Vampire Weekend (traduzindo inteligente passo adiante para estímulos que brotam da assimilação da herança pop new wave, acrescentando África e memórias da tradição clássica europeia) e o que se revelou no regresso dos Portishead. Third, de resto, acaba por merecer o título de “disco do ano” não apenas pela aposta ousada de novas visões para a canção, como por ser tradução prática da coragem de um nome veterano, e com identidade formada, que aceita o desafio de se reinventar e não jogar no mais do mesmo, enfim, no seguro, na hora de retomar o contacto com quem os ouve. A surpresa arrebatou. E a sua passagem por palcos nacionais tudo confirmou. Da história dos grandes regressos de 2008 convém não esquecer ainda nomes como os Bomb The Bass ou Grace Jones. Jonathan Meiburg “separou-se” dos Okkervil River, ganhando com a decisão os Shearwater. The Notwist assinaram o melhor álbum mais injustamente ignorado do ano. Simon Bookish deixou as electrónicas e descobriu no seu passado que pode colocar o que aprendeu na preparação para ser compositor ao serviço da pop. Kelley Polar já o havia entendido e volta a surpreender. Byrne e Eno dão, por seu lado, uma lição de “mestria” num soberbo álbum de canções que mostra que não é preciso inventar a novidade para criar um disco que possa marcar o presente. De um breve balanço sublinhe-se ainda, e para falar de discos que acabaram fora do top 10, os belos álbuns de estreia de nomes como os Late Of The Pier, MGMT, Fleet Foxes, Last Shadow Puppets, Lykke Li, Santogold...
1. Portishead "Third"
2. Vampire Weekend "Vampire Weekend"
3. Shearwater "Rook"
4. The Notwist "The Devil You + Me"
5. Simon Bookish "Everything / Everything"
6. Kelley Polar "I Need You To Hold On While The Sky Is Falling"
7. The Ruby Suns "Sea Lion"
8. Department Of Eagles "In Ear Park"
9. David Byrne + Brian Eno "Everything That Happens Will Happen Today"
10. Spiritualized "Songs in A & E"
Entre nós o ano foi agitado. Como há muito não se via, sublinhe-se. E a melhor das heranças que 2008 nos deixa é a do reencontro do pop/rock português com a nossa língua. Terminam assim dez anos de yé yé (com mais escorregões que momentos que um dia justifiquem a memória), de sonhos pop que ainda não se concretizaram. E em grande parte porque o nosso pop/rock em inglês soa tão estranho lá fora como para nós o é a pronuncia de KD Lang quando canta o Fado Hilário (se bem que a cantora canadiana lhe dê uma intensidade que nem todo o fadista alcança). Isto para nem falar dos tropeções na gramática das letras, mas enfim. Cada um que cante como entender... Mas se verificarmos o que se passa lá fora, concluímos que o verdadeiro sucesso internacional da produção nacional em 2008 são os Buraka Som Sistema! Valerá então a pena tentar o inglês só para ver se a coisa ganha passaporte?... Alguns dos momentos mais marcantes do ano nacional fizeram-se em português. B Fachada, Samuel Úria, Macacos do Chinês, Tiago Guillul, Os Pontos Negros, João e a Sombra, Feromona... A estes podemos juntar os veteranos Mão Morta (numa aventura falada), Rui Reininho (em estreia a solo que lhe dá o seu melhor disco desde os anos 80) e Rádio Macau. E na selecção de 2009 esperam-se as estreias de Os Golpes e, até que enfim, a dos Doismileoito. Por seu lado, o fado já conheceu anos de colheita mais farta... O melhor do ano, contudo, coube a um regresso (e uma estreia ao mesmo tempo). O regresso é o de António Pinho Vargas, a solo, ao piano. A estreia, a de David Ferreira como editor em nome próprio. Que haja mais “investidas” em 2009!
1. António Pinho Vargas "Solo"
2. Rui Reininho "Companhia das Índias"
3. Mão Morta "Maldoror"
4. B Fachada "Viola Braguesa"
5. Dead Combo "Lusitania Playboys"
6. Noiserv "One Hunderd Miles From Thoughtlessness"
7. Tiago Guillul "IV"
8. Rocky Marsiano "Outside The Pyramid"
9. Buraka Som Sistema "Black Diamond"
10. Camané "Sempre de Mim"
O universo da “clássica” tem quase mil anos de composições escritas à disposição de todos os que acreditam que a música começou antes de Elvis ter entrado nos estúdios da Sun Records para gravar os seus primeiros singles. Porém, quem programa o que se escuta nos palcos portugueses muitas vezes parece esquecer-se dos últimos cem anos (assim como os primeiros 500), acabando a oferta por navegar, salvo pontuais excepções (como o foram este ano os centenários de Messiaen e Carter ou no ano passado o de Shostakovich), em volta de uma espécie de cânone de mestres e eleitos. Nada contra o que se ouve. Falta apenas poder ouvir mais, sobretudo os compositores vivos, aqueles que, tal como os Portishead, Animal Collective ou Radiohead, fazem a história do nosso presente. Valem-nos os discos. E aí o ano tanto nos deu sublimes novas gravações de peças fundamentais na história da música (a Criação de Haydn por McCreesh ou Brahms por Kent Nagano), como redescobriu pérolas esquecidas (os concetros com que Boulez encerra a gravação da obra orquestral de Bartók). A elas juntam-se primeiras gravações de obras de Nico Muhly ou Giya Kancheli. O ano destacou ainda talentos em afirmação como, sobretudo, o maestro venezuelano Gustavo Dudamel, que registou em Fiesta o ambiente, de facto festivo, que tem corrido palcos do mundo com a Orquestra Simón Bolívar. O centenário de Messiaen foi devidamente assinalado em edições e reedições. Já o de Eliott Carter passou ao lado... O ano deu-nos ainda uma magnífica antologia de Philip Glass. E uma sublime caixa com gravações históricas de obras de Bernstein, dirigidas pelo mesmo. Mas do seu 90º aniversário (assinalado pelo mundo fora), nicles junto de quem faz os programas de concertos de música sinfónica mais mediatizados por estes lados... No surprises, como diriam os Radiohead...
1. Leonard Bernstein "Bernstein Conducts Bernstein"
2. Kent Nagano "Brahms - Symphony Nº 4"
3. Gustavo Dudamel "Fiesta"
4. Nico Muhly "Mothertongue"
5. Philip Glass "Glassbox"
6. Paul McCreesh "Haydn - The Creation"
7. Giya Kancheli "Little Imber"
8. Pierre Boulez "Bartók - Concertos"
9. Andreas Scholl "Crystal Tears"
10. Leif Segerstam "Rautavaara - Manhattan Trilogy"
Discos? Em boa verdade, quase toda a gente passou a falar de downloads: numa sociedade de fetichização dos "objectos", o objecto-disco entrou em crise económica e, sobretudo, simbólica. Mas quando ouvimos Patti Smith (acompanhada pelos sons assombrados de Kevin Shields) a ler a sua obra poética em The Coral Sea, será que pode fazer sentido a noção de que se vai fazer o download de... um poema? Talvez, mas isso não impede que possamos continuar a desejar um disco como... um livro. Em todo o caso, a dificuldade de estabelecer hierarquias (e também aquilo que não ouvi), levam-me a valorizar o retorno à matéria primordial dos sons: a voz humana. E também, nem que seja pelo prazer do contraste, às arrebatadoras paisagens electrónicas (?) que nascem das experiências da alemã Antye Greie-Fuchs, aliás, AGF.
1. Patti Smith e Kevin Shields "The Coral Sea"
2. AGF "Words Are Missing"
3. Aldina Duarte "Mulheres ao Espelho"
4. Spiritualized "Songs in A & E"
5. Portishead "Third"
6. Beck "Modern Guilt"
7. The Cinematic Orchestra "Live at the Royal Albert Hall"
8. The Fireman "Electric Arguments"
9. Vampire Weekend "Vampire Weekend"
10. Amy Winehouse "Frank & Back to Black"
domingo, dezembro 28, 2008
Nuri Bilge Ceylan: realismo digital
Os sons do silêncio
'Alina', de Arvo Pärt
(compsições de 1976 e 78, editadas em 1999)
Arvo Pärt (n. 1935) é muitas vezes citado como um dos principais compositores minimalistas europeus, autor de uma obra que, apesar de algumas afinidades filosóficas com contemporâneos americanos, se revela formalmente distinta. Há até quem o apresente como o fundador daquilo que foi já designado como minimalismo sagrado, partilhando aí espaço de trabalho com outras figuras como o polaco Henryk Gorecki ou o britânico John Tavener. Respectivamente de 1976 e 78, as peças Für Alina e Spiegel Im Spiegel representaram momentos decisivos na definição de uma linguagem, da qual decorre muita da obra posterior do compositor. Für Alina é uma peça para piano solo, que ocupa apenas duas páginas numa partitura mas que desafia cada intérprete à reflexão, não estabelecendo nunca o limite de tempo para a sua performance. Já Spiegel Im Spiegel é um diálogo, originalmente criado para piano e violino (que ocasionalmente cede o lugar a uma viola ou violoncelo). Como o título sugere, é um espelho num espelho, cada instrumento reflectindo-se no outro, em ciclos sucessivos, com gradual adição de notas, mas tempo limite definido. Com aprovação do próprio compositor, o álbum Alina (ECM, 1999) apresenta gravações das duas peças. Em concreto, duas de Spiegel Im Spiegel para violino e piano e uma para violoncelo e piano, entre as quais se escutam duas sequências seleccionadas pelo compositor de uma longa interpretação de Für Alina, por Alexander Malter.
Natural de Paide (na Estónia, depois de 1940 parte da URSS), cresceu sob poder soviético. As suas primeiras obras, claramente distintas das que dele hoje são apresentadas e gravadas, reflectiam um interesse por compositores como Shostakovich, Prokofiev, Bartók e Shoenberg... Alguns dos trabalhos foram alvo de censura. Esta barreira, que se somou a um descontentamento sobre os caminhos que seguia, levaram Arvo Part a um radical repensar de ideias musicais. Em 1980 Arvo Part deixou a URSS, mudando-se primeiro para a Áustria, mais tarde para Berlim, na Alemanha. Fez longo período de silêncio meditativo, durante o qual estudou o cantochão e as primeiras formas de polifonia. Da reflexão nasceram então novas ideias, entre as quais o estilo habitualmente descrito como “tintinnabuli” ou seja, que traduz sons que sugerem discretos sinos. A sua música passou então a revelar harmonias simples, claramente inspiradas pela memória da música medieval, com o tempo acabando por abordar directamente o canto, no contexto de uma nova música religiosa. Num texto incluído no booklet de Alina, lê-se: “Compararia a minha música à luz branca, que contém todas as cores. Apenas um prisma pode dividir as cores e fazer com que apareçam; esse prisma pode ser o espírito do ouvinte”. Melhor descrição seria impossível...
A música de Arvo Pärt foi há muito descoberta por outras artes, nomeadamente o cinema, tendo surgido em filmes como, entre outros, A Barreira Invisível de Terrence Malick; Les Amants du Pont-Neuf, de Léos Carax; Haverá Sangue, de Paul Thomas Anderson ou O Bom Pastor, de Robert de Niro. Todavia, aquela que é até agora a mais interessante utilização de música sua num filme, porque capaz de traduzir pela imagem e sugestão narrativa os percursos internos da composição, deve-se a Gus Van Sant, em Gerry (na foto). Spiegel Im Spiegel e Für Alina são, precisamente, as composições que ocasionalmente rompem o silêncio e os ruídos do deserto, acompanhando as notas a caminhada sem Norte que acompanhamos com Matt Damon e Casey Affleck.
Imagens de uma masterclass de Arvo Pärt, na qual lhe é pedido que fale de Für Alina. Mais que explicar as motivações que conduziram à obra, caminha sobre o teclado, deixando que as notas revelem as ideias, que então vai explicando.
1941 - Ano "louco" em Lisboa
O Pai Tirano, de António Lopes Ribeiro, surge no mesmo ano em que o realizador cria a sua companhia de produção. O filme, que, como recorda M. Félix Ribeiro em Filmes, Figuras e Factos da História do Cinema Português, "ficaria a ser a primeira, em tempo, da brilhante série de comédias cinematográficas que esmaltaram os anos 40", traduzia um clima de confronto e suspeita entre os públicos do teatro e do cinema, reflexo ainda da relativa juventude da sétima arte. A história acompanha um grupo de teatro amador de funcionários dos armazéns Grandella, na baixa lisboeta, que cruzam a ficção que têm estado a ensaiar com a realidade a fim de ajudar um dos actores, Chico (interpretado por Ribeirinho, o irmão de António Lopes Ribeiro), a conquistar a Tatão, uma empregada da perfumaria em frente, mais dada aos ecrãs que aos palcos... Com um elenco em que, além de Ribeirinho, se destacavam ainda Vasco Santana, Arthur Duarte ou Graça Maria, O Pai Tirano custou à época um total de 850 contos, uma das somas mais baixas da filmografia do seu tempo.
Do mesmo ano datam os trabalhos em O Pátio das Cantigas (cuja estreia só aconteceria no Cinema Éden, já em Janeiro de 1942). Com produção de António Lopes Ribeiro, o filme é contudo realizado pelo seu irmão Francisco, mais conhecido como Ribeirinho (que interpreta um papel secundário). Divertida comédia de costumes lisboeta, feita de pequenas histórias de amores, ciúmes, dissabores e alegrias, apostou num forte naipe de actores, procurando assim garantir a sua aceitação popular. Desafio ganho, graças a contribuições de figuras como Vasco Santana, António Silva, Graça Maria, Laura Alves ou Maria da Graça, entre alguns mais, muitos deles acabados de chegar da rodagem de O Pai Tirano. O filme teve a música entre as suas preocupações, contando a banda sonora com dois inéditos de Frederico de Freitas (com letra de António Lopes Ribeiro), três novos sambas e uma canção do argentino Carlos Flores. Para a história da cultura popular portuguesa o filme deixou a frase "ó Evaristo, tens cá disto" e o inesquecível monólogo de Vasco Santana junto a um candeeiro.
Os dois filmes, que têm como denominador comum a presença de António Lopes Ribeiro, foram restaurados em alta definição para a reedição em DVD que junta documentários (entre os quais o que em 1941 o realizador apresentou sobre a Exposição do Mundo Português de 1940), depoimentos e ainda um livro com biografias, filmografias e testemunhos pessoais.
Diálogos com Jon Stewart
Todos os dias vemos (e ouvimos!) a agonia do debate político em Portugal e, em particular, nos espaços televisivos. Por um lado, os lapsos dos intervenientes passaram a contar tanto ou mais do que a exposição das suas ideias. Porquê? Sem dúvida porque grande parte dos dispositivos televisivos integraram a chantagem ética e estética dos “apanhados”. Por outro lado, o debate tende a diluir o valor específico das argumentações na produção de frases mais ou menos esquemáticas, susceptíveis de funcionar como sound-bytes.
A questão de fundo não é voluntarista. Não se trata de saber como fazer “mais” e “melhores” debates. Creio mesmo que os operadores televisivos dariam uma bela prova da sua inteligência declarando que talvez precisemos de menos debates. Mais do que isso: reconhecendo que um épico de David Lean ou uma peça de Ibsen podem ser muito mais enriquecedores para a nossa visão do mundo do que um ministro e um líder da oposição a trocar piropos, nem sempre muito elegantes, sobre o modo como o “meu” partido é que tem as “soluções” para “sairmos da crise”...
Numa recente edição de The Daily Show (SIC Radical), Jon Stewart (na foto) deu um excelente exemplo de como é possível manter vivo o diálogo político sem recorrer a estratagemas gratuitos de “espectáculo”. Entrevistava ele Mike Huckabee, republicano, ex-governador do Arkansas, candidato derrotado (por John McCain) à nomeação pelo seu partido para as presidenciais americanas de 2008. Huckabee lançou há poucas semanas o livro Do the Right Thing e, não se coibindo de exprimir pontos de vista contrários ao do seu convidado, Stewart questionou-o, com especial veemência, sobre a sua resistência à legalização do casamento de homossexuais.
Claro que não se trata de sugerir que qualquer jornalista, em qualquer contexto, deva lançar os seus próprios pontos de vista nos debates (sabemos que a maioria dos programas não tem o grau de personalização de The Daily Show). Trata-se, isso sim, de relembrar o óbvio: a televisão não tem que procurar a “polémica” pela “polémica”. Uma televisão viva e inteligente é uma televisão que pensa. E, mais do que isso, possui o condão de fazer pensar.
>>> Este é o registo da parte do diálogo a que o texto se refere — o programa, na sua totalidade, pode ser visto aqui.
sábado, dezembro 27, 2008
Figuras do ano: Gilberto Madaíl
Gilberto Madaíl, presidente da Federação Portuguesa de Futebol, quer prosseguir essa saga de futebolização do país, da televisão e das mentes, continuando a militar pela organização do Mundial de Futebol de 2018 no nosso país (em associação com a Espanha). Este simples facto transforma-o numa personalidade marcante do ano que agora termina e, mais do que isso, na figura cultural do ano. Porquê? Porque nada disto tem a ver com o esplendoroso espectáculo que é (ou pode ser) o futebol. Antes porque o projecto de Madaíl pode vir a marcar os valores colectivos e as grandes opções do país na próxima década, voltando a colocar sectores importantes — construção civil, publicidade, mobilização da juventude — a reboque do futebol.
A miragem de "Austrália"
São muitos os filmes que nos permitem perceber as contradições internas da história da Austrália. Podemos evocar a obra-prima de Alfred Hitchcock, Sob o Signo de Capricórnio (1949), melodrama com Ingrid Bergman em que a sociedade australiana do século XIX emerge como fantasma moral da Grã-Bretanha. Mais próximo, podemos citar o caso de A Vedação (2002), de Philip Noyce, sobre a política que, na década de 1930, levou à separação compulsiva de muitas crianças aborígenes das respectivas famílias.
>>> Um dos espantosos planos-sequência de Sob o Signo de Capricórnio, com Ingrid Bergman a recordar os acontecimentos tráumaticos que a conduziram à Austrália.
Baz Luhrmann terá querido fazer uma síntese, sem dúvida conceptualmente interessante, porventura impossível em termos de produção. O seu Austrália pretende ser uma fusão espectacular de todas essas memórias traumáticas e, certamente não por acaso, apresenta-se mesmo narrado a partir do ponto de vista de Nullah (Brandon Walters), uma criança “marginal”, nascida de uma mãe aborígene e um pai branco. Nullah introduz no filme uma mágoa enraizada numa idealização do próprio país que tem sempre dificuldade em combinar-se com a love story construída em torno das personagens de Nicole Kidman e Hugh Jackman.
Mesmo não esquecendo dois ou três momentos fulgurantes, Austrália apresenta-se como um objecto ferido pela ambição de querer relançar uma matriz cinematográfica enraizada na herança de clássicos como E Tudo o Vento Levou (1939). Luhrmann acaba por não ter um background de produção que lhe permita sustentar uma estética coerente: na primeira parte, por exemplo, a imponência física do deserto é um fundamental elemento dramático até que, a pouco e pouco, a “falsidade” dos cenários digitais vai tomando conta do filme. Reveja-se Lawrence da Arábia (1962) e imagine-se o que ficou por fazer.
>>> Da lista dos '100 Maiores Filmes de Sempre', pelo American Film Institute: apresentação de Lawrence da Arábia.
Histórias de Nanni Moretti
Desde o seu anúncio, o projecto de Caos Calmo surgiu sob o efeito do “patrocínio” de Nanni Moretti. Desde logo porque Moretti ia assumir a personagem principal de um filme cuja realização seria de outro cineasta (Antonello Grimaldi), mas também porque ele fazia questão em deixar a sua marca no argumento (co-assinado com Laura Paolucci e Francesco Piccolo). O mínimo que se pode dizer é que os resultados foram compensadores, nomeadamente em Itália, com Caos Calmo a receber três prémios David di Donatello (palmarés anual da produção italiana), com destaque para o de melhor actor secundário atribuído a Alessandro Gassman (filho de Vittorio Gassman, no filme intérprete do irmão de Moretti).
Moretti mantém, assim, uma concepção do seu trabalho que, embora ancorada numa pessoalíssima visão artística e filosófica, visa criar condições para o desenvolvimento de um cinema italiano que não aliene os seus mais tradicionais valores temáticos e narrativos. Nesta perspectiva, podemos aproximar a teia psicológica de Caos Calmo de alguns títulos do próprio Moretti, incluindo os emblemáticos Palombella Rossa (1989) e O Quarto do Filho (2001). Em todo o caso, Caos Calmo provém em linha directa dos dramas sociais do grande cinema italiano das décadas de 60/70, assinados por cineastas como Dino Risi, Mario Monicelli ou Luigi Comencini, muitas vezes esquecidos face à incontornável grandeza de contemporâneos como Michelangelo Antonioni ou Federico Fellini.
É essa a grande lição de Moretti: a de praticar um cinema atento ao presente, mas mantendo uma relação viva com o património cinematográfico do seu país. É um cinema que, além do mais, se demarca da formatação televisiva que, ao longo dos anos, deixou as suas marcas nefastas, quer na linguagem, quer na organização económica de muitas zonas da produção audiovisual italiana.
Nanni Moretti (n. 1953) é um criador multifacetado, repartindo-se pela realiza-ção, produção e representação, por vezes com claras componentes autobiográficas, como em Querido Diário (1993) e Abril (1998). Foi uma das revelações do cinema italiano dos anos 70/80, nomeadamente através de Sonhos de Ouro, Bianca e A Missa Acabou (todos disponíveis no nosso mercado de DVD). Também analista da cena política, já abordou temas relacionados com o Partido Comunista Italiano (Palombella Rossa) ou Silvio Berlusconi (O Caimão). O Quarto do Filho valeu-lhe a Palma de Ouro de Cannes/2001. É também exibidor cinematográfico, dirigindo uma sala (Cinema Nuovo Sacher) de Roma.
De que falamos quando falamos de felicidade? Afinal de contas, a pergunta não é filosófica, mas eminentemente prática. É uma pergunta que, todos os dias, nos entra pelas nossas casas através de telenovelas e anúncios de telemóveis, nas palavras de políticos e figuras do jet-set: todos falam da sua felicidade e, por vezes, garantem-nos mesmo que têm receitas para a nossa felicidade...
Se outras razões não houvesse, estas bastariam para fazer de Caos Calmo um filme eminentemente actual. Nele se conta a história de Pietro Paladini, administrador de uma empresa de televisão (o pormenor não será secundário) que, na sequência da morte acidental da mulher, passa a viver uma estranha rotina: todos os dias acompanha a filha Claudia ao colégio, sem depois se dirigir ao emprego; fica no jardim em frente ao colégio, vai lendo, frequentando o café, conhecendo pessoas. Com o decorrer dos dias, Pietro acaba mesmo por ir recebendo colegas e familiares, como se tivesse criado um novo “escritório” que tem tanto de posto profissional como de confessionário.
Produção italiana apresentada no Festival de Berlim do passado mês de Fevereiro, Caos Calmo está, em termos temáticos, muito próximo do padrão de telefilmes familiares que faz parte da produção regular de algumas televisões europeias (nomeadamente em Itália e França). Em todo o caso, demarca-se das suas convenções e do seu determinismo, antes do mais graças a um trabalho de argumento que em nenhum momento procura encerrar as personagens em “modelos” dramáticos ou moralistas.
E se é verdade que a realização de Antonello Grimaldi (precisamente alguém com experiência dividida entre cinema e televisão) possui a vantagem da sobriedade, não é menos verdade que é difícil imaginar Caos Calmo sem a muito contida, e também muito subtil, composição de Nanni Moretti na personagem de Pietro. Moretti consegue colocar em cena o desconcertante paradoxo de um homem dividido entre as obrigações sociais que decorrem do seu próprio luto (de acordo com as regras desse luto, as outras pessoas esperam que ele se comporte de forma “lógica”) e a súbita descoberta de um vazio interior que, afinal de contas, ele próprio desconhecia.
Ao contrário de uma telenovela, a história de Caos Calmo, adaptada de um romance de Sandro Veronesi, não se encerra num esquema de “soluções”, “inocentes” e “culpados” (mesmo se é verdade que o tema da culpa perpassa por todo o seu desenvolvimento). O filme acaba mesmo por possuir a transparência simples, porventura naïf, de um retrato social que, para lá do jogo das aparências, nos revela a solidão das suas personagens. Talvez possamos defini-lo como um conto moral cuja “mensagem”, algo irónica, está condensada no próprio título: este é um sistema de relações profundamente abalado nos seus valores e certezas e, ao mesmo tempo, um universo que se distingue por uma bizarra e contagiante serenidade. Dito de outro modo: mesmo sob o efeito normativo da televisão, o cinema social italiano continua vivo.
Um inesperado clássico de Natal
Brian Eno compõe para Peter Jackson
sexta-feira, dezembro 26, 2008
Figuras do ano: Jon Stewart
Deneuve: memórias sem nostalgia
London Astoria fecha a 15 de Janeiro
Os londrinos, em particular músicos e melómanos, não acolheram com indiferença a notícia do fim da sala. Houve campanha pela salvação da sala, mas sem consequência, Inaugurada em 1927 como cinema, a sala foi adaptada para espectáculos de palco nos anos 70. E, desde então, poucos foram os nomes que fizeram a história da música pop que por ali não passaram. Por lá foram vistos, em palco, Nirvana, U2, David Bowie, Rolling Stones, Prince, Franz Ferdinand, White Stripes... Os Radiohead gravaram ali o seu primeiro concerto a editar em vídeo, em 1994. Os Eels registaram ali o álbum ao vivo Live and In Person! London 2006...
Pessoalmente guardo do London Astoria memórias de concertos inesquecíveis dos Blur, Pet Shop Boys, Suede e Placebo (nos seus melhores dias). Quase todos na sala principal, o dos Suede na sala mais pequena, com alma de clube, na cave.
Imagens de 2008 (8)
De regresso ao cinema
'Out Of My Mind' (single), 1997´
Terminada a etapa Thank You, os Duran Duran regressaram a estúdio para gravar um novo disco de temas originais. A tensão e insatisfação gerada pelo insucesso do álbum de 1995 e questões pessoais terão contribuído para mais uma separação, que a dada altura afastou das sessões o baixista John Taylor, um dos fundadores do grupo. Ainda longe de ter um alinhamento final definido, a editora pegou num conjunto de canções já concluídas, procurando para uma delas um lugar numa banda sonora de um potencial blockbuster da temporada... Encontrou interesse na equipa que preparava então uma adaptação ao cinema do clássico televisivo dos anos 60: O Santo, e que teria Val Kilmer no papel protagonista. Foi assim que Out Of My Mind ganhou vida, bem antes das demais canções que meses depois dariam forma a Medazzaland. A canção, de textura elaborada, revelou mais uma composição mid tempo, em tons menores, aceitando heranças de eloquência da etapa final da obra dos Roxy Music, porém revelando um tom desencantado que, muito certamente, era fruto do clima sombrio que então se abatia sobre o grupo. O single foi editado em Março de 1997 pela Virgin Records, representando o primeiro lançamento do grupo fora do selo EMI/Parlophone (ou Capitol nos EUA) em que editara desde 1981. O single, editado apenas em CD, incluía os temas Sinner Or Saint (composto para o filme) e Silva Halo (de Medazzaland). No Reino Unido atingiu o número 21.
O teledisco de Out Of My Mind é um dos melhores (e menos conhecidos) da videografia dos Duran Duran nos anos 90. Realizado por Dean Farr, foi rodado num castelo na República Checa, apresentando os três elementos do grupo a vestir a pele de várias personagens, numa história de tons barrocos, com fantasmas pelo meio. E sem qualquer ligação com o filme que usou a canção na sua banda sonora.
Eartha Kitt (1927 - 2008)
Marcada por uma infância de discriminação e solidão, transformou-se numa figura emblemática dos cabarets e do espectáculo teatral, com uma carreira multifacetada em televisão e cinema. Foi revelada por Orson Welles, em 1950, em Time Runs, uma variação sobre Fausto em que ela assumia a personagem de Helena de Tróia. Muito popular no começo dos anos 60 pelo seu papel de 'Catwoman' na série televisiva Batman, viu-se marginalizada, no tempo de Lyndon Johnson, por causa das suas opiniões contra a guerra do Vietname. Regressaria, em apoteose, em 1978, integrando o elenco de Timbuktu, na Broadway, uma versão 100 por cento afro-americana de Kismet — na altura, o Presidente Jimmy Carter fez questão em saudá-la pessoalmente. As canções C'est si Bon e Santa Baby constituem imagens de marca da sua arte de cantar. Há cerca de seis semanas, Eartha Kitt concuíra a gravação de um programa especial para a PBS, a emitir em Fevereiro de 2009.
Este é um registo de 1962: uma espantosa, ligeirísima, interpretação de Just an Old Fashioned Girl.
>>> Biografia na MTV.
>>> Obituário em The New York Times.
>>> Entrevista na NPR: 'The Long View'.
quinta-feira, dezembro 25, 2008
Natal no Cambodja
Harold Pinter (1930 - 2008)
Morreu, vitimado por cancro, um dos nomes maiores da literatura do século XX (Nobel em 2005) e, em particular, do teatro contemporâneo — Harold Pinter faleceu na véspera do dia de Natal, contava 78 anos.
A primeira peça de Pinter, The Room, surgiu em 1957. Se há linha de continuidade e coerência numa obra que viria a repartir-se pelo teatro (29 peças), cinema (26 argumentos), poesia, ensaio, televisão e rádio, talvez a possamos definir através de uma paradoxal insuficiência da palavra: as personagens das suas peças mais famosas — The Birthday Party (1957), The Caretaker (1959), The Homecoming (1964), No Man's Land (1975), Betrayal (1978), One for the Road (1984) ou Moonlight (1993) — vivem quase sempre nesse espaço intermédio (de facto, uma terra-de-ninguém) em que a comunicação favorece um sistema de trocas que, por trágica ironia, amplia a solidão de cada um.
De algum modo, a sua ligação ao cinema, com argumentos originais, adaptados ou baseados em peças de sua autoria, reflecte a mesma dinâmica temática e criativa. A sua ligação ao negrume crítico da obra de Joseph Losey (1909-1984) foi particularmente marcante, tendo-se saldado por três títulos — O Criado (1963), Acidente (1967) e O Mensageiro (1970) —, de alguma maneira unidos pela contemplação dos restos do romantismo clássico. O mesmo se poderá dizer, aliás, da sua adaptação do romance de John Fowles, A Amante do Tenente Francês, filmada em 1981 por Karel Reisz, com Meryl Streep e Jeremy Irons nos principais papéis — eis o respectivo trailer.
Com formação e prática de actor (nos anos 50, usando o pseudónimo 'David Baron'), Pinter teve toda a sua carreira pontuada por diversos trabalhos em palco, no cinema e na televisão. Em 2006, no âmbito da temporada comemorativa dos 50 anos do Royal Court, Pinter interpretou a personagem de Krapp numa breve carreira (nove representações) de Krapps's Last Tape, de Samuel Beckett. No passado mês de Outubro, assumira a presidência da Central School of Speech and Drama, precisamente a escola em que estudara arte dramática em 1950-51.
Distinguido em 2005 com o Prémio Nobel da Literatura, o seu discurso de agradecimento é uma notável peça literária e de oratória, reflectindo os seus continuados empenhamentos políticos e, em particular, a sua condenação da intervenção dos EUA no Iraque.
>>> Site oficial de Harold Pinter.
>>> Entrevista conduzida pelo actor e director Harry Burton (8 Set. 2008).
>>> Obituário na BBC.
>>> Obituário em The New York Times.
>>> Obituário em Le Monde.
>>> Site oficial da Central School of Speech and Drama.
>>> Página no British Film Institute.
>>> Teatro de Pinter pelos Artistas Unidos.
>>> Video do discurso do Nobel.