sábado, abril 01, 2006

Abril



















Acordar, ser na manhã de Abril
a brancura desta cerejeira;
arder das folhas à raiz,
dar versos ou florir desta maneira.

Abrir os braços, acolher nos ramos
o vento, a luz, ou o quer que seja;
sentir o tempo, fibra a fibra,
a tecer o coração de uma cereja.

Eugénio de Andrade, As mãos e os frutos (1948)

terça-feira, março 21, 2006

Dia Mundial da Poesia


Outono


Criei a alma. A vegetação de países
Irrepetíveis. Vastos bosques orlam os caminhos. Os muros
Dão para o mar. As aves pontuam o céu. As ondas arremessam-se
Sobre o litoral. O poema é cruel,
Indeciso.

Preparei a nostalgia violenta da criação. Sentei-me
Nos bares marítimos de cidades inlgesas, esperando barcos
Que não vieram. Invoquei regressos, longas
Viagens, percursos espirituais. Cada dia me trouxe
Uma diferente sensação.

As folhas juncam o chão. O terror
Assola o planalto, as populações mórbidas
Do poente. Uma voz canta as mulheres obscuras
De Southampton. Chove no poema
Há alguns anos. O poeta abre, finalmente,
O chapéu de chuva.


Nuno Júdice, A Noção de Poema, 1972

segunda-feira, março 20, 2006

Destronem-se os politicos

Um amigo meu comentava no outro dia que tinha ido buscar um carro à Alemanha e que com isso tinha poupado cerca de 15000 euros no preço final.
Como é triste constatar que apesar do nosso salário mínimo ser dos mínimos o mais mínimo, termos a maior carga fiscal de toda a Europa. Não se trata de carros, mas, pois isso sim é grave, dos produtos de primeira necessidade: o leite, o pão, os ovos. É incompreensível que um espanhol que ganha 3x mais que um português tenha os produtos mais baratos no supermercado.
O grande culpado acaba é o das costas largas, o tal deficit. Por sua culpa, pagamos 21% de IVA, pagamos I.A.s, I.M.I.s, I.M.T.s, portagens, taxas moderadoras, etc, etc…
Mas já que pagamos tantos impostos – os nórdicos pagam, p.ex. 60% dos rendimentos – isso terá que obrigatoriamente significar que o nosso Estado nos presenteia com boas estradas, boa saúde, boa educação e boas reformas. Mas não. Pagamos as mais caras portagens para andar nas boas estradas, assistimos ao encerramento de hospitais, centros de saúde, maternidades, fecham-se escolas, despedem-se professores e as reformas são as mais miseráveis de todo o espaço europeu.
A verdade é que há um culpado, um culpado que é real e palpável e não é o deficit, monstro mítico. O culpado é o político. Esse monarca dos tempos modernos, habitante de uma realidade substancialmente diferente da nossa, comuns mortais.
Há muito que os políticos escolheram viver num mundo de luxo, ócio e lazer. Absortos nessa realidade, passaram a gerir, a gerir-nos lá do alto, avaliando-nos por si. Como pode um politico defender o aumento das pensões de reforma, se já recebe 2000 ou 3000 a esse titulo? Porque é que não há de haver portagens, se quando passa por uma no seu Mercedes-Benz ou no seu BMW, a caixinha da via verde se encarrega de descontar a respectiva no cofre de todos nós? Porque não há de fechar uma escola primária no interior de Portugal, se os seus filhos andam numa escola particular na capital? Porque não fechar Tribunais, já que não são julgados por eles?
O fulcro de toda a questão acaba por ser este mesmo: Alienação. O Politico moderno vive alienado da realidade daqueles que governa, daqueles que representa. Acredito inclusive que o Politico acredite veemente naquilo que diz, que acredite que nós acreditamos…e é assim, pois ele nunca foi, na verdade, um de nós: foi da Jota, subiu depois para a concelhia, daí para a distrital, depois para deputado, acessor, secretario de estado, ministro, administrador, e reformou-se.
Alguém me disse e com razão: “é fácil viver melhor, é só deslocarmo-nos 100 km para leste”.

quarta-feira, março 15, 2006

O Trovador errante






Jorge Palma tornou-se uma presença constante nos palcos portugueses. Por eles têm passado canções de uma carreira a solo que teve início em 1972 e que soma já mais de trinta anos. O aclamado Bairro do Amor, em 1989, confirmou o sucesso de uma carreira que tem estado muito próxima de todas as gerações. Muitos foram os que o viram em 1971, em Vilar de Mouros, nos teclados dos Sindikato, outros assistiram à sua colaboração com outros músicos, tais como em Palma’s Gang, Cabeças no Ar e Rio Grande. Influenciado por tudo o que o rodeia, Jorge Palma reconhece que a sua preocupação sempre foi a de universalizar aquilo que escreve. O seu ‘bairro’ é o mundo, que o tem acolhido ao longo do seu percurso enquanto músico. Suiça, Itália, Dinamarca, Escandinávia, Inglaterra, Alemanha, mas, sobretudo, Paris, o ‘quartel-general’, onde foram muitos os concertos no metro, são algumas das cidades que o viram crescer como artista e o ouviram cantar o amor, a saudade, a tristeza, o medo, a denúncia. A entrega à musicalidade das palavras faz com que se somem as histórias de uma vida em errância nas canções daquele que é hoje um dos nomes de referência da música popular portuguesa.

A Gente Vai Continuar

Tira a mão do queixo, não penses mais nisso
O que lá vai já deu o que tinha a dar
Quem ganhou, ganhou e usou-se disso
Quem perdeu há-de ter mais cartas para dar
E enquanto alguns fazem figura
Outros sucumbem à batota
Chega aonde tu quiseres
Mas goza bem a tua rota

Enquanto houver estrada para andar
A gente vai continuar
Enquanto houver estrada para andar
Enquanto houver ventos e mar
A gente não vai parar
Enquanto houver ventos e mar

Todos nós pagamos por tudo o que usamos
O sistema é antigo e não poupa ninguém, não
Somos todos escravos do que precisamos
Reduz as necessidades se queres passar bem
Que a dependência é uma besta
Que dá cabo do desejo
E a liberdade é uma maluca
Que sabe quanto vale um beijo

Enquanto houver estrada para andar
A gente vai continuar
Enquanto houver estrada para andar
Enquanto houver ventos e mar
A gente não vai parar
Enquanto houver ventos e mar

Enquanto houver estrada para andar
A gente vai continuar
Enquanto houver estrada para andar
Enquanto houver ventos e mar
A gente não vai parar
Enquanto houver ventos e mar

segunda-feira, março 13, 2006

Tejo




Faz parte da minha vida. O Tejo é como uma linha da palma da minha mão, o Tejo nunca se apaga.

sábado, março 11, 2006

Regresso



Nada é tão bom como esse sentimento de plenitude do reencontro e da saudade, como encontrar-me num comboio de regresso.

domingo, janeiro 29, 2006

Se cá nevasse, fazia-se cá ski!

Agora já neva neste país de pés frios e coração quente.

Rio de Janeiro

Rio de tudo
Em Janeiro
E choro por nada
O ano inteiro

Porventura o Sol

Abro o céu
Como uma sombrinha
Antiga
Daquelas
Onde as damas
Escondiam sorrisos
Velados
Pela sombra
Do pecado

Corpo de água

A água
No meu copo
A água
No meu corpo
A nascente
A jorrar
No teu

A água
Que lava
A manhã
Límpida
Clara
E fresca
Amanhã que acordo
Com o meu copo
E o teu corpo
E a água
que bebemos
Fresca
Pela amanhã
De manhã


Nota solta: Em dolby surround com Vodka7