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sábado, 14 de maio de 2016

Faustus Sapienza: Memórias do golpe

Mais um texto de Faustus "Mestre" Sapienza. Um curioso exercício de futurologia. O que se falará do golpe de 2016 daqui a alguns anos? Pistas na pequena ficção (ficção?) a seguir.

Lembram-se do golpe de 2016? Entrevista em 2038
Faustus "Mestre" Sapienza
Gravando. Ok. De novo. Gravando. Ok.
22 de outubro de 2038.
Curso de História. Universidade digital. Doutorado. Título: "2012-2016: um golpe nem tão suave num Brasil que se acreditava solidamente democrático". Vamos entrevistar o ex-deputado federal Pitombo Macieira, mais conhecido como Bobrinha. Ele foi um dos deputados que votaram a favor do prosseguimento do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016.
- Boa tarde, deputado. Obrigado pela entrevista. Vai ser muito útil para o trabalho que estamos desenvolvendo. Posso chamar o senhor de deputado mesmo?
- Rapaz, já larguei a política, como você sabe, mas todo mundo que fala comigo me chama de deputado. Até estranho quando me dão outra qualificação. 
- Muito bem. O senhor estava naquele famoso 17 de abril de 2016...
- 18 de abril. Era um domingo... Quente...
- Desculpa, deputado. Certeza que era 17.
- Bem, já faz mais de vinte anos e o historiador aqui é você. Mas que era 18, era!
- 17, deputado! Mas, enfim, naquela famosa tarde/noite de abril de 2016 o senhor votou a favor da abertura do processo contra a então presidente Dilma. Não tem sido incomum declarações de deputados e outras pessoas envolvidas demonstrando arrependimento ou tentando até renegar a participação em tudo aquilo. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
- Olha, filho, apesar de moço experiente e tudo mais, você é jovem e merece uma lição, até na sua qualidade de estudioso da história, da política e coisa e tal. A noção de importância histórica só se tem com o tempo. A gente às vezes até faz uma coisa que sabe que é errada mas não tem a dimensão do erro que está cometendo. Do tamanho que aquilo vai ganhar depois de uns anos. É muito o aqui agora...
- Por sua fala posso presumir que o senhor reconhece que foi um erro. E mais - se eu estiver errado, me corrija -, o senhor parece estar querendo dizer que já sabia que estava errando quando proferiu o voto, mas resolveu arriscar.
- Com certeza. E posso lhe garantir que muitos de meus colegas sabiam do erro que estavam cometendo.
- Mas, deputado...
- Por favor, não pense que eu estou acusando alguém de ter feito qualquer coisa errada... É... Assim do tipo... Você sabe. Tem muita história que rolou, que rola até hoje, mas eu não gosto de ficar especulando. Na verdade muito deputado só foi pela onda mesmo. E vou te falar, até em coisas que pareciam bobagem na época já havia sinais de pressões de diversas ordens.
- Como assim?
- Lembra que os votos eram dedicados a familiares, eram em nome de Deus...
- O senhor, por exemplo, além de Deus, dedicou para sua mulher, sua filha... Melhor, eu vou acionar o index eletrônico aqui e em menos de dois segundos eu encontro sua fala. Vamos ver?
- Não, filho, por favor, eu lembro muito bem de meu voto. Não gosto mais de ver. De fato dediquei à minha mulher daquela época. Era minha segunda mulher. A gente estava enfrentando uns probleminhas, por culpa minha. A verdade é que... Bem, não quero falar muito sobre isso, mas eu vinha já de umas atitudes não muito... Mas não adiantou muito. Ela continuou com a cara virada comigo, tanto que ainda naquela legislatura a gente se divorciou. E a minha filha era filha do meu primeiro casamento, hoje é deputada estadual, bastante conhecida. Também quis com aquilo fazer um agrado pra ela, já que ela não falava comigo tinha um tempo. Soube depois que ela nem ficou sabendo de nada porque não assistiu nem se interessava por nada daquilo naquele tempo. Ela era daqueles jovens que odiavam a política e que jamais perderiam um domingo vendo um monte de figura excêntrica - meus pares que me perdoem - fazendo um espetáculo grotesco daqueles. Mas, vem cá, o mais importante veio depois.
- Sim?
- No meu voto, depois de mulher e filha, meu tom de voz até aumenta para eu dedicar aquele ato também ao povo de meu estado e aos meus eleitores. Deixei bem claro que aquele voto era por eles.
- Não somente o senhor. Muitos repetiram o gesto, afirmando que o voto era pelas pessoas de suas cidades, estados.
- Exatamente. Isso não era trivial. Entende por quê?
- Se o senhor quiser explicar.
- No meu caso e de muitos outros que me confessaram, aquilo era uma forma de dizer que cometíamos aquele ato injusto por pressão da sociedade. Era para dizer que não estávamos fazendo de acordo com nossa consciência. Estava-se cometendo uma injustiça por absoluta culpa do povo. Era uma insinuação de que havia pressão externa.
- Mas, deputado, o senhor era de um estado que tinha dado maioria absoluta para Dilma, no qual não havia uma oposição orgânica a ela e a seu partido. Entidades representativas da sociedade civil em sua maioria eram contra o golpe, desculpa, impeachment...
- Pode chamar de golpe, filho. Eu sei que você acha que foi golpe mesmo. Todo mundo fala que foi golpe. Então é golpe, ora!
- Pois, então, já havia uma clara articulação contra o golpe; o apoio popular, segundo as pesquisas, vinha diminuindo...
- É que era um movimento de ricos e classe média alta. Quando eu dizia povo do meu estado, eu estava falando do sujeito que frequentava o mesmo restaurante que eu, que usava a primeira classe do mesmo voo que eu... Até havia uma coisa que chamavam de redes sociais, não sei se você chegou a conhecer. Pois bem, naquelas tais redes havia uma articulação poderosa, que pressionava, até ameaçava... Tudo alimentado pela mídia.
- E qual o papel da mídia nisso tudo?
- Filho meu, vou resumir. O deputado mais honesto teria sido aquele que, em vez de mulher, filho, Deus, povo etc, tivesse dedicado o seu 'sim' para a mídia. Em nome da mídia, eu voto sim. Seria o deputado que resumiria bem aquele fato histórico.
- A mídia foi a cabeça daquela articulação?
- Sim. A mídia e, como todos sabem, o Poder Judiciário de então. A judicialização da política, a criminalização da atividade política... Essas coisas todas facilitaram nossa vida naquela empreitada. É... Mas deixa eu te perguntar...
- Pois não.
- Eu estou proibido de fumar, filho. Não deixam cigarro chegar perto de mim. Será que você não tem um cigarro para me dar aí, não?
- Não fumo, deputado.
- Tudo bem.

domingo, 31 de maio de 2015

Comunicação, comunicação, comunicação!


Não raramente se ouve que Dilma, seus principais auxiliares e conselheiros, além de seu partido, não têm muita noção da importância capital da comunicação para travar o debate político. Há até quem sugira haver um quê de ingenuidade em Dilma e seu staff, que acreditariam demasiadamente no espírito democrático de seus opositores e na boa intenção por trás do bombardeio midiático contra o governo e o PT, além de confundirem republicanismo com passividade extrema.

Pois não tenhamos dúvida que Dilma, seu partido e o grupo que a cerca sabem muito bem da importância da batalha da comunicação e que têm plena consciência da desproporcionalidade da cobertura midiática. Não há ingenuidade nem republicanismo pueril aí: há boa dose de cálculo político, ainda que possivelmente errado.

Por que, por exemplo, Dilma, na campanha de 2014, aceitou concorrer por coligação tão ampla? Decerto não foi pensando na tal da governabilidade, tampouco se curvando à inexorabilidade do nosso presidencialismo de coalizão. E caso tenha sido, convenhamos, foi uma estratégia por demais furada, haja vista o banho que o governo vem tomando no Congresso, com o auxílio para lá de luxuoso da base dita aliada.

A amplíssima coligação a que Dilma se submeteu se fazia necessária, isso sim, para conseguir tempo de rádio e TV no horário eleitoral gratuito. Os responsáveis pela campanha certamente sabiam que a presidenta precisaria de muita lábia no tempo de TV para fazer frente ao massacre que sofria em todas as mídias “independentes”. Tal estratégia, sim, se revelou correta, pois durante a campanha a popularidade do governo e da presidenta deu uma significativa melhorada, o que teria sido impossível se o tempo de exposição dela fosse menor do que o de seus principais adversários.

Tivemos, em decorrência dessa condição, uma situação paradoxal. Dada a virulência da campanha, e considerando a indisfarçada guinada à direita da principal oposição ao petismo,  a campanha de Dilma não teve alternativas senão radicalizar à esquerda. Por outro lado, justamente a amplitude da coligação, como dito necessária para fazer frente ao bombardeio midiático, não permitiu que Dilma assumisse, de forma programática, compromisso com mecanismos de democratização da mídia. O discurso esquerdista não passou de discurso mesmo, não tendo seus postulados encampados como parte de um programa de governo.

O resumo da ópera é um tanto desalentador: em razão de não radicalizar a discussão política e em virtude da falta de debates sobre a democratização dos meios de comunicação, o petismo, vítima diuturna da violência midiática, fica refém, em tempos de campanha, da benção – e dos minutos de TV – de grupos de direita, justamente para, esquizofrenicamente, fazer frente aos ataques da mesma direita com que supostamente se alia! E por se compor com tais grupos de tendência mais conservadora, fica obrigado a ter uma postura superpassiva em relação à questão da comunicação social no País, aceitando, em nome de uma suposta boa vontade republicana, os abusos que contra si são cometidos.


Alguma figura importante da política internacional (Tony Blair?), em campanha, certa feita disse que suas prioridades eram três: educação, educação e educação. Para Dilma e o PT elas deveriam ser, pelo menos num primeiro momento, comunicação, comunicação e comunicação.

sábado, 8 de novembro de 2014

Choro do PSDB: tudo normal!

A choradeira do PSDB quanto à lisura das eleições presidenciais de 2014 não deve ser motivo para surpresas. Primeiramente porque o modelo brasileiro de urna eletrônica predispõe mesmo a fraudes, não devendo causar espécie alguém dela desconfiar, nem que seja por princípio. Em segundo lugar, porque resultados apertados existem mesmo para a parte perdedora espernear, já que resolvida nos detalhes - ressalte-se que mesmo sob um eventual resultado mais elástico, bastaria um quadro de grande radicalização e exacerbamento da polarização (como havido neste ano) para abrir campo para berreiros dessa espécie.

Em mensagens particulares enviadas a amigos, este blogueiro já havia antecipado a suspeita de que nos depararíamos com esse quadro. Vou colar trechos. A primeira foi em comentário de 07.10.2014 acerca de possível relação entre as chamadas jornadas de junho de 2013 e os resultados mais pró-direita do primeiro turno:
"(...) Tudo isso só para dizer que os resultados das urnas, sobretudo a escolha para os parlamentos, em nada me surpreendem. Eles são o resultado da guinada conservadora que ficou clara nos movimentos de junho de 2013. A cereja do bolo seria a derrota de Dilma, que, acho, não ocorrerá. Mas a vitória macérrima que ela terá provavelmente vai convocar novas manifestações, as quais deixarão novamente a esquerda perplexa e – de novo – com medo de dizer que não gostou do que viu."
Na mesma data, comentei especificamente sobre o segundo turno entre Dilma Rousseff e Aécio Neves, com resultado fantástico para o segundo, o que me fazia relembrar 2006:
"(...) Em 2006, Alckmin teve menos votos no segundo turno do que no primeiro. Não somente não espero que isso ocorra agora, como ainda acho que Aécio crescerá muito, impondo ao petismo a sua mais magra vitória desde 2002 (52 vírgula qualquer coisa de Dilma X 47 vírgula alguma coisa de Aécio – perdõem-me pela minha porção mãe dinah). Para ser melhor que isso, Dilma precisaria ter um desempenho fantástico como Lula teve no segundo turno de 2006, o que é muito difícil: Dilma é talentosa mas não é genial como Lula; Aécio tem mais telhados de vidro, mas é mais carismático e mais bem articulado que Alckmin. (...)" 
Lembro-me de cabeça de ter lido, de alguém que pensei à época ser adepto de teorias da conspiração, haver orientação da CIA para que derrotados simpáticos a Washington sempre gritem por fraude - de forma bem barulhenta - quando as condições permitirem. Depois de Edward Snowden, já não acho que "teorias da conspiração" envolvendo os Estados Unidos sejam tão teorias da conspiração assim!

A verdade é que a "vitória mácerrima" da presidenta Dilma foi a condição que permitia abrir espaço para gritarias.

Mas para dar prova mais incontestável da absoluta falta de espanto do autor destas maldigitadas com o choro dos tucanos vou colar texto aqui publicado em 19 de junho de 2009, que falava justamente das manifestações sobre suspeitas de fraude em eleições no Irã. Leia abaixo:


SEXTA-FEIRA, 19 DE JUNHO DE 2009
Irã: eu acho...
O bacana de se pilotar um blog é poder ficar dando pitacos sobre os mais diversos assuntos de forma mais ou menos impune. Além disso, pode-se dormir com a consciência tranqüila por não estar investido da autoridade dos especialistas. É só “achismo” mesmo e ponto final.
Os chamados cientistas políticos não deveriam gozar da mesma cuca fresca, pois se aproveitam de sua condição para fazer comentários e vaticínios deveras particulares sob a aura de uma suposta expertise. Ao agir desse modo, no mais das vezes com acentuado viés ideológico e deixando transparecer seus desejos e idiossincrasias, recusam, em verdade, a honestidade intelectual e a objetividade científica possível de que fala Max Weber na sua famosa conferência intitulada A ciência como vocação.
Vamos aqui, “acientificamente”, apenas revelar nossas impressões sobre o que ocorre no Irã. (Até porque não dá para ter muito mais do que isso: meras impressões).
Eu, “euzinho da silva”, acho que não houve fraude nas eleições do Irã. O presidente Mahmoud Ahmadinejad provavelmente ganhou mesmo. Volto a dizer, trata-se, obviamente, de mera opinião pessoal. Não posso afirmar que não tenha havido fraude. Ninguém pode. Mas ninguém – repito, ninguém - pode também afirmar peremptoriamente que houve. Certo está o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que atribuiu as comoções naquele país a uma provável choradeira dos derrotados. Errados estão os colunistas da grande imprensa, como Merval Pereira e Dora Kramer, que tentam desautorizar o presidente brasileiro por ele estar apoiando o seu colega iraniano reeleito. (Em realidade, Lula não está necessariamente dando apoio a Ahmadinejad; apenas faz aquilo que seria de se esperar de qualquer pessoa de bom senso: reconhecer os resultados das urnas de um país soberano; e se for o caso de haver alguma coisa errada por lá, o melhor a fazer é aguardar com cautela antes de sair atirando pedras).
Pelo que se depreende das notícias que chegam do país islâmico, as manifestações estão restritas aos grandes centros urbanos, mais especificamente à capital Teerã. O grupo oposicionista é organizado e barulhento, e o seu reclamo é ecoado pela mídia ocidental, que desde o início demonstra pouco entusiasmo com o presidente iraniano. Sabe-se que há, por outro lado, manifestações favoráveis ao presidente reeleito; mas elas não parecem contar com a mesma simpatia por parte da imprensa do ocidente.
E se o assunto é achismo puro e simples, vou externar uma opinião meio amalucada: eu, “euzinho da silva”, acho que o Brasil não esteve muito longe de situação parecida. Em 2006, se o candidato Alckmin não tivesse decepcionado parcela de seus eleitores e, especialmente, parte da imprensa, sobretudo por não ter tido coragem de defender o legado privatista dele e de seu partido, não seria de descartar que se ameaçasse falar em fraude ou em abusos e coisas do gênero para tentar melar a acachapante vitória de Lula.
Imaginemos a cena: a classe média paulista sairia às ruas, concentrar-se-ia na Av. Paulista e com a ajuda da mídia convocaria outras manifestações em grandes centros urbanos do sul-sudeste; as imagens rodariam o planeta nas telas da CNN e parariam nas páginas de internacionais dos jornais estrangeiros. Ipso facto, estariam todos mundo afora papagaiando que o presidente "populista caudilho" do Brasil fraudara as eleições. Ademais, haveria um Marco Aurélio Mello para jogar gasolina na fogueira.
Viagem pura? Certamente que é. Estou a afirmá-lo desde o começo. Mas, sincera e modestamente, não acho que meu achismo seja mais irresponsável ou mais ridículo do que o dos outros.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Saindo do coma em 2014

Relato anônimo

Acabo de sair do coma. É tudo estranho. Vão me contando as coisas aos poucos. Vou me recordando do que aconteceu quando sofri o fatídico acidente que me deixou anos e anos inconsciente.

Entrei em estado de coma em 2005. Lembro-me da tal crise do mensalão. Sei que o Lula ia sofrer impeachment e que o PT iria ter grandes dificuldades de ganhar qualquer coisa depois disso. Aliás, se bem me lembro, houve quem dissesse para não depor o Lula e deixá-lo sangrar até morrer para que, combalido, fosse enxotado do Planalto na eleição de 2006.

Acordo agora em setembro de 2014. É ano de eleição. Como é que é? As pesquisas são lideradas por uma tal Dilma Rousseff... O quê?! É a atual presidente? Presidenta, como queira. É a atual presidenta? Seguida de muito perto por... Marina Silva?

Agora me lembrei: Dilma Rousseff foi ministra de alguma coisa logo no começo do governo Lula... Isso, ministra de Minas e Energia, e naquela crise de 2005 ocupou o lugar de José Dirceu na Casa Civil. Não é ela?

O quê?! Dirceu? Preso? Ai, ai, ai, ai, ai... Amigos, acabei de sair do coma. Não se brinca com um homem assim!

Mas voltemos às eleições deste ano. Marina é candidata pelo PT, e a tal da Dilma tá por quem?

O quê?! Marina saiu do PT em 2008? Ela é agora o anti-PT? E a tal da Dilma é que é candidata do PT?

E o meu PSDB, onde está nessa eleição? Por que essa cara, gente?

Mas me expliquem melhor: Dilma então é a presidente candidata à reeleição, certo? Ok, ok, presidenta, prometo não me esquecer!

Então, obviamente, ela elegeu-se em... Deixe-me ver... em 2010, né? Não vai me dizer que foi pelo PT...

Sério? Mas pera aí... O PT não ia acabar em 2005? Não estava irreversivelmente derrotado? Como foi que renasceu das cinzas em 2010? Conta devagar porque é muita inform...

O quê?! Lula foi reeleito em 2006? E aquela história de impeachment? Sei, medo do povo nas ruas! Ok, ok, mas ele não ia sangrar até morrer?

E fez a sucessora em 2010?

Pode parecer tudo normal para vocês. Mas não se esqueçam que eu estava em estado de coma desde 2005. Saí de cena em 2005 com o "fim do PT" e com a espada na cabeça de Lula. Volto agora em 2014 com duas ministras de Lula durante a crise do mensalão disputando voto a voto a presidência da República, deixando para trás o candidato do meu partido.

E por falar nisso, quem é o candidato do meu partido, hein?

O quê?! Não é o Serra? Que surpreendente.

Mas vamos mudar de assunto. Que tal um pouco de amenidades?

O quê?! O Brasil sediou a Copa do Mundo deste ano? E foi um sucesso? Considerada das melhores de todos os tempos em termos de organização? Aqui, no Brasil? Ah, qual é?!

Bem, Copa disputada aqui, grande sucesso, não acredito! Mas, se é que vocês estão falando a verdade, só posso acreditar que o Brasil foi campeão, né?

Por que vocês estão se entreolhando?

O quê?! 7 a 1 pra Alemanha? Ah, nisso vocês não vão querer que eu acredite, né?

domingo, 6 de abril de 2014

IPEA e Datafolha

Dois temas envolvendo pesquisas e suas divulgações merecem comentário.


O erro do IPEA e o erro nosso

No dia 4 de abril de 2014 o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) corrigiu os resultados de uma pesquisa de grande repercussão no Brasil: À frase "Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas", 58% disseram discordar, contra 26% que concordam total ou parcialmente. Em resultado divulgado anteriormente, constou, equivocadamente, que a maioria concordava com a frase, provocando grandes protestos e discussões inclusive em nível internacional.

Vale recordar situação decorrida de texto do escritor Antonio Prata para a Folha de São Paulo. Em crônica de refinada ironia, o autor incorporou um sujeito ultraconservador e reacionário, proferindo opiniões que expressavam um grande radicalismo de direita. Prata relata ter recebido montanhas de mensagens de apoio pela sinceridade e coragem das duras palavras, assim como recebeu diversas outras de decepção ou de contraponto às loucuras que lá emitira.

E por que muita gente não percebeu a ironia no texto de Prata? A resposta simples é porque o seu texto era verossímil. Dado o grau de acirramento dos ânimos em meios mais politizados, ninguém parece achar estranho um discurso raivoso de direita, que não demonstre mais aquela vergonha de defender pontos de vista conservadores, mesmo que com doses de obscurantismo, que aparentemente sentia até pouco tempo atrás. Daí ter passado batido que o texto era um exercício ficcional.

No caso envolvendo o erro do Ipea, é igualmente estranho que todo mundo tenha achado plenamente crível o resultado da pesquisa anunciado anteriormente e que dava mais de 60% dos entrevistados concordando com o fato de que "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas". Como, pergunta-se agora, ninguém percebeu que deveria ter algo errado com aquela história absurda?

Isso só pode ser explicado por nossa tolerância com o machismo e por achar relativamente normal, dentro do grau de conservadorismo que nos encontramos, que haja pessoas que pensem daquela forma. Simples, simples.


O Datafolha e a manchete antijornalística da Folha

Diz a manchete da Folha de São Paulo deste domingo, 6 de abril de 2014: "Pessimismo sobre economia cresce, e Dilma perde seis pontos". Na nova rodada de pesquisas do Datafolha, Dilma Rousseff perdeu seis pontos e, com efeito, 29% acham que a situação econômica do País vai piorar, maior do que os 27% que pensam que ela irá melhorar.

Muito bem. Quem foi mesmo que disse  ser possível contar mentiras dizendo só a verdade?

Há um aspecto esquizofrênico na pesquisa já esmiuçado em outros blogs. O eleitor acha que a situação econômica do País vai piorar, mas, por outro lado, acredita que a sua condição econômica pessoal vai melhorar! E neste último, o resultado é uma lavada: 46% acham que vai melhorar, 39% que vai ficar como está e somente 12% apostam que vai piorar.

A percepção sobre a condição pessoal deveria, em princípio, anular a visão de que as condições econômicas do País como um todo vão piorar, de modo a desautorizar manchete chamando atenção para tal aspecto.

Melhor jornalismo teria praticado a Folha se tivesse destacado em sua manchete o fato de que Dilma perdeu seis pontos, mas que seus adversários mais prováveis e diretos, Aécio e Eduardo Campos, não os capitalizaram. Mais do que isso, a petista ainda ganha com folga no primeiro turno, outro viés de maior interesse jornalístico, aparentemente negligenciado pelo(s) editor(es) de primeira página.

Para piorar as coisas para a oposição e para o jornalismo militante da Folha, o único nome (não candidato) melhor na parada do que Dilma é o do ex-presidente Lula. Manchete destacando isso, então, nem pensar!

domingo, 16 de junho de 2013

Perspectivas para 2014 - influências dos resultados do PIB

O até certo ponto decepcionante crescimento econômico anotado no primeiro trimestre deste 2013 trouxe ânimo para a oposição e para o colunismo que lhe dá suporte na imprensa. Com ótimos índices de popularidade, sendo Dilma Rousseff favoritíssima à reeleição em 2014, qualquer espirro traz alento às hostes oposicionistas. Mas, afinal de contas, qual é efetivamente a importância dos números reais do Produto Interno Bruto na hora da eleição?

O PIB comportou-se de forma oposta nos dois últimos pleitos presidenciais: foi fraco durante o período que antecedia a corrida de 2006, e era quase chinês na disputa de 2010. As respostas das urnas parecem sugerir que a ideia de crescimento econômico, se mostrada de forma abstrata, sem relação direta com a vida das pessoas, não influencia de forma, por assim dizer, simétrica, o resultado - no limite, talvez seja meramente um elemento a mais, de importância apenas relativa, na hora de o eleitor decidir seu voto.

Em 2006, ainda antes da derrocada do neoliberalismo, o planeta vivia uma onda de prosperidade, com meio mundo ostentando números significativos de crescimento. O Brasil seguia acanhado, e o oposicionista Geraldo Alckmin, secundado pela mídia amiga, não perdia uma oportunidade de acusar o País de àquela época "estar crescendo somente mais do que o Haiti nas Américas". A despeito das lembranças e advertências do político paulista, o então presidente Lula, candidato à reeleição, obteve vitória folgada - para não dizer massacrante - no segundo turno.

Já em 2010, nos meses que marcavam a corrida pelo Planalto, a economia brasileira, diferentemente da maior parte das economias centrais do planeta, bombava, com índices de crescimento que, anualizados, orbitavam pelos 8%, números que só seriam considerados ridículos por chineses - e olhe lá! Mas eram os brasileiros que iam às urnas, e apesar do "feel good factor", impuseram um segundo turno e premiaram a oposição com 44% dos votos, números bem melhores do que o por ela alcançado quatro anos antes, quando, segundo Alckmin e a mídia, o Haiti era aqui.

Não raro veem-se críticos aos métodos de avaliação de crescimento econômico e gente que declaradamente contesta a validade do PIB para se apurar a saúde econômica e o bem-estar social num dado país. Aos estudiosos do tema, a relação, digamos, blasé que o eleitor brasileiro parece vir tendo com a matéria seria uma boa fonte de análise.

E em 2014, será que o eleitor irá às urnas com uma tabelinha do IBGE debaixo do braço?

sábado, 23 de março de 2013

Perspectivas para 2014

Eis que em menos de uma semana três amigos perguntam quais são minhas "previsões" para 2014. Pensei que estivessem falando de Copa do Mundo. Não estavam. Queriam minhas impressões sobre as próximas eleições presidenciais. Ponderei que ainda é meio cedo, mas, mesmo assim, falei um bocado, oferecendo quase nada de opinião original recheada de observações antes apontadas por gente como Miguel do Rosário, Luiz Carlos Azenha, Emir Sader, Marcos Coimbra, Paulo Henrique Amorim, Altamiro Borges e outros. Não me recordo quem disse o quê. Consequentemente não dei - e não darei - os créditos na forma devida. Ficam as homenagens para todos eles.

Aécio e o PSDB
comungamos da opinião de que Aécio Neves só será o candidato tucano se a reeleição da presidenta Dilma Rousseff se configurar inexorável. É que os caciques paulistas do tucanato verão no pleito a oportunidade de ouro para "queimar" o "mezzo-mineiro mezzo-carioca", deixando o campo livre para uma candidatura paulista em 2018.

Ao nosso ver, se as nuvens, parafraseando Magalhães Pinto, mudarem suas formas, de maneira a mostrarem um quadro no mínimo arriscado para Dilma, os paulistas novamente dificultarão as coisas para Aécio, ofertando-lhe, como prêmio de consolação, a inestimável honra de aceitar ser vice de um bandeirante da melhor cepa!

Marina e Eduardo
Marina Silva por sua tal "rede" e Eduardo Campos pelo PSB também sugerem que sairão candidatos em 2014. Ambos vêm recebendo generoso espaço na mídia, invariavelmente com leituras simpáticas. O motivo é que eles podem impedir uma vitória do Partido dos Trabalhadores já no primeiro turno. A suspeita é de que os dois subtrairiam votos do centro e da centro-esquerda alinhados com o PT. Somente por isso angariam a simpatia dos jornalões e de seus colunistas.

No fundo, o coração midiático bate mais forte pela proposta conservadora representada pelo PSDB. Marina e Eduardo só servirão enquanto - e se - dificultarem as coisas para Dilma. Se, por outro lado, um deles vier a surpreender, desalojando os tucanos de posto de segunda força política do País, decerto vai sentir o jogo sujo dos meios de comunicação.

Marina, que segundo as mais hodiernas pesquisas sustenta o segundo lugar na preferência do eleitorado, que se cuide!

E vai dar segundo turno em 2014?
Se a grande preocupação da mídia oposicionista é, no mínimo, garantir o segundo turno, pode ficar tranquila: a corrida pela Presidência da República em 2014 deve ser resolvida somente em segundo escrutínio mesmo, caso se mantenha a atual configuração da disputa. Por quê?

Eduardo Campos deve conseguir bom desempenho não somente no seu estado natal mas em todo o nordeste. Não se perca de vista que aquela região foi fundamental para os excelentes números alcançados pelos candidatos petistas em 2006 e 2010. É sangria de votos de Dilma na certa.

Marina Silva teve, em 2010, excelente desempenho na importantíssima praça do Rio de Janeiro. Não há, a princípio, motivos para acreditar que não conseguirá repetir o mesmo êxito em 2014. A acriana também saiu-se bem em São Paulo na última corrida presidencial. Não se enxergam, no horizonte, motivos para que se saia pior na próxima contenda.

E Aécio Neves, que foi no mínimo omisso em 2006 e que cristianizou Serra em 2010, tem tudo para impedir que um petista se saia vitorioso no segundo maior colégio eleitoral do Brasil, qual seja, Minas Gerais. Aécio deve ganhar de lavada, with a little help from his mídia, é claro!

Como se vê, Dilma tem muito a perder com o quadro ora desenhado. A ausência de um paulista poderia ser uma vantagem da petista, em vista da "orfandade" do maior eleitorado brasileiro. Este escriba, porém, acredita que o eleitor paulista é dos poucos do País ainda suscetíveis ao papo furado midiático, francamente antipetista, e seguirá, em maior ou menor grau, o candidato ungido pelos meios de comunicação, possivelmente Aécio Neves.

E falta um ano e meio, hein?!...



quinta-feira, 7 de março de 2013

Um erro de Chávez

Nestes dias que seguem ao da morte de Hugo Chávez não são poucas as homenagens, merecidas, ao grande ícone latino-americano de nossa era. De nossa parte, porém, louvá-lo-emos lamentando um de seus poucos erros.

Chávez, para falarmos em termos maquiavélicos, contou, em boa parte do tempo, com a fortuna, e teve, na maioria das vezes, a virtu necessária aos grandes líderes políticos. Soube valer-se da maior riqueza de sua Venezuela, o petróleo, aproveitando-se das boas fases de alta da commodity, revertendo os ganhos em programas sociais para o seu povo, transformando a estrutura social do país.

Liderança regional, figura carismática, sujeito que incorporava um movimento de mudança em um país e numa região que necessitavam de profundas transformações, Hugo Chávez esqueceu-se justamente de criar condições para que o "chavismo" lhe sobrevivesse com tranquilidade.

Não há originalidade no que está aqui exposto. Tampouco se trata de opinião nova, proferida no calor do momento, na hora em que o problema de algum modo se impõe. Nada disso.

No documentário "Ao sul da fronteira", de Oliver Stone, o falecido Nestor Kirchner já contava que advertira o presidente venezuelano da necessidade de dar espaço para o surgimento de novas lideranças em seu país. 

O historiador Gilberto Maringoni, especialista na matéria, em seminário do departamento de Filosofia da Universidade São Judas Tadeu, de São Paulo, em data não muito recente, expunha a ausência de nomes capazes de derrotar Chávez na Venezuela, mas se lamentava, ao mesmo tempo, de não haver outra figura, no campo do chavismo, capaz de suceder o "comandante". Asseverava ele, com misto de humor e desolação: "não existe uma 'Dilma' do Chávez!".

Mais recentemente, o ex-presidente Lula, em entrevista à imprensa argentina, em manifestação um tanto distorcida pela mídia brasileira, também declarava que Chávez precisava ter cuidado de preparar sua sucessão. A opinião repercutiu em todo o mundo, inclusive pela incontestável autoridade do brasileiro neste particular.

Antes de qualquer esperneio, cumpre esclarecer que o problema não está no modelo eleitoral da Venezuela, que permite sucessivas reeleições infinitas do presidente - embora caiba, por outro lado, crítica ao fato de a mudança constitucional que as permitem ter sido efetivada no meio do jogo, a exemplo, aliás, da que permite a reeleição no Brasil. A favor de Chávez, diga-se de passagem, está o fato de ao menos submeter ao crivo popular as alterações que implementava. 

A singeleza da questão está no fato de que, a despeito de ser líder carismático clássico, o presidente Chávez, até em razão do ambiente democrático popular que a sua atuação suscitou, poderia ter ungido desde há muito o próprio Nicolás Maduro ou qualquer outro nome de seu círculo mais próximo, deixando-lhes um caminho mais suave para dar continuidade ao seu assombroso legado. Seria uma empreitada difícil? Sem dúvida. Mas Lula e Dilma, mesmo sem uma rede de comunicação forte como a de Chávez, comprovam que não seria impossível.

sábado, 20 de agosto de 2011

Corrupções

A recente grita acerca da corrupção - com a consequente "faxina" promovida pela presidenta Dilma Rousseff - é algo que mereceria ser visto com cautela.

Antes de mais, vale atentar-se a trecho de belo texto do filósofo Vladimir Safatle publicado na Folha de São Paulo em 12.07.2011, que, a pretexto de criticar o magnata das comunicações Rupert Murdoch, em realidade falava do modus operandi da imprensa brasileira, inclusive, é claro, da própria Folha, que teve de fingir que não era com ela. Leia:
(...)Murdoch tornou a produção de notícias setor de uma luta política onde reina a seletividade do escândalo.
Todos, em algum momento, fizeram algo que não gostariam de mostrar na esfera pública. Mas cabe ao jornal decidir quem vai ser exposto e quem será conservado, quem vai para a primeira página e quem vai para a nota do canto.
A lei "dois pesos, duas medidas" transforma-se em uma regra, adequando-se às exigências de uma sociedade do espetáculo.(...) [Poder em pane, grifos nossos]

Pois é assim. Qualquer um que acompanha a imprensa brasileira pode ter a falsa impressão de que só existe corrupção em nível federal. Se a Folha, por exemplo, quisesse, poderia transformar a vida do governo tucano de São Paulo num inferno por ter decidido levar adiante projeto da linha 5 do Metrô com empresas suspeitas de acerto. Imagine o leitor todo dia manchetes martelando a denúncia, com reprodução no restante da mídia ou no mínimo naquelas sediadas em São Paulo. Mas, ao contrário, o assunto - que aliás poderia ter trazido mais prestígio ao jornalismo investigativo da Folha - foi devidamente jogado para baixo do tapete, sob o silêncio obsequioso dos neoudenistas de plantão, até mesmo entre os razoavelmente informados sobre o cabeluda história.

A essa altura do campeonato já não há novidade quanto aos objetivos dessa ofensiva midiático-oposicionista, com direito até mesmo a relativo apoio a Dilma por suas respostas supostamente rápidas dadas à sociedade, demitindo gente adoidado: atingir o ex-presidente Lula.

Não tem jeito, para a mídia e oposição (no fundo, quase a mesma coisa), Lula teria que ter deixado uma "herança maldita". Tentou-se, no início do ano, ressuscitar o fantasma da inflação: diziam que suposto aumento descontrolado e generalizado de preços era a "conta" deixada pelo populismo do crescimento econômico com inclusão social promovido pelo líder petista. Acreditava-se que o dragão iria se autoalimentar com o pânico disseminado diuturnamente na imprensa, ou, de outro lado, teria o governo brasileiro de dar um "cavalo de pau" bem forte na economia para domá-lo; num e noutro caso, principalmente os mais pobres - os maiores apoiadores de Lula e Dilma - sairiam perdendo, com evidentes dividendos para a oposição.

O factoide inflação, como não poderia deixar de ser, já perdeu fôlego, sobrevivendo apenas graças aos interesses do mercado que fatura com elevação de juros, conforme já comentamos em post cujo link está disponível abaixo. Para enfrentar Lula, portanto, restou a bandeira do combate à corrupção, tentando-se a todo momento sugerir - quando não declarar abertamente - que a roubalheira de hoje é "obra" legada pelo ex-presidente.

O comportamento de alguns colunistas e as falas deixadas por internautas nas caixas de comentários na internet podem criar fantasias mirabolantes na cabecinha de crianças de 10 anos ou pouco mais de idade: até 2002 o Brasil era comandado por um "coro de anjos", aí chegou um barbudo malvado e corrompeu (literalmente!) os alicerces desta República tão invejada mundo afora; mas depois de oito anos de trevas, veio uma destemida mulher com sua vassoura – alô, Jânio Quadros (Freud explica!) – e começou a realizar uma boa faxina. Sim, claro, “faxina”, afinal de contas somos um país de machistas e não podemos esperar muita coisa de uma mulherzinha de esquerda senão uma boa... faxina.

Seria divertido se, em vez de papo furado, a mídia resolvesse enfrentar os fatos. Que tal reportagens comparando o número de operações da Polícia Federal sob o governo Lula e sob o governo Fernando Henrique? E o que será que os articulistas e colunistas teriam a dizer sobre os procuradores-gerais da República nomeados por Lula em oposição à figura do "engavetador-geral" de FHC? E quanto ao número dos servidores demitidos por corrupção nos governos do PT comparados aos do PSDB? E se repórteres investigativos resolvessem se interessar pelo conteúdo do chamado "dossiê dos aloprados"? E se começassem a chamar o "mensalão mineiro" de "mensalão tucano"? Mudando de esfera, por que não fazer uma reportagem, ao menos na mídia de São Paulo, sobre o número de CPIs sufocadas na Assembléia Legislativa durante este longo reinado do PSDB no estado?

Em momentos de comedimento, ou quiçá condescendência, já se ouve por aí que, de fato, houve malfeitos em todos os governos, mas o problema de Lula teria sido o de "institucionalizar" a corrupção, o que seria em tese mais grave. É o tipo de afirmação de certo rebuscamento sociológico, que mereceria maiores reflexões e esclarecimentos de quem a advoga - o que até o momento não foi feito. De todo modo, parece haver, num primeiro momento, um recado cômico na assertiva: "corrupçãozinha" do dia-a-dia pode; só não pode se for "institucionalizada"! Do ponto de vista mais sério, vão por água abaixo todas aquelas digressões filosóficas de nossos intelectuais - como sempre papagaiadas pelos nossos estratos médios - de que a corrupção brasileira é endêmica, cultural, está no nosso DNA etc, não por acaso proferidas quando se pretendia perdoar aos seus.

Ainda sobre a contraposição da corrupção, digamos, comezinha à dita "institucional", há uma dificuldade de cunho essencialmente político. É que deve ser difícil para um bom neoudenista sair por aí espumando de raiva com o “mar de lama” que nos afoga por obra e graça de um “analfabeto nordestino”, enquanto demonstra condescendência com a corrupçãozinha de intelectuais e reis-filósofos moradores de Higienópolis. Afinal, mesmo entre aspirantes a integrantes de um futuro “tea party” brasileiro deve haver um ou outro dotado de coerência e seriedade.

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Inflação: política e economia


domingo, 24 de julho de 2011

Inflação: política e economia

O factoide inflação continua rendendo – com ou sem trocadilhos, você decide!. Começou como mero jogo político capitaneado pela oposição e pela mídia, passando, num segundo momento, a sofrer exploração da turma da economia-finanças – nesta etapa, também com o apoio do oligopólio midiático.

Já no fim de 2010, e especialmente no início de 2011, as figuras de oposição – e tanto faz falar de jornalistas ou políticos – passaram a dizer que vivíamos um clima de descontrole inflacionário. A estratégia parecia ser a de colar em Lula a responsabilidade por certa “herança maldita” legada ao País, e, neste caso, uma herança particularmente maléfica para a população mais pobre, não por acaso justamente os maiores apoiadores do ex-presidente. Alegava-se certo afrouxamento do pernambucano no combate ao “dragão”, que, por sua vez, teria sido alimentado pelo abuso nos gastos públicos dos últimos anos com o fim de ajudar sua candidata à sucessão.

O ano de 2010 fechou, com efeito, com inflação acima do centro da meta (5,91% contra 4,5%), ainda que abaixo do limite superior de tolerância, que era de 6,5% ao ano. Nunca é demais lembrar que em seu último ano, 2002, o presidente Fernando Henrique Cardoso entregou a Lula um País com 12,53% de inflação. É bom não se olvidar também que, durante a corrida presidencial do ano passado, a então candidata Dilma Rousseff trouxe à baila o assustador resultado do ocaso do ex-presidente tucano, vindo a sofrer desautorizações e censuras de colunistas da grande imprensa, assim como de um ou outro luminar dos partidos oposicionistas.

Esquecendo-se dos detalhes acima, explorou-se nos últimos meses o tanto que deu – e na medida do necessário – o assunto inflação, de modo a quase transformar o Brasil na Alemanha pré-nazista. Chegava a ser engraçado ouvir âncoras de rádios noticiosas reportando-se aos tempos da hiperinflação de Sarney, enquanto se esqueciam de mencionar o preocupante resultado do ano de despedida de FHC!

Mas o tópico inflação foi aos poucos esfriando do ponto de vista político. O primeiro motivo talvez tenha sido o de que não daria para martelar muito no tema, em vista das reiteradas informações de que o pequeno repique de preços iniciado em fins de 2010 devia-se, sobretudo, ao elevado valor das commodities, ou seja, não tinha muita ligação com fatores internos, tanto que diversos países vinham – e vêm – sofrendo com aumentos nas prateleiras.

E, muito melhores do que a “dura realidade” do parágrafo anterior, vieram histórias que mexem com o ânimo neoudenista não somente da oposição (política e midiática) mas também da classe média – mais sobejamente a tradicional – dos grandes centros urbanos. Trata-se do factoide Palocci e do escândalo do ministério dos Transportes. Com tais “combustíveis” em mão, capazes de acender o fogo do moralismo seletivo de importante contingente da população brasileira, torna-se bobagem brigar com fatos, querendo convencer o povo de que ele estaria vivendo o pior quadro inflacionário desde o início do Real, quando se sabe que isso é uma mentira deslavada.

Ora, dirão alguns, a coisa não parece estar rolando bem assim, haja vista os aumentos de juros, as declarações defensivas de ministros da área econômica e as falas cautelosas da própria presidenta Dilma. Pois bem: é aqui que entra o trabalho bem feito do pessoal da economia-finanças, ou, se preferir, o tal “mercado”.

É simples: os “mercadistas” querem juros. Viram no terrorismo inflacionário a oportunidade de não ter, sob novo governo e nova direção do Banco Central, o esperado estancamento da elevação contínua de juros. E para tal mister a mídia lhes serve com a mesma dedicação que normalmente presta para a oposição política.

O IPCA de maio e de junho tiveram quedas significativas. No entanto as pressões para se aumentar os juros soaram forte aqui e ali, tanto que a SELIC recebeu mais 0,25% nesta semana.

A imprensa, sempre prestativa, estampa em suas manchetes o acumulado da inflação de 12 meses, apontando-o como número acima do extremo da meta de 6,5%, deixando, contudo, de esclarecer que o BC não se compromete com resultados dos últimos 12 meses, mas sim com o consolidado do ano, ou seja, trabalha para não ultrapassar os 6,5% de inflação no ano de 2011.

A mídia esconde também que de junho a agosto de 2010 a inflação foi muito próxima de zero. Desse modo, no cálculo do acumulado de 12 meses está-se subtraindo zero e acrescentando qualquer resultado positivo, mesmo que baixo, que se venha atualmente apresentando, o que obviamente empurra para cima o somatório do período. Situação inversa pode ocorrer nos últimos meses deste ano: de outubro a dezembro do ano passado os índices estiveram sempre acima de 0,60%; possíveis resultados menores no mesmo período em 2011 inevitavelmente trarão o acumulado para baixo.

Em resumo, a inflação não traz riscos mais sérios, como já bem perceberam os políticos oposicionistas, muito mais empolgados com suspeitas ou escândalos de corrupção do que com as estripulias de um dragão que, embora desperto, continua bastante calmo no seu canto.

O pessoal do chamado mercado, porém, não pode deixar escapar o “diamante bruto” que a guerrinha política lhe jogou no colo. Não obstante as provas de que não há maiores riscos inflacionários a se considerar, o assunto não pode esmorecer, para que continuem a faturar com a farra dos juros.

Num e noutro viés, temos a mídia sempre dando suporte. Num e noutro caso, vemos o País sempre perdendo.


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sábado, 12 de fevereiro de 2011

O inflacionado mercado das mentiras

O assunto inflação vem, neste começo de 2011, ocupando bastante espaço na imprensa e ganhando lugar nas discussões de nosso cotidiano.

O medo é grande, dizem, pois a inflação está em níveis preocupantes. E a expansão de gastos - supostamente exagerada - dos últimos anos do governo Lula estaria na origem da escalada dos preços.

A presidenta Dilma Rousseff, ao que tudo indica, também está bastante assustada, e o resultado do IPCA de janeiro, indicando certa resiliência do "dragão", pode ter contribuído para o relativamente pesado "ajuste fiscal" que anunciou nesta semana.

Paradoxalmente - ou não tão paradoxalmente assim, vai saber... - o comportamento da equipe econômica de Dilma acaba por dar munição aos que, de forma oportunista, chegam a falar de uma "herança maldita" deixada pelos anos Lula.

Mas que tal um pouco de verdade sobre a "terrível" inflação deixada por Lula, sobrevivente em janeiro, e que tem tudo para pôr a perder as hodiernas conquistas do trabalhador brasileiro?

Antes de mais, gostaria de deixar claro que o autor destas mal digitadas, velhinho que é, viveu sob inflação e sabe que ela não tem nada de agradável, além de ser, como já exaustivamente repetido por aí, uma espécie de imposto pago justamente pelos mais pobres.

Portanto, este escriba jamais deixará de enxergar com bons olhos esforços que sejam empreendidos para controle da inflação.

Mas íamos nos meter a falar sobre a verdade por trás dessa história de inflação.

Pois bem, recordemo-nos da campanha presidencial de 2010. Nos debates e especialmente numa entrevista à Rede Globo, a então candidata Dilma Rousseff evocou um tal descontrole inflacionário que teria sido deixado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como herança ao seu sucessor, o petista Luiz Inácio Lula da Silva. Dilma recebeu críticas da oposição e da imprensa, chegando a ser chamada de mentirosa por uma grande colunista de nossos jornais. Como o leitor pode conferir aqui, em 2002, ano de despedida de FHC, para um limite máximo de 5,5% de meta de inflação, o Brasil efetivamente registrou 12,53%, ou seja, havia ultrapassado a casa dos dois dígitos. Como já tive oportunidade de dizer, não critico de forma muito dura os que afirmam que Dilma mentiu ao falar em descontrole inflacionário no ocaso de FHC, pois não estou bem certo de que 12,53% seja número tão superlativo assim, a ponto de poder ser qualificado como descontrole, embora não reste dúvidas de que ele inspira os maiores cuidados.

Já em 2010, último ano do presidente Lula, para um limite máximo de 6,5% de meta de inflação, o resultado do IPCA foi de 5,91%, ou seja, quase 10% menor do que o limite da meta. Todavia, ficou acima do chamado centro da meta, que é de 4,5%, e é aí que os catastrofistas se seguram para falar que a inflação está saindo dos eixos. Enganam os interlocutores ao omitir que o centro da meta é o mais desejável, mas não é a própria meta em si, que, como já dissemos, tinha em 2010, como limite máximo, o número de 6,5%.

Agora a pergunta que não quer calar: se em 2002, com 12,53%, a inflação não estava fora de controle, como afirmaram certos colunistas da grande imprensa, por que os 5,91% de 2010, dentro da meta, devem ser tomados quase como uma herança maldita de Lula? Em 2002, com mais de 12% de inflação não havia descontrole, mas em 2010, com menos de 6% temos uma herança maldita? Ora, ora, ora! Será que somos todos idiotas?

E ainda há mais, o PIB brasileiro em 2002 foi de 2,7%, ao passo que o de 2010 deve superar os 7%, o que quer dizer estarmos hoje com uma economia extremamente mais bem aquecida do que a do último ano de governo tucano. Além disso, Em 2002 o País estava em plena escalada do desemprego, já em 2010, por seu turno, atingiu-se quase uma situação de pleno emprego. Numa análise fria, pois, seria mais razoável uma inflação de no máximo 6% em 2002, e não surpreenderia muito algo na casa dos dois dígitos em 2010, uma vez que, evidentemente, a pressão de demanda foi bastante mais significativa no último ano do que foi oito anos atrás. Tal quadro indica, sem sombra de dúvidas, que a situação deixada ao final de 2002 é que era digna de assustar.

Há, portanto, algo de muito estranho nessa barulheira sobre inflação. Longe de mim querer arriscar que isso possa ter a ver com lobby do mercado financeiro para aumentar os juros. Aliás, se é que tinha, pode ser que o ajuste fiscal anunciado pela presidenta nesta semana seja tomado como um balde de água fria, haja vista que ele indica a possibilidade do uso de outros mecanismos no controle da inflação além da taxa Selic. A conferir.

No mais, sugiro ao leitor que, antes de começar a estocar alimentos, pare, reflita, pesquise, compare: por exemplo, faça uma busca e veja o que disse um certo colunista sobre o comportamento da economia em 2002 e coteje com o que ele diz agora. Preocupar-se com o comportamento dos preços nunca é demais; mas não precisa se desesperar nem ver pelo em ovo. Ademais, há sempre fortes interesses políticos e/ou do mercado nas campanhas bem organizadas via mídia. Pensemos nisso.

domingo, 30 de janeiro de 2011

O que é isso, novos companheiros?

Tem causado espécie ver colunistas dos grandes jornais, assim como (e)leitores de direita, rasgando elogios à presidenta Dilma Rousseff. Pelo jeito mudaram de opinião - e muito rapidamente - acerca da "comunista terrorista sanguinária atéia" de bem poucos meses atrás!

Para usar expressão bem ao gosto dos conservadores, não existe almoço grátis; ou seja, aí tem. Vale, no caso, recorrer ao teste de hipóteses, ainda mais que, em seu uso, não vamos acusar ninguém de assassinato.

Mais do que louvar Dilma, o objetivo parece ser primeiramente o de espezinhar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva: nenhum dos encômios à presidenta, que me lembre, veio desacompanhado de alguma comparação que tentasse desabonar Lula e seu governo. Em segundo lugar, a tentativa pode ser a de criar um foco de oposição nas bases que sustentam a presidenta ou que pelo menos sustentaram sua candidatura e, de quebra, obrigá-la a pôr em prática - ou continuar praticando - o programa oposicionista.

Lula? Que Lula?
Desmitificar Lula não é tarefa das mais fáceis. Mas há que se tentar.

O cálculo político é bastante simples: desarticulada como está a oposição, teme-se que um eventual malogro do governo Dilma possa, paradoxalmente, ser mais facilmente capitalizado por Lula, justamente o seu padrinho político, do que por algum nome do consórcio PSDB/DEM/PPS.

A ideia, portanto, é, em primeiro lugar, senão destruir, ao menos diminuir a importância do legado da era Lula. Feito esse trabalho, com a ajuda da corrupção de Dilma pelos elogios, a presidenta seria abandonada na estrada, já ao final do seu governo, para aí, sim, quem sabe aparecer um destemido Geraldo Alckmin para nos redimir, com toda a imprensa cobrando de um patriota Aécio Neves que aceite a honra de ser seu vice.

Seguir a agenda dos derrotados
Noutra leitura, vislumbra-se a tentativa de que a presidenta da República não somente prossiga, mas até aprofunde a clássica estratégia inicial de não confrontar os princípios da oposição - ou como preferem os mais críticos, que ela continue adotando a agenda dos derrotados.

Pretende-se, com isso, que a presidenta perca a simpatia - e o apoio, por óbvio - de movimentos sociais e de outras organizações da sociedade civil que com ela estiveram em sua bem-sucedida campanha. E, é lógico, nem de longe tem Dilma o carisma e o magnetismo de Lula. Daí para o isolamento seria um passo. O problema desse segundo intento é que, se Lula não for destruído, será ele o herdeiro da insatisfação com a presidenta, fechando de vez as portas para a oposição. Daí porque não se vislumbrar nessa hipótese nada além do mais absoluto pragmatismo político mesmo.

Resumo
As hipóteses para a conversão dos conservadores, em resumo, parecem ser essas, pela ordem: Lula, se chegar "inteiro" em 2014, leva a presidência mesmo que sua seguidora sucumba. Por isso é importante tentar destituí-lo da condição de mito desde já. A outra ideia, absolutamente pragmática, é afastar, por definitivo, a presidenta Dilma de qualquer agenda mais radical, levando-a a ficar sem alternativas senão a de transitar com os grupos mais à direita, mesmo que, desse modo, abra caminho para Lula em 2014.

Desnecessário dizer que o melhor dos mundos, para a oposição (incluindo a mídia, é claro) e para a direita como um todo, seria uma Dilma que siga o programa conservador num cenário em que Lula perdesse capital político. Neste caso, nada mais resta além de chamar Mané Garrincha, para mandar esse pessoal ir combinar com o povo - e com a História!

domingo, 7 de novembro de 2010

O vermelho é mais vermelho, o azul é menos azul, mas isso não tem importância

Pouparei o leitor da reprodução do mapa brasileiro, pintado de vermelho nos estados da Federação em que Dilma Rousseff, do PT, bateu José Serra, do PSDB, e de azul nas unidades do País em que se deu o contrário. A mídia o fez ad nauseam e, provavelmente sem querer, ajudou a desencadear até ondas de preconceito e intolerância na rede mundial de computadores contra o nordeste, região supostamente responsável pela vitória da candidata petista.

É um grande clichê dizer que os números normalmente escondem realidades concretas só perceptíveis quando sobre eles nos debruçamos. E justamente por ser um chavão é de se encarar com tristeza o fato de as análises terem deixado de tomar certos cuidados. A bem da verdade, alguns órgãos de imprensa, de forma tímida e um pouco atrasada, correram a lembrar que, mesmo se se desconsiderasse o nordeste, ainda assim Dilma venceria as eleições, mesmo que de forma extremamente apertada.

Abrindo parênteses, cabe lembrar o belo comentário do jornalista Rodrigo Vianna, advertindo-nos de que não se deve cogitar a ideia de se excluir a votação da região nordeste para dar maior legitimidade ao trunfo da petista. Em verdade, a legitimidade de sua eleição vem justamente do ótimo resultado que ela obteve em todo o País, inclusive - é óbvio - no nordeste.

Voltando à realidade que se esconde atrás dos números, não se descarte o fato de a candidata da coligação liderada pelo PT ter vencido também na região sudeste, com êxito extraordinário nos estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, com números rondando a casa dos 60%, um pouco a mais no primeiro e um tiquinho abaixo no segundo, situação que vem em reforço da desconstrução da tese que quer atribuir ao voto nordestino o sucesso de Dilma.

Além disso, melhor mapa seria aquele que trouxesse gradações de cores. Sim, pois em alguns estados o vermelho dilmista deveria vir em tons mais fortes, caso de Amazonas, Pernambuco e Bahia, por exemplo, onde alcançou mais de 70% dos votos válidos. O azul serrista, por seu turno, teria que vir mais enfraquecido em estados como Rio Grande do Sul, Goiás e Espírito Santo, lugares em que faturou com pouco mais dos 50% dos votos válidos.

A leitura simplista dos números impede, também, de se ver as nuanças de cada localidade. No estado de São Paulo, por exemplo, onde Serra foi vitorioso com respeitável vantagem, foi digna de nota a dianteira da presidente eleita em importantes municípios, como Osasco, São Bernardo do Campo, Mauá, Diadema, Ferraz de Vasconcelos, Poá, Franco da Rocha, Francisco Morato, Carapicuíba, Barueri e Itapecerica da Serra, todas na grande São Paulo, cidades marcadas por considerável pujança econômica, por um lado, ou tidas como cidades-dormitório, por outro, ou seja, Dilma Rousseff, ao que parece, empolgou de forma massiva boa parte da classe trabalhadora urbana do entorno da capital paulista.

De se realçar, também, o bom resultado da primeira mulher a se eleger presidente da República na região de Campinas, repetindo, aliás, êxito do primeiro turno, faturando em Sumaré, Hortolândia, Santa Bárbara D'Oeste e outras. Nesta área, mesmo Aloízio Mercadante navegou bem no primeiro escrutínio, na sua malfadada disputa pelo governo do estado.

Do lado de Serra, registre-se que, derrotado nos estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, foi o preferido em vários municípios fluminenses e mineiros, borrando fortemente de azul os majoritariamente avermelhados mapas dessas unidades da Federação. Em desfavor do tucano, destaque-se que não ganhou em nenhum município do Amazonas, o que é surpreendente se se levar em consideração os expressivos resultados que obteve nos nortistas Roraima e Acre.

Pois bem, senhores. Dentro de uma caixa há outra caixa. Pegue-se o mapa do Brasil, com seus estados tingidos de vermelho ou azul: tem-se parte da história. Em seguida, isole um dos estados e ver-se-ão seus municípios também pintados daquelas duas cores, indicando, portanto, que as opções não foram categoricamente hegemônicas. Mesmo sem os dados, arriscamo-nos a dizer que informações ainda mais contraditórias ou surpreendentes viriam se se isolassem os bairros ou distritos de cada cidade, e dentro deles tivéssemos acesso aos resultados das diferentes zonas e seções. Se me permitem mais um chavão, a questão é deveras complexa. E só!

Alguma análise, de cujo autor indesculpavelmente não me lembro, apontou muito bem que a eleição brasileira é na base do sufrágio universal, não representando as unidades da Federação nenhuma espécie de colégio eleitoral, como é o caso dos Estados Unidos. Como cada voto é um voto, e como leva aquele que consegue o maior somatório de sufrágios, pouca importância há se os eleitores vêm do Tocantins ou do Paraná, se é de Itabaiana ou de Belford Roxo, ou se é do bairro da Penha ou da Lapa do Rio de Janeiro, ou da Penha ou da Lapa de São Paulo.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Depois do operário, a mulher

Muito se tem falado do sucesso da sexta eleição direta consecutiva para presidente da República Federativa do Brasil no pós-redemocratização. Com efeito, é prova viva da consolidação das instituições democráticas do País. O único senão do período talvez tenha sido o implemento do instituto da reeleição em 1997, com validade já para o então mandatário Fernando Henrique Cardoso, caso clássico de mudança de regra no meio do jogo. Tal mácula foi corrigida pela firme decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de rejeitar mudança constitucional a lhe permitir disputar um terceiro mandato, a despeito de a sua extraordinária popularidade indicar que ele poderia tê-lo tentado.

Lula era o operário de pouca instrução, sem experiência administrativa. Como assim, querer ser presidente da República, perguntavam em todas as eleições de que participara até 2002. Seu governo, porém, sai de cena agora em 2010 muito bem avaliado, com o Brasil gozando de respeito e reconhecimento internacional inéditos e com a figura pessoal do presidente vista como a de inquestionável líder mundial. Os que erraram feio na avaliação corrente até em 2002 não dão o braço a torcer e insistem em dar razão a Albert Einstein e sua famigerada frase que lamentava o fato de ser mais fácil quebrar um átomo que um preconceito.

Dilma Rousseff, a presidente eleita do Brasil, foi, por sua vez, vítima cruel da perseguição da mídia e da oposição, algumas vezes calcada em preconceitos que tentaram atingir justamente a sua condição de mulher: a divorciada, sem companhia de um homem, agressiva. E a agressividade, acredita-se, só cai bem nos homens. Aliás, a agressividade é, não raro, apontada como uma qualidade necessária dos políticos. E por ser característica mais "naturalmente" presente nos homens, logo as mulheres não são, "naturalmente", preparadas para a política; e se são agressivas, não são "genuínas" mulheres, por assim dizer.

A grande verdade é que muito pouca importância deveria ter o fato de o presidente da República ser operário ou professor universitário, tampouco deveria ser importante o fato de ser homem ou mulher. A relevância de tal discussão só se dá justamente por obra dos preconceituosos e machistas, cuja obstinada atuação acabou por colocar as questões da origem, da formação e do gênero no centro da pauta política do Brasil. Neste caldo de cultura, por fim, a eleição de uma mulher para o cargo máximo da República - logo após o operário - dá mais um passo rumo ao fechamento do ciclo da tão festejada solidez democrática do País.

Viva a mulher brasileira! Bem vinda, presidente Dilma!

sábado, 21 de agosto de 2010

Cartinhas

Nesta semana que finda recobrei uma velha e estéril mania: a de encaminhar mensagens para órgãos de imprensa. Mandei algumas missivas eletrônicas para a Folha de São Paulo e para a rádio CBN. Que eu saiba, apenas uma das "cartas" foi publicada na versão eletrônica do Painel do Leitor, da Folha.

Dividirei com vocês as impressões que enviei para os órgãos supracitados. Como se sabe, temos que buscar ser sucintos se quisermos ver nossas mensagens publicadas. Por isso, não há, evidentemente, nenhum aprofundamento nos temas tratados - até porque talvez não tivéssemos mesmo condições para tanto!

Eleições estaduais - São Paulo
Nesta semana ocorreu o debate Folha/UOL com os candidatos ao governo estadual, com direito a comentaristas do jornal sobre a sucessão, parecendo achar normal o quadro que traz Geraldo Alckmin (PSDB) bem à frente de Aloízio Mercadante (PT) nas pesquisas. A Folha dá como favas contadas a eleição do candidato tucano, tanto que chegou a publicar um editorial de nome "mesmice paulista". Abaixo, a "cartinha":

Geraldo Alckmin tem hoje em São Paulo o único capital político que José Serra tinha no Brasil há cerca de um ano: o recall.
Em nível federal, o destaque dado pela mídia à disputa presidencial colocou os pingos nos “is”. Talvez sem querer, a imprensa acabou mostrando que Serra não passa de um “trololó ambulante”, ao passo que Dilma Rousseff é uma mulher preparada e conhecedora do Brasil. Resultado: a petista sobe enquanto o tucano desce.
Já em São Paulo o debate acerca da pendenga estadual está – para não dizer interditado pelos meios de comunicação – obscurecido pela corrida ao governo federal. Só isso para explicar a “mesmice paulista”, com a dianteira do candidato de um governo que, depois de 16 anos, deixa como legado uma educação catastrófica, transporte público em colapso e a saúde e segurança em frangalhos.
O (e)leitor precisaria ser mais bem informado sobre o pleito no estado de São Paulo.


Ingratidão com FHC
No debate Folha/UOL com presidenciáveis, José Serra (PSDB) acusa Dilma Rousseff (PT) de ser ingrata com os anos FHC. Pilheriei com a cara de pau do tucano.

O presidenciável José Serra, no debate online Folha/UOL, chamou Dilma Rousseff de ingrata por ela não reconhecer supostos avanços dos anos FHC.
Ora, foi o Serra candidato a presidente em 2002 que tentou se esquivar do governo de Fernando Henrique Cardoso, do qual participara como ministro desde o começo. Estratégia, aliás, que viria a ser repetida por Geraldo Alckmin em 2006.
Agora, no pleito deste ano, o jingle da campanha do "Zé" exalta a era Lula, em vez de lembrar os tempos de Fernando Henrique.
Portanto, em matéria de ingratidão com FHC ninguém bate o candidato Serra!


É a Folha que infantiliza os seus leitores
Comentário sobre o editorial Pai e Mãe, de 19.08.2010:

A Folha, em vez de ter a coragem de admitir que apoia uma das candidaturas à presidência da República, aproveita o editorial “Pai e Mãe” para tentar, covardemente, desqualificar a candidata Dilma Rousseff.
Ao buscar sustentar sua opinião, o jornal desrespeita a economista, fazendo pouco caso de sua luta contra a ditadura militar, dos seus cargos como secretária municipal e estadual, ministra de Estado e personagem relevante da articulação política no bem-sucedido governo Lula, especialmente no segundo mandato.
Tomando de empréstimo a elegância e alguns argumentos de um Sérgio Buarque de Holanda, o – apesar de tudo - bem escrito editorial vai fundo demais ao tentar colar a pecha de antirrepublicana na estratégia petista que usa a metáfora da “mãe” para falar de Dilma.
Pois é a imprensa – de braços dados com a oposição – que tem tentado, nesses anos todos, ora transformar a petista numa figura manipulável, sem vontade própria, do tipo que se deixa levar, ora qualificá-la como durona, mandona, às vezes até autoritária. Convenhamos, nada mais parecido com nossas mães do que isso!
Com um pouco mais de, digamos, profundidade filosófica, o editorial da Folha apenas chancela parte das erráticas estratégias da frente serrista, mostrando, assim, que, ao contrário do que afirma, tem lado nesta campanha. Por fim, o jornal é que infantiliza os seus leitores, achando que eles não têm inteligência para perceber isso.


Alguém conhece "de verdade" o Serra?
Missiva encaminhada à Folha, estranhando críticas de Eliane Cantanhêde à candidata Dilma Rousseff, por ser ela supostamente uma incógnita, ao passo que Serra todos sabem bem quem é. Não há negar que a colunista da Folha escolheu um dos piores momentos para fazer tal tipo de afirmação em favor do tucano!

Em sua coluna “Lula lá ou Lula cá em 2011?”, Eliane Cantanhêde se mostra cheia de dúvidas de quem realmente seria Dilma Rousseff e do que se poderia esperar de um eventual governo dela – não obstante os ataques que vem desferindo à ex-ministra nestes anos todos nos fizessem pensar que, ao contrário, ela conhece a candidata petista bem demais!
Mas o principal não é isso. O mais intrigante foi a colunista falar que se sabe muito sobre José Serra. Interessante! Desse jeito ela pode até ser chamada para ajudar na campanha do tucano, haja vista que muitos dos correligionários dele parecem já não saber quem de fato é Serra.
Com efeito, qual Serra conhecemos bem? O que critica de forma dura o governo Lula ou o que tenta se aproveitar da popularidade do presidente no horário eleitoral? O que acusa Dilma de ingrata por não reconhecer avanços no governo FHC ou o candidato acostumado – desde 2002 – a esconder o ex-presidente nas suas campanhas? O que tenta se apropriar dos remédios genéricos ou aquele que admite ter sido apresentado ao programa por um companheiro de partido?
Falar que se conhece bem José Serra nessa altura do campeonato,quando o próprio tucano se perde nas suas contradições, é o tipo de postura ingênua a que jornalistas profissionais não deveriam ter direito.


Liberdade de imprensa e liberdade de expressão
Mensagem encaminhada à rádio CBN, em razão das platitudes da comentarista Lucia Hippolito, no dia 20.08.2010:

Ouvi hoje o comentário de Lucia Hippolito, no “por dentro da política”, sobre o compromisso dos candidatos à presidência da República com a liberdade de expressão.
Fiquei esperando ansiosamente que ela puxasse a orelha do candidato José Serra, que fica agredindo jornalistas da TV Brasil, um candidato a presidente que não responde diretamente às perguntas que lhe são feitas, que tenta desqualificar os entrevistadores, que acusa blogs independentes de serem “sujos” e engordados com verba federal. A propósito, os tais “blogs sujos” a que ele se recusou a nominar, por acaso podem ser alijados do sagrado direito à liberdade de expressão? Espero que a grande mídia se insurja contra essa postura autoritária do ex-governador de São Paulo!
Achei bastante oportuna a lembrança, por parte de Lucia, de que a liberdade de expressão se sobrepõe à de imprensa, informação que a mídia normalmente sonega ao público, antes querendo fazer que pensemos ser a liberdade de imprensa a própria liberdade de expressão. Por ter certamente contrariado seus patrões neste particular, Lucia merece nossos entusiasmados parabéns!
A este propósito, é muito interessante o “respeito” do candidato do PSDB também com a liberdade de expressão strictu sensu dos cidadãos. Não faz muito, no interior de São Paulo, o tucano chamou um manifestante de “energúmeno”, com certeza inspirado pela sua cria (esse, sim, um poste) Gilberto Kassab – provavelmente outro grande defensor da liberdade de expressão! – que expulsou um trabalhador de um espaço público aos gritos de "vagabundo".
Aliás, energúmeno e vagabundo é o mínimo que se fala do presidente Lula nas seções de comentários de sítios eletrônicos dos jornais, que, defensores da liberdade de expressão que são, permitem sem nenhum pudor esse tipo de descalabro. Puxa vida, e o autoritário do Lula não faz nada?!?! Como pode uma coisa dessas?!
Com tudo isso, causa estranheza a preocupação de Lucia com alguma espécie de, digamos, “ímpeto censor” do partido da candidata Dilma Rousseff, o PT. Na hora em que ela disse isso cheguei a pensar: será que integrantes do Partido dos Trabalhadores ligam para os barões da mídia pedindo a cabeça de jornalistas?
De qualquer forma, é bom saber que temos tanta gente defendendo a liberdade de expressão no Brasil, e que podemos falar de tudo, de preferência dentro dos limites das responsabilidades legais, é claro. Se bobear, podemos falar até do preço dos pedágios nas rodovias paulistas!

domingo, 15 de agosto de 2010

Ação e reação

A presença firme de Dilma Rousseff no Jornal Nacional de 9 de agosto de 2010, respondendo de forma segura aos ataques desferidos pelo casal apresentador do programa, pegou de calças curtas não somente os políticos da oposição, como também aqueles que fazem a "verdadeira oposição" no Brasil, a saber, os dedicados escribas da mídia.

Durante todo o tempo, representantes da oposição (política e midiática) vinham apostando em tropeços da candidata do PT quando tivesse, na TV, que se deparar com o contraditório. O desempenho apenas razoável que ela teve no debate da Band, muitíssimo longe de ser o desastre com que muitos sonharam, não deixou de dar algumas esperanças às hostes oposicionistas. Daí talvez a rápida reação contra a boa participação da petista no principal telejornal do País.

Dora Kramer e as "mentiras" sobre a inflação de 2002
Em coluna de O Estado de São Paulo de 11 de agosto de 2010, a jornalista Dora Kramer afirma que Dilma "mentiu ao se referir a inexistente descontrole inflacionário em 2003", no JN. Em verdade, a colunista quis dizer 2002, o último ano do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Pois é. Dilma não mentiu, Dora. Pelo menos não "necessariamente". Em 2002, para uma meta de 3,5% ao ano, a inflação efetiva, pelo IPCA, foi de 12,53% ao ano, ou seja, já passada a sempre temível casa dos dois dígitos. Disse eu que Dilma não "necessariamente" mentiu, porque é, com efeito, uma questão subjetiva considerar 12,53% ao ano como uma inflação descontrolada. Quero com isso dizer que não estranharia ouvir alguém que não considerasse pouco mais de 12% de inflação como exemplo de descontrole de preços. Lembro, no entanto, que não foram raros nos últimos anos o terror perpetrado pela mesma imprensa de Dora Kramer sempre que os índices de inflação anualizados ultrapassavam em décimos de ponto percentual o centro da meta estipulada pelo Banco Central - eu disse o "centro" da meta e não a meta em si. Imagino que uma boa parcela dos leitores hoje teria ataque cardíaco com uma inflação de 12,53%!

Quem quiser conferir os números da inflação de 2002 e compará-la com os de outros anos, ainda nos anos FHC e já na era Lula, favor clicar aqui: http://www.bcb.gov.br/Pec/metas/TabelaMetaseResultados.pdf

Por falar em entrevistas no Jornal Nacional, guardo bem na memória a vez do então candidato Lula em 2002. Uma das perguntas feitas por telespectadores versava justamente sobre a inflação, que já assustava no período de campanha. No debate final com José Serra, também na Globo, uma das convidadas também perguntou aos postulantes sobre a inflação daquela época, acrescentando que "estava muito preocupada". Pelo jeito, o dragão só não fazia parte dos medos de Dora!

E perguntar não ofende: se é verdade que, em 2002, com mais de 12,5% de inflação, a coisa não estava descontrolada, será que, quando se faz um carnaval acerca de qualquer singelo aumento de preços, a imprensa no fundo não quer apenas forçar a elevação dos juros? Com a palavra, a jornalista Dora Kramer.

Miriam Leitão procurando culpados
O Blog Cidadania, de Eduardo Guimarães, comentou e reproduziu texto de Miriam Leitão, publicado no jornal O Globo também em 11 de agosto de 2010, igualmente sobre a participação de Dilma Rousseff no telejornal campeão de audiências e seguindo a mesma trilha de Dora Kramer. Veja o post do Eduardo aqui: http://www.blogcidadania.com.br/2010/08/historias-do-pig-para-boi-dormir/

Miriam esperneia, mas, de certo modo, admite que a inflação na casa dos 12% de 2002 era algo, por assim dizer, "fora do script", para não dizermos fora do controle, haja vista que ela também rechaça essa tese - justo ela, que é das que mais veem inflação em qualquer solucinho de preços! Todavia, a culpa do aumento de preços não era do governo do presidente FHC, afirma a jornalista, mas sim do candidato e presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, que, amedrontando o mercado, provocou a disparada nos preços.

Eis uma tese risível e que expõe o amadorismo dos jornalistas brasileiros. A coisa ficaria mais fácil se eles admitissem seu partidarismo. O problema é que tentam posar de imparciais. Estranho é não se atentarem às suas contradições e, pior ainda, é acharem que o leitor é estúpido o suficiente para não perceber.

Veja bem, caro leitor: quantas vezes já não vimos reverberar a tese de que todo o sucesso do governo Lula é, no fundo, mérito de FHC? Pois bem. A mim me parece um tanto paradoxal: o que é bom no governo Lula deve ser creditado a Fernando Henrique Cardoso, mas o que foi desastroso no ocaso do governo FHC foi culpa do Lula?!

Respondam-me: como levar uma colunista dessas a sério?

Josias de Souza não pode
O experiente repórter e blogueiro da Folha de São Paulo Josias de Souza foi escalado para analisar o desempenho dos presidenciáveis na série de entrevistas a William Bonner e Fátima Bernardes. Já no dia 10 de agosto de 2010, o jornalista acusou a preferida de Lula de tergiversar sobre assuntos importantes, especialmente acerca de alianças estranhas do PT, notadamente com gente como o presidente do Senado Federal, José Sarney.

Acho extremamente divertido quando vejo alguém dos quadros da Folha pegando no pé de Sarney. É que o bigodudo conta com uma coluna cativa na nobilíssima página de opinião do jornal há mais de década. É de estranhar que o mesmo periódico que abriga gente tão impoluta e desinteressada como um Josias de Souza abra espaço tão nobre para figura tão desprezível quanto o ex-presidente da República José Sarney.

Em verdade, o imortal Sarney, mais do que aliado de Lula e Dilma, é, em verdade, um quase colega não somente de Josias, mas de Clóvis Rossi, Eliane Cantanhêde, Fernando Barros e Silva etc. A diferença do Sarney para o Josias, na corporação Folha da Manhã S.A., é que o maranhense conta com muito mais liberdade para escrever, podendo até, como no seu artigo da sexta-feira 13 de agosto de 2010, falar de um certo "populismo midiático". Já o Josias, tem que medir um pouco mais as palavras, sempre pensando em não desagradar o patrão.

Enfim, sem tergiversações: deixa a Dilma se aliar também ao seu colega Sarney, meu caro Josias!

Leia também:
Os 6 (seis) anos do Plano Real
Imprensa comum

domingo, 18 de julho de 2010

Dilma, Serra, mídia e o feel good factor

"Garimpo e eleição, só depois da apuração". A frase, atribuída a Tancredo Neves, encerra a dificuldade de se fazer previsões acerca do resultado de escrutínios. Não obstante isso, o uso da razão permite apostar as fichas na vitória de Dilma Rousseff, do PT, na corrida presidencial de 2010. Muitos analistas têm enveredado por esse caminho.

Tem-se usado muito uma expressão emprestada do inglês, o "feel good factor", para afirmar que as condições atuais do Brasil favorecem, em nível federal, uma onda situacionista: previsão de crescimento do PIB em torno de 6%, resultados positivos na criação de empregos, inflação controlada, aumento da renda do trabalhador, expansão do crédito. Para usar outra expressão bastante batida, "é a economia, estúpido".

As hostes oposicionistas sentem o golpe. Apresentar-se como oposição contra um governo com aprovação acima de três quartos da população não é tarefa fácil. Parece que nada funciona para afinar o discurso. Lula e o PT, no pleito de 1994, enfrentaram o mesmo problema em virtude do megassucesso do Plano Real - e o resultado das eleições todos sabemos qual foi.

O candidato José Serra, do PSDB, valendo-se do mote de seu concorrente Aécio Neves, até que tentou se colocar como um pós-Lula, apostando todas as fichas numa simples comparação de biografias contra os demais candidatos, notadamente, é claro, contra a candidata Dilma. Como parte da estratégia, tenta-se fugir da ideia plebiscitária de comparação dos oito anos de governo do PSDB e dos oito anos de PT, certamente por entender que as coisas são favoráveis a este último período; antes, busca-se falar de avanços que supostamente se iniciaram com a redemocratização do País. Como corolário disso, a afirmação de que PT e PSDB, Lula e FHC, Dilma e Serra são, no fundo, tudo a mesma coisa.

A estratégia até que não seria ruim não fossem as ligações perigosas da oposição com a mídia. Durante oito anos o conglomerado midiático tenta desconstruir o governo Lula, sempre pintando-o como um fracasso, superlativando seus defeitos, fazendo-lhe cobranças desproporcionais em relação ao que exige, por exemplo, dos governos estaduais a cargo do PSDB. Agora vem o candidato da mídia e diz que não é tão oposição assim, que não se trata disso, que, bem-intencionado, apenas acha que o Brasil pode mais!

As duas vitórias de Lula - principalmente a de 2006 - e a resiliência de sua popularidade provam que a mídia não vive seus melhores dias; mais do que isso, ficar de braços dados com ela é carregar um peso morto. PSDB, DEM e PPS vão perceber, mais cedo ou mais tarde, ter sido um grande erro terceirizar o trabalho de oposição para os meios de comunicação, senão vejamos: para continuar, por motivos eleitoreiros, elogiando Lula e o governo, Serra teria que pedir aos seus amigos da imprensa que parassem de malhar diariamente o presidente; por outro lado, se, em coro com a mídia, o tucano começasse a reverberar o ódio e o preconceito de seus companheiros colunistas, bateria de frente com o povão que apoia o governo. Ambas as iniciativas sairiam caras para o candidato.

A saída mais honrosa para a oposição talvez tivesse sido arregimentar novos filiados e escolher um deles para lançar como anticandidato, só para marcar presença na disputa. Três nomes me vêm à mente: Judith Brito, Arnaldo Jabor e Otávio Frias Filho.

sábado, 17 de abril de 2010

A primeira semana de 2010

Com o lançamento da pré-candidatura do tucano José Serra, quase dois meses após do da petista Dilma Rousseff, o quadro das eleições presidenciais de 2010 definitivamente fica mais induvidoso, com a possível repetição da polarização - PT e PSDB - que marca a política nacional desde 1994.

Mais do que nunca, a mídia se destaca como figura importante, atuante, da pendenga. Dessa feita, a afirmação não parte das constatações de analistas independentes ou de políticos ligados à esquerda ou à base de Lula, mas da própria presidente da ANJ (Associação Nacional de Jornais), Maria Judith Brito, que admitiu, sem qualquer cerimônia, que a imprensa atua como um "partido de oposição". Confira a declaração dela, com os nossos grifos:

A liberdade de imprensa é um bem maior que não deve ser limitado. A esse direito geral, o contraponto é sempre a questão da responsabilidade dos meios de comunicação. E, obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobremaneira o governo.

A confissão da presidente da ANJ apenas reforça o que todos no fundo já sabiam. Agora, que a campanha já começou, já dá para perceber a tônica de como a disputa se dará (aparecerá) na mídia: crítica virulenta ao governo Lula, esforços para tornar negativa a agenda da candidata Dilma e, por fim, simbiose entre imprensa e candidato da oposição.

Peguemos alguns fatos (ou factoides) da semana e sua divulgação (análise) nos meios de comunicação.

Quem ignora quem?
A Folha de São Paulo, em 14.04.2010, veio com a seguinte manchete: "Obama ignora Lula e pede sanções imediatas ao Irã". A chamada principal de O Estado de São Paulo na mesma data foi "Obama ignora Lula e mantém pressão por sanções ao Irã". As manchetes quase idênticas, além de darem uma boa pista da "diversidade" no império midiático, comportam uma dificuldade para os diários paulistanos, genuínos depositários do complexo de vira-latas brasileiro, na feliz expressão de Nelson Rodrigues.

Com efeito, levando em conta que temos um presidente da República não raro admoestado nos editoriais dos mesmos jornalões por sua soberba, sempre convidado a lembrar-se de nossa desimportância, fica estranho de repente incluí-lo entre os que tiram o sono do chefe de Estado mais importante do mundo, mandatário-mor da nação mais influente do planeta. Se Lula é somente um megalomaníaco a quem ninguém dá ouvidos, por que justo o Obama esquentaria a cabeça com ele, ainda que fosse para ignorá-lo, a ele se opondo? Mais sensato, parece-nos, seria a nós dispensar a indiferença com a qual toda a vida nos acostumamos.

A melhor leitura do caso parece ter sido a do historiador Gilberto Maringoni, que em depoimento ao sítio Carta Maior sugeriu que seria mais prudente a inversão das manchetes da Folha e do Estadão para algo do tipo "Lula ignora Obama e mantém negociações com o Irã". Em nossa opinião, Maringoni mandou bem e venceu o jogo no próprio campo dos principais jornais de São Paulo. Afinal, como ser crítico feroz da política externa do governo Lula reconhecendo de forma tão categórica a importância internacional das posições adotadas pelo País?

Ah, só para lembrar, os principais críticos do governo Lula, incluindo a mídia, depositam esperanças na possibilidade de que a oposição, se vitoriosa, mude os princípios independentes e assertivos da atual política externa brasileira.

O "problemão" de Dilma
No mesmo 14.04.2010, o Estadão avisa que Dilma tem problemas com alianças em 15 estados da Federação, o que atingiria, pela conta do jornal, 63% do eleitorado brasileiro. Sabe a que se resume o problema da candidata do PT, caro leitor? Ao excesso - isso mesmo, "excesso" - de palanques!

Acredite se quiser, amigo (e)leitor: o que talvez fizesse Serra abrir alguns de seus raros - e pouco francos - sorrisos é, segundo o centenário jornal paulistano, um problemão para a candidata Dilma. Deve ser verdade. Já imaginaram se a ex-ministra tiver que, na mesma semana, visitar o candidato a governador X às segundas, quartas e sextas, e nas terças, quintas e sábados precisar subir ao palanque com o candidato Y, ferrenho adversário de X? Que confusão! Imagina a ciumeira entre eles!

Como bem definiu o deputado federal Brizola Neto (PDT-RJ) em interessante postagem em seu blog, trata-se de um caso de wishful thinking do Estadão, ou seja, vejo as coisas na ótica que entendo ser mais favorável para mim ou como gostaria que elas se revelassem. Na dura realidade, porém, o excesso de aliados nos estados não é problema de Dilma Rousseff; a falta deles é que é para Serra.

O que foi que você disse?
O dia 14.04.2010 parece ter sido profícuo no discurso unificado da imprensa. Na mesma data, dessa vez na Folha, o colunista Fernando Rodrigues comenta a polêmica, disseminada na mídia, sobre frase que, aliás, não foi dita por Dilma Rousseff. A petista, em discurso no ABC paulista, falou generalidades acerca de não abandonar a luta. Alguns interpretaram como críticas aos que se exilaram durante o período militar, como é o caso de Serra. Pior do que isso, a mesma Folha transcreveu incorretamente o que disse a ministra, incluindo trecho sobre exilados em sua fala, o que de fato não ocorreu.

O mais interessante, porém, foi Rodrigues puxar a orelha da petista, buscando ensinar-lhe que, em política, "tudo o que precisa ser explicado não é bom". Acrescentou que "Dilma Rousseff tem se explicado muito". Teorizou que "são apenas sinais da inexperiência de Dilma quando se trata de ficar sob a tensão de uma campanha".

Rodrigues deve estar de brincadeira. Brincadeira pior do que quando, no programa Roda Viva com Protógenes Queiroz, sugeriu que agentes secretos deveriam fazer seu trabalho revelando a identidade! A questão é simples: Dilma precisa se explicar muito porque dela são cobradas explicações, inclusive sobre fatos inverídicos. Suas falas "reais" não revelam inexperiência em campanhas; somente são frases fortes que chamam, naturalmente, a atenção na mídia, que quer a ela impor uma agenda negativa a todo custo - e não é de hoje, diga-se. À candidata, nada resta senão apagar os incêndios, os quais a muitos sequer deu causa. Não é justo, mas é assim que as coisas funcionam. Infelizmente.

Do outro lado, do candidato José Serra não são cobradas explicações. Por exemplo, o que fez a imprensa quando o governador soltou os cachorros para cima de repórter da TV Brasil que lhe fez pergunta incômoda numa coletiva de imprensa? Absolutamente nada. Ora, seria o caso de tentar ver se a sua defesa da liberdade de imprensa, cantada em prosa e verso inclusive no lançamento de sua candidatura, é para valer mesmo ou se, em caso de ser eleito, os jornalistas terão que lhe fazer apenas as indagações que lhe agradem.

Em resumo, não é Dilma que tem tido de se explicar muito. É Serra que não tem explicado nada.

Pitta estava para Maluf como Kassab está para Serra
Serra, como é de todos sabido, é o candidato da oposição mas, esquizofrenicamente, não quer fazer oposição a Lula. Vai entender...! Aposta tudo na comparação de sua biografia com a da ex-ministra. Ademais, ele está no melhor dos mundos, pois enquanto preserva o presidente brasileiro, seus jornalistas amigos trabalham arduamente para não somente fazer balanços negativos do governo como, especialmente, esconder os dados positivos, dentre os quais, a criação recorde de empregos no primeiro trimestre. É um bate-bola perfeito!

Vejamos a que ponto chega a tentativa de fugir do debate de projetos. Em entrevista à rádio Bandeirantes, para fustigar a candidata "desconhecida" do presidente mais popular da nossa história, o ex-governador valeu-se do exemplo do falecido Celso Pitta, o fracassado ex-prefeito de São Paulo, um "estranho" que se elegeu no vácuo da boa avaliação de Paulo Maluf. Serra, ainda por cima, aproveitou a ocasião para elogiar a administração de Maluf, concluindo que nem sempre a criatura repete o criador.

Primeiramente, observemos que boa parte das declarações na política não é feita de forma tão desinteressada. Com a simpática referência a Maluf, Serra pretende, num primeiro momento, reforçar a imagem positiva que vem obtendo junto ao eleitorado mais conservador, às vezes até de extrema-direita. No vale-tudo eleitoral, não dá para dispensar os velhos entusiastas do "rouba-mas-faz" e coisas do gênero; e não importa que tenham, Serra e Maluf, militado em lados opostos durante as respectivas trajetórias políticas. Todavia, não é isso o mais intrigante nesse caso.

O curioso, sem dúvida, é que Serra também tem o seu "Pitta". E o mais interessante é que se trata de um homem que foi, ironicamente, secretário de planejamento justamente do falecido ex-prefeito. Estamos a falar, é claro, do atual prefeito paulistano Gilberto Kassab. Político pouco conhecido, de partido sem grande representatividade em São Paulo, Kassab herdou a prefeitura porque Serra, descumprindo promessa de campanha, a abandonou para disputar o governo do estado. Já para a sua reeleição, o alcaide contou com o apoio velado de Serra, que traiu naquela feita o candidato Geraldo Alckmin, num dos mais notáveis casos recentes de cristianização na política brasileira.

Fosse mais corajoso, Serra esqueceria Maluf e Pitta. Para acusar Dilma de "poste", falaria de si mesmo e de Kassab.

Pelo jeito, em sua campanha, o presidenciável do PSDB não se esconderá somente de FHC. Decerto também dará uma de desentendido no caso do implacável Gilberto Kassab. Uns dirão que é deslealdade; outros, cautela.