(conforme informações do Jornal AND, de 30/08/2018, https://anovademocracia.com.br/noticias/9443-sp-ato-publico-presta-solidariedade-aos-23-ativistas-perseguidos-politicos)
Personalidades democráticas, artistas e estudantes reuniram-se em São Paulo, dia 28 de agosto, para um importante evento de solidariedade aos 23 ativistas perseguidos políticos por participarem das grandes manifestações de 2013/2014 contra a farra da Copa da Fifa e os desmandos dos governos de Sergio Cabral, Pezão e Cia.
O ato público, promovido pela Editora n-1, ocupou o salão principal do centro cultural Casa do Povo com mais de 50 pessoas.
A exibição do filme Garantia da Lei e da Ordem deu início ao evento, relatando alguns dos principais acontecimentos que marcaram o Rio de Janeiro durante os combativos levantes de massa de 2013.
Na mesa de debates, iniciada pelas falas da professora da Universidade Federal Fluminense e militante do Grupo Tortura Nunca Mais, Joana D’Arc Ferraz e da artista e professora da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo (USP), Giselle Beiguelman, o apoio e solidariedade aos 23 foram reafirmados como a necessidade de defesa da justeza das grandes mobilizações populares de 2013.
Vladimir Pinheiro Safatle, filósofo e professor da USP, marcou presença no evento declarando seu apoio à campanha em defesa dos 23 manifestantes:
— Temos de fazer muito mais do que mostrar solidariedade, que é uma solidariedade absolutamente necessária, aos 23 acusados de insubmissão. Porque essa é a verdadeira questão, a insubmissão política.
E prosseguiu, relatando o caráter persecutório do processo:
— Aqueles que leram os autos do inquérito do juiz Itabaiana podem ter ficado completamente estarrecidos, como eu fiquei, lendo em uma boa parte do inquérito com caráter medieval as colocações que explicitam de uma maneira muito evidente a natureza autoritária, não só do poder judiciário brasileiro, mas das dimensões fundamentais da sociedade brasileira.
Também sobre a sentença de condenação contra os ativistas, decretada em 17 de julho, e seu significado frente à situação política atual, Safatle pontuou:
— Porque que isso é importante agora? Isso é importante porque sabemos muito bem que o que aconteceu em 2013, não vai ficar somente naquele ano. A data de 2013 foi somente um ensaio geral do que acontecerá daqui a dois ou três anos, no máximo. Não há nenhuma possibilidade de que o Brasil não tenha em um futuro próximo algum tipo de manifestação como a que tivemos em 2013. Há toda uma equação montada para que algo como isso volte mais uma vez.
E prosseguindo sua análise, o professor caracterizou o momento de profunda crise econômica, política e moral, na qual o povo rechaça crescentemente as instituições do velho Estado e a farsa eleitoral:
— Temos um descontentamento inacreditável da população brasileira. Sabemos como as eleições se esvaziaram de maneira brutal. Estamos à frente de uma eleição digna de uma república velha, onde de uma maneira ou de outra os resultados já estão definidos, as cartas já estão marcadas. A população sabe tanto disso que o grau de votos brancos e nulos declarados faltando pouco mais de um mês parta as eleições é algo inimaginável.
Dentre as mobilizações de massa recentes, Vladimir Safatle destacou a greve dos caminhoneiros e a possibilidade que esta mostrou de desestabilização do Estado, criticando também a atuação do oportunismo eleitoreiro:
— Há alguns meses, por muito pouco o Brasil não parava como há muito em nosso país não acontecia em sua história recente. Vimos a greve dos caminhoneiros. Se tivéssemos uma esquerda aguerrida, que não tivesse medo de manifestação, de desestabilizar o poder, teríamos feito uma greve geral, aproveitando aquela situação. Fazendo com que o governo caísse de uma vez por todas, independente do que viesse depois desse processo. Porque o fundamental é quem age dentro deste processo, quem mostra que tem capacidade de ação, de passar a frente.
E concluiu fazendo um chamado a todos dos presentes:
— Que esta situação, na qual somos obrigados a nos mobilizar para defender aqueles que tiveram na frente do junho de 2013, nos deixe uma lição. Haverá muitos mais 23 nos próximos anos. A questão é: nós estamos preparados para isso? E como nos preparamos?
O professor do departamento de filosofia da PUC, Peter Pál Pelbart, prestou sua solidariedade aos ativistas e manifestou seu repúdio à sentença:
— O massacre midiático, jurídico, psíquico não teria razão de ser se por um átimo esses jovens não tivessem encarnado um perigo, uma ameaça, um legítimo e “democrático” direito de manifestar seu descontentamento com a ordem vigente. A condenação dos 23 comprova o rumo que vai tomando nossa democracia agonizante, qual seja, de esmagar no ovo estes laivos de expressão multitudinária. Não há como aceitar, não há como calar e não há como se intimidar e não há como fingir que nada aconteceu. Quando sinais são trocados a ponto de uma guerra declarada se dizer paz social é porque fomos longe demais.
E encerrou afirmando: “Junho de 2013 não se esgotou, junho de 2013 está por vir, e portanto é preciso que a gente se prepare para esse retorno de junho de 2013.”.
Igor Mendes, um dos 23 ativistas perseguidos que esteve sete meses encarcerado na penitenciária de Bangu nos anos de 2014/2015, saudou a aguerrida luta das mães de vítimas de violência nas favelas, exaltando a resistência que o povo impõem frente à opressão e perseguição política dos tempos que vivemos:
— Falar da condenação dos 23 me obriga em primeiro lugar a prestar uma homenagem ao bravo povo das favelas e, particularmente do Rio de Janeiro, em que não se passa um dia sequer, não há um dia em que não tenha algum jovem pobre e preto assassinado em uma favela. E o que vemos é que mesmo com toda a disparidade de forças, com toda a desigualdade de meios, com toda a imprensa, sobretudo a Rede Globo – esse partido político de extrema direita jogando contra –, apesar de tudo isso, esse povo, sobretudo aquelas mães se levantam e resistem. Porque estes tempos sombrios também forjam e forjarão crescentemente os homens e mulheres que os enfrentarão.
Igor falou sobre o momento político do país em que se dá a condenação, afirmando que a sentença da 27ª vara se dá em meio a uma situação de guerra contra o povo e crescente reacionarização do velho Estado:
— Essa sentença não poderia ser diferente em um contexto de intervenção militar, dos assassinatos crescentes que acontecem nas periferias, nos bolsões de miséria do país, no campo. Num contexto em que a Marielle foi executada e que este caso permanece impune, dando um recado claro para aqueles que levantam a voz, ainda que de forma mais pacífica e parlamentar. Ainda isso é inaceitável.
E reafirmando o caráter político do processo, o militante popular expôs:
— Penso que essa condenação é mais uma de nossa história dos levantamentos populares. Porque nós cometemos um ‘pecado’ nunca aceito pelas classes dominantes desse país, que é questionar e lutar contra seus desmandos e privilégios.
— O centro da condenação dos 23 é a condenação do próprio direito de protestar. É ele que está em jogo.
Durante o evento foi lançado o livro de cordel ‘Resistir é Preciso’, da autoria de Igor Mendes (n-1 edições) que denuncia o processo contra os manifestantes da copa e retrata a luta da campanha contra as prisões e perseguições políticas. Esta obra já está disponível para em nossa loja virtual, juntamente com as últimas unidades do livro A Pequena Prisão.
Também da série Pandemia, foi lançado o cordel “Odiolândia”, de Giselle Beiguelman (n-1 edições).
Apoiadores do jornal A Nova Democracia de São Paulo estiveram presentes no evento, divulgando livros e as últimas edições do AND.