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A ameaça da extrema-direita no Brasil e a responsabilidade do Partido dos Trabalhadores

Bill Van Auken
6 de novembro de 2018

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Publicado originalmente em 10 de Outubro de 2018

A eleição do último domingo no Brasil foi um terremoto político que reduziu a pedaços partidos que há muito tempo dominavam o cenário político nacional. Ao mesmo tempo, expôs a podridão completa da ordem democrática burguesa estabelecida depois de uma ditadura militar de 21 anos imposta pelo golpe de 1964 apoiado pelos EUA.

Que Jair Bolsonaro, um bufão fascista ex-capitão do Exército há sete mandatos como deputado no Congresso Brasileiro, conseguiu obter impressionantes 46% dos votos válidos, quase chegando a vitória no primeiro turno, revela o imenso perigo de um retorno ao maior país da América Latina, com uma população de mais de 200 milhões de pessoas, do domínio fascista-militar.

O segundo lugar na disputa eleitoral, Fernando Haddad, o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), ficou quase 17 pontos percentuais atrás de Bolsonaro. Os dois vão se enfrentar no segundo turno no dia 28 de Outubro.

As regiões onde Bolsonaro derrotou Haddad por uma vantagem ainda maior do que a média nacional incluí todas as cidades do ABC, o centro da indústria automobilística e metalúrgica brasileira, berço do PT e cenário de massivas greves entre 1978 e 1980 que levaram ao fim a ditadura militar no país. Nessas cidades, onde o agora preso ex-presidente do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, começou como um líder sindicalista metalúrgico, Bolsonaro obteve 50% dos votos válidos, contra apenas 20% de Haddad.

Da mesma maneira, Bolsonaro obteve 45% dos votos válidos, contra 20% de Haddad, no Rio Grande do Sul, um dos estados mais industrializados do Brasil e um importante reduto político do PT antes da primeira eleição de Lula em 2002, onde também foi criado o Fórum Social Mundial em 2001.

No estado do Rio de Janeiro, Bolsonaro ganhou em todas as cidades, incluindo na capital, que possui uma longa história de ativismo de esquerda, e Volta Redonda, um centro siderúrgico e local de importantes lutas sindicais.

Bolsonaro ganhou em 23 das 26 das capitais brasileiras. Mesmo no Nordeste, a região mais pobre do país, que mais se beneficiou dos programas mínimos de assistência social instituídos no governo Lula – região considerada bastião político do PT –, ele venceu em cinco das nove capitais.

Igualmente surpreendentes são os votos para o Congresso Brasileiro, com o Partido Social Liberal (PSL) de Bolsonaro passando de um para 52 deputados federais, quatro a menos do que os 56 deputados eleitos pelo PT, a maior bancada na Câmara, que mesmo assim perdeu 12 deputados em relação a eleição de 2014. O PSDB e o MDB, partidos de centro-direita que anteriormente ocuparam a presidência da república e ocuparam importantes posições no poder legislativo brasileiro, viram suas bancadas serem reduzidas quase pela metade.

Também significativo foi o percentual de abstenção, votos brancos ou nulos, o maior desde 1998, com 29% do eleitorado brasileiro decidindo não ir votar ou não votar em nenhum candidato. Isso corresponde a mais de 40 milhões de pessoas, um número menor apenas dos que os 49 milhões de votos para Bolsonaro, e muito maior do que os 31 milhões de votos de Haddad. Além disso, todas as pesquisas antes das eleições indicaram que havia mais oposição a cada um dos candidatos do que apoio.

Quem é responsável pela votação sem precedentes de um candidato de extrema-direita no Brasil? Em primeiro lugar, é o Partido dos Trabalhadores, que governou o Brasil por 13 anos, desde a primeira eleição de Lula até o impeachment de sua sucessora, Dilma Rousseff, em 2016.

A votação de domingo significou um referendo popular sobre a devastadora crise social e econômica enfrentada pela maioria da população brasileira como resultado da crise financeira que atingiu o país em 2013, e as políticas introduzidas pelo governo do PT para colocar sobre as costas da classe trabalhadora brasileira o peso total dessa crise. Isso condenou 14 milhões de trabalhadores ao desemprego, ao mesmo tempo em que reduziu os salários reais para aqueles que ainda estão trabalhando, juntamente com um forte aumento da desigualdade social.

O resultado eleitoral também foi uma expressão da reação popular à corrupção sistêmica exposta pela Operação Lava Jato, que descobriu um amplo esquema de propinas e subornos na Petrobrás. Estima-se que US$ 4 bilhões foram desviados dos cofres públicos para os bolsos de políticos e seus apoiadores empresariais, enquanto milhões enfrentavam o desemprego e a pobreza cada vez maior. Lula, condenado com base em evidências extremamente frágeis envolvendo o tríplex no Guarujá, estava mesmo assim no centro desse esquema.

Haddad e o Partido dos Trabalhadores não quiseram e não puderam apelar à classe trabalhadora ou apresentar qualquer programa que pudesse atrair o apoio popular contra a demagogia fascista de Bolsonaro, cuja ascensão política foi nutrida pelo PT. Durante os 13 anos do PT na presidência da república, o então partido de Bolsonaro, o Progressistas, descendente direto da base política que apoiou a ditadura militar no Brasil, fez parte da base aliada dos governos petistas.

Se a hostilidade da maioria da população a Bolsonaro – bem como a Haddad e a todo establishment político brasileiro – resultará na derrota do neofascista em 28 de Outubro, ainda não se sabe. O que é inquestionável, no entanto, é que o resultado eleitoral do segundo turno produzirá o governo mais direitista do Brasil desde a queda da ditadura militar.

As organizações da pseudo-esquerda que orbitam o PT estão agora falando em uma “frente única nacional contra o fascismo”. Esta frente deve incluir, se possível, os partidos tradicionais de direita e vários meios de comunicação reacionários, como o grupo Globo e a revista Veja, que tem sido críticos de Bolsonaro.

O PT está apelando à classe dominante brasileira e ao capital internacional, alegando que será mais capaz de suprimir a resistência da classe trabalhadora por meio de seus laços com a CUT, e que Bolsonaro terá maior probabilidade de provocar uma explosão social.

Qualquer um que acredite que Bolsonaro é apenas uma perigosa aberração, e que sua derrota pelo PT fará florescer a democracia no Brasil, está vivendo em um mundo de sonhos.

A virada de todo o establishment brasileiro à direita foi expressa claramente em um discurso proferido apenas uma semana antes da eleição pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli. Nesse discurso, Toffoli declarou que não falaria mais falar em golpe ou ditadura militar ao se referir à derrubada do presidente eleito João Goulart e a tomada do poder pelos militares brasileiros apoiados pela CIA em 1964. Ao invés de golpe e ditadura militar, ele se referiria a esse período como “movimento de 1964”, sugerindo que o golpe militar era legítimo e causado pelos “erros” dos partidos políticos.

O discurso de Toffoli ocorreu apenas algumas semanas após ele escolher o general da reserva Fernando Azevedo e Silva como seu assessor, uma sugestão do comandante do exército brasileiro, general Eduardo Villas Bôas. Segundo a revista Época, o general escolhido foi um dos altos oficiais militares que ajudaram a elaborar o programa da campanha presidencial de Bolsonaro.

Deve-se notar que Toffoli possui uma extensa ligação com o PT desde 1993, quando foi consultor jurídico da CUT e logo depois assessor jurídico da liderança petista na Câmara dos Deputados. Em 1998, 2002 e 2006, Toffoli foi advogado do PT nas campanhas presidenciais de Lula e advogado-geral da união entre 2007 e 2009 durante o governo Lula, quando o presidente o nomeou para o STF.

Essa crescente presença das forças armadas em todos os aspectos da vida política no Brasil foi impulsionada pelo PT, que supervisionou o envio do exército para as favelas do Rio depois de ter “sangrado” suas tropas na ocupação do Haiti patrocinada pela ONU. Bolsonaro tem tentado explorar o crescimento do poder militar, indicando que sua derrota nas urnas seria ilegítima e justificaria a intervenção do exército a seu favor.

O PT abriu o caminho para os atuais perigos enfrentados pela classe trabalhadora brasileira. Essa responsabilidade também recai sobre as várias organizações da pseudo-esquerda brasileira que desempenharam um papel fundamental na fundação e promoção do Partido dos Trabalhadores.

Entre elas está o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), uma aliança entre Morenistas e Pablistas fundado em 2004 depois de um grupo de deputados federais então no PT se opor à reforma da previdência de Lula e ser expulso do partido. Nesta eleição, o candidato do PSOL, o anti-marxista Guilherme Boulos, obteve apenas 0,6% dos votos válidos, uma drástica redução na votação desde a primeira vez que o partido concorreu à presidência da república, em 2006, quando Heloísa Helena obteve 7% dos votos válidos. No segundo turno, o PSOL declarou apoio a Haddad.

Organizações que na década de 1960 romperam com o movimento Trotskista, o Comitê Internacional da Quarta Internacional, algumas delas defendendo a teoria que o Castrismo e a guerra de guerrilha haviam substituído a necessidade de construir partidos marxistas na classe trabalhadora, desempenharam um importante papel na criação do PT. Essa orientação política contribuiu para derrotas catastróficas da classe trabalhadora e o surgimento de ditaduras militares em toda a América Latina.

Diante de massivas greves e lutas militantes de estudantes contra a ditadura militar do Brasil, essas mesma organizações se juntaram a setores da liderança sindical, da Igreja Católica e a acadêmicos de esquerda para fundar o Partido dos Trabalhadores. O PT também acabaria servindo como um substituto para a criação de um partido revolucionário e na luta pela consciência socialista na classe trabalhadora, oferecendo uma via parlamentar brasileira única ao socialismo. O beco sem saída dessa via – personificado na ascensão do demagogo fascista Bolsonaro – foi claramente alcançado.

A classe trabalhadora brasileira não pode se defender através de uma “frente única” com o PT e seu apelo pelo apoio da classe dominante brasileira. O único caminho é unir as lutas dos trabalhadores brasileiros com os de toda a classe trabalhadora latino-americana, bem como os trabalhadores da América do Norte, contra o inimigo comum – o capital financeiro e as corporações transnacionais.

Tal luta requer uma ruptura política decisiva com o Partido dos Trabalhadores e todas as suas organizações-satélite da pseudo-esquerda. A questão mais urgente no Brasil é a construção de uma nova liderança revolucionária na classe trabalhadora, baseada na assimilação da longa história de luta pelo Trotskismo encarnada no Comitê Internacional da Quarta Internacional.