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Prestes a terminar seu mandato, presidente do Fed procura reconfortar mercados enquanto adverte sobre crise da dívida e desigualdade social

Nick Beams
26 de febrero de 2018

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Publicado originalmente em 30 de Novembro de 2017

Em meio a alta dos mercados de ações e advertências de uma nova bolha financeira, a presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Janet Yellen, apresentou-se pela última vez diante do Congresso dos EUA na quarta-feira.

Em seu depoimento, Yellen buscou diminuir receios de que os mercados de ações estão massivamente supervalorizados, dizendo que, enquanto os preços de ativos “estão altos pelos padrões históricos”, os riscos “permanecem contidos”.

Mas à essas garantias foram acrescentadas advertências sobre a dívida federal e a desigualdade social, constatando que a produtividade, o crescimento econômico e os salários permanecem baixos. Respondendo à uma pergunta sobre o impacto do corte de impostos planejado pela administração Trump, Yellen declarou: “eu diria simplesmente que estou muito preocupada com a sustentabilidade da trajetória da dívida americana”, acrescentando que essa trajetória “deve preocupar todos de maneira muito significativa.”

Os três maiores índices de ações dos EUA registraram mais de 50 recordes este ano, enquanto o índice Dow Jones Industrial subiu mais de 3,5 vezes o seu valor desde o ponto mais baixo depois da crise em Março de 2009. As quantias massivas de dinheiro passeando pelo sistema financeiro tem conduzindo a especulação para ativos financeiros obscuros, incluindo criptomoedas como o bitcoin, que subiu para 11.000 dólares, um aumento de onze vezes apenas este ano.

O Federal Reserve dos EUA, presidido por Yellen nos últimos quatro anos, tem sido central para o aumento espetacular no mercado de ações e o crescimento da desigualdade social ao longo das últimas três décadas.

Um ponto de inflexão decisivo nesse sentido aconteceu em Outubro de 1987, quando, sob a presidência de Alan Greenspan, o Fed respondeu à quebra do mercado de ações de 19 de Outubro – a maior queda de um dia na história – abrindo as torneiras financeiras para oferecer dinheiro barato para os bancos e os mercados financeiros.

Com isso, uma nova política, enraizada nas contradições crescentes do capitalismo americano, foi iniciada. Daquele período em diante, a resposta do Fed ao estouro de uma bolha financeira foi o oferecimento de dinheiro ultra-barato para financiar a bolha seguinte.

A quebra de 1987 foi seguida por uma alta nos mercados ao longo de meados dos anos 1990, levando inclusive Greespan a comentar em 1996 que Wall Street estava tomada por uma “exuberância irracional”. Mas a orgia financeira continuou, levando à crise financeira asiática de 1997-98, à desvalorização do rublo russo e ao colapso da empresa de investimento americana Long Term Capital Management (LTCM) em 1998. A LTCM teve que ser resgatada pelo Federal Reserve de Nova Iorque para impedi-la de derrubar todo o sistema financeiro.

Novamente a resposta foi acionar as torneiras financeiras, que levou à bolha da Internet de 200-2001. Quando essa bolha estourou, um novo veículo para especulação foi desenvolvido através do mercado de hipotecas podres, ou hipotecas subprime, e a criação de um leque de novos instrumentos financeiros, tais como derivativos complexos e obrigações de dívida colaterais.

A implosão desse castelo de cartas financeiro em 2008-2009 não levou a medidas para resolver as contradições que produziram a crise, mas, ao invés, a medidas que alimentavam a especulação financeira. Esse foi o conteúdo essencial do programa de estímulo econômico chamado “quantitative easing” (flexibilização quantitativa), iniciado pelo presidente do Fed, Ben Bernanke, e continuado sob Yellen, em que o Fed reduziu suas taxas de juros para níveis historicamente baixos e bombeou trilhões de dólares para os mercados financeiros dos EUA e ao redor de todo o mundo.

A consequência disso tem sido uma explosão dos valores de ativos combinada com a destruição das condições sociais da classe trabalhadora e o crescimento da desigualdade social para níveis sem precedentes na história. Três bilionários nos EUA agora controlam tanta riqueza quanto a metade mais pobre da população americana.

Existe uma conexão causal entre esses dois processos. Enquanto a especulação financeira parece criar dinheiro a partir de dinheiro, na análise final ela extrai sua riqueza real na forma de mais-valia da classe trabalhadora. Consequentemente, para satisfazer suas exigências insaciáveis, o capital financeiro exige que o salário e os benefícios sociais para a ampla massa da população trabalhadora – uma dedução da riqueza que ela consegue apropriar – sejam reduzidos ainda mais.

Esse processo está sendo acelerado intensamente sob a administração Trump através de seu amplo corte de impostos para os ricos à custa da maioria da população.

Yellen está sendo substituída pelo atual diretor do Fed, Jerome Powell, que combina o apoio de Yellen por dinheiro fácil com o apoio para o desmantelamento das restrições modestas sobre as práticas de Wall Street impostas após a quebra financeira de Setembro de 2008.

A lógica objetiva implacável do parasitismo financeiro, que domina cada vez mais não apenas os Estados Unidos, mas toda a economia capitalista mundial, pode ser vista na proposta atual de cortes de impostos. Os defensores mais clamorosos do plano de corte de impostos, ao invés de estarem preocupados por suas consequências para a dívida governamental dos EUA, saúdam seus efeitos porque qualquer crise no orçamento alimentará o avanço por mais cortes de gastos sociais.

Yellen fala por facções da elite dominante que estão mais conscientes do perigo da orgia de enriquecimento financeiro intensificar a luta de classes.

Em suas declarações ao Congresso, Yellen fez uma referência elíptica à esse perigo para a classe dominante, apontando para as tendências “perturbadoras” de desigualdade de renda. Entretanto, não há nada que Yellen ou qualquer outro representante da classe dominante possa fazer para impedir que isso aconteça, uma vez que o acúmulo de extraordinária riqueza de um lado e o acúmulo da pobreza, miséria e degradação do outro não é fundamentalmente o resultado de decisões políticas que podem ser revertidas de algum modo. Na verdade, é o crescimento perverso de uma ordem socioeconômica em crise terminal.

Não se trata de propor uma saída inútil para essa crise que tente reformar os sistema capitalista baseado no lucro privado, mas lutar para que a classe trabalhadora derrube-o.

Os trabalhadores enfrentam a tarefa histórica de lutar pelo poder político para tomar o comando da economia – as grandes corporações e o sistema financeiro – e colocá-lo sob propriedade pública e controle democrático, utilizando a vasta riqueza que a própria classe trabalhadora criou para satisfazer suas necessidades sociais.