Publicado originalmente em inglês no WSWS,org em 9
de outubro de 2008
O anunciado feito no domingo [5.10] pela Chanceler Angela Merkel
e pelo Ministro de Finanças Peer Steinbrück de que
o governo alemão garantirá todas as contas de correntistas
particulares é uma mera declaração política,
que eles não têm a menor intenção em
erigir em lei.
Não haverá nenhum processo legislativo,
confirmou o responsável pelo Tesouro, Torsten Albig, segunda-feira
pela manhã. E mais: a promessa é apenas uma delcaração
política feita pela chanceler e pelo ministro de finanças.
O responsável financeiro do Partido Social Democrata
Alemão (SPD Sozialdemokratische Partei Deutschland),
Otto Fricke, disse acreditar que, sem fundamentação
legal, tal garantia é praticamente sem valor. A declaração
de garantia das contas de correntistas não é nada
mais do que uma declaração de intenções
políticas, disse ele. Ela lembra as promessas
do [antigo ministro do trabalho] Norbert Blüm, de que as
pensões estavam seguras. A garantia das pensões
prometida pelo cristão-democrata Blüm nos anos 80
é tomada, atualmente, como exemplo clássico de promessa
política furada.
A promessa de garantia feita por Merkel e Steinbrück é
baseada em um cálculo econômico arriscado
que nunca serão capazes de levar adiante. Destina-se a
acalmar pequenos investidores e prevenir um corrida aos
bancos, que poderia levar ao colapso o sistema financeiro
como um todo.
Se, ao contrário de suas expectativas, forem cobrados
de sua promessa, ninguém sabe o que poderá ocorrer.
Não existem fundos ou reservas para assegurar as ações
envolvidas, cuja soma tem sido estimada em mais de um trilhão
de euros. A única opção seria aumentar incrivelmente
a dívida do estado, o que no passado Steinbrück rejeitava
veementemente.
O que subjaz à falsa promessa feita por Merkel e Steinbrück,
acima de tudo, são seus motivos políticos. Eles
temem uma radicalização e um movimento à
esquerda por parte da população caso paguem bilhões
para resgatar bancos insolventes,
Destacado-se entre as pessoas, Merkel é aquela que agora
aponto o dedo aos bancos, como se tivesse tirado lições
de retórica do líder do partido de esquerda, Oskar
Lafontaine. É a mesma Merkel que, cinco anos atrás,
defendeu lealmente a via de reforma neoliberal no
congresso de seu partido, a União Democrata-cristã
(UDC), em Leipzig. Num encontro recente do partido em Wiesbaden,
falou pelos cotovelos sobre a necessidade de o estado agir para
prevenir o que os irresponsáveis banqueiros de todo
o mundo têm provocado. Precisamos de um mercado com
regras, ao invés desses mercados indomáveis onde
somente o lucro é o que conta, disse Merkel.
Steinbrück, quem sempre assumiu os cortes dos gastos públicos
como seu principal objetivo e sempre defendeu ataques ao bem-estar
e aos direitos dos trabalhadores em sua Agenda Política
2010, tornou-, subitamente, o grande protetor dos pequenos
proprietários.
Nos últimos dias, muitos comentários têm
aparecido na imprensa alertando que a crise financeira está
minando a confiança no estado. Após anos nos quais
o governo tem considerado a desregulamentação do
mercado e o desmantelamento dos ganhos sociais uma de suas tarefas
principais, agora tenta se distanciar dos interesses do capital
financeiro, buscando aumentar sua credibilidade.
Na edição on-line do semanal Die Zeit,
Ludwig Greven expressou o temor de que a crise financeira se transforme
numa crise para a democracia. Respondendo sua próprio
pergunta Quem governa a Alemanha, o governo ou os dirigentes
do capital financeiro? ele disse: Para todos os motivos
e propósitos, são os bancos e o mercado financeiro.
Agora, conclui Greven, as políticas na Alemanha não
têm apenas de combater a crise ameaçadora no
sistema financeiro. Deve também legitimar suas políticas,
em particular as reformas sociais dos últimos anos, que
aparentemente têm sido conduzidas pela fome insaciável
do capital. Cada vez mais pessoas perguntam-se, segundo
ele, porque têm de aceitar os cortes massivos nos
gastos sociais e nos salários, quando é obviamente
mais dinheiro do que o suficiente para resgatar os bancos.
Se os políticos limitarem, agora, seu papel em fornecer
ajuda de emergência, ignorando os efeitos perigosos
dos humores políticos, escreveu Greven, então
a crise financeira mundial poderá produzir uma crise em
nosso sistema democrático Ocidental. Seu resultado poderiam
ser populistas de esquerda ou de direita, bem como perigosos demagogos...
Heribert Prantl disse algo similar no Süddeutsche Zeitung.
Para ele, a crise financeira mundial não diz respeito apenas
ao mercado do dinheiro, mas também à fé
na soberania e capacidade da democracia... Não se trata
apenas de tampar enormes buracos financeiros, mas também
garantir que a crise do capitalismo global não se torne
uma crise da democracia.
Por enquanto, os principais administradores do mercado
do dinheiro comportaram-se como se a democracia fosse
um playgroud para cidadãos comuns, porque as
reais decisões têm sido feitas nas bolsas de valores.
Os gigantescos fundos para a estabilização dos mercados
financeiros precisam, agora, ser vertidos para salvaguardar
e contribuir com a estabilização da democracia,
assim como para dar confiança às estruturas democráticas.
Ulrich Schäfer, também escrevendo para o Süddeutsche
Zeitung, comenta que a chanceler e seu ministro das finanças
comportaram-se como vítimas de uma chantagem, onde
os mercados financeiros têm tomado como refém um
governo e uma nação inteira. Ele vai além,
ao comparar os mercados financeiros com os terroristas da Facção
do Exército Vermelho (RAF) que tinham ameaçado o
governo de Helmut Schmidt no Outono 1977.
Nenhum desses comentaristas se opõe à permissão
do governo em ajudar bancos e especuladores com bilhões
em fundos fiscais. Eles estão mais preocupados em manter
as aparências. Querem assegurar que a raiva sobre essa injustiça
não tome uma nova direção, voltando-se contra
o sistema capitalista, responsável por tudo isso.
A memória das crises financeiras e bancárias
dos anos 1920 e 1930 ainda está viva na Alemanha. Em 1923,
a inflação em espiral destruiu as economias da classe
média e levou milhões de trabalhadores à
miséria, enquanto alguns industriais fizeram bilhões,
como Hugo Stinnes. No outono daquele ano, a Alemanha esteve à
beira de uma revolução socialista, que só
não ocorreu porque o Partido Comunista estava insuficientemente
preparado.
As crises bancárias de 1929 e 1931 finalmente selaram
o destino da República de Weimar. Na última edição
de Der Spiegel, até mesmo o Ministro do Interior,
Wolfgang Schäuble (UDC), relembra essa conexão histórica.
As conseqüências da crise foram Adolf Hitler
e, indiretamente, a Segunda Guerra Mundial e Auschwitz,
escreveu ele.
Contudo, Schäuble esqueceu de mencionar que a democracia
já tinha sido eliminada antes de 1930 pelo Partido do Centro
Alemão (Deutsche Zentrumspartei), o predecessor do seu
próprio partido, a UDC. O chanceler Heinrich Brüning
(Centro) jogou os efeitos da crise para cima das costas dos trabalhadores
por meio de decretos de emergência; suprimiu a resistência
destes, no que foi apoiado pelo Partido Social-Democrata (SPD).
Isso abriu o caminho ao poder para Hitler, que foi chanceler três
anos depois. Hitler foi apoiado por influentes industriais e homens
de negócios, que precisaram dos Nazistas para quebrar o
movimento operário.
Schäuble está bastante preparado para seguir os
passos de Brüning. Sua contribuição mais importante
na crise atual consiste na tentativa de legalizar o uso das Forças
Armadas para operações dentro do país
um objetivo que buscou durante 15 anos. Até agora, Schäuble
não tinha conseguido obter a maior parte dos dois terços
necessários para aprovar a emenda constitucional, legalizando
tal uso, mas o SPD neste momento transmitiu seu acordo.
Isso deve ser tomado como um sério aviso. A crise financeira
internacional revelou a bancarrota do sistema capitalista, que
é baseado na propriedade privada dos meios da produção
e o enriquecimento de uma minoria muito pequena à custa
da maioria esmagadora. Mas a elite dominante não está
a ponto de abandonar os seus privilégios voluntariamente.
Enquanto ela embala o público para dormir com a ilusão
de que o capitalismo pode ser contido e regulado, simultaneamente
prepara-se para a supressão violenta de qualquer resistência
social e política.