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A lista de bilionários da revista Forbes e o crescimento da desigualdade na Rússia

Por Vladimir Volkov
23 Mayo 2006

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A revista de negócios americana Forbes publicou recentemente sua lista de bilionários de 2005, que inclui 33 cidadãos russos, ilustrando uma vez mais como a vida política da Rússia contemporânea, sob a liderança do presidente Putin, visa primordialmente à satisfação dos interesses dos grandes negócios e dos oligarcas pós-soviéticos.

A riqueza das pessoas mais ricas do planeta aumenta numa velocidade sem precedentes. Em 2005, o número de bilionários alcançou 793, contingente este acrescido de 102 indivíduos sobre o total do ano precedente, e seus valores líquidos excederam 2,3 trilhões de dólares, elevando-se, assim, em 18%. A riqueza média de cada membro do privilegiado elenco dos super-ricos da lista é de 3,3 bilhões de dólares.

Os indicadores do "setor russo" na lista, que aumentou em seis indivíduos desde o ano passado, correspondem exatamente a esta tendência geral, e por vezes até a excede. O montante líquido de recursos dos nouveauxx riches(a) quase que dobrou no curso de um ano, passando de 91 bilhões de dólares para 172 bilhões de dólares. Doze deles figuram no topo dos 100 mundiais. No pico, acha-se Roman Abramovich, o governador da Chukotka(b) proprietário do clube de futebol britânico Chelsea(c). Sua fortuna cresceu—especialmente por causa da venda da companhia Sibneft(d)—aproximadamente $5 bilhões, e é estimada em $18,2 bilhões. Ele passou do 21º para o 11º lugar na lista mundial.

Depois dele vem o presidente da Lukoil(e) Vagit Alekperov, ex-vice-ministro da indústria estatal de petróleo russa, cuja riqueza mais do que dobrou, alcançando 11 bilhões de dólares.

Em seguida, vêm Vladimir Lisin, diretor da aciaria Novolipetsk; Viktor Vekselberg, comprador da Faberge(f) e pretendente ao governo da Kamchatka, diretor da Sibéria-Ural Aluminium Company-SUAL e da empresa petrolífera TNK-BP; Mikhail Fridman, diretor principal do consórcio Alfa Group Consortium; e outros conhecidos e não bem conhecidos "heróis".

Como referido em editorial do periódico Gazeta, a maioria dos novos membros da "Lista Russa" tinha de dar informações sobre sua faixa de renda (income public), inclusive sobre as vendas iniciais de ações ordinárias. Como resultado, verificou-se que o montante da riqueza do vice-presidente do Gupo Evraz, Alexandr Frolov, representava 2,3 bilhões de dólares, enquanto que o gerente geral da Novatek, Leonid Mikhelson, é de 2,5 bilhões de dólares.

A Rússia subiu para o terceiro lugar no mundo, após os Estados Unidos e a Alemanha, no número de bilionários. Além disto, Moscou elevou-se para a classe de cidades com o segundo maior número de bilionários, após Nova Iorque: nesta última, há 40 deles; em Moscou, 25; em Londres, 23.

O número de russos fazendo parte da lista da Forbes podia ser maior se muitas empresas dessa nacionalidade já tivessem realizado uma venda inicial de ações ordinárias ao público, e, de acordo com a "tradição", preferissem não revelar seus verdadeiros donos e suas receitas. Ademais, representantes do Gazprom e do Sistema Único de Energia russos, monopólios gigantescos pertencentes ao Estado, estão ausentes da lista. A lista Forbes documenta uma tendência mundial que se manifesta com agudo vigor nos anos recentes.

Consiste na maciça acumulação de riquezas em poucas mãos, adquiridas não tanto por aquisições no campo produtivo como também pela constante redistribuição da riqueza nacional da base para o topo por meio da redução de impostos dos ricos e favorecimento de novos privilégios aos grandes negócios e, simultaneamente, destruindo mecanismos e estruturas sociais criados no pós-Segunda Guerra Mundial.

O caráter especulativo e profundamente parasítico das riquezas mundiais dos bilionários é acentuado pelo fato de que a riqueza de muitos dos figurantes na lista incrementou devido ao crescimento dos mercados financeiros. Na Índia, onde o índice das ações elevou-se 54% no período de 12 meses, 10 novos bilionários surgiram. Na China, que atrai uma significativa fatia dos investimentos internacionais, graças à mão-de-obra barata e ao regime burocrático repressivo, o número de bilionários era de apenas oito, quatro vezes superior ao de 2004. Todavia, o mais impressionante aumento no número de ricos foi registrado nos Estados Unidos, onde 44 novos milionários apareceram no ano passado. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos são o maior devedor do mundo, pois que detentor de tremendo saldo negativo de sua balança comercial e financeira, mantendo a estabilidade de sua economia num grau significativo por causa do influxo diário de 2 bilhões de dólares vindos do exterior e da crescente bolha de transações especulativas imobiliárias.

De que forma a oligarquia russa amontoou tanto dinheiro no ano passado? Principalmente através da pilhagem dos recursos naturais, e como resultado da expansão do mercado financeiro. Quase todos os bilionários russos controlam a exportação de matérias primas—petróleo, gás e metais básicos. As elevadas cotações mundiais das matérias primas propiciaram a esses exportadores receitas recordes. Noutras palavras, a incrementada riqueza dos russos abastados não é reflexo do crescimento real da economia e da elevação do padrão de vida, mas na verdade evidencia a permanência da situação geral do pais como exportador de matérias-primas e também de apêndice do mercado capitalista mundial, além de manter-se sua condição de miserabilidade da maioria absoluta da população.

O histórico da venda no último ano da Sibneft, comprada pela Gazprom por 13 bilhões de dólares, constitui um exemplo instrutivo de como a oligarquia russa enriquece sob o governo de Putin. Lembramos ao leitor que a privatização da Sibneft num esquema de leilão para aquisição de ações por meio de empréstimos ("loans-for-shares") custou aos proprietários da companhia—B. Berezovsky(g) e R. Abramovich -, à época, 100 milhões de dólares. Às vésperas da venda à Gazprom, a Sibneft foi uma das mais "opacas" companhias, implementando os esquemas de sonegação de impostos similares aos implementados pela Yukos.

Por exemplo, a taxa de lucro efetiva (effective tax rate) da Sibneft em 2003 foi somente 7% (na primeira metade do ano apenas 4,8%), enquanto a taxa básica foi de 24%.

Por vários anos, a Câmara de Auditagem da Federação russa tem sido constantemente advertida das violações praticadas em larga escala pela Sibneft. Assim, em 2001 a Sibneft subtraiu pagamentos no montante de 10 bilhões de rublos. Em 2003, auditores da Câmara de Auditagem anunciaram que a Sibneft tinha desviado 14 bilhões de rublos através de sucursais ultramarinas componentes do feudo de Roman Abramovich, a Chukotka. Ao mesmo tempo, o débito da Chukotka Corporation para com o estado era de 9,3 bilhões de rublos (quantia que excede em duas vezes e meia a capacidade geradora de receitas do orçamento regional).

Vários meses antes de a transação da Gazprom-Sibneft começar a ser delineada, a Inspetoria Federal de Tributação (Federal Tax Service) detinha ainda um certo número de queixas contra a companhia, totalizando cerca de 1 bilhão de dólares. Às vésperas da transação todas as reclamações respeitantes à empresa foram retiradas, e, de acordo com informação que circulou na mídia, a Sibneft esperneou e conseguiu pagar apenas 300 milhões de dólares em lugar do bilhão exigido.

A compra da Sibneft foi efetuada de acordo com o "esquema cinza". Um registro de acionistas da companhia Millhouse Capital, cujas contas absorveram o valor intergral, nunca foi publicado. Dessa forma, os titulares recebedores dos fundos da Gazprom permanecem desconhecidos do grande público.

Sabe-se que até a época da venda, o volume de petróleo extraído pela companhia diminuía como resultado da catastrófica deterioração de seus ativos físicos e por causa da exaustão de suas reservas e da queda da prospecção geológica. Os analistas do mercado petrolífero predizem que é improvável que tal tendência seja afastada, pelo menos em futuro próximo, uma vez que os investimentos das companhias petrolíferas russas para renovação de suas infraestruturas e das explorações geológicas são completamente inadequados.

É também necessário mencionar que em 2001 Abramovich adquiriu de B. Berezovsky metade das ações da empresa - isto é, toda participação deste acionista na companhia—por 1,3 bilhão de dólares. Então, Abramovich considerou o valor de sua aquisição um "preço justo".

Resumindo estes dados, pode-se supor que o preço pago pela aquisição da Sibneft foi essencial e propositalmente exagerado. Em particular, peritos do Instituto de Estratégias Nacionais (National Strategy Institute), sob direção do cientista político nacional-liberal Stanislav, chegaram a esta conclusão espelhada num relatório intitulado "O Poder do Dinheiro. A Estratégia Decisiva da Elite Dirigente Russa", publicado em dezembro do ano passado.

A realidade é que a os oligarcas russos continuam a determinar integralmente as decisões parlamentares e governamentais, e, mesmo que eles estejam dispostos a desistir do domínio dos mais lucrativos setores da economia russa, ainda assim receberão enormes compensações. Todos os problemas restantes são deixados por conta do orçamento—i.é, serão pagos pelos contribuintes comuns. Paralelamente às orgias do enriquecimento, a condição da maioria dos habitantes do país agrava-se a cada instante, o que é demonstrado pelos protestos maciços contra a monetarização dos serviços sociais no último ano (a monetarização reduziu drasticamente o dispêndio global do estado com as camadas sociais mais vulneráveis da população), e igualmente os protestos contra as reformas dos serviços sociais urbanos residenciais (home utilities) este ano.

O objetivo da reforma dos encargos residenciais urbanos é transferir a totalidade de seus custos públicos para seus usuários, ao mesmo tempo em que estes dispêndios se elevam. Os custos dos serviços públicos elevaram-se entre 30% e 40% exatamente no começo do ano, enquanto a inflação para janeiro e fevereiro, de acordo com dados oficiais, elevou-se em apenas 4%. Isto é, a metade do percentual que o governo estimou para todo ano.

As condições educacionais, de saúde pública, auxílio moradia, e demais serviços assistenciais para os idosos têm piorado sensivelmente. O jornal Izvestiya em 10 de março publicou um artigo de acordo com o qual o sistema de pensões russo está ameaçado de colapso. Simultaneamente ao fracasso do sistema privado de pensões, essencialmente por causa da falibilidade das instituições financeiras privadas russas, o déficit do Fundo Estatal de Pensões alcançou 112 bilhões de rublos no ano passado. Uma redução de apenas uma única taxa de impostos é apontada como uma das causas básicas—uma dentre uma série das medidas das reformas de mercados "institucionalizadas" pelo governo de V. Putin.

De acordo com estimativas da Câmara de Auditagem, o déficit orçamentário do Fundo de Pensão em 2008 alcançaria 1,3 bilhões de dólares, e por volta de 2012, na opinião de especialistas, será de 23 bilhões de dólares. Isto poderia significar o colapso de um sistema de pensões incapaz de reagir adequadamente a uma situação macroeconômica desfavorável diante de uma queda das receitas petrolíferas estatais. A despeito dos esforços dos ideólogos do Kremlin e de todos aqueles a insistirem que as políticas do governo de Putin constituem a restauração parcial da justiça social e a prática de alguma oposição às condições vigentes sob Boris Yeltsin na década de 1990, seu conteúdo real representa a garantia ainda maior dos ilimitados privilégios estabelecidos de uma minoria insignificante ao próprio enriquecimento às expensas da maioria da sociedade. O chamado nacionalismo é exatamente uma outra forma assumida pela crescente desigualdade social.

Tradução de Odon Porto de Almeida.

N. do trad. (a) Novos ricos, em francês no original. (b) Região autônoma situada no extremo oriente da Federação Russa. Tem 721,7 mil quilômetros quadrados, e apenas 55.000 habitantes. Subsolo muito rico em minérios. (c) Clube de futebol britânico, fundado em 1905. (d) Maior empresa petrolífera russa. Criada por decreto presidencial em 1995. Privatizada através de uma série de leilões. (e) A segunda maior empresa petrolífera russa. (f) Célebre ourivesaria, fundada no século XVII por uma família francesa do mesmo nome, da qual alguns membros se estabeleceram em São Petersburgo. Suas jóias foram muito apreciadas pela nobreza russa. Carlos Gustavovitch Faberge (1846-1920), de nacionalidade russa, foi o mais famoso joalheiro da família. (g) Boris Berezovsky nasceu em Moscou em 1946. Matemático. Foi membro da Academia de Ciência da ex-URSS. Hoje é m dos principais mafiosos russos. Sua fortuna, obtida através de negociatas relacionadas com as privatizações seqüentes à queda do regime burocrático soviético, é avaliada em 3 bilhões de dólares. Contribuiu para a ascensão de Putin, de quem se afastou posteriormente. Vive na Inglaterra como exilado, após acusações de uma série de crimes financeiros.