Itália: Estudantes continuam a protestar contra cortes
na educação
Por Marc Wells
13 de dezembro de 2010
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Desde 24 de novembro, estudantes organizam diversos protestos
em massa na maioria das cidades italianas. O estamento político,
enquanto isso, está procurando novas formas de renovar
o ataque contra a educação pública.
Até agora, os estudantes demonstraram determinação
em sua oposição às reformas. Pesquisadores
e professores, também vitimados pelas medidas patrocinadas
pelo ministro de Educação, Mariastella Gelmini,
se juntaram a eles. Eles tentaram ocupar o Senado italiano, se
aproximaram da Câmara dos Deputados, bloquearam muitas das
principais estações de trem (Roma, Bolonha, Turim,
Palermo), ocuparam a famosa Torre de Pisa, além do prédio
do Orçamento Interno em Milão. A polícia
não hesitou em recorrer à violência. (Veja
os links do YouTube abaixo).
Estudantes, pesquisadores e professores se opõem persistentemente
à reforma Gelmini, uma série de projetos de lei
e decretos executivos lançados a partir de 2008 que efetivamente
resultaram num ataque sem precedentes contra a educação
pública.
O sistema educacional da Itália já se sai bastante
mal em comparação aos de outros países da
União Europeia. De acordo com a Organização
pela Segurança e Cooperação na Europa (OSCE),
antes dos cortes introduzidos pela reforma, a Itália gastava
US$5.400 por estudante, comparado a US$10.200 na Alemanha, US$9.400
no Reino Unido e US$9.300 na França. Além do mais,
a taxa estudante/professor na Itália era de 20.4:1, contra
12.4:1 na Alemanha, 16.4:1 no Reino Unido e 17:1 na França.
Com a introdução da reforma, 30% do Fundo
di Funzionamento Ordinario (Fundo de Operação
Padrão). O projeto de lei atual impõe mais cortes
a um sistema já inadequadamente financiado, além
de uma reestruturação antidemocrática do
pessoal contratado pelas universidades.
Todos os organismos democraticamente eleitos perderiam seu
poder executivo, se tornando meras entidades consultivas. Poderes
aumentados seriam conferidos ao reitor e à mesa diretora,
incluindo a capacidade de tomar ações disciplinares
contra os estudantes, professores e pesquisadores. As unidades
iriam assim mais e mais se assemelhar a corporações
privadas. De fato, o que se prepara é a privatização
da educação pública.
A pesquisa universitária historicamente constitui uma
das fundações do progresso científico e social.
O projeto de lei implementa um novo tipo de emprego, sem estabilidade,
para pesquisadores, que seriam empregados com base em um contrato,
sem garantia de renovação ou manutenção
da estabilidade, precarizando ainda mais um mercado de trabalho
já volátil.
O novo projeto de lei contém mais de 170 itens, que
produzirão absurdas e complicadas regras para os educadores,
que serão subordinados a burocratismos que irão
comprometer mais ainda a qualidade da educação.
O projeto de lei ao qual os estudantes se opõem foi
aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 30 de novembro
de 2010 e deve ser votado no Senado depois de 14 de dezembro.
O calendário parlamentar não é uma coincidência.
No dia 14 de dezembro, um voto de não-confiança
no governo Berlusconi acontecerá. Além disso, foi
decidido que todas as sessões congressuais devem ser fechadas
no período de 6 a 13 de dezembro.
A primeira e principal razão para essa manobra é
a tentativa deliberada de quebrar os protestos e desarmar seu
ímpeto. A militância exibida pelos estudantes, pesquisadores
e professores é representativa de tensões sociais
muito mais profundas que se acumulam na Itália. Há
amplo ódio popular pelo governo reacionário de Silvio
Berlusconi, que implementou massivas medidas de austeridade e
arrogantemente atacou as liberdades democráticas.
A segunda razão é que uma nova maioria emergirá,
mais capaz de implementar ataques similares, senão mais
brutais, contra as condições de vida e benefícios
dos trabalhadores. A educação pública constitui
uma parte importante das concessões ganhas no pós-guerra
através de lutas amargas, e agora a burguesia italiana
tem a intenção de retirar essas concessões.
O assim-chamado Terceiro Pólo, uma coalizão
entre o neofascista Gianfranco Fini, o Democrata Cristão
Pier Ferdinando Casini e o camaleão político Francesco
Rutelli (ex-radical, Verde, Democrata, agora é essencialmente
um Democrata Cristão), esteve negociando um governo pós-Berlusconi
por meses, percebendo a necessidade de substituir o primeiro ministro
em luz da sua impopularidade.
A burguesia italiana está preparando uma grande coalizão
começando por Fini e se estendendo ao ex-stalinista Pier
Luigi Bersani, com o propósito de aplacar a oposição
popular contra Berlusconi. As políticas de tal coalizão,
porém, não seriam diferentes daquelas da atual maioria.
Especificamente sobre a questão da reforma Gelmini,
às vésperas do voto na Câmara dos Deputados,
Fini, que tem sido um aliado político de Berlusconi desde
seu primeiro governo em 1994, declarou: A reforma Gelmini
é positiva e Fli [seu novo partido Futuro e Libertà
per I'Italia] votará em favor dela. Fini, de
fato, expressou total desprezo pelos protestos, que chamou de
inaceitáveis.
Os Democratas Cristãos se juntaram ao Partido Democratico
(PD) e ao Italia dei Valori (Itália de Valores
- IdV) numa manobra feita no dia 30 de novembro, com o objetivo
de posarem como oponentes da reforma. Na realidade, Casini declarou
que a reforma é um catálogo de boas intenções,
mas lamentou a falta de recursos, declarando seu acordo.
O papel do PD, por trás de sua declara oposição
à reforma Gelmini, é ainda mais traiçoeiro.
Maio passado o partido publicou um programa que detalha os métodos
que utilizará para privatizar a educação
pública.
O programa adota muitas das mesmas medidas usadas nos EUA durante
a última década, medidas que contribuíram
para desmantelar o sistema de educação pública,
como o financiamento a instituições privadas através
de vouchers (que o PD especificamente promove), favorecimento
a investimentos privados (outra medida que o PD tem proposto desde
o governo Prodi) e o apoio à anti-democrática imigração
seletiva, para usar os termos grosseiros do documento.
O objetivo do PD é solicitar que o capital de
risco e as escolas de empreendedores tragam a cultura empreendedora
para a escola e para a pesquia, conforme o programa declara,
é um sinal claro de que o partido tem a intenção
de entregar a educação pública às
mãos gananciosas do sistema de lucro.
No dia 24 de novembro, o líder do PD Bersani subiu no
telhado da faculdade de arquitetura em Roma - uma iniciativa imitada
no dia seguinte pelo seu cúmplice político Nichi
Vendola do Sinistra, Futuro e Libertà (SEL) - como sinal
para a burguesia de que o governo da esquerda conteria
os estudantes. Também subordinaria os trabalhadores italianos
às mesmas medidas de austeridade implementadas na Grécia
(Bersani declarou que mesmo na Grécia eles estão
implementando reformas sociais e educacionais. Cedo ou tarde nós
também chegaremos lá.)
Esses eventos estão ocorrendo em meio a uma crise econômica
em aprofundamento que está sendo usada por todos os partidos
da ordem pela Europa para reconfigurar as relações
sociais, impondo duras medidas de austeridade sobre trabalhadores
e estudantes.
A Itália está sob pressão crescente dos
mercados financeiros para implementar novas medidas de austeridade.
O país tem uma alta dívida pública (118,9%
do PIB), baixa taxa de crescimento (0,2% no terceiro trimestre)
e uma crescente taxa de diferenciação de rendimentos
de títulos que expôs o país à deterioração
da qualidade do crédito. Os mercados internacionais têm
olhado para a Itália como a próxima na fila depois
de uma possível falência de Portugal e Espanha.
Na última segunda-feira, o membro do Conselho Tutor
do Banco Central Europeu (ECB) e presidente do Banco da Itália
Mario Draghi declarou que o crescimento é tão
fundamental quanto a estabilidade. É pelo crescimento que
a dívida pode ser paga. O rigor orçamentário
é fundamental.
Essa declaração contém em si o que pode
ser esperado para o future. Os gastos sociais serão cortados
para reduzir o endividamento; o crescimento ocorrerá através
do aumento da exploração sobre a classe trabalhadora
e a diminuição dos custos da força de trabalho;
e a estabilidade exigirá uma mão firme - se necessário,
até mesmo métodos autoritários.
O ataque sobre a educação pública é
um componente crítico dessa política ditada pela
aristocracia financeira. Em luz do adiamento da sessão
do Senado, a Unione degli Universitari, uma federação
de grupos estudantis sindicais, declarou uma grande vitória
dos estudantes e pesquisadores, resultado de um ano de mobilização
que ergueu sua voz mês após mês. Não
houve qualquer vitória. O adiamento é uma cortina
de fumaça para que a burguesia reordene suas fileiras e
avance na direção de um ataque mais agressivo.
Nenhum dos partidos que atualmente negociam o poder oferecem
uma solução. Todos eles compartilham de um mesmo
interesse: a defesa e a preservação da ordem burguesa.
Enquanto os protestos dos estudantes permanecerem restritos a
esse quadro, eles serão suprimidos e derrotados.
Para levar adiante sua luta, os estudantes precisam fazer um
giro consciente na direção da classe trabalhadora,
na direção da mobilização dos trabalhadores
em oposição a todo o estamento político e
todos os defensores da ordem burguesa, incluindo os sindicatos.
A defesa da educação precisa ser vinculada à
defesa dos empregos, salários e condições
de trabalho, e uma política a escala européia para
derrubar a dominação da aristocracia financeira.
Isso significa lutar por um programa socialista - incluindo a
nacionalização dos bancos e todas as principais
indústrias - e o estabelecimento de um governo dos trabalhadores.
[Traduzido por movimentonn.org]
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