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Petroleiros iraquianos entram em greve em Basra

Por James Cogan
15 de junio de 2007

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Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês, no dia 9 de junho de 2007.

Cerca de 600 trabalhadores associados à Federação Iraquiana dos Sindicatos dos Petroleiros (IFOU), que trabalham para a Oil Pipeline Company na cidade de Basra — no sul do Iraque — entraram em greve na segunda-feira (04), interrompendo o abastecimento de petróleo refinado e gás liquefeito de Bagdá e de outras cidades iraquianas. O governo iraquiano enviou tropas para intimidar os grevistas e autorizou a prisão de pelo menos dez líderes sindicais. Na quarta-feira, os dirigentes do IFOU “adiaram” as ações por cinco dias para possibilitar as negociações com o governo.

A deflagração da greve foi decorrência da incapacidade da companhia de fazer uma proposta de pagamento de bônus a seus trabalhadores. A greve vinha sendo planejada há um mês. No dia 27 de abril, o IFOU apresentou ao governo iraquiano uma pauta de reivindicações com 17 pontos, fixando o dia 10 de maio como data limite para o início da greve, particularmente nas províncias do sul do país.

Empenhado em impedir a greve, o primeiro ministro Nouri al-Maliki concordou em formar um comitê unificado composto pelo governo, pela companhia petrolífera e pelo sindicato para negociar as reivindicações do IFOU. Mais de 50% do petróleo produzido no Iraque vem da província de Basra. Outros 10 a 15% e uma grande parte das reservas ainda não exploradas do país estão localizados na parte sul do país, em Maysan (cuja capital é Amara), Dhi Qar (capital em Nasiriyah) e Al Muthanna (capital em Samawah).

As reivindicações do sindicato são amplas e se aplicam a todos os seus 26.000 associados no Iraque e não somente aos trabalhadores da Oil Pipeline Company. O sindicato reivindica bônus, pagamento de férias acumuladas, promoções, cargos fixos a trabalhadores temporários e emprego a recém formados em cursos de treinamento da indústria do petróleo. Eles exigem também a propriedade das casas em que moram (que atualmente são propriedade do Estado) e garantia de tratamento aos trabalhadores afetados por câncer ou outras doenças que possam estar associadas à contaminação com urânio, em conseqüência dos depósitos de munições dos EUA e da Inglaterra existentes na região sul do Iraque.

Além disso, o sindicato reivindica a revisão dos recentes aumentos no preço dos combustíveis, o fim do imposto de 20% sobre o lucro da indústria petrolífera, cujo fim é ajudar a financiar as forças armadas iraquianas, e o direito de “estudar” o esboço da legislação endossada pelos EUA, que pretende autorizar as companhias estrangeiras a explorar o petróleo iraquiano. O IFOU está exigindo a demissão dos administradores da Oil Pipeline Company.

Enquanto diversas dessas reivindicações se originam das difíceis condições enfrentadas pela classe trabalhadora iraquiana, a direção do IFOU está explorando o descontentamento legítimo dos petroleiros para lutar pelos interesses de um setor da elite de Basra. A mais controvertida reivindicação do IFOU é a de que o governo iraquiano “conceda autonomia administrativa e financeira” às companhias estatais do sul do Iraque, que são atualmente controladas por Bagdá. Isso coloca o IFOU no campo do Partido da Virtude Islâmica ou Fadhila, de Basra, e do governador de Basra, Mohammed al-Waili, um dos líderes do Fadhila.

O Fadhila é dirigido por figuras relacionadas à indústria petrolífera de Basra. Desde 2003, setores do Fadhila têm reivindicado que a província de Basra se torne uma região autônoma, que funcionaria como uma cidade-estado rica em petróleo, nos moldes do Kuwait. Após as invasões lideradas pelos EUA, a organização colaborou com as forças de ocupação britânica e procurou ganhar maior influência política. Controlando o governo da província, acredita-se que a maioria dos 25.000 da “Força de Proteção do Petróleo” — uma organização armada que resguarda campos de petróleo, refinarias, oleodutos e o porto de Basra — sejam leais ao Fadhila.

A reivindicação do IFOU por “autonomia administrativa e financeira” é uma forma de exigir que o governo de Basra (dominado pelo Fadhila) tenha o controle sobre os vastos recursos de petróleo e gás da província. Em essência, os setores da elite de Basra e o aparato do IFOU se ressentem do fato de que a riqueza produzida pelo mar de petróleo sobre o qual vivem tenha que ser dividida com o restante do Iraque.

Na pauta de reivindicações enviada pelo IFOU ao ministro do petróleo iraquiano no dia 27 de abril, ele declarava que “a nossa esperança é que se garantam os direitos daqueles que foram discriminados pelos membros do governo iraquiano e que se elimine a injustiça com relação à região sul. Consideramos que as discriminações continuam atualmente e que o sul é tratado como a galinha dos ovos de ouro do Iraque. A nossa região deu muito ao Iraque, mas pouco recebeu em troca”.

Um dos líderes do Fadhila, Aqeel Talib, resumiu as intenções de seu partido na entrevista concedida ao New York Times em junho de 2006: “o Fadhila quer fazer de nossa província nossa própria região. Nós temos milhões de pessoas, um aeroporto, um porto e petróleo — tudo o que precisamos é de um Estado”.

A greve intensificou o acalorado debate sobre o futuro do petróleo de Basra. É improvável que seja uma coincidência o fato de que, apenas 24 horas depois do IFOU ter divulgado pela primeira vez a sua pauta de reivindicações no dia 27 de abril, uma coalizão de partidos xiitas rivais, que se opõe à autonomia, tenha movido uma moção no legislativo de Basra para remover Waili de seu cargo. Milícias armadas se enfrentam desde então, enquanto Waili se recusa a renunciar e seus opositores se recusam a obedecer às ordens de seu governo.

Os principais opositores ao controle de Basra pelo Fadhila são os representantes locais do movimento sadrista do clérigo xiita Moqtada al-Sadr. Contra o regionalismo do Fadhila, os sadristas defendem uma perspectiva nacionalista que mantenha a indústria petrolífera firmemente controlada pelo governo e pela burocracia de Bagdá. Eles são apoiados pelos dois partidos xiitas que dominam o governo iraquiano — o partido Da’wa, de Maliki, e o Supremo Conselho Islâmico Iraquiano (SIIC). Como os sadristas, o partido Da’wa e o SIIC têm o apoio da população xiita de fora de Basra, que não se beneficiaria com o plano de autonomia do Fadhila para a sua província.

O governo de Bagdá não tem a intenção de ceder o controle da indústria de petróleo do sul. A resposta de Maliki à reação da indústria na segunda-feira foi uma sarcástica declaração à imprensa. Ele ameaçou “responder com pulso firme a qualquer um que ponha em risco a ordem pública ou que pretenda prejudicar os mais altos interesses do Estado”. Ele caracterizou os líderes sindicais como “sabotadores e foras da lei”. Numa clara referência ao Fadhila, a declaração ameaçou “revelar a existência de uma organização que buscava danificar os recursos e terminais de petróleo do país”. Ameaçava ainda “revelar as relações suspeitas desta organização com alguns países da região”. Não ficou claro a que países ele se referia.

Foram emitidos mandatos de prisão contra pelo menos 10 líderees do IFOU, inclusive contra o chefe da federação, Hassan Juma’a Awad. O sindicato denuncia que vários dirigentes e grevistas sofreram ameaças de morte. Por enquanto todas as ações foram “adiadas”, mas a greve pode ter um fim sangrento. Centenas de soldados do governo — muitos dos quais são leais ao SIIC — cercaram o terminal onde os trabalhadores do oleoduto controlam o fluxo de petróleo e gás.

O IFOU afirma que o controle regional da indústria de petróleo proporcionará melhores condições para a classe trabalhadora. Declarou cinicamente que o governo iraquiano “dá pouca ou nenhuma atenção” aos problemas sociais da população do sul do Iraque, tal como a alta incidência de câncer existente entre a população local por causa da contaminação por urânio.

A realidade, todavia, é a de que trabalhadores em todo o Iraque — sunitas ou xiitas, árabes ou curdos, muçulmanos ou cristãos — estão vivendo sob condições terríveis criadas pela ocupação liderada pelos EUA e seus colaboradores iraquianos. A maioria dos iraquianos não é beneficiada com a exploração dos recursos naturais de seu país. Os mais beneficiados são as corporações transnacionais de energia, que compram os produtos do petróleo e vendem-nos no mercado mundial. Depois deles estão os seus agentes locais.

No passado, o alto escalão do regime Saddam Hussein se enriqueceu. Atualmente, são aqueles que têm assumido posições de poder diante da ocupação norte-americana. Nos países ricos em petróleo do Oriente Médio, a situação é a mesma. Seja na Arábia Saudita, no Irã ou em pequenos estados do Golfo, como o Kuwait e as ilhas Bahrain, os trabalhadores estão enfrentando enormes privações, enquanto bilhões de dólares provenientes do lucro da extração do petróleo são destinados à pequena elite rica.

Nem o Fadhila nem os seus rivais têm qualquer preocupação legítima com os problemas dos petroleiros ou de qualquer outro setor da classe trabalhadora iraquiana. No momento em que os petroleiros começarem a vincular a sua luta a trabalhadores e a desempregados de outras partes do país, a fim de defender seus próprios interesses de classe de forma independente, todos os setores da elite iraquiana, juntamente com as forças de ocupação norte-americana, esquecerão rapidamente suas diferenças e apoiarão medidas repressivas contra qualquer grevista.