Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 9 de junho de 2007.
Cerca de 600 trabalhadores associados à Federação
Iraquiana dos Sindicatos dos Petroleiros (IFOU), que trabalham
para a Oil Pipeline Company na cidade de Basra no
sul do Iraque entraram em greve na segunda-feira (04),
interrompendo o abastecimento de petróleo refinado e gás
liquefeito de Bagdá e de outras cidades iraquianas. O governo
iraquiano enviou tropas para intimidar os grevistas e autorizou
a prisão de pelo menos dez líderes sindicais. Na
quarta-feira, os dirigentes do IFOU adiaram as ações
por cinco dias para possibilitar as negociações
com o governo.
A deflagração da greve foi decorrência
da incapacidade da companhia de fazer uma proposta de pagamento
de bônus a seus trabalhadores. A greve vinha sendo planejada
há um mês. No dia 27 de abril, o IFOU apresentou
ao governo iraquiano uma pauta de reivindicações
com 17 pontos, fixando o dia 10 de maio como data limite para
o início da greve, particularmente nas províncias
do sul do país.
Empenhado em impedir a greve, o primeiro ministro Nouri al-Maliki
concordou em formar um comitê unificado composto pelo governo,
pela companhia petrolífera e pelo sindicato para negociar
as reivindicações do IFOU. Mais de 50% do petróleo
produzido no Iraque vem da província de Basra. Outros 10
a 15% e uma grande parte das reservas ainda não exploradas
do país estão localizados na parte sul do país,
em Maysan (cuja capital é Amara), Dhi Qar (capital em Nasiriyah)
e Al Muthanna (capital em Samawah).
As reivindicações do sindicato são amplas
e se aplicam a todos os seus 26.000 associados no Iraque e não
somente aos trabalhadores da Oil Pipeline Company. O sindicato
reivindica bônus, pagamento de férias acumuladas,
promoções, cargos fixos a trabalhadores temporários
e emprego a recém formados em cursos de treinamento da
indústria do petróleo. Eles exigem também
a propriedade das casas em que moram (que atualmente são
propriedade do Estado) e garantia de tratamento aos trabalhadores
afetados por câncer ou outras doenças que possam
estar associadas à contaminação com urânio,
em conseqüência dos depósitos de munições
dos EUA e da Inglaterra existentes na região sul do Iraque.
Além disso, o sindicato reivindica a revisão
dos recentes aumentos no preço dos combustíveis,
o fim do imposto de 20% sobre o lucro da indústria petrolífera,
cujo fim é ajudar a financiar as forças armadas
iraquianas, e o direito de estudar o esboço
da legislação endossada pelos EUA, que pretende
autorizar as companhias estrangeiras a explorar o petróleo
iraquiano. O IFOU está exigindo a demissão dos administradores
da Oil Pipeline Company.
Enquanto diversas dessas reivindicações se originam
das difíceis condições enfrentadas pela classe
trabalhadora iraquiana, a direção do IFOU está
explorando o descontentamento legítimo dos petroleiros
para lutar pelos interesses de um setor da elite de Basra. A mais
controvertida reivindicação do IFOU é a de
que o governo iraquiano conceda autonomia administrativa
e financeira às companhias estatais do sul do Iraque,
que são atualmente controladas por Bagdá. Isso coloca
o IFOU no campo do Partido da Virtude Islâmica ou Fadhila,
de Basra, e do governador de Basra, Mohammed al-Waili, um dos
líderes do Fadhila.
O Fadhila é dirigido por figuras relacionadas à
indústria petrolífera de Basra. Desde 2003, setores
do Fadhila têm reivindicado que a província de Basra
se torne uma região autônoma, que funcionaria como
uma cidade-estado rica em petróleo, nos moldes do Kuwait.
Após as invasões lideradas pelos EUA, a organização
colaborou com as forças de ocupação britânica
e procurou ganhar maior influência política. Controlando
o governo da província, acredita-se que a maioria dos 25.000
da Força de Proteção do Petróleo
uma organização armada que resguarda campos
de petróleo, refinarias, oleodutos e o porto de Basra
sejam leais ao Fadhila.
A reivindicação do IFOU por autonomia administrativa
e financeira é uma forma de exigir que o governo
de Basra (dominado pelo Fadhila) tenha o controle sobre os vastos
recursos de petróleo e gás da província.
Em essência, os setores da elite de Basra e o aparato do
IFOU se ressentem do fato de que a riqueza produzida pelo mar
de petróleo sobre o qual vivem tenha que ser dividida com
o restante do Iraque.
Na pauta de reivindicações enviada pelo IFOU
ao ministro do petróleo iraquiano no dia 27 de abril, ele
declarava que a nossa esperança é que se garantam
os direitos daqueles que foram discriminados pelos membros do
governo iraquiano e que se elimine a injustiça com relação
à região sul. Consideramos que as discriminações
continuam atualmente e que o sul é tratado como a galinha
dos ovos de ouro do Iraque. A nossa região deu muito ao
Iraque, mas pouco recebeu em troca.
Um dos líderes do Fadhila, Aqeel Talib, resumiu as intenções
de seu partido na entrevista concedida ao New York Times em
junho de 2006: o Fadhila quer fazer de nossa província
nossa própria região. Nós temos milhões
de pessoas, um aeroporto, um porto e petróleo tudo
o que precisamos é de um Estado.
A greve intensificou o acalorado debate sobre o futuro do petróleo
de Basra. É improvável que seja uma coincidência
o fato de que, apenas 24 horas depois do IFOU ter divulgado pela
primeira vez a sua pauta de reivindicações no dia
27 de abril, uma coalizão de partidos xiitas rivais, que
se opõe à autonomia, tenha movido uma moção
no legislativo de Basra para remover Waili de seu cargo. Milícias
armadas se enfrentam desde então, enquanto Waili se recusa
a renunciar e seus opositores se recusam a obedecer às
ordens de seu governo.
Os principais opositores ao controle de Basra pelo Fadhila
são os representantes locais do movimento sadrista do clérigo
xiita Moqtada al-Sadr. Contra o regionalismo do Fadhila, os sadristas
defendem uma perspectiva nacionalista que mantenha a indústria
petrolífera firmemente controlada pelo governo e pela burocracia
de Bagdá. Eles são apoiados pelos dois partidos
xiitas que dominam o governo iraquiano o partido Dawa,
de Maliki, e o Supremo Conselho Islâmico Iraquiano (SIIC).
Como os sadristas, o partido Dawa e o SIIC têm o apoio
da população xiita de fora de Basra, que não
se beneficiaria com o plano de autonomia do Fadhila para a sua
província.
O governo de Bagdá não tem a intenção
de ceder o controle da indústria de petróleo do
sul. A resposta de Maliki à reação da indústria
na segunda-feira foi uma sarcástica declaração
à imprensa. Ele ameaçou responder com pulso
firme a qualquer um que ponha em risco a ordem pública
ou que pretenda prejudicar os mais altos interesses do Estado.
Ele caracterizou os líderes sindicais como sabotadores
e foras da lei. Numa clara referência ao Fadhila,
a declaração ameaçou revelar a existência
de uma organização que buscava danificar os recursos
e terminais de petróleo do país. Ameaçava
ainda revelar as relações suspeitas desta
organização com alguns países da região.
Não ficou claro a que países ele se referia.
Foram emitidos mandatos de prisão contra pelo menos
10 líderees do IFOU, inclusive contra o chefe da federação,
Hassan Jumaa Awad. O sindicato denuncia que vários
dirigentes e grevistas sofreram ameaças de morte. Por enquanto
todas as ações foram adiadas, mas a
greve pode ter um fim sangrento. Centenas de soldados do governo
muitos dos quais são leais ao SIIC cercaram
o terminal onde os trabalhadores do oleoduto controlam o fluxo
de petróleo e gás.
O IFOU afirma que o controle regional da indústria de
petróleo proporcionará melhores condições
para a classe trabalhadora. Declarou cinicamente que o governo
iraquiano dá pouca ou nenhuma atenção
aos problemas sociais da população do sul do Iraque,
tal como a alta incidência de câncer existente entre
a população local por causa da contaminação
por urânio.
A realidade, todavia, é a de que trabalhadores em todo
o Iraque sunitas ou xiitas, árabes ou curdos, muçulmanos
ou cristãos estão vivendo sob condições
terríveis criadas pela ocupação liderada
pelos EUA e seus colaboradores iraquianos. A maioria dos iraquianos
não é beneficiada com a exploração
dos recursos naturais de seu país. Os mais beneficiados
são as corporações transnacionais de energia,
que compram os produtos do petróleo e vendem-nos no mercado
mundial. Depois deles estão os seus agentes locais.
No passado, o alto escalão do regime Saddam Hussein
se enriqueceu. Atualmente, são aqueles que têm assumido
posições de poder diante da ocupação
norte-americana. Nos países ricos em petróleo do
Oriente Médio, a situação é a mesma.
Seja na Arábia Saudita, no Irã ou em pequenos estados
do Golfo, como o Kuwait e as ilhas Bahrain, os trabalhadores estão
enfrentando enormes privações, enquanto bilhões
de dólares provenientes do lucro da extração
do petróleo são destinados à pequena elite
rica.
Nem o Fadhila nem os seus rivais têm qualquer preocupação
legítima com os problemas dos petroleiros ou de qualquer
outro setor da classe trabalhadora iraquiana. No momento em que
os petroleiros começarem a vincular a sua luta a trabalhadores
e a desempregados de outras partes do país, a fim de defender
seus próprios interesses de classe de forma independente,
todos os setores da elite iraquiana, juntamente com as forças
de ocupação norte-americana, esquecerão rapidamente
suas diferenças e apoiarão medidas repressivas contra
qualquer grevista.