A instabilidade no mercado global, que começou na segunda
semana de maio, teve como saldo a desvalorização
de, pelo menos, US$ 2 trilhões do valor de ações,
e com previsões que há ainda muito por vir.
A extensão da turbulência foi mostrada na onda
de vendas na última terça-feira, em que o mercado
de ações japonês perdeu, de forma abrupta,
mais de 4% de seu valor, juntamente com perdas maiores nos chamados
mercados emergentes. Na Rússia, o índice RTS subitamente
desvalorizou 9,4%, o mercado indiano perdeu 4,4%, a Turquia com
perdas em 5,7%, enquanto as bolsas européias despencaram
2,1%.
Nos EUA, Wall Street foi atingida por um declínio que
já dura duas semanas, e que apagou os ganhos de todo o
ano na maioria dos índices, antes do pequeno crescimento
na quarta-feira, quando o índice Dow Jones subiu a 110
pontos. Algumas vezes referido como o termômetro do medo
de Wall Street, o índice Vix, que mede a "volatilidade"
do mercado, está no nível mais alto em dois anos.
A mais clara demonstração para a crise são
os investidores que estão vendendo todos os seus papéis,
como os chamados títulos do "mercado emergente",
metais e outras commodities, por causa do medo de um aumento
mundial das taxas de juros.
Indicações claras nesse sentido surgiram quando
o US Federal Reserve Board, que regularmente aumentou as taxas
de juros durante os dois últimos anos, ainda tem, pelo
menos, um aumento maior para fazer, e possivelmente ainda fará
mais alguns. Comentando no começo de junho sobre os índices
de preços americanos, que mostraram o índice geral
de inflação em 2,3% no ano para maio, o presidente
do Fed (Banco Central Norte-Americano) Ben Bernanke disse que
a inflação estava "no topo ou acima do limite
em que muitos economistas, inclusive eu, podemos considerar consistente
com a estabilidade dos preços e a promoção
de um máximo crescimento a longo prazo."
Desde o comentário de Bernanke, seis outros diretores
do Fed comentaram que consideram o atual nível de inflação
muito alto. Essas opiniões são certamente fortalecidas
pelo relatório apresentado na quarta-feira, que indicou
a taxa anual da inflação nos últimos três
meses em 3,8%a mais alta desde março de 1995. No
próximo encontro do Comitê do Mercado do Fed, marcado
para 28 de junho, é aguardado outro aumento de 0,25% na
taxa de juroso décimo-sétimo aumento na taxa
desde que o banco central começou a elevar as taxas, em
2004.
Há um aumento geral nas taxas de juros ao redor do mundo.
O presidente do Banco da Inglaterra, Mervyn King, alertou em um
discurso em Edimburgo, nesta semana, que as taxas de juros globais
permaneceram baixas durante um longo tempo. Seguiu-se às
suas observações a publicação de um
estudo mostrando que os preços na Grã-Bretanha aumentaram
2,2% desde o início do ano.
Outro fator chave no recuo do mercado aparece na decisão
do Banco do Japão em acabar, no meio de março, com
sua política de super-liquidez e começou a retornar
um regime mais normal de controle de taxas de juros. O Banco do
Japão ainda não abandonou oficialmente seu regime
de taxa de juros zero. Mas os seus esforços de controle
fiscal já tem um impacto nos chamados carry trades, em
que os investidores ganham dinheiro em função das
baixíssimas taxas de juros japonesas, para financiar transações
em outros mercados com grandes taxas de retorno. Em dois meses,
entre a segunda quinzena de março ao meio de maio, é
estimado que o Banco do Japão reteve US$ 140 bilhões
dos bancos japoneses cortando a taxa de juros em 10%.
Além do crescimento na taxa de juros, há preocupações
no mercado financeiro sobre o crescimento econômico mundial.
No seu panorama econômico de abril, o Fundo Monetário
Internacional previu uma expansão contínua global
a taxas nunca vistas em 30 anos. Mas essa perspectiva pode ser
algo muito otimista, ao menos se os comentários do diretor-administrativo
do FMI, Rodrigo de Rato, forem considerados.
Discursando no Clube da impressa Australiana na capital Canberra,
nesta semana, ele novamente alertou que os desequilíbrios
financeiros associados com o déficit comercial americano
podem levar a uma recessão mundial.
Apontando para a previsão de um crescimento global de
5% para esse ano, perguntou se "podemos descrever a economia
com tanto otimismo, ou isso é bom demais para ser verdade?".
De Rato disse que, enquanto a venda desenfreada de ações
foi uma "modesta correção", o aumento
da taxa de juros poderá interromper o crescimento mundial,
significando que "os ajustes que os bancos centrais, em todo
o mundo, deverão fazer se tornarão muito mais difíceis."
Discursando ainda sobre o grande problema do déficit
comercial norte-americano, enfatizou que ele não pode ser
indefinidamente suportado pelo afluxo de capital de outros países.
Este é um risco em que "se nada for feito, os desequilíbrios
não irão ser reduzidos gradualmente, mas de forma
brusca e violenta."
Enquanto as flutuações do capital aparecem como
parte do problema, há também distúrbios que
indicam que a desvalorização pode ter causas mais
profundas e pode significar o colapso de vários títulos
e bolhas financeiras que surgiram como resultado do regime de
baixas taxas de juros dos últimos cinco anos.
Um relatório apresentado nessa semana pelo Bank of International
Settlementsconhecido como o banco dos bancos centraisindicou
que mais do que qualquer reavaliação das taxas de
crescimento e de inflação, a desvalorização
é o resultado de "um fraco apetite dos investidores
pelo risco".
Os primeiros quatro meses do ano experimentaram mudanças
dentro dos indicadores de risco como "o aumento dos preços
de ações e de commodities, bem como de títulos".
Os mercados emergentes de ações tiveram uma alta
de 19% desde o fim de 2005 até o meio de maio; já
os preços do cobre dobraram no mesmo período, enquanto
o preço do ouro cresceu em 40%.
Dentro disso tudo há alertas de problemas futuros e
o potencial "de um problema localizado que desestruture todos
os mercados". No fim de fevereiro o rebaixamento realizado
pela agência Fitch em relação a títulos
da dívida pública da Islândia desvalorizou
a sua moeda em 7%. Normalmente isso não afetaria outros
mercados, mas em horas, os distúrbios na Islândia
"levaram a uma aguda, mas breve, queda de outras economias
lucrativas como as da Austrália, Brasil, Hungria, Nova
Zelândia e África do Sul'.
Os eventos na Islândia e agora a profunda queda nos mercados
mundiais, iniciada no mês passado, indicam a possibilidade
que as medidas usadas pelos bancos centrais ao aplicar políticas
que taxas de jurosdiminuindo as taxas quando os preços
caem e aumentando-as quando os preços sobempodem
ter contribuído com a instabilidade financeira atual.
Em um artigo publicado na última segunda-feira, o colunista
do Financial Times John Plender alertou que o foco exclusivo
na estabilidade dos preços como forma de determinar a política
monetária dos bancos centrais poderá funcionar somente
sob condições que a inflação esteja
em alta.
A provisão de crédito fácil sob condições
de preços baixos, causados por situações
de "choque de oferta"como aqueles que resultaram
da incorporação, no mercado mundial, da produção
super-explorada da China e da Índiapode "acentuar
o boom financeiro e quebrá-lo" e "compor
desequilíbrios em detrimento da estabilidade econômica".
Um grande número de sinais aponta para essa direção.
O ambiente de inflação baixa do recente período,
resultado da intensa competição em todas as áreas
da economia e a transferência para a produção
super-explorada da China e da Índia, é um indicativo
da queda na pressão sobre a taxa de lucro.
Outra expressão do mesmo fenômeno é o fato
que, desde 2002, o setor empresarial nos EUA possui uma rede provedora
de fundos. Em circunstâncias normais, o fluxo dos fundos
é uma outra forma em que as corporações utilizam
dinheiro vindo de instituições financeiras para
aumentar sua capacidade produtiva. Mas nos quatro últimos
anos as grandes corporações americanas estão
investindo fundos em instituições financeiras para
aumentar seus lucros através de meios financeiros.
De forma geral, os lucros obtidos por instituições
financeiras representam uma apropriação da mais-valia
produzida em todo o mundo. Mas, neste ínterim, é
possível fazer dinheiro sem dinheiro, enquanto o preço
dos ativos financeiros continuar subindo, devido à oferta
de dinheiro barato pelos bancos centrais. Com isso, de acordo
com o nível baixo da inflação e a elevada
especulação financeira dos últimos cinco
anos estão interconectadas, as baixas taxas de juros praticadas
pelos bancos centraisalinhadas com a política de
controle inflacionáriopodem ter contribuído
para a criação de bolhas financeiras, talvez até
mesmo aumentado o potencial de uma crise global.
Se este for o caso, então a atual instabilidade nos
mercados de ações e de commodities pode sinalizar
o início de uma crise financeira muito mais expressiva.