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Instabilidade no mercado global pode ser maior do que se imagina

Por Nick Beams
23 Junio 2006

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A instabilidade no mercado global, que começou na segunda semana de maio, teve como saldo a desvalorização de, pelo menos, US$ 2 trilhões do valor de ações, e com previsões que há ainda muito por vir.

A extensão da turbulência foi mostrada na onda de vendas na última terça-feira, em que o mercado de ações japonês perdeu, de forma abrupta, mais de 4% de seu valor, juntamente com perdas maiores nos chamados mercados emergentes. Na Rússia, o índice RTS subitamente desvalorizou 9,4%, o mercado indiano perdeu 4,4%, a Turquia com perdas em 5,7%, enquanto as bolsas européias despencaram 2,1%.

Nos EUA, Wall Street foi atingida por um declínio que já dura duas semanas, e que apagou os ganhos de todo o ano na maioria dos índices, antes do pequeno crescimento na quarta-feira, quando o índice Dow Jones subiu a 110 pontos. Algumas vezes referido como o termômetro do medo de Wall Street, o índice Vix, que mede a "volatilidade" do mercado, está no nível mais alto em dois anos.

A mais clara demonstração para a crise são os investidores que estão vendendo todos os seus papéis, como os chamados títulos do "mercado emergente", metais e outras commodities, por causa do medo de um aumento mundial das taxas de juros.

Indicações claras nesse sentido surgiram quando o US Federal Reserve Board, que regularmente aumentou as taxas de juros durante os dois últimos anos, ainda tem, pelo menos, um aumento maior para fazer, e possivelmente ainda fará mais alguns. Comentando no começo de junho sobre os índices de preços americanos, que mostraram o índice geral de inflação em 2,3% no ano para maio, o presidente do Fed (Banco Central Norte-Americano) Ben Bernanke disse que a inflação estava "no topo ou acima do limite em que muitos economistas, inclusive eu, podemos considerar consistente com a estabilidade dos preços e a promoção de um máximo crescimento a longo prazo."

Desde o comentário de Bernanke, seis outros diretores do Fed comentaram que consideram o atual nível de inflação muito alto. Essas opiniões são certamente fortalecidas pelo relatório apresentado na quarta-feira, que indicou a taxa anual da inflação nos últimos três meses em 3,8%—a mais alta desde março de 1995. No próximo encontro do Comitê do Mercado do Fed, marcado para 28 de junho, é aguardado outro aumento de 0,25% na taxa de juros—o décimo-sétimo aumento na taxa desde que o banco central começou a elevar as taxas, em 2004.

Há um aumento geral nas taxas de juros ao redor do mundo. O presidente do Banco da Inglaterra, Mervyn King, alertou em um discurso em Edimburgo, nesta semana, que as taxas de juros globais permaneceram baixas durante um longo tempo. Seguiu-se às suas observações a publicação de um estudo mostrando que os preços na Grã-Bretanha aumentaram 2,2% desde o início do ano.

Outro fator chave no recuo do mercado aparece na decisão do Banco do Japão em acabar, no meio de março, com sua política de super-liquidez e começou a retornar um regime mais normal de controle de taxas de juros. O Banco do Japão ainda não abandonou oficialmente seu regime de taxa de juros zero. Mas os seus esforços de controle fiscal já tem um impacto nos chamados carry trades, em que os investidores ganham dinheiro em função das baixíssimas taxas de juros japonesas, para financiar transações em outros mercados com grandes taxas de retorno. Em dois meses, entre a segunda quinzena de março ao meio de maio, é estimado que o Banco do Japão reteve US$ 140 bilhões dos bancos japoneses cortando a taxa de juros em 10%.

Além do crescimento na taxa de juros, há preocupações no mercado financeiro sobre o crescimento econômico mundial. No seu panorama econômico de abril, o Fundo Monetário Internacional previu uma expansão contínua global a taxas nunca vistas em 30 anos. Mas essa perspectiva pode ser algo muito otimista, ao menos se os comentários do diretor-administrativo do FMI, Rodrigo de Rato, forem considerados.

Discursando no Clube da impressa Australiana na capital Canberra, nesta semana, ele novamente alertou que os desequilíbrios financeiros associados com o déficit comercial americano podem levar a uma recessão mundial.

Apontando para a previsão de um crescimento global de 5% para esse ano, perguntou se "podemos descrever a economia com tanto otimismo, ou isso é bom demais para ser verdade?".

De Rato disse que, enquanto a venda desenfreada de ações foi uma "modesta correção", o aumento da taxa de juros poderá interromper o crescimento mundial, significando que "os ajustes que os bancos centrais, em todo o mundo, deverão fazer se tornarão muito mais difíceis."

Discursando ainda sobre o grande problema do déficit comercial norte-americano, enfatizou que ele não pode ser indefinidamente suportado pelo afluxo de capital de outros países. Este é um risco em que "se nada for feito, os desequilíbrios não irão ser reduzidos gradualmente, mas de forma brusca e violenta."

Enquanto as flutuações do capital aparecem como parte do problema, há também distúrbios que indicam que a desvalorização pode ter causas mais profundas e pode significar o colapso de vários títulos e bolhas financeiras que surgiram como resultado do regime de baixas taxas de juros dos últimos cinco anos.

Um relatório apresentado nessa semana pelo Bank of International Settlements—conhecido como o banco dos bancos centrais—indicou que mais do que qualquer reavaliação das taxas de crescimento e de inflação, a desvalorização é o resultado de "um fraco apetite dos investidores pelo risco".

Os primeiros quatro meses do ano experimentaram mudanças dentro dos indicadores de risco como "o aumento dos preços de ações e de commodities, bem como de títulos". Os mercados emergentes de ações tiveram uma alta de 19% desde o fim de 2005 até o meio de maio; já os preços do cobre dobraram no mesmo período, enquanto o preço do ouro cresceu em 40%.

Dentro disso tudo há alertas de problemas futuros e o potencial "de um problema localizado que desestruture todos os mercados". No fim de fevereiro o rebaixamento realizado pela agência Fitch em relação a títulos da dívida pública da Islândia desvalorizou a sua moeda em 7%. Normalmente isso não afetaria outros mercados, mas em horas, os distúrbios na Islândia "levaram a uma aguda, mas breve, queda de outras economias lucrativas como as da Austrália, Brasil, Hungria, Nova Zelândia e África do Sul'.

Os eventos na Islândia e agora a profunda queda nos mercados mundiais, iniciada no mês passado, indicam a possibilidade que as medidas usadas pelos bancos centrais ao aplicar políticas que taxas de juros—diminuindo as taxas quando os preços caem e aumentando-as quando os preços sobem—podem ter contribuído com a instabilidade financeira atual.

Em um artigo publicado na última segunda-feira, o colunista do Financial Times John Plender alertou que o foco exclusivo na estabilidade dos preços como forma de determinar a política monetária dos bancos centrais poderá funcionar somente sob condições que a inflação esteja em alta.

A provisão de crédito fácil sob condições de preços baixos, causados por situações de "choque de oferta"—como aqueles que resultaram da incorporação, no mercado mundial, da produção super-explorada da China e da Índia—pode "acentuar o boom financeiro e quebrá-lo" e "compor desequilíbrios em detrimento da estabilidade econômica".

Um grande número de sinais aponta para essa direção. O ambiente de inflação baixa do recente período, resultado da intensa competição em todas as áreas da economia e a transferência para a produção super-explorada da China e da Índia, é um indicativo da queda na pressão sobre a taxa de lucro.

Outra expressão do mesmo fenômeno é o fato que, desde 2002, o setor empresarial nos EUA possui uma rede provedora de fundos. Em circunstâncias normais, o fluxo dos fundos é uma outra forma em que as corporações utilizam dinheiro vindo de instituições financeiras para aumentar sua capacidade produtiva. Mas nos quatro últimos anos as grandes corporações americanas estão investindo fundos em instituições financeiras para aumentar seus lucros através de meios financeiros.

De forma geral, os lucros obtidos por instituições financeiras representam uma apropriação da mais-valia produzida em todo o mundo. Mas, neste ínterim, é possível fazer dinheiro sem dinheiro, enquanto o preço dos ativos financeiros continuar subindo, devido à oferta de dinheiro barato pelos bancos centrais. Com isso, de acordo com o nível baixo da inflação e a elevada especulação financeira dos últimos cinco anos estão interconectadas, as baixas taxas de juros praticadas pelos bancos centrais—alinhadas com a política de controle inflacionário—podem ter contribuído para a criação de bolhas financeiras, talvez até mesmo aumentado o potencial de uma crise global.

Se este for o caso, então a atual instabilidade nos mercados de ações e de commodities pode sinalizar o início de uma crise financeira muito mais expressiva.