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Encontro do Comitê Editorial Internacional do WSWS

As perspectivas da América Latina

Parte dois

Por Bill Van Auken
2 Junio 2006

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Relato escrito por Bill Van Auken para a reunião ampliada do IEB (Comitê Editorial Internacional), reunido em Sidney (Austrália) de 22 a 27 de janeiro de 2006. Van Auken é membro da IEB do WSWS e do comitê central do Socialist Equality Party (EUA). A primeira parte foi publicada ontem.

Quais são as características do governo Chávez na Venezuela? Suas origens políticas estão no movimento conspirador de jovens oficiais, que surgiu em oposição à corrupção do velho sistema político venezuelano e profundamente descontente com o uso de militares para suprimir o levante de Caracazo de 1989. Chávez projetou-se no cenário nacional com a tentativa frustrada de golpe de 1992 contra o governo da Accion Democratica, do então presidente Carlos Andrez Peres.

Libertado logo após um breve período de prisão, Chávez formou alianças com vários setores da esquerda venezuelana e foi eleito com amplo apoio da população.em 1998.

As bases ideológicas do movimento "chavista" são evidentemente ecléticas, comuns ao populismo burguês. Ele próprio citou como inspiração para a sua carreira política o movimento encabeçado pelo General Omar Torrijos no Panamá e o "revolucionário" governo militar liderado pelo General Juan Velasquez Alvarado no Peru, ocorrido no final dos anos 60 e início da década de 70.

Entre seus primeiros conselheiros políticos estão um dos primeiros e mais antigos lideres do Partido Comunista Venezuelano e um argentino auto-exilado e semi-facista que defende o anti-semitismo e as virtudes da autoridade militar.

Aqueles que descrevem o governo Chávez como "socialista" cometem uma distorção grosseira. Seu governo não é nem mesmo a erupção de qualquer movimento independente da classe trabalhadora. Além disso, grande parte da economia venezuelana, hoje, está nas mãos do capital privado e internacional. Isto em maior grau do que no apogeu da Accion Democrática, trinta anos atrás. A distribuição de terras no país continua entre as mais desiguais da América Latina.

Em um recente artigo, Ramon Mayorga, o representante venezuelano no Banco Inter-americano de Desenvolvimento (BID), caracterizou a colaboração entre os bancos privados venezuelanos e o governo Chávez como "altamente lucrativa". "Os bancos estão ganhando toneladas de dinheiro", declarou Mayorga. O aumento na lucratividade do sistema bancário, a partir de altas taxas de juros alcançou, no último ano, 30%, talvez uma das maiores do mundo. O patrimônio dos bancos triplicou desde que Chávez chegou ao poder.

Como jamais ocorrera anteriormente, a parte mais importante da economia da Venezuela está exatamente sob o controle do capital financeiro, enquanto apenas uma parcela dos rendimentos do petróleo é aplicada em programas assistenciais para os pobres, como programas de alfabetização, saúde e distribuição de alimentos, assim como a criação de cooperativas. [1]

O governo venezuelano continua a estampar as origens militares do movimento chavista, incluindo em seu alto escalão inúmeros oficiais, muitos aposentados e alguns da ativa.

Há uma longa história na América Latina dessas tendências militares de "esquerda" e das adaptações oportunistas feitas pelos stalinistas, revisionistas e nacionalistas de esquerda. Freqüentemente, esses grupos vêem essa forma como um atalho para o poder, bloqueando a mobilização das massas ou da vanguarda proletária mais politizada.

As experiências com Velasco Alvarado no Peru, J.J. Torres na Bolivia, Torrijos no Panamá sempre terminaram em traição do proletariado. Em praticamente todos esses casos, esses regimes foram a antecipação de regimes de direita—ou, no caso do Panamá, de uma invasão americana sem qualquer tipo de resistência.

A característica reacionária dessa tendência militarista pode ser vista , talvez, mais claramente, no apoio de Chávez ao candidato à presidência do Peru Ollanta Humala, um ex-oficial nacionalista que, como Chávez, iniciou na política com uma tentativa frustrada de golpe militar—neste caso, em 2000, contra o corrupto e reacionário governo de Alberto Fujimori, que entrou em colapso poucos meses depois.

Agora, sendo um dos favorito para vencer as eleições de abril, Humala lidera um partido chamado Movimiento Etnocaceristas. O nome deriva, por um lado, do um presidente peruano do século XIX, Andrés Avelino Cáceres, que foi herói da Guerra do Pacífico, contra o Chile. Por outro lado, o "etno" do nome deriva do movimento que promove uma espécie de nacionalismo indígena.

Entre os antecedentes políticos de Humala aparece o movimento fundado por seu pai, que defende que apenas a população indígena seja considerada cidadã, excluindo brancos, asiáticos e negros. Vale a pena registrar que repórteres que estiveram na vila em que a família de Humala reside descobriram que a população local considera a família Humala branca, já que são conhecidos latifundiários.

Humala está promovendo uma virulenta plataforma anti-chilena, propondo a expulsão das empresas chilenas. Da mesma forma, vem pedindo pela anistia dos militares peruanos acusados de massacres, assassinatos e torturas durante a guerra suja contra os grupos guerrilheiros Sendero Luminoso e MRTA nas décadas de 80 e 90, e, nesse sentido, propõe que os recentes processos sobre esses crimes hediondos sejam arquivados.

Ao mesmo tempo, esses diversos regimes latino-americanos de "esquerda", em geral, incluem entre seus dirigentes antigos guerrilheiros cúmplices do stalinismo dos anos 60 e 70. Lembremos, por exemplo, o vice-presidente boliviano Álvaro Garcia Liñera e José Dirceu, um importante dirigente do Partido dos Trabalhadores brasileiro, que recentemente teve seu mandato de deputado cassado devido ao escândalo da compra massiva de votos e suborno.

Oportunistas pablistas preparam novas traições [2]

Na América Latina, os revisionistas pablistas, nos anos 50, adaptaram-se ao peronismo e a movimentos similares, depois, nas décadas de 60 e 70, a movimentos guerrilheiros, hoje, na mesma linha oportunista, os grupos pablistas estão construindo na América Latina movimentos similares ao de Chávez, como uma nova via para o socialismo.

Uma palavra que aparece repetidamente nas descrições—e também nas auto-caracterizações—desses governos latino-americanos associados com uma "virada à esquerda" é a palavra "governabilidade". Os antigos partidos tradicionais estão absolutamente desacreditados, não apenas na Venezuela, mas em todo o continente. "Fora todos" é o slogan que predominou nas manifestações na Argentina há cinco anos atrás, e vem sendo repetido país após país.

Partidos e indivíduos identificados com a esquerda chegam ao poder como uma forma de restabelecer a dominação capitalista. Essa tendência surgiu, primeiramente, e de forma mais relevante, no Brasil, com o crescimento e ascensão do Partido dos Trabalhadores como um instrumento político da dominação burguesa. A classe dirigente brasileira utilizou de um movimento "esquerdista" com essas características para se preservar no poder, já que todos os principais partidos e políticos tradicionais estavam comprometidos ou com o regime militar ou envolvidos em esquemas de corrupção e uma reação social de massas aparecia como perigosa. [3]

Assim, se os revisionistas pablistas desempenharam, nas décadas de 50, 60 e 70, um papel crucial na traição do desenvolvimento revolucionário na América Latina, hoje repetem o mesmo caminho. Hoje, esses setores têm uma política de continuidade com as posições daquele período. Naquela época, vincularam-se primeiramente a movimentos nacionalistas, começando com o peronismo na Argentina e o MNR na Bolívia. Mais tarde, adaptaram-se ao castrismo e aos movimentos guerrilheiros que dominaram até a década de 70. Agora, como naquelas décadas, rejeitam a necessidade de um movimento revolucionário da classe trabalhadora consciente e independente. Hoje, porém, tornaram-se defensores diretos da burguesia e instrumentos claros do estado burguês.

Um exemplo dessas atitudes é a reação à eleição de Morales manifestada por um grupo boliviano denominado POR- Combate, vinculado aos pablistas. Recentemente, o grupo distribuiu resolução em que lamentava o fato de que a Central Obrera Boliviana (COB) permanecesse crítica a respeito de Morales. As críticas do POR a Morales vinham pelo fato de que a COB permanecia cética em relação a uma real nacionalização das fontes energéticas bolivianas. [4]

Nesse texto escreve o POR: "É necessário para os reformistas e revolucionários, para os nacionalistas e para os socialistas, que se analise e se discuta conjuntamente, antes de mais nada, sobre o papel que o proletariado deve representar e quais as alianças que pode estabelecer, e depois seguir a partir desta estratégia para a tomada do poder e para construção do socialismo." O grupo ainda declara. "Além disso, tudo não passa de erros e coisas irrelevantes. Hoje, as forças do MAS e da COB estão infelizmente muito distantes dos objetivos apresentados por este documento e esta tática."

O POR ainda lamenta o fracasso da COB em se integrar plenamente no regime burguês-nacionalista de Morales, cujo governo se iniciou com uma turnê mundial para assegurar ao capital estrangeiro que poderá contar com Morales na defesa da propriedade privada e do lucro. A perspectiva— de que os socialistas revolucionários devem procurar a aprovação dos reformistas nacionalistas, i.e., dos representantes da burguesia, acerca do " papel que o proletariado deve representar e que alianças deve estabelecer"— é uma clara proposta de subordinação dos trabalhadores bolivianos ao capitalismo, pavimentando o caminho para outra traição e derrota.

No entanto, tendo em conta a insignificante influência dos pablistas, na Bolívia, nessas afirmações, há um elemento da célebre afirmação "a primeira vez como tragédia, a segunda vez como farsa". Sem sombra de dúvida, tais afirmações repetem, como uma espécie de eco, as grandes traições empreendidas pela tendência revisionista no anos de 1960 e 70, desde o Sri Lanka, passando pelo Chile e Argentina.

Entre os mais vergonhosos aduladores do governo Chávez está Alan Woods, líder do grupo centrista britânico formado por Ted Grant. Num recente depoimento respondendo a críticas que o acusavam de relações oportunistas com o governo venezuelano, Woods escreveu: "Se os marxistas venezuelanos não querem ser condenados ao completo isolamento e impotência, eles devem trabalhar para estabelecer conexões com o movimento bolivariano, para empurrá-lo para a esquerda e tentar ganhá-lo para as políticas e o programa do marxismo."

E continuava: "As massas na Venezuela seguem seus líderes e têm fé neles. Elas ainda não estão convencidas das idéias dos marxistas."

A linguagem repete, quase literalmente, as justificativas dadas pelos líderes do SWP (Socialist Workers Party [5]) dos EUA, no início dos anos 60, em relação à sua própria adaptação oportunista ao catrismo. Opor uma perspectiva marxista, baseada na independência política da classe trabalhadora, ao castrismo— alertavam eles— significaria por em risco a atuação de todos os partidos da Quarta Internacional, tornando-os irremediavelmente isolados na América Latina.

Essa perspectiva de veneração do castrismo e do guevarismo significou o abandono de qualquer batalha para a construção de partidos revolucionários na classe trabalhadora e conduziu à destruição física dos quadros trotskistas, assim como, a derrotas catastróficas para a classe trabalhadora latino-americana. A perspectiva apontada por estes pablistas tardios em relação à Venezuela não é diferente.

A falência dessa perspectiva é descrita numa resolução de 2004 publicada pelo grupo de Grant e Woods intitulado "Revolução venezuelana em perigo". O texto apresenta a seguinte avaliação sobre a atual conjuntura da Venezuela de Chávez:

"... o sistema judiciário ainda está firmemente em mãos reacionárias. Isso foi mostrado claramente quando a Suprema Corte de Justiça decretou que não houvera qualquer golpe em abril de 2002, mas apenas um ‘vácuo de poder'..."

" A oligarquia venezuelana e companhias multinacionais ainda tem forte controle sobre a mídia de massas, as indústrias privadas e o sistema bancário. Eles usam a posse sobre esses setores-chave da sociedade para sabotar a vontade da maioria e tramar outro golpe reacionário..."

"Apesar da sabotagem do petróleo ter sido derrotada pela ação direta dos trabalhadores petrolíferos, que assumiram o controle (juntamente com as comunidades locais e a guarda nacional) sobre essa indústria, as mesmas estruturas burocráticas ainda são amplamente utilizadas na companhia estatal do petróleo, a PDVSA..."

"Apesar de muitos oficiais reacionários do exército terem deixado o exército quando este se declarou rebelado, muitos ainda estão ativos em seu interior, e a tradicional estrutura burguesa do exército permanece largamente intacta..."

E continuando as justificativas do governo Chávez, escreve ele: "Os ministérios e o aparato estatal em geral estão cheios de reacionários que constantemente sabotam o processo revolucionário. Essas instituições capitalistas devem ser eliminadas e substituídas pela eleição popular de todos os servidores públicos..."

Os problemas da revolução venezuelana são descritos em detalhes nessa declaração, porém o texto deixa de explicar qual é precisamente o caráter dessa ‘revolução', que deixa os principais postos do Estado e da economia nas mãos de seus oponentes reacionários. Esse retrato da situação oferece uma confirmação irrefutável da absoluta necessidade política de se construir um partido revolucionário da classe trabalhadora, independente de e em oposição ao governo Chávez.

Há ainda a situação específica do Brasil, onde o papel oportunista dos pablistas é ainda mais evidente. No ano passado, o antigo Secretariado Unificado de Pablo [6] publicou um depoimento chamado "Sobre a situação brasileira", desenhando um balanço dos dois primeiros anos de governo do Partido dos Trabalhadores (PT), do presidente Luís Inácio Lula da Silva.

Nesse texto estava inclusa a constatação de que a administração petista havia fielmente aplicado as políticas ditadas pelo Fundo Monetário Internacional, atacando as aposentadorias, os salários e os direitos trabalhistas dos brasileiros enquanto prepara medidas ainda mais reacionárias, como a privatização de universidades públicas.

Assim diz o texto: "A orientação geral desse governo volta os ministérios mais à esquerda na direção de políticas meramente paliativas ou em hospedeiros para políticas que não são as suas próprias". E acrescenta: "Esses dois anos de experiência mostram claramente que a construção de um bloco sócio-político anti-neoliberal, anti-capitalista, dos trabalhadores está em contradição com apoiar e participar no atual governo."

Os pablistas enfrentam, porém, um fato desagradável: um dos seus principais dirigentes no Brasil—Miguel Rossetto—está justamente cumprindo seu papel com as ‘medidas paliativas' e como ‘hospedeiro' das políticas mais à direita do governo Lula ao continuar servindo como Ministro da Reforma Agrária. Embora as lideranças pablistas agora declarem que tinham reservas quanto à entrada de Rossetto no governo, admitem que "evitaram colocar a questão da participação no governo Lula em termos dogmáticos".

Se o secretariado internacional pablista decidiu vir a público com suas lamentações, é porque o programa reacionário e a enorme corrupção do governo Lula trouxeram uma grande decepção a largas camadas da classe trabalhadora brasileira, como também a setores revisionistas e tendências radicais pequeno-burguesas em que os pablistas atuam. Lideranças de sua própria seção no Brasil (Democracia Socialistas—DS) foram expulsas do PT e lançaram-se na criação de outro partido eleitoral de centro-esquerda—o PSOL, Partido do Socialismo e da Liberdade— como um novo intermediário entre a classe trabalhadora e o governo do PT.

Diante dessa situação em que a facção líder de seu grupo brasileiro—a DS- permanece dentro do governo Lula e do PT, [7] partido que expulsou membros de sua organização (como Heloísa Helena), membros que por sua vez iniciaram a construção de um novo partido em oposição ao partido do governo, o secretariado internacional pablista aconselha que "se viva e se deixe viver". Declara, nesse sentido, que seu objetivo é "promover o diálogo" entre os que expulsaram e os que foram expulsos.

Para seus próprios militantes brasileiros, agora colocados em oposição uns aos outros, o conselho pablista é o seguinte: "...mesmo se eles estão hoje implicados em diferentes escolhas e dinâmicas, devem fazer um esforço para não destruir as pontes e manter suas opções futuras em aberto."

Não "destruir as pontes" e "manter suas opções em aberto"—não poderiam existir formulações mais evidente de um ponto de vista essencialmente oportunista.

O fato de que a burguesia na América Latina tenha que utilizar tais elementos formalmente associados ao trotskismo para defender seu poder tem imensa significação histórica. Esses setores ditos "trotsquistas" têm sido utilizados pelos regimes existentes como parte de uma estratégia da burguesia nacional para conter a explosão da luta de classes.

Nesse sentido, o que o verdadeiro Comitê Internacional da Quarta Internacional e o World Socialist Web Site realizam, nesse momento, combatendo todos esses revisionistas, é algo decisivo para a América Latina. Claramente, hoje, existem imensas possibilidades que se abrem para a construção do CIQI na América Latina, e precisamos desenvolver o trabalho do WSWS de acordo com essas grandes perspectivas.

1. Como se vê, da mesma maneira que o governo Lula, Chávez financia seu poder político com programas sociais demagógicos, mas, concede lucros fantásticos ao seu principal aliado, o capital financeiro.
2. Os "revisonistas pablistas" são os seguidores de Michel Pablo, dirigente trotsquista que rompeu com o Comitê Internacional em 1953. Esta corrente internacional teve e tem grande atuação na América Latina, nas suas diversas cisões posteriores, surgiu toda uma série de correntes centristas no trotsquismo latino-americano, tais como os seguidores de Moreno, de Altamira, de Lora, de Lambert e outros...No Brasil, além da Democracia Socialista que é a matriz, os pablistas se multiplicam em diversos agrupamentos centristas, tais como PSTU, Partido da Causa Operária, LER, Trabalho e outros.
3. Cabe lembrar aqui o papel enorme que tiveram todas as tendências e variantes do trotsquismo "pablista" na construção do PT: DS, Trabalho, Causa Operária, Convergência Socialista/PSTU....
4. Como se sabe, a nacionalização ocorrida no último primeiro de maio, portanto, posteriormente a este texto (apresentado originalmente em janeiro de 2006), de fato está longe de caracterizar uma real expropriação revolucionária.
5. Histórico partido trotsquista americano, com o qual Trotsky colaborou diretamente, mas que se degenerou nas posições pablistas com a adaptação a grupos pequeno-burgueses, desde o final dos anos 50.
6. Que já há alguns anos, criando confusão, se autodenominou de forma equívoca "Comitê Internacional da IV Internacional".
7. Lembramos que hoje Raul Pont é secretário-geral do PT e dirigente da Democracia Socialista.