No meio de uma barragem midiática retratando o papa
João Paulo II como um santo contemporâneo e apresentando
de forma não-crítica a pompa e o misticismo dos
ritos funerários do Vaticano, quase nada de sério
pode-se encontrar acerca da personalidade de João Paulo
II ou de seu real papel na história contemporânea.
A Igreja Católica Romana tem sido um alicerce pétreo
da reação política durante séculos,
primeiro na qualidade de um pilar da ordem feudal, quando se opôs
à Reforma Protestante, e mais tarde como um baluarte do
poder burguês. Independente das qualidades individuais do
homem que fica à frente da Igreja, seu papel é intensamente
político.
Em João Paulo II, o papado encontrou uma figura que
combinava uma visão profundamente reacionáriatanto
política quanto religiosacom considerável
experiência no trato ao mesmo tempo com estados capitalistas
e com regimes stalinistas. Ele se utilizou dessa experiência
para desempenhar papel essencial nos convulsivos acontecimentos
do último quartel do século passado.
Karol Wojtyla nasceu em 18 de maio de 1920 na cidade polonesa
de Wadowice, filho de antigo funcionário do Império
Austro-húngaro. Perdeu sua mãe aos 9 anos de idade
e seu pai quando tinha 21 anos. Considerado um bom aluno, começou
a estudar filosofia e literatura em Cracóvia em 1938 e
desenvolveu vívido interesse pelo teatro. Sob a ocupação
alemã, foi forçado a executar trabalhos árduos.
No decorrer daquele período, decidiu-se pelo sacerdócio.
Em 1942, ingressou no seminário clandestino da arquidiocese
de Cracórvia.
Em 12 de novembro de 1946, foi sagrado sacerdote. Passou os
dois anos seguintes em Roma, onde se doutorou em teologia e misticismo
de São João da Cruz. Continuou seus estudos na Polônia.
Em seguida à sua graduação, assumiu uma cadeira
de na Universidade Católica de Lublin, em 1954.
Em 28 de setembro de 1958, tornou-se bispo e, em 1964, arcebispo
de Cracóvia. Foi um ano crítico na vida e nos destinos
do Vaticano.A morte de Pio XII nesse ano pôs termo a reino
que gravemente desacreditou a Igreja em virtude da colaboração
papal com os regimes fascistas na Espanha, na Itália e
na Alemanha, e a recusa do Vaticano em opor-se ao extermínio
dos judeus da Europa.
A Pio XII sucedeu o papa João XXIII (1958-1963) e Paulo
VI (1963-1978), que superintenderam mudanças de longo alcance
no ritual e nas práticas religiosas católicas, inclusive
na celebração da missa no vernáculo e outras
reformas liberais. João XXIII e Paulo VI também
procuraram dissociar a Igreja do anti-semitismo que tinha sido
implícito na doutrina católica.
No arcebispado de Cracóvia, Wojtyla entrou em conflito
com o regime stalinista polonês. Woljtyla não questionava
o domínio político desse último, mas insistia
que a Igreja Católica mantivesse sua influência ideológica.
Assim, ele podia assegurar a construção de igrejas
na nova cidade industrial de Nova Huta. Em 1967, Wojtyla foi nomeado
cardeal.
Wojtyla foi eleito papa em 16 de outubro de 1978; foi algo
de sensacional. Pela primeira vez em 455 anos, quando o holandês
Adriano VI ocupou a cadeira de São Pedro por um ano, um
não-italiano assuma a direção da hierarquia
católica. Após várias contestações
levantadas entre dois aspirantes italianos, em oito escrutínios,
94 dos 111 cardeais votaram em um candidato polonês. Aos
58 aos de idade, o novo papa era singularmente jovem.
O significado político da decisão era inconfundível.
Desde o fim da década de 1960.ambas as nações
avançadas da Europa ocidental e os paises de regimes stalinistas
da Europa do leste tinham sido abalados repetidamente por violentes
conflitos sociais. Os predecessores de Wojtyla, João XXIII
e Paulo VI, tinham procurado responder às inquietações
sociais com reformas da doutrina e do regime interno da igreja.
Na primeira metade da década dos anos sessenta, o Concilio
Vaticano II inaugurou a via para tal curso com certa abertura
dos dogmas da igreja e a aceitação de uma alçada
para os bispos e leigos. João XXXIII também tinha
introduzido uma política mais descontraída com a
União Soviética, e sua iniciativa foi continuada
por Paulo VI. Ambos procuraram estabelecer uma cooperação
mais estreita com os regimes stalinistas.
Albino Luciani, que assumiu o lugar de Paulo VI sob o nome
de Paulo I, pretendeu continuar no mesmo caminho. Mas exatamente
após 33 dias em sua função o novo papa foi
encontrado morto em seu leito. As circunstâncias exatas
de sua morte nunca foram esclarecidas porque o Vaticano recusou
permissão para autópsia de seu cadáver.
A assunção de Wojtyla ao cargo mais alto da igreja
representou um momento decisivo ideológico e político.
Novo chefe da igreja cedo foi visto como um papa da restauração,
que tornava a igreja mais aberta numa força de oposição
ao espírito modernizador dos tempos. Ele promoveu um culto
dos santos e da Virgem Maria, ao qual pessoalmente se dedicava,
defendendo rígida moralidade social, reforçando
a autoridade de Roma sobre as dioceses e disciplinando numerosos
teólogos críticos. Politicamente, a designação
de um papa polonês representou um desafio à liderança
de Moscou sob Leonid Brezhnev.
O papa e o Solidariedade
Ao tempo da eleição papal, o conflito entre a
classe trabalhadora e o regime dirigente stalinista na Polônia
tinha crescido gradativamente. Desde a rebelião dos trabalhadores
poloneses, reprimida sangrentamente em 1956, a Polônia arruinara-se
em conseqüência de uma série de conflitos. Em
1970, uma onda de greves contra o aumento de preços forçou
a renúncia do líder partidário e governamental
Wladislav Gomulka. Seu sucessor, Edward Gierek, viu-se obrigado
a cancelar os aumentos de preço.
Em 1976, Gierek tentou novamente aumentar os preços,
do que resultaram paredes, demonstrações das massas
operárias lutas em barricadas. Nos anos seguintes, o Comitê
para Defesa dos Trabalhadores e comitês dos sindicatos independentes
foram formados, e em 1980após uma renovada onda de
greves contra o aumento dos preçosestas organização
coligaram-se, transformando-se no sindicato nacional denominado
Solidariedade, agregando milhões de trabalhadores.
A emergência de um poderoso movimento de trabalhadores
na Polônia foi seguida de grande preocupação
pelos governos do Leste e do Ocidente. A extensão do movimento
para o lado da União Soviética e outros paises do
Leste europeu não teria ameaçado somente o domínio
stalinista, mas também inspirado novas lutas militantes
de trabalhadores ocidentais. Um surto de tais manifestações
fora impedida nos meados dos anos l970s peles efeitos conjugados
da Social Democracia e das burocracias sindicais.
Caracteristicamente, o chanceler alemão, Helmut Schmidt,
social-democrata, consistentemente apoiou o governo de Gierek
contra os trabalhadores polonês. Schmidt até mesmo
manteve uma amizade pessoal com Gierek.
João Paulo II estava perfeitamente consciente dos perigos
de uma revolução violenta na Polônia e na
Europa do leste. Ele procurou assegurar que o domínio stalinista
fosse subvertido pela direita, não pela esquerda, através
do apoio de uma liderança pró-imperialista dentro
da classe trabalhadora polonesa. Neste esforço, ele foi
ajudado não apenas pela CIA e o Departamento de Estado
dos Estados Unidos.
A hostilidade de João Paulo II e da igreja ao stalinismo
é equiparada pela mídia a sua devoção
à democracia. É uma grotesca distorção.
O papa preside uma instituição que tem sido a mais
intransigente oponente da democracia no curso de 500 anos, desde
a emergência do Protestantismo, quando a hierarquia eclesiástica
buscou manter o poder e a riqueza do clero tal qual uma propriedade
feudal.
O ânimo da igreja em relação ao stalinismo
não era devido ao poder antidemocrático e de casta
da burocracia stalinista como taltudo que se identificava
perfeitamente com as práticas internas da própria
igreja em si como instituição. A hierarquia da igreja
em si é uma casta, originária da sociedade pré-capitalista
agora arraigada nas relações sociais capitalistas.
A Igreja Católica e, no final de contas, a maior proprietária
individual do mundo. Daí o apoio da igreja às ditaduras
sanguinárias da América Latina, que sustém
a propriedade capitalista, mas se opõe aos regimes stalinistas
na URSS e na Europa do leste baseados na propriedade nacionalizada.
Nesta base fundamentalmente reacionária, a Igreja Católica
abertamente tomou o partido do Solidariedade. Menos de oito meses
após sua designação, o novo papa empreendeu
sua primeira "peregrinação" à Polônia,
seguida de visitas adicionais em 1983 e 1987. Em janeiro de 1980,
João Paulo II concedeu audiência a uma delegação
de membros do Solidariedade presidida por Lech Walesa. Tirando
de diferentes fontes, o Vaticano recolheu pelo menos 50 milhões
de dólares para ajudar o sindicato nos anos seguintes.
A meta do Vaticano, todavia, não era apoiar as demandas
sociais dos trabalhadores. Pelo contrário, ele procurava
manter o movimento sob a influência reacionária da
ideologia católica e do nacionalismo polonês, e assegurar-se
de que o movimento não evoluísse para um desafio
internacional à ordem existente. A hierarquia católica,
cuja experiência em defender a autoridade e a ordem cobria
um milênio e meio, estava mais do que consciente de que
um movimento popular semelhante ao que se desenvolvera na Polônia
não podia ser domesticado através de meios persuasivos,
mas tinha de ser influenciado ativamente e tomando novo rumo.
A designação de um papa polonês já
significava a estabilização do catolicismo na Polônia.
Wojtyla nunca se cansou de referir-se às raízes
polonesas, bajulando o nacionalismo polonês e apresentando
a Polônia como a nação cristã. Diante
de uma multidão jubilosa na Praça da Vitória
em junho de 1979, ele elogiou a contribuição "da
nação polonesa ao desenvolvimento da humanidade
e da espécie humana," que só podia ser compreendida
e apreciada, disse ele, através de Cristo. Sua preleção
culminou com a sentença: "Não poderá
existir uma Europa justa sem uma Polônia independente no
mapa da Europa!"
Sem a intervenção do papa na Polônia, os
eventos dificilmente teriam tomado o curso desastroso que em última
análise levou os trabalhadores poloneses ao maciço
desemprego e à amarga pobreza. Inicialmente, não
havia apenas católicos, mas também uma forte e secular
tendência socialista no movimento Solidariedade. A estes,
no entanto, faltava uma efetiva perspectiva para oposição
ao regime stalinista.
A intervenção do Vaticano contribuiu substancialmente
para colocar o movimento sob o controle da ala católico-nacionalista
em torno de Lech Walesahomem que combinava sua reputação
de trabalhador e militante dos estaleiros Lenine com uma boa dose
de fanatismo religioso. O próprio Walesa abertamente tem
reconhecido o papel desempenhado pelo papa. Em 1989, declarou:
"A existência do sindicato Solidariedade e de minha
pessoa seria inconcebível sem a grande figura do grande
deste grande Papa e eminente homem, João Paulo II."
Com o papa, vieram o apoio político e financeiro para
o Solidariedade, ele procurou evitar uma confrontação
ostensiva com o regime. Repetidamente clamou por moderação
e contenção. À medida que a confrontação
com o governo tornou-se mais violenta, o Solidariedade crescentemente
interveio para conter e controlar os trabalhadores.
Walesa constantemente enfatizou que o Solidariedade não
estava lutando pelo poder: "Não queremos o governo,
pelo contrário procuramos o reconhecimento governamental,
e necessitamos verificar quando se ele está governando
certificando-nos que execute um bom trabalho." Wojciech Jaruzelski,
que em dezembro de 1981 implantou a lei marcial e prendeu milhares
de trabalhadores e dirigentes do Solidariedade, mais tarde abertamente
reconheceu as contenções aconselhadas pelo papa.
Numa entrevista televisionada por ocasião da morte do papa,
ele afirmou: "Ele se absteve de introduzir emoções
sociais naquela época."
Posteriormente, o papa pareceu cada vez mais aflito com a rapidez
com que, em seguida ao colapso do regime stalinista, o Solidariedade
desacreditou-se ante a classe trabalhadora, quando seus líderes
assumiram o poder e comandaram a reintrodução do
capitalismo. João Paulo II temia, com alguma razão,
que a influência da igreja católica podia sofrer
como resultado, e que a nova ordem correria perigo.
Em visitas ao país em 1991 e 1993, ele advertiu contra
a simples cópia de modelos capitalistas ocidentais. Durante
sua última viagem à Polônia em 2003, ele foi
ainda mais categórico. Quando alguém se esquece
do preço pago pela liberdade, disse ele, não se
está longe da "anarquia." Conclamou o movimento
Solidariedade para que se mantivesse fora da política,
e apontou gritantes injustiças na Polôniasalários
não pagos, pequenos negócios extintos, operários
sem férias e afastados de suas famílias.
João Paulo II e a política americana
em relação à União Soviética
A decisão da igreja católica de nomear um bispo
polonês esta estreitamente ligada à mudança
de curso da política externa americana para com a União
Soviética. Sob a direção de Jimmy Carter
e, até mesmo mais às claras, sob o seu sucessor
Ronald Reagan, a contenção deu lugar ao confronto.
Como arcebispo de Cracóvia, Wojtyla já tinha
mantido intensa correspondência com o polonês-nato
Zbigniew Brzezinski, que assumiu a função de assessor
de segurança nacional durante a administração
de Carter e compareceu aos funerais de predecessor de Woljtyla
na qualidade de funcionário americano, permanecendo em
Roma por todo o período da eleição papal
em 1978 que colocou Wojtyla na chefia da igreja.
Esta cooperação foi intensificada sob a presidência
de Reagan. O embaixador americano junto ao Vaticano à época,
James Nicholson, fala de uma "aliança estratégica"
entre Washington e o Vaticano contra a União Soviética.
De acordo com informações colhidas pelo jornalista
Carl Bernstein e Marco Politi, que escreveram um livro sobre a
diplomacia secreta do Vaticano, o diretor da CIA William Casey
e seu vice-diretor Vernon Waters mantiveram discussões
confidenciais com o papa desde o começo de 1981. O tópico
principal era a ajuda financeira da CIA e o apoio logístico
ao Solidariedade.
A burocracia dirigente em Moscou reagiu à intensificada
pressão conjunta externa e à crescente pressão
social iniciando a política de restauração
capitalista. A ascensão de Mikhail Gorbatchov à
direção do Partido Comunista da União Soviética
teve suas origenspor mais irônico quanto possa parecernas
mesmas mudanças objetivas que conduziram Wojtyla para a
Santa Sé em Roma. Os eventos na Polônia abalaram
profundamente a burocracia do Kremlin. No final, ela procurou
evitar um desenrolar semelhante na União Soviética
criando novas bases para seu domínio através da
introdução da propriedade capitalista. Foi este
o real significado da perestroika de Gorbatchev.
Em dezembro de 1989, Gorbatchev tornou-se o primeiro e único
secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética
a ter uma audiência com o Vaticano. Três anos mais
tarde, Gorbatchev elogiou o papel do papa com as seguintes palavras:
"Tudo que aconteceu nestes anos na Europa do leste teria
sido impossível sem a presença deste papa."
O papa e a América do Sul
Quando o papa João Paulo II descortinou sua intervenção
na Polônia e no leste da Europa com os ornamentos de "liberdade"
e de "independência", a essência de sua
orientação política revelou-se abertamente
na América do Sul. Lá ele se aliou com os oprimidos
em suas lutas contra as ditaduras militares de direita.
No decorrer de sua primeira visita à Nicarágua
em 1983, João Paulo II repreendeu publicamente o padre
Ernesto Cardenal que, ao lado de outros dois sacerdotes, ocupavam
postos ministeriais no governo sandinista.Em 1995, na oportunidade
de outra vista ao mesmo país, o papa condenou a Iglesia
Popular Por ele chamado de ecumenismo errôneo "de cristãos
engajados no processo revolucionário." Ao mesmo tempo,
ele promoveu o direitista e rancoroso oponente dos Sandinistas
arcebispo Miguel Obando y Bravo, rancoroso oponente dos Sandinistas,
ao cardinalato.
Numerosos teólogos da teologia da libertação
foram afastados de seus postos por João Paulo II e substituídos
por bispos ou padres conservadores. Escreve François Houtard
no Le Monde Diplomatique: "Grupos eclesiásticos de
origem humilde que surgiram na América do Sul, caracterizados
pela autonomia e defesa dos interesses dos pobres, foram isolados
e até mesmo destituídos em alguns casos. Sacerdotes
que se juntaram com os pobres foram removidos e proibidos de ter
acesso a instalações comunitárias, e ocasionalmente
novos grupos surgiram sob a mesma denominação.''
Simultaneamente, apoiadores de ditaduras militares direitistas
ascenderam ás mais altas funções da igreja.
Núncio papal junto á ditadura militar Argentina,
Pio Laghi, e seu colega junto á ditadura militar chinesa,
Ângelo Sodano, ambos são hoje cardeais.
Sodano elogiou o domínio despótico e assassino
de Pinoichet com as seguintes palavras: 'Obras de arte também
podem conter pequenos erros. Eu os aconselharia a não insistirem
nas falhas da pintura, mas a concentrarem-se na maravilhosa impressão
geral.
A beatificação do para Pio XII, declarado anti-semita,
que colaborou com os nazistas e com o regime de Mussolini, e do
cardeal Stepniak, que foi íntimo do regime fascista da
Croácia durante a II Guerra Mundial, são expressões
adicionais e típicas das convicções de João
Paulo II.
Políticas conservadoras da Igreja
Em sua política eclesiástica e doutrinal da Igreja
Católica, João Paulo II foi, mesmo de um ponto de
vista extremamente conservador, reacionário. Ele partiu
para reverter o espírito, se não a letra das reformas
iniciadas pelo Concílio Vaticano II dos anos 1960s.
Primeiramente, registra-se seu culto da Madona (Virgem Maria)
e dos Santos.Por meio de 473 beatificações, ele
criou um número mais de duas vezes superior de santos que
seus antecessores nos precedentes 470 anos.
A encíclica Evangelium Vitae a ditar práticas
de moral sexual, rejeita não apenas o aborto, mas também
qualquer método contraceptivo. Qualquer ato sexual sem
finalidade reprodutiva é considerado imoral. Até
a camisinha é condenada, política esta ainda mais
socialmente destrutiva e desumana em face da devastadora epidemia
de AIDS em muitas outras partes do mundo. Na Alemanha, contra
forte resistência de bispos e membros da Igreja, o papa
insistiu em que a Igreja se retirasse de comitês que dão
assistência a mulheres grávidas como parte da estrutura
para o aborto legal no país.
A equipe da política conservadora do papa tem também
amiúde gerado conflitos. Ele espalhou controvérsia
ao impor bispos conservadores a várias dioceses, e.g.,Wolfgang
Haas, em Chur, Joachim Meisner, em Colônia, Hans Hermann
Groere, em Viena, e Kurt Krenn, em St. Polten. Teólogos
críticos, tais como Leonardo Boff, Euggen Drewrmann, Hans
Kung e Tissa Balasuriya foram silenciados á força
com proibições que os baniam de publicar trabalhos
e os impediam de ensinar.
O teólogo suíço Hans Küng, proibido
de ensinar na Igreja em seguida a um artigo de 1980 crítico
ao papa, descreve a atmosfera interna da Igreja e o papel de João
Paulo II nas seguintes palavras: "(O papa é) a autoridade
por traz de um inflacionário numero de beatificações
que, simultaneamente com poder ditatorial, dirige sua inquisição
contra teólogos, frades e bispos malquistos, acima de tudo
contra crentes dotados de pensamento crítico e pronunciado
espírito de reforma, perseguidos de forma inquisitorial.
Exatamente como Pio XII perseguiu os mais proeminentes teólogos
de seu tempo (Chenu, Congar, de Luba,c Rahner, Teilhard de Chardin),
de igual forma João Paulo II e seu grande inquisidor Ratzinger
perseguiram Schellebeekx, Balasuriya, Boff, Bulanyi, Curran e
também o bispo Gaillot, de Evreux e o arcebispo Huntunthausen,
de Seattle. Conseq hausen, de Seattle. Conseqüência:
uma Igreja vigiada, no seio da qual a denúncia, o medo
e a ausência de liberdade estão muito difundidos.
Os bispos vêem-se na qualidade de governantes romanos em
lugar de serviçais de fiéis; os teólogos
escrevem de maneira conformistaou não escrevem absolutamente
nada.
Enquanto vozes críticas têm sido silenciadas,
os fundamentalistas e a ordem Opus Dei, rigorosamente organizados,
têm pedido estender sua influência na hierarquia eclesiástica.
Nomeou-se um número considerável de seus membros
como bispos e cardeais. A ordem agora exerce considerável
influência na Cúria, a administração
central da Igreja Católica, e pode desempenhar papel significativo
na seleção do próximo papa.
A Opus Dei foi fundada em 1928 pelo jesuíta Josemaria
Escrivá, em Madrid. Dispondo de uma afiliação
mundial de 80.000 membros, a ordem é relativamente pequena.
Floresceu durante a ditadura de Franco na Espanha fascista, quando
representantes da Opus Dei chegaram a ocupar até 10 postos
ministeriais.
Escrivá, beatificado por João Paulo II em 2002,
apenas a 17 anos de seu falecimento, certa vez descreveu Hitler
como o "salvador da Igreja espanhola." A ordem é
organizada nos molde de uma sociedade secreta, com seu próprio
código de conduta que vai de um voto de silêncio
a freqüentes invocações e a auto-flagelações
com açoites e cintos. Propaga o culto da masculinidade
e de sua liderança, definindo a mulher como ser "inferior",
exigindo sua subordinação e estrita obediência.
Contrastando com muitos de seus antecessores, João Paulo
II seguiu uma política franca em relação
a outras religiões. Foi o primeiro papa a visitar uma igreja
protestante (1983), uma sinagoga (1986) e uma mesquita (2001)
Todos os anos, desde 1986, encontros de preces têm ocorrido
nos quais diferentes religiões oram conjuntamente. Em 2000,
o papa visitou o memorial do Holocausto em Israel e pediu perdão
pelos pecados cometidos pelos cristãos no curso da historia
cristã, sem, todavia repudiar o silêncio de Pio XII
relativamente ao Holocausto.
Esta demonstração externa de tolerância,
surgida em primeiro lugar da necessidade de reforçar a
religião como pilar de uma burguesia perpassada de crises,
coloca-se em forte contraste com a intolerância exibida
por João Paulo II em suas prédicas. Exatamente há
dois anos, o papa publicou um édito proibindo a comunhão
em conjunto com outras denominações, e a declaração
"Dominus Jesus" apoiada pelo papa nega a qualificação
de igreja à igreja reformista, enquanto critica outras
religiões por seus substanciais defeitos.
Crises da Igreja
Não obstante suas atitudes direitistas, João
Paulo II sempre esteve pro=fundamente cônscio de que somente
cumpriria sua função de esteio da ordem estabelecida
assumindo a postura de defensor dos oprimidos. Ele escreveu numerosos
textos de doutrina social católica em que denuncia os excessos
capitalistas e os males sociais. Em sua viagem a Cuba, rispidamente
criticou o neoliberalismo e seus efeitos.
Esta crítica de maneira alguma foi dirigida contra a
ordem capitalista. Desde que o socialismo primeiramente emergiu
no final do século dezenove como força expressiva
no seio da classe operária, a Igreja Católica tem
tentado conter sua influência articulando uma doutrina social
que, enquanto condene a revolução socialista, faz
ligeiras críticas ao capitalismo e fala simpaticamente
dos apuros dos trabalhadores e pobres. João Paulo II operou
muitíssimo dentro desta tradição. Assim,
ele rejeitou o socialismo em princípio como uma doutrina
ateísta na encíclica "Centesimus Annus."
O claro posicionamento assumido pelo papa contra a primeira
e a segunda guerras do Iraque deve ser visto neste contexto. Revestida
de uma tradição de mil e quinhentos anos, a hierarquia
católica pensa em períodos mais longos do que os
políticos burgueses a curto prazo. O Vaticano está
ciente de que a cruel conduta dos Estados Unidos no Oriente Médio
ameaça, no correr do tempo, desestabilizar por inteiro
a ordem capitalistainclusive a Igreja Católica.
Pouco depois do início da segunda guerra do Iraque,
o papa recebe o vice-primeiro ministro iraquiano Tariq Aziz, um
cristão, e mandou emissários a Washington e a Bagdá
numa tentativa de evitar a guerra. Ele a condenou nos seguintes
termos: "A guerra do forte contra o fraco mais do que nunca
antes se tem revelado nem profunda divisão entre ricos
e pobres."
A retórica de paz e harmonia social de João Paulo
II, que fortemente contrasta com sua ideologia e política
juntamente com suas mais de 100 viagens mundo aforaempreendidas
com grande cuidado por seus valores propagandísticos -têm
desempenhado um papel de expansão do número de católicos
durante seu mandado. A afiliação á Igreja
católica é agora estimada em mais de bilhão,
dos quais a metade vive nas Américas do Sul e do Norte.
Estes números não podem, todavia, descobrir a
imensa crise em que se debate a própria Igreja. O crescimento
da afiliação á Igreja não tem acompanhado
o crescimento populacional. A filiação á
Igreja em proporção ao aumento populacional eleva-se
apenas em ares onde os católicos representam pequena minoria,
compreendendo a África e partes da Ásia. Em termos
proporcionais, ela estagna na América Latina e declina
na Europa e América do Norte. Na América Latina
nota-se amplamente que a Igreja Católica perde terreno
para vários grupos protestantes.
Não obstante os esforços da mídia para
virtualmente canonizar João Paulo II, o controle sobre
as amplas massas do povo continua a declinar, e o clero católico
permanece perigosamente desacreditado, mesmo entre eles que se
consideram católicos. A perda de paroquianos ativos e comprometidos
reflete-se na crise financeira que afeta a Igreja em vários
paises. Nos Estados Unidos as escolas católicas estão
se reduzindo, inclusive em Detroit.
A crise intensificou-se com os recentes escândalos de
abusos sexuais envolvendo clérigos. Agora está claro
que João Paulo II procurou encobrir a extensão dos
abusos sexuais contra crianças ocorridos em seu reinado.
Seu papel no encobrimento destes abusos na América,
na Irlanda, na Áustria e noutras Igrejas, e então
minimizando sua importância uma vez eles foram descobertos,
acentua a hipocrisia do Vaticano em questões de moral sexual.
Permanece em agudo contraste com a incessante moralização
da Igreja quando se aproxima das práticas sexuais normais
da gente comum, e evidencia que a preocupação primordial
de João Paulo II e do Vaticano tinha o propósito
de defender a casta clerical, seu poder, sua autoridade diante
de possível inquirição.
João Paulo II foi uma criatura carismática que
pôde, de certo modo, compensar o avançado declínio
do maciço apoio á Igreja e manter a instituição
coesa. Sua ausência intensificará a pressão
interna e externa sobre esta antiga, esclerosada e reacionária
instituição. A absurda duração que
a mídia está usando na cobertura da morte de João
Paulo II a fim de promover a Igreja é em si a expressão
contraditória da crise desta instituição
e da ordem burguesa que ela defende.