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Papa João Paulo II: um obituário político

Por Marius Heuser e Peter Shwarz
13 Mayo 2005

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No meio de uma barragem midiática retratando o papa João Paulo II como um santo contemporâneo e apresentando de forma não-crítica a pompa e o misticismo dos ritos funerários do Vaticano, quase nada de sério pode-se encontrar acerca da personalidade de João Paulo II ou de seu real papel na história contemporânea.

A Igreja Católica Romana tem sido um alicerce pétreo da reação política durante séculos, primeiro na qualidade de um pilar da ordem feudal, quando se opôs à Reforma Protestante, e mais tarde como um baluarte do poder burguês. Independente das qualidades individuais do homem que fica à frente da Igreja, seu papel é intensamente político.

Em João Paulo II, o papado encontrou uma figura que combinava uma visão profundamente reacionária—tanto política quanto religiosa—com considerável experiência no trato ao mesmo tempo com estados capitalistas e com regimes stalinistas. Ele se utilizou dessa experiência para desempenhar papel essencial nos convulsivos acontecimentos do último quartel do século passado.

Karol Wojtyla nasceu em 18 de maio de 1920 na cidade polonesa de Wadowice, filho de antigo funcionário do Império Austro-húngaro. Perdeu sua mãe aos 9 anos de idade e seu pai quando tinha 21 anos. Considerado um bom aluno, começou a estudar filosofia e literatura em Cracóvia em 1938 e desenvolveu vívido interesse pelo teatro. Sob a ocupação alemã, foi forçado a executar trabalhos árduos. No decorrer daquele período, decidiu-se pelo sacerdócio. Em 1942, ingressou no seminário clandestino da arquidiocese de Cracórvia.

Em 12 de novembro de 1946, foi sagrado sacerdote. Passou os dois anos seguintes em Roma, onde se doutorou em teologia e misticismo de São João da Cruz. Continuou seus estudos na Polônia. Em seguida à sua graduação, assumiu uma cadeira de na Universidade Católica de Lublin, em 1954.

Em 28 de setembro de 1958, tornou-se bispo e, em 1964, arcebispo de Cracóvia. Foi um ano crítico na vida e nos destinos do Vaticano.A morte de Pio XII nesse ano pôs termo a reino que gravemente desacreditou a Igreja em virtude da colaboração papal com os regimes fascistas na Espanha, na Itália e na Alemanha, e a recusa do Vaticano em opor-se ao extermínio dos judeus da Europa.

A Pio XII sucedeu o papa João XXIII (1958-1963) e Paulo VI (1963-1978), que superintenderam mudanças de longo alcance no ritual e nas práticas religiosas católicas, inclusive na celebração da missa no vernáculo e outras reformas liberais. João XXIII e Paulo VI também procuraram dissociar a Igreja do anti-semitismo que tinha sido implícito na doutrina católica.

No arcebispado de Cracóvia, Wojtyla entrou em conflito com o regime stalinista polonês. Woljtyla não questionava o domínio político desse último, mas insistia que a Igreja Católica mantivesse sua influência ideológica. Assim, ele podia assegurar a construção de igrejas na nova cidade industrial de Nova Huta. Em 1967, Wojtyla foi nomeado cardeal.

Wojtyla foi eleito papa em 16 de outubro de 1978; foi algo de sensacional. Pela primeira vez em 455 anos, quando o holandês Adriano VI ocupou a cadeira de São Pedro por um ano, um não-italiano assuma a direção da hierarquia católica. Após várias contestações levantadas entre dois aspirantes italianos, em oito escrutínios, 94 dos 111 cardeais votaram em um candidato polonês. Aos 58 aos de idade, o novo papa era singularmente jovem.

O significado político da decisão era inconfundível. Desde o fim da década de 1960.ambas as nações avançadas da Europa ocidental e os paises de regimes stalinistas da Europa do leste tinham sido abalados repetidamente por violentes conflitos sociais. Os predecessores de Wojtyla, João XXIII e Paulo VI, tinham procurado responder às inquietações sociais com reformas da doutrina e do regime interno da igreja.

Na primeira metade da década dos anos sessenta, o Concilio Vaticano II inaugurou a via para tal curso com certa abertura dos dogmas da igreja e a aceitação de uma alçada para os bispos e leigos. João XXXIII também tinha introduzido uma política mais descontraída com a União Soviética, e sua iniciativa foi continuada por Paulo VI. Ambos procuraram estabelecer uma cooperação mais estreita com os regimes stalinistas.

Albino Luciani, que assumiu o lugar de Paulo VI sob o nome de Paulo I, pretendeu continuar no mesmo caminho. Mas exatamente após 33 dias em sua função o novo papa foi encontrado morto em seu leito. As circunstâncias exatas de sua morte nunca foram esclarecidas porque o Vaticano recusou permissão para autópsia de seu cadáver.

A assunção de Wojtyla ao cargo mais alto da igreja representou um momento decisivo ideológico e político. Novo chefe da igreja cedo foi visto como um papa da restauração, que tornava a igreja mais aberta numa força de oposição ao espírito modernizador dos tempos. Ele promoveu um culto dos santos e da Virgem Maria, ao qual pessoalmente se dedicava, defendendo rígida moralidade social, reforçando a autoridade de Roma sobre as dioceses e disciplinando numerosos teólogos críticos. Politicamente, a designação de um papa polonês representou um desafio à liderança de Moscou sob Leonid Brezhnev.

O papa e o Solidariedade

Ao tempo da eleição papal, o conflito entre a classe trabalhadora e o regime dirigente stalinista na Polônia tinha crescido gradativamente. Desde a rebelião dos trabalhadores poloneses, reprimida sangrentamente em 1956, a Polônia arruinara-se em conseqüência de uma série de conflitos. Em 1970, uma onda de greves contra o aumento de preços forçou a renúncia do líder partidário e governamental Wladislav Gomulka. Seu sucessor, Edward Gierek, viu-se obrigado a cancelar os aumentos de preço.

Em 1976, Gierek tentou novamente aumentar os preços, do que resultaram paredes, demonstrações das massas operárias lutas em barricadas. Nos anos seguintes, o Comitê para Defesa dos Trabalhadores e comitês dos sindicatos independentes foram formados, e em 1980—após uma renovada onda de greves contra o aumento dos preços—estas organização coligaram-se, transformando-se no sindicato nacional denominado Solidariedade, agregando milhões de trabalhadores.

A emergência de um poderoso movimento de trabalhadores na Polônia foi seguida de grande preocupação pelos governos do Leste e do Ocidente. A extensão do movimento para o lado da União Soviética e outros paises do Leste europeu não teria ameaçado somente o domínio stalinista, mas também inspirado novas lutas militantes de trabalhadores ocidentais. Um surto de tais manifestações fora impedida nos meados dos anos l970s peles efeitos conjugados da Social Democracia e das burocracias sindicais.

Caracteristicamente, o chanceler alemão, Helmut Schmidt, social-democrata, consistentemente apoiou o governo de Gierek contra os trabalhadores polonês. Schmidt até mesmo manteve uma amizade pessoal com Gierek.

João Paulo II estava perfeitamente consciente dos perigos de uma revolução violenta na Polônia e na Europa do leste. Ele procurou assegurar que o domínio stalinista fosse subvertido pela direita, não pela esquerda, através do apoio de uma liderança pró-imperialista dentro da classe trabalhadora polonesa. Neste esforço, ele foi ajudado não apenas pela CIA e o Departamento de Estado dos Estados Unidos.

A hostilidade de João Paulo II e da igreja ao stalinismo é equiparada pela mídia a sua devoção à democracia. É uma grotesca distorção. O papa preside uma instituição que tem sido a mais intransigente oponente da democracia no curso de 500 anos, desde a emergência do Protestantismo, quando a hierarquia eclesiástica buscou manter o poder e a riqueza do clero tal qual uma propriedade feudal.

O ânimo da igreja em relação ao stalinismo não era devido ao poder antidemocrático e de casta da burocracia stalinista como tal—tudo que se identificava perfeitamente com as práticas internas da própria igreja em si como instituição. A hierarquia da igreja em si é uma casta, originária da sociedade pré-capitalista agora arraigada nas relações sociais capitalistas.

A Igreja Católica e, no final de contas, a maior proprietária individual do mundo. Daí o apoio da igreja às ditaduras sanguinárias da América Latina, que sustém a propriedade capitalista, mas se opõe aos regimes stalinistas na URSS e na Europa do leste baseados na propriedade nacionalizada.

Nesta base fundamentalmente reacionária, a Igreja Católica abertamente tomou o partido do Solidariedade. Menos de oito meses após sua designação, o novo papa empreendeu sua primeira "peregrinação" à Polônia, seguida de visitas adicionais em 1983 e 1987. Em janeiro de 1980, João Paulo II concedeu audiência a uma delegação de membros do Solidariedade presidida por Lech Walesa. Tirando de diferentes fontes, o Vaticano recolheu pelo menos 50 milhões de dólares para ajudar o sindicato nos anos seguintes.

A meta do Vaticano, todavia, não era apoiar as demandas sociais dos trabalhadores. Pelo contrário, ele procurava manter o movimento sob a influência reacionária da ideologia católica e do nacionalismo polonês, e assegurar-se de que o movimento não evoluísse para um desafio internacional à ordem existente. A hierarquia católica, cuja experiência em defender a autoridade e a ordem cobria um milênio e meio, estava mais do que consciente de que um movimento popular semelhante ao que se desenvolvera na Polônia não podia ser domesticado através de meios persuasivos, mas tinha de ser influenciado ativamente e tomando novo rumo.

A designação de um papa polonês já significava a estabilização do catolicismo na Polônia. Wojtyla nunca se cansou de referir-se às raízes polonesas, bajulando o nacionalismo polonês e apresentando a Polônia como a nação cristã. Diante de uma multidão jubilosa na Praça da Vitória em junho de 1979, ele elogiou a contribuição "da nação polonesa ao desenvolvimento da humanidade e da espécie humana," que só podia ser compreendida e apreciada, disse ele, através de Cristo. Sua preleção culminou com a sentença: "Não poderá existir uma Europa justa sem uma Polônia independente no mapa da Europa!"

Sem a intervenção do papa na Polônia, os eventos dificilmente teriam tomado o curso desastroso que em última análise levou os trabalhadores poloneses ao maciço desemprego e à amarga pobreza. Inicialmente, não havia apenas católicos, mas também uma forte e secular tendência socialista no movimento Solidariedade. A estes, no entanto, faltava uma efetiva perspectiva para oposição ao regime stalinista.

A intervenção do Vaticano contribuiu substancialmente para colocar o movimento sob o controle da ala católico-nacionalista em torno de Lech Walesa—homem que combinava sua reputação de trabalhador e militante dos estaleiros Lenine com uma boa dose de fanatismo religioso. O próprio Walesa abertamente tem reconhecido o papel desempenhado pelo papa. Em 1989, declarou: "A existência do sindicato Solidariedade e de minha pessoa seria inconcebível sem a grande figura do grande deste grande Papa e eminente homem, João Paulo II."

Com o papa, vieram o apoio político e financeiro para o Solidariedade, ele procurou evitar uma confrontação ostensiva com o regime. Repetidamente clamou por moderação e contenção. À medida que a confrontação com o governo tornou-se mais violenta, o Solidariedade crescentemente interveio para conter e controlar os trabalhadores.

Walesa constantemente enfatizou que o Solidariedade não estava lutando pelo poder: "Não queremos o governo, pelo contrário procuramos o reconhecimento governamental, e necessitamos verificar quando se ele está governando certificando-nos que execute um bom trabalho." Wojciech Jaruzelski, que em dezembro de 1981 implantou a lei marcial e prendeu milhares de trabalhadores e dirigentes do Solidariedade, mais tarde abertamente reconheceu as contenções aconselhadas pelo papa. Numa entrevista televisionada por ocasião da morte do papa, ele afirmou: "Ele se absteve de introduzir emoções sociais naquela época."

Posteriormente, o papa pareceu cada vez mais aflito com a rapidez com que, em seguida ao colapso do regime stalinista, o Solidariedade desacreditou-se ante a classe trabalhadora, quando seus líderes assumiram o poder e comandaram a reintrodução do capitalismo. João Paulo II temia, com alguma razão, que a influência da igreja católica podia sofrer como resultado, e que a nova ordem correria perigo.

Em visitas ao país em 1991 e 1993, ele advertiu contra a simples cópia de modelos capitalistas ocidentais. Durante sua última viagem à Polônia em 2003, ele foi ainda mais categórico. Quando alguém se esquece do preço pago pela liberdade, disse ele, não se está longe da "anarquia." Conclamou o movimento Solidariedade para que se mantivesse fora da política, e apontou gritantes injustiças na Polônia—salários não pagos, pequenos negócios extintos, operários sem férias e afastados de suas famílias.

João Paulo II e a política americana em relação à União Soviética

A decisão da igreja católica de nomear um bispo polonês esta estreitamente ligada à mudança de curso da política externa americana para com a União Soviética. Sob a direção de Jimmy Carter e, até mesmo mais às claras, sob o seu sucessor Ronald Reagan, a contenção deu lugar ao confronto.

Como arcebispo de Cracóvia, Wojtyla já tinha mantido intensa correspondência com o polonês-nato Zbigniew Brzezinski, que assumiu a função de assessor de segurança nacional durante a administração de Carter e compareceu aos funerais de predecessor de Woljtyla na qualidade de funcionário americano, permanecendo em Roma por todo o período da eleição papal em 1978 que colocou Wojtyla na chefia da igreja.

Esta cooperação foi intensificada sob a presidência de Reagan. O embaixador americano junto ao Vaticano à época, James Nicholson, fala de uma "aliança estratégica" entre Washington e o Vaticano contra a União Soviética. De acordo com informações colhidas pelo jornalista Carl Bernstein e Marco Politi, que escreveram um livro sobre a diplomacia secreta do Vaticano, o diretor da CIA William Casey e seu vice-diretor Vernon Waters mantiveram discussões confidenciais com o papa desde o começo de 1981. O tópico principal era a ajuda financeira da CIA e o apoio logístico ao Solidariedade.

A burocracia dirigente em Moscou reagiu à intensificada pressão conjunta externa e à crescente pressão social iniciando a política de restauração capitalista. A ascensão de Mikhail Gorbatchov à direção do Partido Comunista da União Soviética teve suas origens—por mais irônico quanto possa parecer—nas mesmas mudanças objetivas que conduziram Wojtyla para a Santa Sé em Roma. Os eventos na Polônia abalaram profundamente a burocracia do Kremlin. No final, ela procurou evitar um desenrolar semelhante na União Soviética criando novas bases para seu domínio através da introdução da propriedade capitalista. Foi este o real significado da perestroika de Gorbatchev.

Em dezembro de 1989, Gorbatchev tornou-se o primeiro e único secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética a ter uma audiência com o Vaticano. Três anos mais tarde, Gorbatchev elogiou o papel do papa com as seguintes palavras: "Tudo que aconteceu nestes anos na Europa do leste teria sido impossível sem a presença deste papa."

O papa e a América do Sul

Quando o papa João Paulo II descortinou sua intervenção na Polônia e no leste da Europa com os ornamentos de "liberdade" e de "independência", a essência de sua orientação política revelou-se abertamente na América do Sul. Lá ele se aliou com os oprimidos em suas lutas contra as ditaduras militares de direita.

No decorrer de sua primeira visita à Nicarágua em 1983, João Paulo II repreendeu publicamente o padre Ernesto Cardenal que, ao lado de outros dois sacerdotes, ocupavam postos ministeriais no governo sandinista.Em 1995, na oportunidade de outra vista ao mesmo país, o papa condenou a Iglesia Popular Por ele chamado de ecumenismo errôneo "de cristãos engajados no processo revolucionário." Ao mesmo tempo, ele promoveu o direitista e rancoroso oponente dos Sandinistas arcebispo Miguel Obando y Bravo, rancoroso oponente dos Sandinistas, ao cardinalato.

Numerosos teólogos da teologia da libertação foram afastados de seus postos por João Paulo II e substituídos por bispos ou padres conservadores. Escreve François Houtard no Le Monde Diplomatique: "Grupos eclesiásticos de origem humilde que surgiram na América do Sul, caracterizados pela autonomia e defesa dos interesses dos pobres, foram isolados e até mesmo destituídos em alguns casos. Sacerdotes que se juntaram com os pobres foram removidos e proibidos de ter acesso a instalações comunitárias, e ocasionalmente novos grupos surgiram sob a mesma denominação.''

Simultaneamente, apoiadores de ditaduras militares direitistas ascenderam ás mais altas funções da igreja. Núncio papal junto á ditadura militar Argentina, Pio Laghi, e seu colega junto á ditadura militar chinesa, Ângelo Sodano, ambos são hoje cardeais.

Sodano elogiou o domínio despótico e assassino de Pinoichet com as seguintes palavras: ‘'Obras de arte também podem conter pequenos erros. Eu os aconselharia a não insistirem nas falhas da pintura, mas a concentrarem-se na maravilhosa impressão geral.

A beatificação do para Pio XII, declarado anti-semita, que colaborou com os nazistas e com o regime de Mussolini, e do cardeal Stepniak, que foi íntimo do regime fascista da Croácia durante a II Guerra Mundial, são expressões adicionais e típicas das convicções de João Paulo II.

Políticas conservadoras da Igreja

Em sua política eclesiástica e doutrinal da Igreja Católica, João Paulo II foi, mesmo de um ponto de vista extremamente conservador, reacionário. Ele partiu para reverter o espírito, se não a letra das reformas iniciadas pelo Concílio Vaticano II dos anos 1960s.

Primeiramente, registra-se seu culto da Madona (Virgem Maria) e dos Santos.Por meio de 473 beatificações, ele criou um número mais de duas vezes superior de santos que seus antecessores nos precedentes 470 anos.

A encíclica Evangelium Vitae a ditar práticas de moral sexual, rejeita não apenas o aborto, mas também qualquer método contraceptivo. Qualquer ato sexual sem finalidade reprodutiva é considerado imoral. Até a camisinha é condenada, política esta ainda mais socialmente destrutiva e desumana em face da devastadora epidemia de AIDS em muitas outras partes do mundo. Na Alemanha, contra forte resistência de bispos e membros da Igreja, o papa insistiu em que a Igreja se retirasse de comitês que dão assistência a mulheres grávidas como parte da estrutura para o aborto legal no país.

A equipe da política conservadora do papa tem também amiúde gerado conflitos. Ele espalhou controvérsia ao impor bispos conservadores a várias dioceses, e.g.,Wolfgang Haas, em Chur, Joachim Meisner, em Colônia, Hans Hermann Groere, em Viena, e Kurt Krenn, em St. Polten. Teólogos críticos, tais como Leonardo Boff, Euggen Drewrmann, Hans Kung e Tissa Balasuriya foram silenciados á força com proibições que os baniam de publicar trabalhos e os impediam de ensinar.

O teólogo suíço Hans Küng, proibido de ensinar na Igreja em seguida a um artigo de 1980 crítico ao papa, descreve a atmosfera interna da Igreja e o papel de João Paulo II nas seguintes palavras: "(O papa é) a autoridade por traz de um inflacionário numero de beatificações que, simultaneamente com poder ditatorial, dirige sua inquisição contra teólogos, frades e bispos malquistos, acima de tudo contra crentes dotados de pensamento crítico e pronunciado espírito de reforma, perseguidos de forma inquisitorial. Exatamente como Pio XII perseguiu os mais proeminentes teólogos de seu tempo (Chenu, Congar, de Luba,c Rahner, Teilhard de Chardin), de igual forma João Paulo II e seu grande inquisidor Ratzinger perseguiram Schellebeekx, Balasuriya, Boff, Bulanyi, Curran e também o bispo Gaillot, de Evreux e o arcebispo Huntunthausen, de Seattle. Conseq hausen, de Seattle. Conseqüência: uma Igreja vigiada, no seio da qual a denúncia, o medo e a ausência de liberdade estão muito difundidos. Os bispos vêem-se na qualidade de governantes romanos em lugar de serviçais de fiéis; os teólogos escrevem de maneira conformista—ou não escrevem absolutamente nada.

Enquanto vozes críticas têm sido silenciadas, os fundamentalistas e a ordem Opus Dei, rigorosamente organizados, têm pedido estender sua influência na hierarquia eclesiástica. Nomeou-se um número considerável de seus membros como bispos e cardeais. A ordem agora exerce considerável influência na Cúria, a administração central da Igreja Católica, e pode desempenhar papel significativo na seleção do próximo papa.

A Opus Dei foi fundada em 1928 pelo jesuíta Josemaria Escrivá, em Madrid. Dispondo de uma afiliação mundial de 80.000 membros, a ordem é relativamente pequena. Floresceu durante a ditadura de Franco na Espanha fascista, quando representantes da Opus Dei chegaram a ocupar até 10 postos ministeriais.

Escrivá, beatificado por João Paulo II em 2002, apenas a 17 anos de seu falecimento, certa vez descreveu Hitler como o "salvador da Igreja espanhola." A ordem é organizada nos molde de uma sociedade secreta, com seu próprio código de conduta que vai de um voto de silêncio a freqüentes invocações e a auto-flagelações com açoites e cintos. Propaga o culto da masculinidade e de sua liderança, definindo a mulher como ser "inferior", exigindo sua subordinação e estrita obediência.

Contrastando com muitos de seus antecessores, João Paulo II seguiu uma política franca em relação a outras religiões. Foi o primeiro papa a visitar uma igreja protestante (1983), uma sinagoga (1986) e uma mesquita (2001) Todos os anos, desde 1986, encontros de preces têm ocorrido nos quais diferentes religiões oram conjuntamente. Em 2000, o papa visitou o memorial do Holocausto em Israel e pediu perdão pelos pecados cometidos pelos cristãos no curso da historia cristã, sem, todavia repudiar o silêncio de Pio XII relativamente ao Holocausto.

Esta demonstração externa de tolerância, surgida em primeiro lugar da necessidade de reforçar a religião como pilar de uma burguesia perpassada de crises, coloca-se em forte contraste com a intolerância exibida por João Paulo II em suas prédicas. Exatamente há dois anos, o papa publicou um édito proibindo a comunhão em conjunto com outras denominações, e a declaração "Dominus Jesus" apoiada pelo papa nega a qualificação de igreja à igreja reformista, enquanto critica outras religiões por seus substanciais defeitos.

Crises da Igreja

Não obstante suas atitudes direitistas, João Paulo II sempre esteve pro=fundamente cônscio de que somente cumpriria sua função de esteio da ordem estabelecida assumindo a postura de defensor dos oprimidos. Ele escreveu numerosos textos de doutrina social católica em que denuncia os excessos capitalistas e os males sociais. Em sua viagem a Cuba, rispidamente criticou o neoliberalismo e seus efeitos.

Esta crítica de maneira alguma foi dirigida contra a ordem capitalista. Desde que o socialismo primeiramente emergiu no final do século dezenove como força expressiva no seio da classe operária, a Igreja Católica tem tentado conter sua influência articulando uma doutrina social que, enquanto condene a revolução socialista, faz ligeiras críticas ao capitalismo e fala simpaticamente dos apuros dos trabalhadores e pobres. João Paulo II operou muitíssimo dentro desta tradição. Assim, ele rejeitou o socialismo em princípio como uma doutrina ateísta na encíclica "Centesimus Annus."

O claro posicionamento assumido pelo papa contra a primeira e a segunda guerras do Iraque deve ser visto neste contexto. Revestida de uma tradição de mil e quinhentos anos, a hierarquia católica pensa em períodos mais longos do que os políticos burgueses a curto prazo. O Vaticano está ciente de que a cruel conduta dos Estados Unidos no Oriente Médio ameaça, no correr do tempo, desestabilizar por inteiro a ordem capitalista—inclusive a Igreja Católica.

Pouco depois do início da segunda guerra do Iraque, o papa recebe o vice-primeiro ministro iraquiano Tariq Aziz, um cristão, e mandou emissários a Washington e a Bagdá numa tentativa de evitar a guerra. Ele a condenou nos seguintes termos: "A guerra do forte contra o fraco mais do que nunca antes se tem revelado nem profunda divisão entre ricos e pobres."

A retórica de paz e harmonia social de João Paulo II, que fortemente contrasta com sua ideologia e política juntamente com suas mais de 100 viagens mundo afora—empreendidas com grande cuidado por seus valores propagandísticos -têm desempenhado um papel de expansão do número de católicos durante seu mandado. A afiliação á Igreja católica é agora estimada em mais de bilhão, dos quais a metade vive nas Américas do Sul e do Norte.

Estes números não podem, todavia, descobrir a imensa crise em que se debate a própria Igreja. O crescimento da afiliação á Igreja não tem acompanhado o crescimento populacional. A filiação á Igreja em proporção ao aumento populacional eleva-se apenas em ares onde os católicos representam pequena minoria, compreendendo a África e partes da Ásia. Em termos proporcionais, ela estagna na América Latina e declina na Europa e América do Norte. Na América Latina nota-se amplamente que a Igreja Católica perde terreno para vários grupos protestantes.

Não obstante os esforços da mídia para virtualmente canonizar João Paulo II, o controle sobre as amplas massas do povo continua a declinar, e o clero católico permanece perigosamente desacreditado, mesmo entre eles que se consideram católicos. A perda de paroquianos ativos e comprometidos reflete-se na crise financeira que afeta a Igreja em vários paises. Nos Estados Unidos as escolas católicas estão se reduzindo, inclusive em Detroit.

A crise intensificou-se com os recentes escândalos de abusos sexuais envolvendo clérigos. Agora está claro que João Paulo II procurou encobrir a extensão dos abusos sexuais contra crianças ocorridos em seu reinado.

Seu papel no encobrimento destes abusos na América, na Irlanda, na Áustria e noutras Igrejas, e então minimizando sua importância uma vez eles foram descobertos, acentua a hipocrisia do Vaticano em questões de moral sexual. Permanece em agudo contraste com a incessante moralização da Igreja quando se aproxima das práticas sexuais normais da gente comum, e evidencia que a preocupação primordial de João Paulo II e do Vaticano tinha o propósito de defender a casta clerical, seu poder, sua autoridade diante de possível inquirição.

João Paulo II foi uma criatura carismática que pôde, de certo modo, compensar o avançado declínio do maciço apoio á Igreja e manter a instituição coesa. Sua ausência intensificará a pressão interna e externa sobre esta antiga, esclerosada e reacionária instituição. A absurda duração que a mídia está usando na cobertura da morte de João Paulo II a fim de promover a Igreja é em si a expressão contraditória da crise desta instituição e da ordem burguesa que ela defende.

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