Publicado originalmente em inglês no wsws.org em 6
de novembro de 2008
Barack Obama venceu a eleição presidencial dos
EUA na terça-feira, cavalgando uma onda de oposição
popular à administração Bush e ao Partido
Republicano. Dezenas de milhões de eleitores fomentaram
um massivo repúdio às políticas da reação
social que dominaram os Estados Unidos por décadas.
A "coalizão Obama," porém, está
carregada de contradições. A maioria daqueles que
votaram em Obama querem o fim da desigualdade social, da erosão
dos direitos democráticos e do militarismo. Ainda assim,
apesar da retórica de Obama sobre unir "Main Street
e Wall Street", os "ricos e os pobres", está
comprometido em defender os interesses dos setores mais poderosos
da elite corporativa americana.
O Partido Democrata já procura abafar as expectativas
populares depositadas na administração vindoura.
O próprio Obama sugeriu isso em seu discurso de vitória
em Chicago, quando disse: "A estrada a frente será
longa... Talvez não cheguemos lá em um ano ou mesmo
um mandato... Existem muitos que não concordarão
com toda decisão ou políticas que eu fizer como
presidente, e sabemos que o governo não pode resolver todos
os problemas".
Dirigentes democratas se alinharam para insistir que seria
errado interpretar as eleições como uma autorização
para fazer mudanças nas políticas. Em vez disso,
eles dizem que a próxima administração terá
de governar a partir do "centro" e confiar em uma aliança
bipartite com os republicanos.
Em artigo de quinta-feira com o título "Escolhas
Difíceis e Desafios Vêm Depois do Triunfo,"
o Washington Post citou vários conselheiros não
nomeados de Obama e disse: "Eles estavam bem cientes dos
perigos de interpretar os resultados como um mandado para um governo
liberal descarado".
Em outras palavras, os democratas precisam rejeitar a vontade
do povo americano que acaba de entregar em suas mãos
o controle da Casa Branca e uma grande maioria no Congresso
e moldar políticas em conjunto com os setores mais direitistas
e pró-empresariais do estamento político, setores
amplamente rejeitados nas votações.
Só precisamos contrastar isso com a insistência
de Bush em achar que tinha uma autorização para
sua agenda direitista mesmo após ter perdido nos votos
populares em 2000 e falhado em obter a maioria dos votos em 2004.
Enquanto colaboradores dos republicanos, os democratas se preparam
para desafiar as expectativas populares de que a próxima
administração provenha alívio à crescente
catástrofe econômica. Como o Post observou, os conselheiros
de Obama "estão prontos para o potencial conflito
com algumas áreas de apoio dos democratas ou com alguns
democratas liberais no Congresso, cuja demanda por ação
pode se chocar com as prioridades de Obama, e estão preparados
para dizer não."
O custo do resgate a Wall Street, operações militares
estendidas e um déficit orçamentário em expansão
irão impedir qualquer aumento nos gastos sociais. Pelo
contrário. Os democratas pretendem fazer a classe trabalhadora
pagar pela crise do capitalismo americano e pela operação
do governo para resgatar a aristocracia financeira.
Leon Panetta, ex-chefe de gabinete da Casa Branca que tem sido
o conselheiro da equipe de transição de Obama, disse
ao New York Times, referindo-se ao novo presidente: "É
melhor você fazer as coisas difíceis logo no início,
porque se você acha que pode adiar as decisões difíceis
e passar pelo cemitério andando de fininho, então
terá muitos problemas", disse Panetta. "Tome
as decisões que envolvem dor e sacrifício logo no
começo".
A escolha feita por Obama de Rahm Emanuel presidente
da Junta Democrata da Casa dos Representantes para a chefia
de gabinete da Casa Branca dá uma indicação
dos tipos sociais reacionários que o presidente está
reunindo em torno da sua administração. Conselheiro
sênior do ex-presidente Bill Clinton, Emanuel foi o campeão
do "law-and-order" [lei e ordem], da "reforma do
bem estar" e outras medidas reacionárias levadas adiante
para dissociar os democratas de reformas feitas no passado.
Depois de deixar a administração Clinton, Emanuel
relatou ter faturado 18 milhões de dólares enquanto
empregado da firma de investimentos globais Dresdner Kleinwort
Wasserstein em Chicago, onde trabalhou de 1999 a 2002.
Quando competiu por uma posição no Congresso
em 2002, Emanuel rompeu com as fileiras da delegação
democrata de Illinois no congresso e foi favorável à
autorização da guerra contra o Iraque, apoiando
explicitamente o presidente Bush. Subindo à quarta mais
alta posição na liderança da Casa Democrata,
Emanuel teve importância central na aprovação
do resgate de 700 bilhões de dólares a Wall Street.
Emanuel tem laços estreitos com Israel e é um
membro-líder do direitista Conselho da Liderança
Democrata, que inclui figuras como os Clintons e o Senador Joseph
Lieberman. Ele espera assumir um papel-chave na escolha dos cargos
de gabinete, incluindo o do Tesouro e dos secretários da
defesa. O anúncio de quem assumirá estes postos
deve ser feito em breve, para reconfortar os mercados e a o estamento
militar.
Entre aqueles considerados para o Tesouro estão Lawrence
Summers, ex-Secretário do Tesouro de Clinton; Timothy Geithner,
presidente do Federal Reserve de Nova Iorque; e Paul Volcker,
ex-presidente do Federal Reserve americano. O último será
sempre identificado com o "Choque Volcker" do início
da década de 80, quando elevou as taxas de juro para 20
por cento, deliberadamente precipitando a destruição
de milhões de empregos industriais e uma aguda redução
nos padrões de vida da classe trabalhadora americana. Volcker
é conhecido por ter elogiado Reagan quando demitiu em massa
os controladores de tráfego aéreo associados ao
sindicato PATCO na greve de 1981. Volcker considerou tal ação
o fator que mais contribuiu para a retomada do controle da inflação.
Com as ocupações militares dos EUA continuando
no Iraque e Afeganistão, a Reuters relatou que Obama considera
manter Robert Gates como secretário de defesa, ou trazer
ao cargo o ex-secretário da marinha Richard Danzig, um
conselheiro próximo. Outros contemplados são o ex-senador
democrata John Kerry, o ex-diplomata Richard Holbrooke, o senador
republicano Chuck Hagel e o ex-senador democrata da Geórgia
Sam Nunn. Todos estiveram envolvidos de uma forma ou de outra
nos crimes do imperialismo americano, dos Bálcãs
ao Haiti até o Oriente Médio e a Ásia Central.
Em seu discurso de terça-feira, Obama reiterou seu compromisso
com a "guerra ao terror" de Bush, que foi usada como
pretexto para assegurar os interesses geopolíticos da classe
dominante americana nas regiões ricas em energia do globo.
Ele emitiu um aviso "àqueles que levariam esse mundo
abaixo nós vamos derrotar vocês".
Obama também repetiu a velha e gasta afirmação
de que as tropas americanas foram enviadas ao Iraque e Afeganistão
para "arriscar suas vidas por nós," isto é,
para proteger a população americana e não
para levar adiante os interesses da classe capitalista americana.
Ele clamou por um "novo espírito de serviço,
um novo espírito de sacrifício" numa
referência a alguma forma de recrutamento militar.
Assim como em relação à política
econômica, a próxima administração
irá inevitavelmente se contradizer com os eleitores que
pensaram que a eleição do presidente democrata traria
um fim para a agressão militar dos anos Bush. Mais uma
vez, os democratas agem no sentido de abafar essas expectativas,
reafirmando sua oposição a uma retirada "precipitada"
do Iraque e a necessidade de escalar a "guerra certa"
no Afeganistão.