Esta é a primeira parte de uma série de três
artigos sobre a crise mundial dos alimentos.
Ao iniciar-se a Cúpula da Organização
das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
(FAO) sobre Segurança Alimentar de 3 a 5 de junho em Roma,
o diretor da FAO, Jacques Diouf, disse sobre a explosão
nos preços dos alimentos: Está afetando todos
os países do mundo. Não só vemos revoltas
e pessoas morrendo, como também um governo derrubado [no
Haiti], e sabemos que muitos países... poderiam entrar
em crise de uma forma ou de outra dependendo do descontentamento
ou insatisfação de sua população.
Com essas palavras, Diouf explicou a crescente preocupação
de governos e elites internacionais com as possíveis implicações
revolucionárias da espiral ascendente dos preços
dos principais alimentos, que já prepara uma crise econômica
e social de dimensões globais. Nos últimos meses,
greves e protestos contra os preços crescentes dos alimentos
ocorreram em várias partes do mundo. Estas lutas iniciais
expuseram a contradição entre a necessidade das
massas por comida a preço acessível e o funcionamento
do mercado capitalista.
Diouf apelou por doações de 30 bilhões
de dólares, para serem investidos na agricultura mundial.
Mesmo que esta soma fosse alocada, ela nem chegaria perto de atingir
as fontes da atual crise, que repousam sobre os processos políticos
de privatização e especulação dos
preços que vêm se desdobrando ao longo das últimas
três décadas e estão ligadas com a globalização
da agricultura capitalista.
Com consumidores cada vez mais incapazes de pagar os preços
do mercado mundial pela comida, os governos nacionais são
forçados a intervir para desviar a fome e a revolta. Enquanto
tais intervenções oferecem, no máximo, resoluções
parciais para problemas locais, só aumentam as dificuldades
em outros lugares. Os Estados exportadores estão limitando
suas vendas externas na tentativa de proteger suas próprias
populações do pior aumento de preços, ao
mesmo tempo em que impõem preços mais altos às
nações importadoras por restrição
dos suprimentos.
Os maiores aumentos dos preços estão nos grãos
básicos. Estes são relativamente não-perecíveis
e, portanto, amplamente comercializados, ocupando um terço
ou mais da ingestão diária de calorias, principalmente
nos países mais pobres. Também são usados
extensivamente em outras partes da cadeia alimentar (por exemplo,
em alimentação de animais e em adoçantes),
afetando, assim, os preços da carne, dos ovos, dos laticínios
e de várias comidas processadas.
Os preços do trigo nos EUA - o maior exportador e um
dos poucos a não impor restrições às
importações - permanecem em níveis historicamente
altos depois do pico extraordinário que atingiram em Fevereiro.
Em 28 de Abril, o Newsweek escreveu sobre a variedade de trigo
hard red spring, comumente usada nos EUA: Por 50 anos foi
comercializado por aproximadamente US$ 2 ou US$ 3 o bushel no
mercado de futuros de Minneapolis, especializado em trigo hard
red spring. Em Setembro, o preço era de US$ 7. Em Fevereiro,
este preço culminou em US$ 24 por um dia, enquanto o mercado
estava em pânico devido à baixa oferta. Não
era claro se haveria o suficiente para completar o ano,
disse Bill Lapp, um economista de agricultura em Omaha. O preço
atual baixou novamente, mas só para US$ 11,24.
Outros principais exportadores também estão cobrando
preços recorde ou pararam de exportar. Os preços
no porto de Rouen, o mais importante para exportação
de trigo da Europa, próximo à Paris, eram de 280
euros por tonelada em abril, sendo que o preço era 100
euros em 2006. A Argentina e o Casaquistão baniram as exportações
de trigo. O Casaquistão citou a necessidade de garantir
a segurança alimentar do país e não permitir
conseqüências negativas ao mercado interno nas condições
de um aumento significativo nos preços do mercado mundial
de grãos e de um desabastecimento de grãos alimentícios
no mundo.
O mercado mundial de arroz foi ainda mais desestabilizado.
Em parte isto se deve ao fato de ser relativamente pequeno (somente
7% da colheita global de 2006-2007 de 420 megatoneladas foi comercializada
internacionalmente, contra 19% das 592 Mt de trigo do mesmo ano)
e, portanto, mais susceptível a choques de oferta.
Além disso, a grande maioria dos principais exportadores
de arroz mundial (Tailândia, Vietnã, Índia,
Paquistão, EUA, China e Egito) é de países
pobres, onde o Estado fixa preços internos baixos pela
colheita. Estes países também impuseram restrições
a exportações, uma vez que os preços mundiais
em ascensão incentivam os produtores de arroz a exportar
grandes quantidades nos mercados internacionais com cotações
mais altas.
A Índia, o Vietnã, a China e o Egito anunciaram
ou a proibição ou restrições às
exportações em abril. A revista Forbes citou
o ministro das indústrias do Vietnã, Thanh Bien,
ao dizer que a medida iria reduzir a quantidade, mas aumentar
o valor e os rendimentos de exportação, ao mesmo
tempo em que garantiria a segurança alimentar e serviria
aos interesses do Estado. Estas proibições
levam a Tailândia à posição de maior
exportadora. O arroz tailandês, referencial da indústria,
ultrapassou US$ 1.000 a tonelada no dia 24 de abril, subindo de
US$ 383 a tonelada em Janeiro.
Os exportadores tailandeses poderiam aumentar ainda mais os
preços se o Iran e a Indonésia, tradicionais importadores
de arroz que até agora esperaram pela queda dos preços,
voltarem a comprar arroz. Eles disseram ao International Herald
Tribune, Se o Iran aumentasse as compras de arroz da
Tailândia, o arroz tailandês atingiria US$ 1.300 a
tonelada. Estes aumentos de preço atingiram principalmente
os países mais pobres da África Subsaariana, o Oriente
Médio e as Américas, que representam cerca de metade
da demanda mundial de importação.
Os preços do milho também explodiram. Os preços
nos EUA (responsável por cerca de 40% da produção
mundial de 700 Mt e 60% do mercado mundial de exportação)
saltaram para US$ 6,61 o bushel no dia 6 de maio, graças
ao medo da oferta devido ao tempo chuvoso durante a época
de plantação e ao rápido aumento da demanda
de plantas para o biocombustível etanol. O bushel custava
US$ 1,90 em 2005.
A China, outro importante produtor e tradicional exportador,
enfrenta uma alta demanda por ração animal assim
como de etanol e xarope de milho. Ela pode acabar tendo que importar
milho até o fim do ano.
Em recente análise do aumento do preço dos alimentos,
Joachim von Braun do Instituto Internacional de Pesquisa em Políticas
Alimentares (IFPRI), calculou a média dos preços
dos grãos desde 2000, medidos pelo volume exportado a partir
de diferentes portos. Ele descobriu que o preço da maioria
dos grãos permaneceu, grosso modo, constante entre janeiro
de 2000 e janeiro de 2004, mas no período subseqüente
até janeiro de 2008 eles aumentaram de aproximadamente
US$ 150 para US$ 400 por tonelada (arroz), de US$ 120 para US$
410 por tonelada (trigo) e de US$ 100 para US$200 por tonelada
(milho).
Ele observa: Em 2007, o índice internacional do
preço dos alimentos subiu aproximadamente 40%, comparado
aos 9% do ano anterior, e nos três primeiros meses de 2008
subiram ainda mais, cerca de 50%.
Os acontecimentos políticos indicam a luta acirrada
por vantagens que ocorre entre as diferentes burguesias nacionais,
nas condições em que a economia mundial foi desestabilizada
pelos preços crescentes do combustível e pela turbulência
financeira decorrente da crise americana das hipotecas.
No dia 8 de maio, o Financial Times noticiou que a China,
a Arábia Saudita e a Líbia estavam discutindo com
países agrícolas da África, América
do Sul e Europa para comprar regiões de terras agricultáveis
nas quais eles poderiam cultivar alimentos para garantir sua segurança
alimentar.
No dia 2 de maio, o primeiro ministro tailandês Samak
Sundaravej propôs que a Tailândia, Vietnã,
Mianmar, Laos e Camboja formassem um cartel de arroz, na linha
dos cartéis da OPEC, para cobrar preços mais altos
pelo arroz em mercados mundiais. O porta-voz do governo tailandês,
Vichienchot Sukchokrat, explicou: Apesar de sermos o centro
mundial de comida, exercemos pouca influência sobre os preços.
Com o preço do petróleo aumentando tanto, importamos
petróleo caro, mas vendemos arroz bem barato, o que é
injusto conosco e afeta nossa balança comercial.
Porém, as críticas internacionais vêm forçando
ultimamente o governo tailandês a abandonar essa idéia,
apesar do apoio do governo do Laos.
O contrabando e a acumulação estão começando
a virar prática nos países produtores, uma vez que
proprietários de grãos tentam exportá-los
e tirar vantagem dos altos preços nos mercados internacionais.
A Forbes publicou um artigo de 1º de maio intitulado
Surge um mercado negro do arroz, descrevendo o potencial
lucrativo de investimento.
E advertia: As maiores oportunidades podem estar na China,
o maior produtor de arroz mundial, onde os preços dos grãos
estão entre os mais baixos do mundo... Relatos de contrabando
de arroz emergiram nesta semana em todas as áreas ao longo
das fronteiras da China, desde a província de Yunnan ao
lado do Vietnã, até o noroeste do Xinjiang, que
faz fronteira com os estados centrais asiáticos do Cazaquistão
e Quirguistão, até chegar a Guangdong, uma próspera
província do sul da China que extrai 60% do seu arroz de
outros lugares do país.
Apesar de ainda não unificados conscientemente, a resposta
da classe operária internacional vem mostrando a escala
mundial e o caráter objetivamente essencial de suas lutas
e reivindicações. Greves e protestos inundam o mundo.
A mídia sul-coreana divulgou um caso raro de protesto
de rua na Coréia do Norte em março de 2008 contra
a redução de 60% da ração distribuída
internamente e a execução de três norte-coreanos
que cruzaram a fronteira ilegalmente para a China em busca de
comida. Na China, há relatos de greves contra donos de
fábricas que estão aumentando o preço da
comida nas lojas da firma. A inflação dos alimentos
alcançou 21% desde o início de 2008, de acordo com
o Bureau Nacional de Estatística da China. Reporta-se que
o preço do arroz está razoavelmente estável
graças a subsídios do Estado, mas os preços
da carne suína, do óleo de cozinha e dos legumes
subiu 55, 34 e 30%, respectivamente, em 2007.
O primeiro de maio foi acompanhado de atos em grande-escala
contra a inflação por trabalhadores ao redor do
sudeste da Ásia. Milhares marcharam ao palácio presidencial
de Manila nas Filipinas, o maior importador de arroz do mundo,
onde os preços dobraram nos últimos meses. Quinze
mil trabalhadores marcharam em Jacarta, na Indonésia, em
meio a aumentos absurdos no arroz, óleo e produtos de soja.
Na Tailândia, 2.000 trabalhadores protestaram do lado de
fora dos edifícios governamentais em Bancoc, declarando
em seus cartazes: Altos preços do arroz, baixos salários
- Como podem viver os trabalhadores?
Na América, mulheres em Lima bateram panelas do lado
de fora do congresso peruano no 1o de maio para exigir mais subsídios
governamentais para restaurantes coletivos para os pobres. No
dia 13 de março, os manifestantes bateram panelas em frente
ao Banco Central de El Salvador para protestar contra os preços
em ascensão, em meio à notícia de que a cesta
básica agora custa $160, sendo que custava $128 em 2004.
O salário mínimo é $162.
Já em Fevereiro de 2007, a Cidade do México presenciou
um ato de 75.000 por causa do preço das tortillas de milho.
No dia 12 de abril, o governo haitiano caiu após 10
dias de protestos massivos contra o aumento de 40% nos alimentos
e contra o fato de o arroz ter dobrado de preço. Estes
protestos transformaram-se em confrontos violentos com as forças
policiais e as tropas de paz da ONU que ocupam o país,
com no mínimo cinco mortos e vários soldados feridos.
No Oriente Médio, os preços crescentes dos alimentos
levaram à explosão de vários conflitos sociais
e políticos que já esquentavam por um longo tempo.
Revoltas agitaram o sul do Yemen no início de abril, com
o governo utilizando tanques contra os manifestantes que reivindicavam
emprego e aumento nos salários em al-Dalea. Os preços
do trigo no país haviam dobrado no último ano e
o arroz e o óleo de cozinha haviam aumentado 20%.
Trabalhadores estrangeiros dos setores de petróleo e
da construção na Arábia Saudita e nos Emirados
Árabes Unidos fizeram greves sem precedentes em março
de 2008 por aumento nos salários, em meio aos preços
crescentes do aluguel e dos alimentos. Mais do que 600 destes
trabalhadores foram presos e deportados dos Emirados Árabes
no início de abril.
A erupção da luta entre as facções
sectárias no Líbano no início de maio seguiu-se
e foi influenciada por uma greve geral chamada pelos sindicatos
contra a inflação dos alimentos e outros produtos.
No Egito, o maior importador de trigo, uma greve dos trabalhadores
da indústria têxtil por causa do preço dos
alimentos em Mahalla al-Kobra, em 6 de maio, tornou-se um confronto
com a polícia, que os forçou a retornarem ao trabalho.
A polícia também prendeu ativistas que convocavam
uma greve geral no Cairo, mas, de acordo com a mídia internacional,
várias escolas e universidades estavam vazias. Os trabalhadores
reclamavam de longas filas para obter o pão subsidiado
pelo Estado, uma vez que o pão não-subsidiado custa
de 10 a 12 vezes mais caro. Outros itens essenciais como o arroz
e o óleo de cozinha dobraram de preço.
No sul da Ásia, uma greve geral contra os preços
crescentes dos alimentos atingiu a metrópole indiana de
Calcutá no dia 21 de abril. No dia 12 de abril, 10.000
trabalhadores têxteis se revoltaram contra os altos preços
da comida em Fatullah, perto de Dhaka em Bangladesh, um importante
importador de arroz. No Afeganistão, trabalhadores bloquearam
a principal estrada de Jalalabad-Kabul para exigir preços
mais baixos dos alimentos no dia 22 de abril.
Na Europa, os crescentes preços dos alimentos essenciais
como o macarrão, o pão e os laticínios fomentaram
greves neste ano, incluindo o setor da saúde escandinavo
e a indústria do varejo francesa. Um ato de 1º de
maio na cidade russa de Chelyabinsk atraiu 14.000 trabalhadores,
que entoaram os salários devem aumentar acima dos
preços.
Na África subsaariana, os protestos já atingiram
o Moçambique, Senegal e a Costa do Marfim nos últimos
meses. Os sindicatos da Nigéria e África do Sul
fizeram greve em maio contra o aumento dos preços dos alimentos
e da eletricidade. Os protestos mais noticiados deste ano foram
os atos de fevereiro no Camarões e na Burkina Faso, que
deixaram 40 e 5 mortos, respectivamente, após confrontos
com as forças de segurança do Estado.