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A crise mundial dos alimentos e o mercado capitalista

Parte Um

Por Alex Lantier
26 de junho de 2008

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Esta é a primeira parte de uma série de três artigos sobre a crise mundial dos alimentos.

Ao iniciar-se a Cúpula da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) sobre Segurança Alimentar de 3 a 5 de junho em Roma, o diretor da FAO, Jacques Diouf, disse sobre a explosão nos preços dos alimentos: “Está afetando todos os países do mundo. Não só vemos revoltas e pessoas morrendo, como também um governo derrubado [no Haiti], e sabemos que muitos países... poderiam entrar em crise de uma forma ou de outra dependendo do descontentamento ou insatisfação de sua população.”

Com essas palavras, Diouf explicou a crescente preocupação de governos e elites internacionais com as possíveis implicações revolucionárias da espiral ascendente dos preços dos principais alimentos, que já prepara uma crise econômica e social de dimensões globais. Nos últimos meses, greves e protestos contra os preços crescentes dos alimentos ocorreram em várias partes do mundo. Estas lutas iniciais expuseram a contradição entre a necessidade das massas por comida a preço acessível e o funcionamento do mercado capitalista.

Diouf apelou por doações de 30 bilhões de dólares, para serem investidos na agricultura mundial. Mesmo que esta soma fosse alocada, ela nem chegaria perto de atingir as fontes da atual crise, que repousam sobre os processos políticos de privatização e especulação dos preços que vêm se desdobrando ao longo das últimas três décadas e estão ligadas com a globalização da agricultura capitalista.

Com consumidores cada vez mais incapazes de pagar os preços do mercado mundial pela comida, os governos nacionais são forçados a intervir para desviar a fome e a revolta. Enquanto tais intervenções oferecem, no máximo, resoluções parciais para problemas locais, só aumentam as dificuldades em outros lugares. Os Estados exportadores estão limitando suas vendas externas na tentativa de proteger suas próprias populações do pior aumento de preços, ao mesmo tempo em que impõem preços mais altos às nações importadoras por restrição dos suprimentos.

Os maiores aumentos dos preços estão nos grãos básicos. Estes são relativamente não-perecíveis e, portanto, amplamente comercializados, ocupando um terço ou mais da ingestão diária de calorias, principalmente nos países mais pobres. Também são usados extensivamente em outras partes da cadeia alimentar (por exemplo, em alimentação de animais e em adoçantes), afetando, assim, os preços da carne, dos ovos, dos laticínios e de várias comidas processadas.

Os preços do trigo nos EUA - o maior exportador e um dos poucos a não impor restrições às importações - permanecem em níveis historicamente altos depois do pico extraordinário que atingiram em Fevereiro. Em 28 de Abril, o Newsweek escreveu sobre a variedade de trigo hard red spring, comumente usada nos EUA: “Por 50 anos foi comercializado por aproximadamente US$ 2 ou US$ 3 o bushel no mercado de futuros de Minneapolis, especializado em trigo hard red spring. Em Setembro, o preço era de US$ 7. Em Fevereiro, este preço culminou em US$ 24 por um dia, enquanto o mercado estava em pânico devido à baixa oferta. ‘Não era claro se haveria o suficiente para completar o ano’, disse Bill Lapp, um economista de agricultura em Omaha. O preço atual baixou novamente, mas só para US$ 11,24.”

Outros principais exportadores também estão cobrando preços recorde ou pararam de exportar. Os preços no porto de Rouen, o mais importante para exportação de trigo da Europa, próximo à Paris, eram de 280 euros por tonelada em abril, sendo que o preço era 100 euros em 2006. A Argentina e o Casaquistão baniram as exportações de trigo. O Casaquistão citou “a necessidade de garantir a segurança alimentar do país e não permitir conseqüências negativas ao mercado interno nas condições de um aumento significativo nos preços do mercado mundial de grãos e de um desabastecimento de grãos alimentícios no mundo.”

O mercado mundial de arroz foi ainda mais desestabilizado. Em parte isto se deve ao fato de ser relativamente pequeno (somente 7% da colheita global de 2006-2007 de 420 megatoneladas foi comercializada internacionalmente, contra 19% das 592 Mt de trigo do mesmo ano) e, portanto, mais susceptível a choques de oferta.

Além disso, a grande maioria dos principais exportadores de arroz mundial (Tailândia, Vietnã, Índia, Paquistão, EUA, China e Egito) é de países pobres, onde o Estado fixa preços internos baixos pela colheita. Estes países também impuseram restrições a exportações, uma vez que os preços mundiais em ascensão incentivam os produtores de arroz a exportar grandes quantidades nos mercados internacionais com cotações mais altas.

A Índia, o Vietnã, a China e o Egito anunciaram ou a proibição ou restrições às exportações em abril. A revista Forbes citou o ministro das indústrias do Vietnã, Thanh Bien, ao dizer que a medida iria “reduzir a quantidade, mas aumentar o valor e os rendimentos de exportação, ao mesmo tempo em que garantiria a segurança alimentar e serviria aos interesses do Estado.” Estas proibições levam a Tailândia à posição de maior exportadora. O arroz tailandês, referencial da indústria, ultrapassou US$ 1.000 a tonelada no dia 24 de abril, subindo de US$ 383 a tonelada em Janeiro.

Os exportadores tailandeses poderiam aumentar ainda mais os preços se o Iran e a Indonésia, tradicionais importadores de arroz que até agora esperaram pela queda dos preços, voltarem a comprar arroz. Eles disseram ao International Herald Tribune, “Se o Iran aumentasse as compras de arroz da Tailândia, o arroz tailandês atingiria US$ 1.300 a tonelada.” Estes aumentos de preço atingiram principalmente os países mais pobres da África Subsaariana, o Oriente Médio e as Américas, que representam cerca de metade da demanda mundial de importação.

Os preços do milho também explodiram. Os preços nos EUA (responsável por cerca de 40% da produção mundial de 700 Mt e 60% do mercado mundial de exportação) saltaram para US$ 6,61 o bushel no dia 6 de maio, graças ao medo da oferta devido ao tempo chuvoso durante a época de plantação e ao rápido aumento da demanda de plantas para o biocombustível etanol. O bushel custava US$ 1,90 em 2005.

A China, outro importante produtor e tradicional exportador, enfrenta uma alta demanda por ração animal assim como de etanol e xarope de milho. Ela pode acabar tendo que importar milho até o fim do ano.

Em recente análise do aumento do preço dos alimentos, Joachim von Braun do Instituto Internacional de Pesquisa em Políticas Alimentares (IFPRI), calculou a média dos preços dos grãos desde 2000, medidos pelo volume exportado a partir de diferentes portos. Ele descobriu que o preço da maioria dos grãos permaneceu, grosso modo, constante entre janeiro de 2000 e janeiro de 2004, mas no período subseqüente até janeiro de 2008 eles aumentaram de aproximadamente US$ 150 para US$ 400 por tonelada (arroz), de US$ 120 para US$ 410 por tonelada (trigo) e de US$ 100 para US$200 por tonelada (milho).

Ele observa: “Em 2007, o índice internacional do preço dos alimentos subiu aproximadamente 40%, comparado aos 9% do ano anterior, e nos três primeiros meses de 2008 subiram ainda mais, cerca de 50%.

Os acontecimentos políticos indicam a luta acirrada por vantagens que ocorre entre as diferentes burguesias nacionais, nas condições em que a economia mundial foi desestabilizada pelos preços crescentes do combustível e pela turbulência financeira decorrente da crise americana das hipotecas.

No dia 8 de maio, o Financial Times noticiou que a China, a Arábia Saudita e a Líbia estavam discutindo com países agrícolas da África, América do Sul e Europa para comprar regiões de terras agricultáveis nas quais eles poderiam cultivar alimentos para garantir sua “segurança alimentar”.

No dia 2 de maio, o primeiro ministro tailandês Samak Sundaravej propôs que a Tailândia, Vietnã, Mianmar, Laos e Camboja formassem um cartel de arroz, na linha dos cartéis da OPEC, para cobrar preços mais altos pelo arroz em mercados mundiais. O porta-voz do governo tailandês, Vichienchot Sukchokrat, explicou: “Apesar de sermos o centro mundial de comida, exercemos pouca influência sobre os preços. Com o preço do petróleo aumentando tanto, importamos petróleo caro, mas vendemos arroz bem barato, o que é injusto conosco e afeta nossa balança comercial.” Porém, as críticas internacionais vêm forçando ultimamente o governo tailandês a abandonar essa idéia, apesar do apoio do governo do Laos.

O contrabando e a acumulação estão começando a virar prática nos países produtores, uma vez que proprietários de grãos tentam exportá-los e tirar vantagem dos altos preços nos mercados internacionais. A Forbes publicou um artigo de 1º de maio intitulado “Surge um mercado negro do arroz”, descrevendo o potencial lucrativo de investimento.

E advertia: “As maiores oportunidades podem estar na China, o maior produtor de arroz mundial, onde os preços dos grãos estão entre os mais baixos do mundo... Relatos de contrabando de arroz emergiram nesta semana em todas as áreas ao longo das fronteiras da China, desde a província de Yunnan ao lado do Vietnã, até o noroeste do Xinjiang, que faz fronteira com os estados centrais asiáticos do Cazaquistão e Quirguistão, até chegar a Guangdong, uma próspera província do sul da China que extrai 60% do seu arroz de outros lugares do país.”

Apesar de ainda não unificados conscientemente, a resposta da classe operária internacional vem mostrando a escala mundial e o caráter objetivamente essencial de suas lutas e reivindicações. Greves e protestos inundam o mundo.

A mídia sul-coreana divulgou um caso raro de protesto de rua na Coréia do Norte em março de 2008 contra a redução de 60% da ração distribuída internamente e a execução de três norte-coreanos que cruzaram a fronteira ilegalmente para a China em busca de comida. Na China, há relatos de greves contra donos de fábricas que estão aumentando o preço da comida nas lojas da firma. A inflação dos alimentos alcançou 21% desde o início de 2008, de acordo com o Bureau Nacional de Estatística da China. Reporta-se que o preço do arroz está razoavelmente estável graças a subsídios do Estado, mas os preços da carne suína, do óleo de cozinha e dos legumes subiu 55, 34 e 30%, respectivamente, em 2007.

O primeiro de maio foi acompanhado de atos em grande-escala contra a inflação por trabalhadores ao redor do sudeste da Ásia. Milhares marcharam ao palácio presidencial de Manila nas Filipinas, o maior importador de arroz do mundo, onde os preços dobraram nos últimos meses. Quinze mil trabalhadores marcharam em Jacarta, na Indonésia, em meio a aumentos absurdos no arroz, óleo e produtos de soja. Na Tailândia, 2.000 trabalhadores protestaram do lado de fora dos edifícios governamentais em Bancoc, declarando em seus cartazes: “Altos preços do arroz, baixos salários - Como podem viver os trabalhadores?”

Na América, mulheres em Lima bateram panelas do lado de fora do congresso peruano no 1o de maio para exigir mais subsídios governamentais para restaurantes coletivos para os pobres. No dia 13 de março, os manifestantes bateram panelas em frente ao Banco Central de El Salvador para protestar contra os preços em ascensão, em meio à notícia de que a cesta básica agora custa $160, sendo que custava $128 em 2004. O salário mínimo é $162.

Já em Fevereiro de 2007, a Cidade do México presenciou um ato de 75.000 por causa do preço das tortillas de milho.

No dia 12 de abril, o governo haitiano caiu após 10 dias de protestos massivos contra o aumento de 40% nos alimentos e contra o fato de o arroz ter dobrado de preço. Estes protestos transformaram-se em confrontos violentos com as forças policiais e as “tropas de paz” da ONU que ocupam o país, com no mínimo cinco mortos e vários soldados feridos.

No Oriente Médio, os preços crescentes dos alimentos levaram à explosão de vários conflitos sociais e políticos que já esquentavam por um longo tempo. Revoltas agitaram o sul do Yemen no início de abril, com o governo utilizando tanques contra os manifestantes que reivindicavam emprego e aumento nos salários em al-Dalea. Os preços do trigo no país haviam dobrado no último ano e o arroz e o óleo de cozinha haviam aumentado 20%.

Trabalhadores estrangeiros dos setores de petróleo e da construção na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes Unidos fizeram greves sem precedentes em março de 2008 por aumento nos salários, em meio aos preços crescentes do aluguel e dos alimentos. Mais do que 600 destes trabalhadores foram presos e deportados dos Emirados Árabes no início de abril.

A erupção da luta entre as facções sectárias no Líbano no início de maio seguiu-se e foi influenciada por uma greve geral chamada pelos sindicatos contra a inflação dos alimentos e outros produtos.

No Egito, o maior importador de trigo, uma greve dos trabalhadores da indústria têxtil por causa do preço dos alimentos em Mahalla al-Kobra, em 6 de maio, tornou-se um confronto com a polícia, que os forçou a retornarem ao trabalho. A polícia também prendeu ativistas que convocavam uma greve geral no Cairo, mas, de acordo com a mídia internacional, várias escolas e universidades estavam vazias. Os trabalhadores reclamavam de longas filas para obter o pão subsidiado pelo Estado, uma vez que o pão não-subsidiado custa de 10 a 12 vezes mais caro. Outros itens essenciais como o arroz e o óleo de cozinha dobraram de preço.

No sul da Ásia, uma greve geral contra os preços crescentes dos alimentos atingiu a metrópole indiana de Calcutá no dia 21 de abril. No dia 12 de abril, 10.000 trabalhadores têxteis se revoltaram contra os altos preços da comida em Fatullah, perto de Dhaka em Bangladesh, um importante importador de arroz. No Afeganistão, trabalhadores bloquearam a principal estrada de Jalalabad-Kabul para exigir preços mais baixos dos alimentos no dia 22 de abril.

Na Europa, os crescentes preços dos alimentos essenciais como o macarrão, o pão e os laticínios fomentaram greves neste ano, incluindo o setor da saúde escandinavo e a indústria do varejo francesa. Um ato de 1º de maio na cidade russa de Chelyabinsk atraiu 14.000 trabalhadores, que entoaram “os salários devem aumentar acima dos preços.”

Na África subsaariana, os protestos já atingiram o Moçambique, Senegal e a Costa do Marfim nos últimos meses. Os sindicatos da Nigéria e África do Sul fizeram greve em maio contra o aumento dos preços dos alimentos e da eletricidade. Os protestos mais noticiados deste ano foram os atos de fevereiro no Camarões e na Burkina Faso, que deixaram 40 e 5 mortos, respectivamente, após confrontos com as forças de segurança do Estado.

Continua