Esta é a terceira parte de uma série de artigos
que tratam dos acontecimentos de Maio/Junho de 1968 na França.
A parte 1, publicada originalmente
no dia 28 de maio no WSWS, trata do desenvolvimento da revolta
estudantil e da greve geral até seu ponto culminante, no
fim de Maio. A parte 2,
publicada no WSWS no dia 29 de Maio, demonstra como o Partido
Comunista (PCF) e a central sindical que controlada por ele, a
CGT, permitiram que o presidente Charles de Gaulle retomasse o
poder. As partes 3 e 4 tratam do papel protagonizado pelos Pablistas;
a parte final tratará da Organização Comunista
Internacionalista (OCI) de Pierre Lambert.
O presidente de Gaulle e sua Quinta República deveram
sua sobrevivência política em Maio de 1968 ao stalinista
Partido Comunista Francês (PCF) e seu braço sindical
a Confederação Geral do Trabalho (CGT). Entretanto,
a influência do PCF diminuiu visivelmente entre 1945 e 1968.
A fim de sufocar a greve geral, os stalinistas contaram com o
apoio de outras forças políticas que atingiam
uma camada mais radicalizada, mas, ao mesmo tempo, asseguravam
seu domínio político sobre o movimento de massas.
A esse respeito, um papel importante foi protagonizado pelo
Secretariado Unificado pablista, dirigido por Ernest Mandel, com
seus apoiadores franceses: a Juventude Comunista Revolucionária
(JCR), dirigida por Alain Krivine, e o Partido Comunista Internacionalista
(PCI), encabeçado por Pierre Frank. Eles evitaram que a
radicalização da juventude se desenvolvesse até
uma alternativa revolucionária séria e, assim, ajudaram
os stalinistas a manterem a greve geral sob controle.
No final da Segunda Guerra Mundial, o PCF adquiriu uma autoridade
política considerável, devido à vitória
do Exército Vermelho Soviético sobre a Alemanha
nazista e o papel do próprio Partido Francês no movimento
antifascista da Résistance. A burguesia francesa,
na forma do regime de Vichy, desacreditou a si própria
por meio de colaborações com os nazistas. Havia,
também, um poderoso anseio na classe trabalhadora por uma
sociedade socialista, que extendeu-se para os membros do PCF.
Entretanto, o líder do PCF naquele tempo, Maurice Thorez,
usou toda sua autoridade política para restabelecer o domínio
burguês. Thorez participou pessoalmente do primeiro governo
pós-guerra estabelecido por de Gaulle e foi essencial para
assegurar o desarmamento da Résistance.
O apoio ao PCF diminuiu gradualmente, devido ao seu papel na
reestabilização da sociedade burguesa do pós-guerra.
O partido concedeu seu apoio às guerras coloniais contra
o Vietnã e a Argélia e foi ainda mais desacreditado
com as revelações dos crimes de Stalin, em 1956,
no discurso feito por Nikita Khrushchev. Discurso seguido pela
repressão sangrenta das tropas stalinistas às revoltas
populares na Hungria e Polônia. Ao mesmo tempo em que o
PCF, em 1968, era o maior partido, com membros da classe trabalhadora,
ele teve uma larga perda de sua autoridade entre os estudantes
e a juventude.
Particularmente, a União dos Estudantes Comunistas (Union
des Étudiants Communistes, UEC) estava em crise profunda.
De 1963 em diante, várias frações emergiram
na UEC a Italiana (apoiadores de Gramsci e
do Partido Comunista Italiano), a Marxista-Leninista
(apoiadores de Mao Tsé-Tung) e a Trotskista
que foram, então, expulsas, e estabeleceram suas
próprias organizações. Foi esse o período
do surgimento da chamada extrema esquerda, cujo aparecimento
no cenário político marcou o início
da ruptura de uma parte dos militantes ativos da juventude com
o PCF, de acordo com a historiadora Michelle Zancarini-Fournel,
em seu livro sobre o movimento de 1968. [1]
A autoridade da CGT também estava sob uma pressão
crescente em 1968. Sindicatos rivais como a Force Ouvrière
e a CFDT (Confédération Française Démocratique
du Travail), naquele tempo sob a influência de um partido
de esquerdista-reformista, o Partido Socialista Unificado (PSU)
fortaleceram seus militantes e desafiaram
a CGT. A CFDT, particularmente, recebia o apoio do setor de serviços
e do funcionalismo público.
Sob essas circunstâncias, os pablistas, organizados no
Secretariado Unificado, protagonizaram um papel muito importante,
defendendo a autoridade dos stalinistas e preparando a liquidação
da possível greve geral.
As origens do Pablismo
O Secretariado Unificado pablista surgiu no início dos
anos 50, como resultado de um ataque político ao programa
da Quarta Internacional. O secretário da Internacional,
Michel Pablo, rejeitou todas análises do stalinismo que
formaram a base para a fundação da Quarta Internacional
por Leon Trotsky em 1938.
Analisando a derrota do proletariado alemão em 1933,
Trotsky concluiu que a dimensão da degeneração
stalinista da Internacional Comunista (III Internacional) tornava
insustentável qualquer política baseada na reforma
da Internacional. Desde a traição política
do Partido Comunista Alemão, que possibilitou a ascensão
de Hitler ao poder, e a subseqüente recusa da Internacional
Comunista a tirar qualquer lição do desastre alemão,
Trotsky concluiu que os partidos Comunistas tinham passado, definitivamente,
para o lado da burguesia. Ele insistiu que o futuro da luta revolucionária
dependia da construção de uma nova direção
proletária. Assim ele escreveu no programa de fundação
da Quarta Internacional: A crise da direção
do proletariado, que se transformou na crise da civilização
humana, só pode ser resolvida pela Quarta Internacional.
Pablo rejeitou essa concepção. Ele concluiu,
a partir do aparecimento de novos estados operários deformados
na Europa Ocidental, que o Stalinismo poderia representar um papel
historicamente progressista no futuro. Tal perspectiva levou à
liquidação da Quarta Internacional. Segundo Pablo,
não havia razão para construir seções
da Quarta Internacional independentemente das organizações
stalinistas de massa. Ao invés disso, a tarefa dos trotskistas
se reduzia ao entrismo nos partidos stalinistas existentes e ao
apoio aos supostos elementos esquerdistas dentro de suas direções.
Pablo acabou rejeitando toda a concepção marxista
a respeito do partido proletário, que consiste na necessidade
de uma vanguarda consciente política e teoricamente. Para
Pablo, o papel da direção poderia ser representado
por forças não-marxistas e não-proletárias,
como sindicalistas, reformistas de esquerda, nacionalistas pequeno-burgueses
e movimentos de libertação nacional em países
coloniais ou semi-coloniais, que poderiam ser levados à
esquerda sob a pressão das forças objetivas. Pablo,
pessoalmente, colocou-se a serviço da Frente de Liberação
Nacional da Argélia, a FLN (Front de Libération
Nationale), e, após sua vitória, participou do governo
da Argélia por um período de três anos.
O ataque de Pablo cindiu a Quarta Internacional. A maioria
da seção francesa rejeitou suas revisões
e foi burocraticamente expulsa pela minoria dirigida por Pierre
Frank. Em 1953, o Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP),
dos EUA, respondeu às revisões pablistas com uma
crítica devastadora e emitiu uma Carta Aberta, chamando
a unificação internacional de todos os trotskistas
ortodoxosn. Isso criou a base para surgimento do Comitê
Internacional da Quarta Internacional (ICFI), que incluía
a maioria francesa.
Entretanto, o SWP não manteve sua oposição
ao pablismo por muito tempo. No transcorrer dos dez anos seguinte,
o SWP deixou de lado suas diferenças com os pablistas e
se uniu a eles para formar o Secretariado Unificado (SU), em 1963.
Nesse meio tempo, a liderança do SU foi mantida por Ernest
Mandel. Pablo cumpriu um papel cada vez mais secundário
e deixou o Secretariado Unificado logo depois. A base para a unificação
em 1963 foi, sem dúvida, o apoio a Fidel Castro e seu movimento
nacionalista e pequeno-burguês, o Movimento 26 de
Julho. Segundo o Secretariado Unificado, a tomada do poder
por Castro em Cuba a transformou em um Estado Operário,
com Castro, Ernesto Che Guevara e outros líderes
cubanos protagonizando o papel de marxistas por natureza.
Essa perspectiva serviu não apenas para desarmar a classe
trabalhadora cubana que nunca teve seus próprios
organismos de poder ela também desarmou a classe
trabalhadora internacional, ao dar apoio indiscriminado ao stalinismo
e às organizações nacionalistas pequeno-burguesas,
que, assim, aumentaram sua influência sobre as massas. Dessa
forma, portanto, o Pablismo emergiu como uma agência secundária
do imperialismo cujo papel tornou-se cada vez mais importante,
nas condições onde os mais velhos aparelhos burocráticos
foram sendo desacreditados aos olhos da classe trabalhadora e
da juventude.
Isso foi confirmado no Sri Lanka apenas um ano depois da unificação
entre o SWP e os pablistas. Em 1964, um partido trotskista com
influência de massas, o Partido Lanka Sama Samaja (LSSP),
formou um governo burguês de coalizão com um partido
nacionalista, o Partido da Liberdade do Sri Lanka. O preço
pago pelo LSSP por entrar no governo foi abandonar a minoria tâmil
do país em favor do chauvinismo de dos sinhala (cingaleses).
O país continua a sofrer as conseqüências dessa
traição, que reforçou a discriminação
da minoria tâmil e conduziu à sangrenta guerra civil
que o atormenta há três décadas.
Os pablistas também protagonizaram um papel crucial
na França, ajudando a manutenção do estado
burguês em 1968. Quando alguém checa seu papel em
eventos-chave, duas coisas ficam evidentes: sua postura apologética
em relação ao Stalinismo e suas adaptações
indiscriminadas às teorias anti-marxistas da Nova
Esquerda (New Left), que predominaram no meio
estudantil.
Alain Krivine e a JCR
A Quarta Internacional teve influência considerável
na França no fim da Segunda Guerra Mundial. Em 1944, o
movimento trotskista francês, que se fragmentou durante
a guerra, reuniu-se para formar o Partido Comunista Internacionalista
(Parti Communiste Internationaliste, PCI). Dois anos depois, o
PCI tinha aproximadamente 1.000 membros e alcançou 11 candidatos
nas eleições parlamentares, que receberam cerca
de 2 e 5% dos votos. O jornal da organização, La
Vérité, era vendido nas bancas e desfrutava
de um grupo amplo de leitores. Sua influência estendeu-se
a outras organizações; todas as lideranças
da organização socialista da juventude, com o total
de 20.000 membros, apoiavam os trotskistas. Membros do PCI cumpriram
uma importante função no movimento de greve que
abalou o país e forçou o PCF a deixar o governo
em 1947.
Nos anos seguintes, no entanto, a orientação
revolucionária do PCI sofreu repetidos ataques de elementos
de suas próprias fileiras. Em 1947, a social-democrata
SFIO (Seção Francesa da Internacional Operária
Section Française de lInternationale Ouvrière)
passou abertamente para a direita, dissolveu sua organização
da juventude e expulsou seu líder trotskista. A ala direita
do PCI, liderada por Yvan Craipeau, secretário do partido
na época, respondeu com o abandono de qualquer perspectiva
revolucionária. Um ano depois, essa mesma ala foi expulsa
por defender a dissolução do PCI em um movimento
amplo de esquerda, liderado pelo filósofo francês
Jean-Paul Sartre (Aliança Democrática Revolucionária
Rassemblement Démocratique Révolutionnaire,
RDR). Muitas das figuras da direção da ala expulsa,
incluindo o próprio Craipeau, ressurgiram mais tarde no
PSU.
No mesmo ano, 1948, outro grupo Socialismo ou Barbárie
(Socialisme ou barbarie), encabeçado por Cornelius Castoriadis
e Claude Lefort deixa o PCI. Esse grupo, diante do início
da Guerra Fria, rejeitou as análises de Trotsky sobre a
União Soviética enquanto um Estado Operário
degenerado, argumentando que o regime stalinista representava
uma nova classe dentro de um sistema de capitalismo burocrático.
Baseado nesse ponto de vista, o grupo desenvolveu inúmeras
posições hostis em relação ao marxismo.
Os textos do Socialisme ou barbarie tinham influência
considerável no movimento estudantil. Um de seus membros,
Jean François Lyotard, mais tarde desempenhou um papel
fundamental no desenvolvimento de ideologias associadas ao pós-modernismo.
O maior golpe no movimento trotskista francês, entretanto,
foi dado pelo pablismo. O PCI foi enfraquecido, organizativa e
politicamente, pela política liquidacionista de Michel
Pablo, bem como pela subseqüente expulsão da maioria
da seção pela minoria pablista. A maioria do PCI,
dirigida por Pierre Lambert, será abordada na parte final
dessa série de artigos. A minoria pablista, dirigida por
Pierre Frank, centrou-se, após o racha, no apoio prático
e logístico ao movimento de libertação nacional
da Argélia, a FLN. Durante a década de 1960, ela
teve uma grande perda de influência dentro das fábricas.
Entretanto, era apoiada em círculos estudantis e desempenhou
uma função importante entre essas camadas em 1968.
Seu membro dirigente, Alain Krivine, foi uma das caras mais conhecidas
na revolta estudantil, lado a lado com o anarquista Daniel Cohn-Bendit
e o maoísta Alain Geismar.
Krivine se juntou à juventude stalinista em 1955, com
14 anos, e, em 1957, fazia parte da delegação oficial
que cuidaria de um festival da juventude em Moscou. Segundo sua
autobiografia, lá ele conheceu membros da FLN argelina
e desenvolveu uma atitude crítica das políticas
do Partido Comunista em relação à Argélia.
Um ano depois, ele começou a colaborar com o PCI pablista
a respeito da questão argelina. Krivine alega que inicialmente
ele desconhecia o fundamento do PCI, o que é bastante improvável,
uma vez que dois de seus irmãos faziam parte da direção
desta organização. De qualquer forma, ele se uniu
ao PCI, o mais tardar em 1961, ao mesmo tempo em que oficialmente
continuava a trabalhar na organização stalinista
estudantil, a UEC.
Krivine ascendeu rapidamente na direção do PCI
e do Secretariado Unificado. Com 24 anos, em 1965, já estava
no topo da liderança do partido, o Bureau Político,
juntamente de Pierre Frank e Michel Lequenne. No mesmo ano, ele
foi nomeado ao comitê executivo do Secretariado Unificado
como substituto de Lequenne.
Em 1966, a seção de Krivine da UEC na Universidade
de Paris (La Sorbonne) foi expulsa pela liderança stalinista
por se recusar a apoiar a aliança ao candidato presidencial
da esquerda, François Mitterrand. Junto a outras seções
rebeldes da UEC, Krivine constrói a JCR (Juventude Comunista
Revolucionária Jeunesse Communiste Révolutionnaire),
que se compunha quase exclusivamente de estudantes e, diferentemente
do PCI, não se demonstrava comprometida com o Trotskismo.
A JCR e o PCI, em abril de 1969, um ano depois de serem dissolvidas
pelo Ministro do Interior, se unem para formar a Liga Comunista
(Ligue Communiste. Esta, a partir de 1974, passa a se chamar Liga
Comunista Revolucionária Ligue Communiste Révolutionnaire,
LCR).
Olhando para o passado, Krivine tenta apresentar a JCR de 1968
como uma organização nova e inocente, caracterizada
pelo grande entusiasmo e pela pouca experiência política:
Nós éramos uma organização de
algumas centenas de membros, onde a média de idade correspondia
à maioridade da época: 21 anos. É importante
salientar que, impulsionados pelas tarefas mais importantes, de
um encontro e de uma manifestação a outra, nós
não tínhamos tempo de considerar todos os aspectos
das coisas. Em vista das nossas modestas forças, nós
nos sentimos em casa nas universidades, greves e nas ruas. A solução
do problema governamental ocorreu em outro nível, onde
tínhamos apenas uma pequena influência. [2]
Na verdade, tais alegações não se sustentam.
Com 27 anos em 1968, Alain Krivine continuava relativamente jovem,
mas já tinha adquirido experiência política
considerável. Ele tinha conhecimento das organizações
stalinistas e, como um membro do Secretariado Unificado, estava
totalmente familiarizado com os conflitos internacionais internos
ao movimento trotskista. Nessa época, ele já havia
deixado a universidade, mas então retornou para liderar
as atividades da JCR.
A atividade política da JCR não era guiada, em
Maio-Junho de 1968, pela inexperiência juvenil, mas, muito
pelo contrário, era guiada pela linha política pablista,
desenvolvida em anos de luta contra o trotskismo ortodoxo. Quinze
anos depois de sua ruptura com a Quarta Internacional, o Secretariado
Unificado não mudou somente sua orientação
política, mas também sua orientação
social. Não era mais um movimento proletário, mas
um movimento pequeno-burguês. Por uma década e meia,
os pablistas pediram favores aos carreiristas dos aparelhos stalinistas
e reformistas, assim como cortejaram vários movimentos
nacionalistas. A orientação social desses movimentos
tornou-se uma segunda natureza dos próprios pablistas.
O que começou como uma revisão teórica do
Marxismo tornou-se uma parte orgânica de sua fisionomia
política isto na medida em que
é permitido transferir, para a esfera da política,
termos da fisiologia.
Marx, ao elaborar as lições da derrota das revoluções
européias de 1848, distinguiu a perspectiva da pequena-burguesia
daquela da classe trabalhadora. Disse ele: Os pequeno-burgueses
democratas, muito longe de pretenderem transformar toda a sociedade
em benefício dos proletários revolucionários,
aspiram a uma alteração das condições
sociais que lhes torne tão suportável e cômoda
quanto possível a sociedade existente.[3]. Essa caracterização
aplicou-se integralmente aos pablistas em 1968. Isso ficou evidente
a partir de suas atitudes acríticas em relação
aos anarquistas e a outros movimentos da pequena-burguesia, movimentos
que combateram de forma intransigente a Marx e Engels. Também
ficou evidente na forma com que eles se prendiam e ainda
se prendem às questões de raça, gênero
e orientação sexual. Como também, ainda,
ficou evidente em seu entusiasmo diante dos líderes dos
movimentos nacionalistas, líderes que desprezam a classe
trabalhadora e como era o caso dos populistas russos, combatidos
por Lênin a orientava em direção à
pequena-burguesia rural.
Mais Guevarista do que Trotskista
Acima de tudo, a JCR de Krivine era caracterizada por seu completo
e acrítico apoio à liderança cubana
caso que esteve no cerne da unificação de 1963.
O autor de uma história da LCR, Jean-Paul Salles, refere-se
à identidade de uma organização que,
antes de Maio de 68, aparentava em muitos aspectos mais guevarista
do que trotskista.
No dia 19 de outubro de 1967, dez dias após o assassinato
de Che Guevara na Bolívia, a JCR, organizou um encontro-comemoração
em sua homenagem na Paris Mutualité. O retrato de
Guevara era difundido nos encontros da JCR. Em sua autobiografia
de 2006, Alain Krivine escreve: Nosso mais importante ponto
de referência em relação às lutas de
libertação nos países do terceiro mundo era,
sem dúvida, a revolução cubana, o que nos
fez sermos chamados de trotskistas-guevaristas...
Particularmente, Che Guevara incorporou em nossos olhos o ideal
do combatente revolucionário.
Com sua glorificação de Che Guevara, a LCR esquivou-se
de problemas urgentes, ligados à construção
da direção da classe trabalhadora. Se há
um único denominador comum a ser encontrado na agitada
vida do revolucionário argentino-cubano, certamente é
sua resoluta hostilidade à independência política
da classe trabalhadora. Em vez disso, ele defendia que uma minoria
armada um foco guerrilheiro operando nas áreas rurais
poderia dirigir uma revolução socialista,
independentemente da classe trabalhadora. Para isso, não
seria necessária uma perspectiva política ou teórica.
A ação e o desejo de um pequeno grupo seriam cruciais.
Era negada, dessa forma, a capacidade da classe trabalhadora e
das massas oprimidas em atingir consciência política
e conduzir sua própria luta pela emancipação.
Em janeiro de 1968, o jornal da JCR, Avant-Garde Jeunesse
(Vanguarda Jovem), propagandiou as concepções
de Guevara da forma como segue: Independentemente das circunstâncias
atuais, os guerrilheiros são convocados a desenvolverem-se,
até que, depois de um período mais longo ou mais
curto, sejam capazes de atrair toda a massa dos explorados para
uma luta frontal contra o regime.
Entretanto, a estratégia de guerrilha defendida por
Guevara na América Latina não poderia ser tão
facilmente transferida para a França. Frank e Krivine,
ao contrário de Mandel, atribuíram o papel de vanguarda
aos estudantes. Eles glorificaram as atividades espontâneas
dos estudantes e suas batalhas de rua com a polícia. As
concepções de Guevara serviram para justificar o
ativismo cego, livre de qualquer orientação política
séria. Para isso, o pablistas adaptaram completamente teorias
anti-marxistas da Nova Esquerda (New Left), que influenciaram
enormemente os estudantes, bloqueando, assim, o caminho para uma
verdadeira orientação marxista.
Raramente era possível distinguir politicamente o trotskista
Alain krivine, o anarquista Daniel Cohn-bendit, o maoísta
Alain Geismar e outros líderes estudantis que se sobressaíram
nos eventos de 1968. Eles apareceram lado a lado nos conflitos
de rua que tomaram o Quartier Latin. Como escreve Jean-Paul Salles:
Durante a segunda semana de maio, membros da JCR, ao lado
de Cohn-Bendit e os anarquistas, estavam na linha de frente e
participaram de todas as manifestações incluindo
a Noites das Barricadas. [6] No dia 9 de maio, a JCR presidiu
um encontro preparado muito antes na Mutualité
que ocorreu no Quartier Latin, cenário dos mais
violentos conflitos de rua no momento. Mais de 3.000 participaram
do encontro, e um dos principais oradores foi Daniel Cohn-Bendit.
No mesmo período, na América Latina, o Secretariado
Unificado apoiou incondicionalmente a estratégia de guerrilha
de Che Guevara. Em seu 9º Congresso Mundial, realizado em
maio de 1969, na Itália, o SU instruiu suas seções
sul-americanas a seguir o exemplo de Che Guevara e unir-se aos
seus apoiadores. Isso significou o abandono da base urbana da
classe trabalhadora em favor da guerrilha armada, com a defesa
de que a luta seria levada para a cidade através da base
rural. Ernest Mandel, Pierre Frank e Alain Krivine estavam entre
a maioria dos delegados do congresso que aprovaram essa estratégia.
Eles a mantiveram resolutamente por nada menos que dez anos, embora
tenha sido fonte de controvérsias dentro do Secretariado
Unificado na medida em que suas conseqüências
catastróficas tornavam-se mais claras. Milhares de jovens
que assumiram essa orientação, e tomaram o caminho
da luta de guerrilha, sacrificaram suas vidas. Ao mesmo tempo,
a ação das guerrilhas seqüestros,
raptos e violentos ataques contra o exército
serviu apenas para desorientar politicamente a classe trabalhadora.
Os estudantes como vanguarda revolucionária
Um longo artigo escrito por Pierre Frank no começo de
junho de 1968 pouco antes da dissolução da
JCR pelo governo evidencia a postura totalmente acrítica
dos pablistas a respeito do papel protagonizadopelosestudantes nos eventos de maio.
A vanguarda revolucionária em maio é atribuída
geralmente à juventude escreveu Frank, e acrescentou:
A vanguarda, que era politicamente heterogênea e onde
somente as minorias eram organizadas, tinha, sobretudo, um alto
nível político. Ela Reconheceu que o objeto do movimento
era a derrubada do capitalismo e o estabelecimento de uma sociedade
socialista em construção. Reconheceu, também,
que as políticas de caminhos passivos e parlamentares
ao socialismo e de coexistência pacífica
eram a traição do socialismo. Rejeitou todo o nacionalismo
pequeno-burguês e expressou seu internacionalismo da forma
mais notável. Tinha uma consciência anti-burocrática
forte e uma feroz determinação da democracia em
suas fileiras. [7]
Frank foi longe o suficiente ao descrever a Sorbonne como a
forma mais desenvolvida de dualidade de poder, bem
como o primeiro território livre da República
Socialista da França. Ele continuou: A ideologia
que inspira a oposição dos estudantes à sociedade
de consumo neo-capitalista, os métodos que usaram em suas
lutas, como também os lugares que ocuparam e ocuparão
na sociedade (que fará, da maioria deles, empregados de
colarinho branco do Estado ou dos capitalistas) deram
a essa luta uma eminência socialista, revolucionária
e um caráter internacionalista. A luta dos estudantes
demonstrou ter um alto nível político, um
senso marxista revolucionário. [8]
Na realidade, nem havia traço de consciência revolucionária
no senso marxista de boa parte dos estudantes. As concepções
políticas que prevaleceram entre os estudantes tinham sua
origem no arsenal teórico da então chamada nova
esquerda (New Left), e foram desenvolvidas durante muitos
anos em oposição ao marxismo.
A historiadora Ingrid Gilcher-Holtev escreve o seguinte sobre
o movimento de 68 francês: Os grupos estudantis que
dirigiam o processo se baseavam expressamente nos mentores intelectuais
da Nova Esquerda ou eram influenciados por seus temas e
suas críticas , particularmente pelos escritos da
Internacional Situacionista, do grupo em torno do
Socialisme ou Barbarie e do Arguments.
Sua dupla estratégias de ação (direta e provocadora),
e sua própria concepção (anti-dogmática,
anti-burocrática, anti-organizativa, anti-autoritária)
inseriram-se no sistema de orientações da nova esquerda.
[9]
Ao invés de caracterizar a classe trabalhadora como
classe revolucionária, a Nova Esquerda viu os trabalhadores
como uma massa atrasada, completamente integrados à sociedade
burguesa via consumo e mídia. Ao invés da exploração
capitalista, a Nova Esquerda dava ênfase ao papel de alienação
em suas análises sociais interpretando-o num restrito
senso psicológico e existencialista. A revolução
seria dirigida não pela classe trabalhadora, mas por uma
vanguarda intelectual e grupos à margem da sociedade. Para
a Nova Esquerda, as forças motrizes não eram as
contradições entre as classes da sociedade capitalista,
mas o pensamente crítico e as atividades de
uma elite esclarecida. O objetivo da revolução não
era a transformação das relações de
propriedade e de poder, mas mudanças sociais e culturais,
assim como as alterações nas relações
sexuais. Segundo representantes da Nova Esquerda, tais mudanças
culturais eram pré-requisito para uma revolução
social.
Dois dos mais conhecidos líderes estudantis na França
e Alemanha, Daniel Cohn-Bendit e Rudi Dutschke, eram ambos influenciados
pela Internacional Situacionista, que propagandeava
a mudança de consciência através de ações
provocativas. Originalmente enquanto um grupo de artistas com
raízes nas tradições do Dadaísmo e
do Surrealismo, os situacionistas enfatizaram a importância
de atividades práticas. Como um recente artigo sobre os
situacionistas colocou: Rompimento ativista, radicalização,
crueldade, valorização e reproduções
humoradas das situações concretas do dia-a-dia,
são os meios para elevar e permanentemente revolucionar
a consciência daqueles que estão na segurança
onipotente do profundo sono que resulta de todo o tédio
difundido [10].
Tais pontos de vistas estão anos-luz distantes do Marxismo.
Eles negam o papel revolucionário da classe trabalhadora,
papel enraizado em suas posições numa sociedade
caracterizada por conflitos de classes insuperáveis. A
força motriz da revolução é a luta
de classes, que está objetivamente posta. Conseqüentemente,
a tarefa dos revolucionários marxistas não é
a de chocar a classe trabalhadora com atividades provocativas,
mas a de elevar sua consciência política, oferecendo
uma direção revolucionária capaz de habilitá-los
a assumirem a responsabilidade pelo seu próprio destino.
Os pablistas não apenas declararam que os grupos anarquistas,
maoístas e pequeno-burgueses que desempenharam um papel
de liderança no Quartier Latin tinham um alto
nível político e um senso marxista revolucionário
(Pierre Frank), eles defenderam seus pontos-de-vista e tomaram
parte em suas atividades aventurosas com entusiasmo.
Os conflitos de rua inspirados pelos anarquistas no Quartier
Latin em nada contribuíram para a educação
política dos trabalhadores e dos estudantes, assim como
nunca foram uma séria ameaça ao Estado francês.
Em 1968, o Estado tinha um moderno aparato policial e um exército
forjado no curso de duas guerras coloniais, e poderia, também,
contar com o apoio da OTAN. Não seria derrubado pelo tipo
de tática revolucionária usada no século
XIX ou seja, a construção de barricadas nas
ruas da capital. Embora as forças de segurança fossem
responsáveis pelos gigantescos níveis de violência
que caracterizavam os conflitos de rua no Quartier Latin,
havia um inegável elemento de infantilidade revolucionária
e romântica no modo como os estudantes montavam ansiosamente
as barricadas e jogavam seu jogo de gato e rato com a polícia.
Continua
Notes:
1. Michelle Zancarini-Fournel, 1962-1968: Le champ des possibles
in 68: Une histoire collective, Paris: 2008
2. Daniel Bensaid, Alain Krivine, Mai si! 1968-1988: Rebelles
et repentis, Montreuil: 1988, p. 39
3. Karl Marx e Friedrich Engels, Mensagem do Comitê
Central à Liga dos Comunistas
4. Jean-Paul Salles, La Ligue communiste révolutionnaire
, Rennes: 2005, p. 49
5. Alain Krivine, Ça te passera avec lâge,
Flammarion: 2006, pp. 93-94
6. Jean-Paul Salles, ibid., p. 52
7. Pierre Frank, Mai 68: première phase de la révolution
socialiste française 8. Pierre Frank, ibid.
9. Ingrid Gilcher-Holtey, Mai 68 in Frankreich in
1968:Vom Ereignis zum Mythos, Frankfurt am Main:
2008, p. 25
10. archplus 183, Zeitschrift für Architektur und Städtebau,
May 2007