Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 17 de maio de 2007.
A greve dos trabalhadores da Deutsche Telekom, que teve
início na semana passada e foi aprovada por 96,5% dos trabalhadores
presentes na Assembléia, é expressão de uma
questão política fundamental.
A direção da companhia decidiu transferir 50.000
trabalhadores para uma empresa terceirizada criada por ela própria,
com o objetivo explícito de impor cortes salariais de 40%
e estender a jornada de trabalho. Essa decisão revela uma
nova ofensiva contra os salários e as condições
de trabalho de todos os trabalhadores e prestadores de serviço
da indústria.
A decisão da direção da Telekom teve o
amplo apoio da Federação das Indústrias Alemãs,
que espera que a administração da Telekom consiga
derrotar a greve, abrindo o caminho para que todas as outras companhias
imponham medidas semelhantes.
Em outras palavras: os grevistas da Telekom representam a ponta
de lança da luta contra os ataques que pretendem impor
o retrocesso a níveis salariais e condições
de vida próprias das antigas gerações.
Ao mesmo tempo, a greve é dirigida não somente
contra a agressiva administração da Telekom, mas
contra a grande coalizão do governo alemão (Partido
Social Democrata SPD, União Democrata Cristã
CDU e União Social Cristã CSU), que
está apoiando a Telekom. Apesar de a companhia ter sido
recentemente privatizada, o governo alemão ainda detém
32% de suas ações. Os representantes do governo
fazem parte do quadro de funcionários da Telekom e estão
utilizando a sua influência para aumentar a pressão,
por meio de ataques sem precedentes aos salários e às
condições e trabalho.
Nós chamamos os trabalhadores a apoiarem essa greve
e torná-la o ponto de partida de uma ampla mobilização
política contra a coalizão do governo.
O sindicato dos trabalhadores da Telekom, o Verdi, não
está preparado para liderar essa luta. Ao invés
disso, os dirigentes do sindicato estão procurando limitar
e isolar a greve, a fim de acabar com ela. Desde o início,
a greve foi organizada pelos 50.000 trabalhadores que estavam
diretamente ameaçados de ser transferidos à nova
empresa, enfrentando enormes perdas salariais. Isso representa
somente um quinto de todos os trabalhadores da maior empresa de
telecomunicações da Europa.
De fato, o Verdi já deixou claro que está preparado
para assumir esse compromisso com a empresa. O sindicato não
se opõe à criação de uma empresa que
pague baixos salários. Reivindica somente medidas
de transição e uma limitada forma de proteção,
apenas para aliviar o grande sofrimento. O sindicato não
tem interesse numa luta principista que se oponha às conseqüências
sociais dos ataques da administração da Telekom.
Ao invés disso, a questão para os burocratas do
Verdi é suavizar o caminho para as propostas da Telekom
e acabar com a resistência dos trabalhadores.
Com poucos dias de greve, já se pode dizer claramente:
se esta greve se mantiver sob o controle dos funcionários
do Verdi, estará condenada à falência.
Todo o apoio que se der à greve deve estar associado
a uma luta contra a política oportunista do sindicato.
Esse ataque da direção da companhia que tem
o apoio do governo exige uma estratégia política
completamente nova. A produção deve ser tirada das
mãos da elite financeira e posta a serviço da sociedade
como um todo.
A greve deve ser o ponto de partida de uma luta para romper
com as velhas organizações de orientação
nacionalista os sindicatos e o SPD e para unir os
trabalhadores em todas as indústrias da Europa e de todo
o mundo, pela reorganização socialista da sociedade.
Isso significa considerar a realidade em sua totalidade, se
opondo à lógica do sistema capitalista.
A maioria social democrata na direção
da Telekom
Os líderes de greve do Verdi estão atualmente
reclamando abertamente da agressividade e irresponsabilidade da
direção da Telekom. O presidente, René Obermann,
apelidado de Doberman, é seu alvo principal.
Não pode haver dúvidas de que Obermann reflete as
características da nova geração de jovens
administradores, cuja arrogância e agressividade estão
ligadas a um fascínio pelo sistema americano de lucros
e recursos ilimitados.
Todavia, há um outro fator que encorajou esse administrador
de 40 anos de idade, de relativa inexperiência, a levantar
esse radical programa de cortes de salários, arruinando
a vida dos trabalhadores que deram décadas de seus serviços
à Telekom. Obermann sabe que ele não deve temer
os dirigentes do Verdi e do conselho de trabalhadores. Ele conhece
bem o jogo duplo que faz o sindicato, e que os seus representantes
na direção da companhia somente votaram contra o
plano de reestruturação porque sabiam que a resolução
seria posta em prática mesmo se eles votassem contra.
Obermann sabe bem que o atual negociador pelo sindicato, Lothar
Schröder (membro da diretoria executiva do sindicato), é
também vice-presidente da diretoria executiva da Telekom.
Ele sabe que Schröder é bem pago para este posto e
que vê os problemas da companhia com a mesma perspectiva
capitalista dos diretores não sindicalizados.
Na verdade, Obermann está trabalhando como uma ferramenta
direta do governo alemão. Todas as decisões estratégicas
importantes relativas à Telekom foram decididas pelo governo,
por meio de negociações com o ministro das finanças,
Peer Steinbrück (SPD), e com o ministro do trabalho, Franz
Müntefering (SPD).
Além de seis sindicalistas e representantes do conselho
de trabalhadores há, na direção da Telekom,
dois altos representantes do SPD. Ingrid Matthäus Maier é
ex-vice-presidente da seção parlamentar (Bundestag)
do SPD. Ela representa a estatal Loan Corporation for Reconstruction
(KfW). O outro proeminente representante do SPD é Thomas
Mirow, subsecretário de estado no departamento de finanças
e braço direito de Steinbrück. Mirow desempenhou um
papel chave na elaboração e implementação
da estratégia de Lisboa, que tem como objetivo aumentar
a competição econômica dentro da União
Européia. Muitas das iniciativas de cortes nos custos trabalhistas
e da reorganização da Telekom se originaram em seu
escritório.
A presença de Matthäus Maier e Mirow significa
que, juntamente com os sindicatos e com os social-democratas,
têm a maioria dos 15 assentos na direção da
Telekom e poderiam, se eles assim desejassem, derrubar a proposta
da administração.
Isso demonstra o completo vazio e a total hipocrisia dos dirigentes
do Verdi na greve. Seus discursos radicais nas reuniões
da greve têm como objetivo somente encobrir os fatos e as
suas próprias políticas oportunistas.
Extorsão com a ameaça de uma
compra estrangeira
Desde o início da greve, Obermann aproveitou toda a
oportunidade para levantar a ameaça de uma compra
hostil por um país estrangeiro caso os trabalhadores
resistissem às reformas planejadas e aos cortes
salariais associados a elas.
Essa ameaça tem o objetivo de possibilitar aos sindicatos
o enfraquecimento mais rápido possível da greve.
Até agora, os burocratas do sindicato têm sempre
argumentado que os cortes nos salários e a degeneração
das condições de trabalho representam um preço
necessário que se deve pagar para manter a produção
dentro do país.
Isso é uma inversão da realidade. A degradação
das condições sociais e dos salários é
o prelúdio de futuros ataques que destruirão as
companhias em nome do aumento dos lucros. A ameaça de Obermann
levada aos trabalhadores por meio dos sindicatos
é o mesmo que defender o suicídio como único
meio de impedir uma morte inesperada. Uma rápida análise
da história da Telekom já deixa claro o quão
absurdo é esse argumento.
Até 1989, os serviços de telecomunicações
na Alemanha eram controlados por uma autoridade federal chamada
Administração Postal Federal, que estava comprometida
com o interesse público. O desmantelamento
da FPA iniciou um ano depois, por meio da sua divisão em
três companhias separadas correios, Telekom e Postbank,
abrindo o caminho para a privatização das três
novas empresas. A Deutsche Telekom AG foi criada em 1995.
No outono de 1996 a companhia abriu ações na bolsa.
Acompanhada por uma agressiva campanha publicitária, a
tão falada ação-T passou a ser considerada
o símbolo da nova cultura de ações
alemãs.
Em 1998, o serviço de telefonia da companhia foi aberto
ao livre mercado. Sob as condições da privatização
e da cruel competição das outras companhias, os
serviços de telecomunicações foram reduzidos
à mera commodity, forçando os fornecedores
a diminuir os seus lucros. Os novos fornecedores das telecomunicações,
trabalhando com sistemas diferentes, como o chamada a chamada,
aumentaram a pressão na Telekom. A companhia tentou superar
os crescentes prejuízos expandindo os seus investimentos
no exterior e assumindo o controle de diversas empresas de telecomunicações
da Europa, que eram originalmente empresas estatais.
Provavelmente a mais importante compra foi a das companhias
de telefonia celular americanas VoiceStream e Powertel,
possibilitando à Telekom emergir como uma jogadora
mundial. A comunidade empresarial apresentou a Telekom como
uma empresa líder, que sintetizava a produtividade alemã
no mundo globalizado. Na realidade, os custos das compras e investimentos
feitos com a expansão internacional levaram a um rápido
crescimento das dívidas da companhia, que já totalizava
67 bilhões em 2001.
Naquela época, a administração da Telekom
respondeu com drásticas medidas de racionalização
e com a redução de pessoal. Entre 1995 e 2005, a
companhia acabou com mais de 100.000 empregos. No outono de 2003,
a Telekom estabeleceu sua própria agência de serviços
de funcionários (a Vivendo) para que assim
reempregasse, pagando impostos mais baixos, aqueles trabalhadores
que não poderiam ser demitidos devido ao seu tempo de trabalho
e às condições legais. Dois anos atrás,
a companhia decidiu executar um plano que previa o corte de 25.000
empregos até 2008.
Ao mesmo tempo, a diretoria executiva anunciou um lucro de
5,6 bilhões em 2005 o maior da história
da empresa. Naquela época, o presidente da empresa, Kai-Uwe
Ricke, prometeu um crescimento de 9% nos lucros até 2007.
Uma extirpadora de bens chamada Blackstone
A fim de assegurar mais um aumento nos lucros,
a Telekom contratou, na primavera do ano passado, os serviços
da companhia de investimentos inglesa Blackstone Group International.
Ao mesmo tempo, o ministro do trabalho, Franz Müntefering,
alertava a respeito dos perigos dos fundos de investimento internacionais
e das pragas que compram as companhias, sugam
o máximo lucro delas e depois as largam (incluindo seus
trabalhadores) no lixo o ministro de finanças alemão,
Steinbrück, interveio para estimular a colaboração
entre a Telekom e a Blackstone.
O governo vendeu parte de suas ações da Telekom,
permitindo à Blackstone adquirir 5% das cotas. Como a propriedade
das ações está dispersa entre pequenos acionistas,
a Blackstone é atualmente o segundo maior acionista, perdendo
apenas para o governo.
A Blackstone Group possui ações em companhias
por todo o mundo, desde indústrias a serviços médicos,
energia e coleta e tratamento de lixo, mídia e entretenimento,
até indústrias alimentícias. Na Alemanha,
comprou a grande associação imobiliária em
Kiel, Wuppertal e Mönchengladbach. É
representada na Alemanha por Roland Berger (consultor administrativo)
e Ron Sommer, que foi na verdade o presidente da Telekom entre
1995 e 2002.
A Blackstone tem apoiado a reestruturação da
Telekom desde que adquiriu as suas ações da companhia,
apoiando a contratação de René Obermann como
o novo presidente da empresa. Seu objetivo é o de acabar
com todos os setores não lucrativos da empresa de origem
estatal e manter somente aqueles que são altamente rentáveis.
As propostas atuais representam apenas o início desse plano.
Uma perspectiva socialista é necessária
O Verdi tem uma responsabilidade considerável na atual
situação enfrentada pelos trabalhadores da Telekom.
O sindicato concordou com todos os cortes e medidas de reestruturação
anteriores. Em 2001, o Verdi concordou com um novo sistema de
salários, rompendo com o sistema original aplicado a servidores
públicos, que inclui o aumento salarial correspondente
ao número de anos trabalhados e pensões adicionais
para familiares e crianças.
O Verdi não fez nada para impedir a divisão da
companhia estatal em terceirizadas. Ao invés disso, fechou
acordos que previam salários rebaixados, que estão
sendo usados agora para pressionar ainda mais os salários.
O Verdi concordou em estabelecer a agência de funcionários
Vivendo, sabendo de seu papel na redução dos salários
e dos direitos dos trabalhadores.
Um rompimento com os sindicatos e conselhos de trabalhadores
é a condição básica para responder
aos ataques realizados pela administração e a grande
coalizão do governo. Os trabalhadores da Telekom devem
desenvolver seu próprio comitê de greve independente
do Verdi. Todas as negociações com a administração
devem ser supervisionadas por representantes do comitê de
greve independente. Acordos e contratos do Verdi ou do conselho
dos trabalhadores feitos pelas costas dos trabalhadores, que não
foram aprovados em reuniões dos trabalhadores grevistas,
devem ser considerados inválidos.
Para aprofundar o conflito, o comitê de greve independente
deve estabelecer relações com os trabalhadores de
outros setores da Telekom, que estejam excluídos da atual
disputa pela direção do Verdi. Essas relações
também devem ser feitas com trabalhadores de companhias
de telecomunicações de outros países europeus
e de todo o mundo.
Nós apoiamos a construção de comitês
de defesa contra as demissões em massa e a degradação
das condições de vida em todas as empresas que forem
necessárias, para transformar a greve dos trabalhadores
da Telekom num amplo movimento político contra a grande
coalizão. A construção destes comitês
de defesa e solidariedade deve estar baseada numa perspectiva
socialista internacionalista, que é resultado do caráter
internacional da produção moderna e dos interesses
comuns dos trabalhadores de todo o mundo. Tal perspectiva exige
uma transformação socialista da sociedade, que coloque
os interesses sociais acima dos interesses das grandes empresas
e dos bancos.
Nós convocamos os trabalhadores da Telekom e todos aqueles
que apóiam essa greve a lutar pela construção
de comitês de defesa entre os trabalhadores de outras companhias.
Estabeleçam contato com o comitê editorial do World
Socialist Web Site (WSWS) e discutam estes artigos com os
seus colegas.