Como fizera o ano passado, no último dia primeiro de
maio, Evo Morales, presidente da Bolívia, anunciou, novamente,
de forma bombástica nos meios de comunicação,
a concretização das nacionalizações
das empresas privadas petrolíferas e petroquímicas
que até então atuavam no país. Estas empresas
haviam sido privatizadas no final dos anos noventa durante a virada
neoliberal latino-americana. Assim, segundo Morales, o povo
boliviano volta agora a ser o verdadeiro proprietário das
riquezas naturais existentes no subsolo de sua pátria.
Porém, o que Evo Morales está promovendo efetivamente
na Bolívia não é a nacionalização
propriamente dita (no sentido clássico da palavra) das
empresas estrangeiras que atuam no país. O que ele está
fazendo, na verdade, é a re-compra de empresas antes
estatais que haviam sido privatizadas no final da década
de 1990.
A farsa das nacionalizações de Morales pode ser
mais facilmente compreendida com o caso exemplar da re-compra
das duas refinarias de propriedade da estatal brasileira Petrobrás
em território boliviano.
Em 1996, após acordos de integração energética
firmados pelos governos brasileiro e boliviano, surge oficialmente
a Petrobrás Bolívia S.A. (PEB), empresa
de capital brasileiro que tem por meta a extração,
refino e distribuição de gás natural boliviano
para o Brasil. Em 1997, inicia-se então a construção
do gasoduto Brasil-Bolívia, com custo total de 8 bilhões
de dólares. O capital para tal empreendimento gigantesco
veio da própria PEB e da estatal boliviana (YPFB).
Em 1999, a Petrobrás adquire as duas maiores refinarias
petrolíferas da Bolívia: Guillermo Elder Bell, de
Santa Cruz de La Sierra, e Gualberto Villarroel, de Cochabamba,
criando uma nova companhia, a Petrobras Bolivia Refinación.
Desde então, a Petrobrás passa a ser a maior empresa
do país. Desta forma, até 2005, a Petrobrás
Bolívia respondia pela participação de 18%
do Produto Interno Bruto (PIB) boliviano e por 24% de todos os
impostos arrecadados no país (Agência O Globo -10/05/07).
A Petrobrás produzia, então, 100% da gasolina
e 60% do óleo diesel consumidos na Bolívia. Assim
sendo, desde 2000, a empresa passou também a atuar na distribuição
de combustíveis dentro da própria Bolívia,
criando então uma enorme rede de postos de abastecimento
de combustíveis com bandeira própria (cerca de ¼
do total de postos de gasolina existentes atualmente no país
vizinho).
No entanto, poucos meses após o início de seu
mandato presidencial, em primeiro de maio de 2006, dia do Trabalho,
Evo Morales ordena a invasão das refinarias da Petrobrás
boliviana pelas tropas de seu exército, como forma de anunciar
simbolicamente ao mundo que a Bolívia estava, a partir
de então, reassumindo o controle da economia do país,
rompendo com mais de uma década de submissão ao
capitalismo selvagem.
Para tornar efetivo tal anuncio nacionalista, o
governo boliviano vinha já há algum tempo negociando
com a estatal brasileira o valor das indenizações
a serem pagas pela re-estatização das duas refinarias
controladas pela Petrobrás na Bolívia. Em 1999,
a Petrobrás havia pago 104 milhões de dólares
pelas duas refinarias e havia investido, de lá para cá,
mais $30 milhões em melhorias. Inicialmente, a Petrobrás
havia pedido $200 milhões por ambas empresas, mas no último
dia 10 de maio o governo brasileiro cedeu em sua oferta e o preço
final da re-compra ficou acertado em 112 milhões de dólares
(cerca de 224 milhões de reais).
A farsa da virada nacionalista anunciada por Morales
fica clara no decreto presidencial do último dia 13/05
onde o governo autoriza a estatal petroleira boliviana YPFB a
formar parcerias com o capital estrangeiro, tanto público
como privado, para exploração de novas reservas
de petróleo e gás natural no subsolo boliviano.
No dia, Morales já havia firmado 44 novos contratos com
empresas petrolíferas. Na ocasião, apesar da retórica
nacionalista, Morales conclamou as empresas estrangeiras a que
investissem no país, pois teriam garantias jurídicas
em favor de novos contratos de parceria.
Desde o ano passado, a YPFB tem firmado acordos com a estatal
petroleira venezuelana PDVSA para exploração de
grandes jazidas na Bolívia em sistema de parceria, através
da Petroandina (com 51% de capital da YPFB e 49% de capital da
PDVSA).
No último dia 10 de maio, a Agência Folha divulgou
que o grupo brasileiro Norberto Odebrecht estaria disposto a investir
1,5 bilhão de dólares na construção
de três instalações petroquímicas na
Bolívia. Segundo a Folha, já há negociações
entre os executivos do grupo e o governo boliviano em torno de
um acordo para a parceria. Através da Braskem - filial
da Odebrecht na Venezuela e uma das maiores empresas petroquímicas
da América Latina - a empresa construiria 3 unidades petroquímicas
na Bolívia: duas de polietileno e uma de etileno, produzindo
então 5 milhões de metros cúbicos diários
de gás.
Após anunciar de forma satisfatória a compra
das empresas pertencentes à Petrobrás, Morales quer
agora comprar também as ações das outras
grandes empresas multinacionais que atuam no país: Shell,
Repsol e British Petroleum (BP). Após concluir tais negociações,
o governo boliviano afirma que passará a ter o controle
total da exploração das riquezas hidrocarboníferas
do subsolo do país, iniciando, assim, uma nova história
patriótica, supostamente devolvendo desta forma a
soberania nacional ao povo boliviano, antes entregue
pelos governos neoliberais ao capital especulativo.
Pensamos, porém, que o que Morales está fazendo
na Bolívia é o mesmo que Hugo Chávez já
vem realizando na Venezuela desde que assumiu a presidência
do país em 1999: utilizar-se da enorme riqueza natural
existente no subsolo boliviano para implantar programas assistencialistas
e obter o máximo apoio popular possível.
A Bolívia é um dos países mais pobres
da América Latina. Segundo o anuário Estatístico/2006
da CEPAL (Comissão Econômica para a América
Latina e o Caribe), a Bolívia tem atualmente mais de 60%
de sua população vivendo abaixo da linha da pobreza
(63,9%) e ou na miséria absoluta (34,7%). Na América
Latina como um todo, os índices de pobreza em 2005 estavam
em cerca de 39,8% da população total e a indigência
estava na casa dos 15,4%. Estes dados comparativos mostram que
a Bolívia tem atualmente os mais altos índices de
pobreza e miséria entre os países da América
do Sul (os dados para a Bolívia são de 2004).
É graças a estes índices altíssimos
de pobreza, indigência e miséria que Evo Morales
construiu sua plataforma eleitoral de campanha à presidência
da República e formou sua base eleitoral vitoriosa em 2005.
É, portanto, a esta mesma base eleitoral miserável
e ressentida que Morales mira quando anuncia bombasticamente a
re-nacionalização das empresas exploradoras do subsolo
e do povo boliviano.
Mas, para isso, era necessário o controle total da máquina
administrativa do Estado nas mãos do executivo. Morales,
assim, da mesma forma que Chávez na Venezuela, eliminou
a oposição parlamentar interna ao conseguir formar
um Parlamento totalmente conforme às necessidades governistas.
Aprovou também uma nova Constituição Federal,
dando maior autonomia de ação a seu governo. Morales
controla também o exército, os sindicatos de mineradores
(os mais fortes do país) e o principal partido popular
boliviano, o MAS (Movimiento al Socialismo), partido este que
tem maioria no Parlamento e lhe possibilitou a ascensão
política em nível nacional ao promover, no início
do milênio, a defesa da produção de cocaína
junto às comunidades indígenas como produto ligado
às tradições religiosas incaicas.
Neste sentido, como podemos perceber, o socialismo
de Evo Morales está ligado diretamente ao fortalecimento
do Estado e à maior exploração das riquezas
naturais do país. Este pseudo-socialismo - que, ao invés
de gerar maior quantidade de empregos à população
local, acaba por implantar no país empresas com alta tecnologia
que pouco utilizam mão de obra não-especializada
- é, na verdade, um grande programa de governo em nome
da burguesia mundial, pois, se, por um lado, com as re-estatizações
o Estado passa a ter o controle acionário sobre as empresas
atuantes no país, por outro lado, o governo dá novas
garantias às empresas multinacionais para investirem ali
sob a proteção da nova Constituição.
Quer dizer, na prática, o que o governo de Morales está
fazendo nada mais é do que renegociar os antigos contratos
sob nova forma de proteção jurídica. O que
o governo boliviano está fazendo é comprar de volta
as empresas antes com capital totalmente privado e reprivatizando
parte dos ativos de cada uma delas, sob a forma que ele chama
de capital misto.
Neste processo de redirecionamento do capital, certamente a
Petrobrás sai perdendo (ainda que os negócios da
estatal brasileira representem apenas ínfimos 0,3% do total
da empresa), bem como outras empresas multinacionais certamente
perderão, como a Shell, a Repsol e a British Petroleum
(BP), mas não perde o capital enquanto categoria, pois,
na prática, o que Morales está fazendo é
uma simples mudança na composição do capital
explorador das riquezas naturais bolivianas, onde o Estado passa
a ser o gerente direto desta nova fase de exploração
capitalista no país.
Saem grupos capitalistas menos amigos (que não queriam
renegociar contratos anteriormente estabelecidos e que lhes eram
altamente vantajosos, como era o caso dos contratos da Petrobrás)
e entram grupos capitalistas mais parceiros do novo
socialismo-moralista, o que nada mais é que
uma cópia da farsa nacionalista do socialismo do
século XXI promovido por Hugo Chávez na Venezuela.
Saem Petrobrás, Shell e consortes e entram Odebrecht, PDVSA
e outros capitais socialistas, amigos do também
bolivarista Evo Morales.
Mas, certamente, não será o povo boliviano como
um todo quem será beneficiado com este pseudo-socialismo
beneficiador do grande capital. Por certo, os altíssimos
índices de pobreza e miséria poderão diminuir
alguns pontos percentuais na Bolívia nos próximos
anos. Mas, sem dúvida, a médio e longo prazo esta
pseudo-política-socialista de Morales enfrentará
seu auto-esgotamento, ou seja, esta política se esgotará
por suas próprias contradições e não
resolverá nenhum dos problemas estruturais da população
boliviana que continuará na miséria e submetida
ao saque do grande capital internacional.