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Evo Morales e a farsa das nacionalizações na Bolívia

Por Jair Antunes
22 de maio de 2007

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Como fizera o ano passado, no último dia primeiro de maio, Evo Morales, presidente da Bolívia, anunciou, novamente, de forma bombástica nos meios de comunicação, a concretização das nacionalizações das empresas privadas petrolíferas e petroquímicas que até então atuavam no país. Estas empresas haviam sido privatizadas no final dos anos noventa durante a “virada neoliberal” latino-americana. Assim, segundo Morales, o povo boliviano volta agora a ser o verdadeiro proprietário das riquezas naturais existentes no subsolo de sua pátria.

Porém, o que Evo Morales está promovendo efetivamente na Bolívia não é a nacionalização propriamente dita (no sentido clássico da palavra) das empresas estrangeiras que atuam no país. O que ele está fazendo, na verdade, é a re-compra de empresas antes estatais que haviam sido privatizadas no final da década de 1990.

A farsa das nacionalizações de Morales pode ser mais facilmente compreendida com o caso exemplar da re-compra das duas refinarias de propriedade da estatal brasileira Petrobrás em território boliviano.

Em 1996, após acordos de integração energética firmados pelos governos brasileiro e boliviano, surge oficialmente a Petrobrás Bolívia S.A. (PEB), empresa de capital brasileiro que tem por meta a extração, refino e distribuição de gás natural boliviano para o Brasil. Em 1997, inicia-se então a construção do gasoduto Brasil-Bolívia, com custo total de 8 bilhões de dólares. O capital para tal empreendimento gigantesco veio da própria PEB e da estatal boliviana (YPFB).

Em 1999, a Petrobrás adquire as duas maiores refinarias petrolíferas da Bolívia: Guillermo Elder Bell, de Santa Cruz de La Sierra, e Gualberto Villarroel, de Cochabamba, criando uma nova companhia, a Petrobras Bolivia Refinación. Desde então, a Petrobrás passa a ser a maior empresa do país. Desta forma, até 2005, a Petrobrás Bolívia respondia pela participação de 18% do Produto Interno Bruto (PIB) boliviano e por 24% de todos os impostos arrecadados no país (Agência O Globo -10/05/07).

A Petrobrás produzia, então, 100% da gasolina e 60% do óleo diesel consumidos na Bolívia. Assim sendo, desde 2000, a empresa passou também a atuar na distribuição de combustíveis dentro da própria Bolívia, criando então uma enorme rede de postos de abastecimento de combustíveis com bandeira própria (cerca de ¼ do total de postos de gasolina existentes atualmente no país vizinho).

No entanto, poucos meses após o início de seu mandato presidencial, em primeiro de maio de 2006, dia do Trabalho, Evo Morales ordena a invasão das refinarias da Petrobrás boliviana pelas tropas de seu exército, como forma de anunciar simbolicamente ao mundo que a Bolívia estava, a partir de então, reassumindo o controle da economia do país, rompendo com mais de uma década de submissão ao “capitalismo selvagem”.

Para tornar efetivo tal anuncio “nacionalista”, o governo boliviano vinha já há algum tempo negociando com a estatal brasileira o valor das indenizações a serem pagas pela re-estatização das duas refinarias controladas pela Petrobrás na Bolívia. Em 1999, a Petrobrás havia pago 104 milhões de dólares pelas duas refinarias e havia investido, de lá para cá, mais $30 milhões em melhorias. Inicialmente, a Petrobrás havia pedido $200 milhões por ambas empresas, mas no último dia 10 de maio o governo brasileiro cedeu em sua oferta e o preço final da re-compra ficou acertado em 112 milhões de dólares (cerca de 224 milhões de reais).

A farsa da “virada nacionalista” anunciada por Morales fica clara no decreto presidencial do último dia 13/05 onde o governo autoriza a estatal petroleira boliviana YPFB a formar parcerias com o capital estrangeiro, tanto público como privado, para exploração de novas reservas de petróleo e gás natural no subsolo boliviano. No dia, Morales já havia firmado 44 novos contratos com empresas petrolíferas. Na ocasião, apesar da retórica nacionalista, Morales conclamou as empresas estrangeiras a que investissem no país, pois teriam garantias jurídicas em favor de novos contratos de parceria.

Desde o ano passado, a YPFB tem firmado acordos com a estatal petroleira venezuelana PDVSA para exploração de grandes jazidas na Bolívia em sistema de parceria, através da Petroandina (com 51% de capital da YPFB e 49% de capital da PDVSA).

No último dia 10 de maio, a Agência Folha divulgou que o grupo brasileiro Norberto Odebrecht estaria disposto a investir 1,5 bilhão de dólares na construção de três instalações petroquímicas na Bolívia. Segundo a Folha, já há negociações entre os executivos do grupo e o governo boliviano em torno de um acordo para a parceria. Através da Braskem - filial da Odebrecht na Venezuela e uma das maiores empresas petroquímicas da América Latina - a empresa construiria 3 unidades petroquímicas na Bolívia: duas de polietileno e uma de etileno, produzindo então 5 milhões de metros cúbicos diários de gás.

Após anunciar de forma satisfatória a compra das empresas pertencentes à Petrobrás, Morales quer agora comprar também as ações das outras grandes empresas multinacionais que atuam no país: Shell, Repsol e British Petroleum (BP). Após concluir tais negociações, o governo boliviano afirma que passará a ter o controle total da exploração das riquezas hidrocarboníferas do subsolo do país, iniciando, assim, uma “nova história patriótica”, supostamente devolvendo desta forma a “soberania nacional” ao povo boliviano, antes entregue pelos governos neoliberais ao capital especulativo.

Pensamos, porém, que o que Morales está fazendo na Bolívia é o mesmo que Hugo Chávez já vem realizando na Venezuela desde que assumiu a presidência do país em 1999: utilizar-se da enorme riqueza natural existente no subsolo boliviano para implantar programas assistencialistas e obter o máximo apoio popular possível.

A Bolívia é um dos países mais pobres da América Latina. Segundo o anuário Estatístico/2006 da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), a Bolívia tem atualmente mais de 60% de sua população vivendo abaixo da linha da pobreza (63,9%) e ou na miséria absoluta (34,7%). Na América Latina como um todo, os índices de pobreza em 2005 estavam em cerca de 39,8% da população total e a indigência estava na casa dos 15,4%. Estes dados comparativos mostram que a Bolívia tem atualmente os mais altos índices de pobreza e miséria entre os países da América do Sul (os dados para a Bolívia são de 2004).

É graças a estes índices altíssimos de pobreza, indigência e miséria que Evo Morales construiu sua plataforma eleitoral de campanha à presidência da República e formou sua base eleitoral vitoriosa em 2005. É, portanto, a esta mesma base eleitoral miserável e ressentida que Morales mira quando anuncia bombasticamente a re-nacionalização das empresas exploradoras do subsolo e do povo boliviano.

Mas, para isso, era necessário o controle total da máquina administrativa do Estado nas mãos do executivo. Morales, assim, da mesma forma que Chávez na Venezuela, eliminou a oposição parlamentar interna ao conseguir formar um Parlamento totalmente conforme às necessidades governistas. Aprovou também uma nova Constituição Federal, dando maior autonomia de ação a seu governo. Morales controla também o exército, os sindicatos de mineradores (os mais fortes do país) e o principal partido popular boliviano, o MAS (Movimiento al Socialismo), partido este que tem maioria no Parlamento e lhe possibilitou a ascensão política em nível nacional ao promover, no início do milênio, a defesa da produção de cocaína junto às comunidades indígenas como produto ligado às tradições religiosas incaicas.

Neste sentido, como podemos perceber, o “socialismo” de Evo Morales está ligado diretamente ao fortalecimento do Estado e à maior exploração das riquezas naturais do país. Este pseudo-socialismo - que, ao invés de gerar maior quantidade de empregos à população local, acaba por implantar no país empresas com alta tecnologia que pouco utilizam mão de obra não-especializada - é, na verdade, um grande programa de governo em nome da burguesia mundial, pois, se, por um lado, com as re-estatizações o Estado passa a ter o controle acionário sobre as empresas atuantes no país, por outro lado, o governo dá novas garantias às empresas multinacionais para investirem ali sob a proteção da nova Constituição.

Quer dizer, na prática, o que o governo de Morales está fazendo nada mais é do que renegociar os antigos contratos sob nova forma de proteção jurídica. O que o governo boliviano está fazendo é comprar de volta as empresas antes com capital totalmente privado e reprivatizando parte dos ativos de cada uma delas, sob a forma que ele chama de “capital misto”.

Neste processo de redirecionamento do capital, certamente a Petrobrás sai perdendo (ainda que os negócios da estatal brasileira representem apenas ínfimos 0,3% do total da empresa), bem como outras empresas multinacionais certamente perderão, como a Shell, a Repsol e a British Petroleum (BP), mas não perde o capital enquanto categoria, pois, na prática, o que Morales está fazendo é uma simples mudança na composição do capital explorador das riquezas naturais bolivianas, onde o Estado passa a ser o gerente direto desta nova fase de exploração capitalista no país.

Saem grupos capitalistas menos amigos (que não queriam renegociar contratos anteriormente estabelecidos e que lhes eram altamente vantajosos, como era o caso dos contratos da Petrobrás) e entram grupos capitalistas “mais parceiros” do novo “socialismo-moralista”, o que nada mais é que uma cópia da farsa nacionalista do “socialismo do século XXI” promovido por Hugo Chávez na Venezuela. Saem Petrobrás, Shell e consortes e entram Odebrecht, PDVSA e outros capitais “socialistas”, amigos do também “bolivarista” Evo Morales.

Mas, certamente, não será o povo boliviano como um todo quem será beneficiado com este pseudo-socialismo beneficiador do grande capital. Por certo, os altíssimos índices de pobreza e miséria poderão diminuir alguns pontos percentuais na Bolívia nos próximos anos. Mas, sem dúvida, a médio e longo prazo esta pseudo-política-socialista de Morales enfrentará seu auto-esgotamento, ou seja, esta política se esgotará por suas próprias contradições e não resolverá nenhum dos problemas estruturais da população boliviana que continuará na miséria e submetida ao saque do grande capital internacional.