Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 27 de fevereiro de 2007.
No dia 14 de fevereiro, a Chrysler anunciou a sua decisão
de fechar a fábrica de Newark, no estado de Delaware -
o que causará a demissão de 700 trabalhadores até
o segundo trimestre deste ano. A previsão é suspender
as operações até 2009. O fechamento é
parte de um plano de reestruturação que ocasionará
a destruição de 11.000 empregos nos EUA e mais 2.000
no Canadá.
A fábrica de Newark, que tem mais de 315.000 metros
quadrados, emprega hoje 2.100 trabalhadores, que perderão
seus empregos assim que a fábrica for desativada. Esta
fábrica produz os veículos de alto padrão
e capacidade: o Dodge Durango e o Chrysler Aspen; veículos
deste tipo, caracterizados como utilitários esportivos,
tem tido uma redução nas vendas nos últimos
anos, pelo fato dos clientes estarem preferindo veículos
movidos a combustíveis alternativos. Recentemente a fábrica
recebeu investimentos de 180 milhões de dólares
e ostenta níveis de produtividade muito acima da média.
Quando ela fechar restará apenas mais uma fábrica
montadora de carros no nordeste dos EUA, região na qual
já houve seis na década de 80.
O impacto econômico do fechamento será significativo.
A fábrica contribui com 6,8 milhões de dólares
para o estado de Delaware por meio da arrecadação
de impostos e paga aproximadamente 136 milhões de dólares
em salários anualmente. De acordo com o Centro de Pesquisa
e Análise de Demografia aplicada da Universidade de Delaware,
a fábrica traz 300 milhões de dólares em
benefícios para o estado, menos do que os 800 milhões
que gerava quando operava com toda a sua capacidade. O fechamento
de uma fábrica desta escala no estado de Delaware trará
conseqüências sem precedentes declarou a um jornal
local William Latham, professor de economia na Universidade de
Delaware.
O que se estima é que com a eliminação
do segundo turno, outros 400 trabalhadores que prestam serviços
através da cadeia de fornecedores serão diretamente
afetados, e que a eliminação do último turno
afetará outras centenas de trabalhadores. Dois dos fornecedores
de peças da fábrica já anunciaram que serão
obrigados a demitir logo após o fechamento da fábrica.
Além dos trabalhadores da montadora e das empresas fornecedoras,
o fechamento afetará centenas de trabalhadores prestadores
de serviços e pequenos empresários que dependem
desse círculo de clientes. James R. Malin, dono da Malins
Market and Deli, disse ao jornal local: eu passei por muitas
tempestades aqui, mas esta será a maior de todas.
No começo dos anos de 1990, a Deli ganhou centenas de dólares
entregando comida aos diaristas da fábrica.
Michael Adams, um trabalhador da planta vizinha da Lear, fornecedora
de peças, disse ao WSWS (World Socialist Web Site):
a planta da Lear em Newark produz acentos para os Durangos
montados na Chrysler. Nós provavelmente teremos muitas
demissões quando a produção for reduzida
nesse ano, e ainda mais demissões quando a fábrica
fechar. Isso afetará os negócios dos prestadores
de serviços que se estabeleceram nas redondezas.
Igualmente devastadora será a perda da assistência
médica e de outros benefícios conquistados pelos
trabalhadores metalúrgicos durante décadas por meio
das greves. Um médico assistente da unidade de emergência
de um centro médico vizinho disse ao nosso repórter:
quando as pessoas não têm plano de saúde,
elas evitam procurar ajuda médica e esperam até
o último minuto para tratar problemas de saúde urgentes.
Na maioria das vezes elas simplesmente não vão ao
médico e esperam que os problemas se resolvam por si mesmos.
Nos consultórios nós atendemos pessoas sem plano
de saúde entrando em crise pelos corredores, porque elas
adiaram o tratamento por muito tempo.
Quando atuava na capacidade máxima, a fábrica
de Newark empregou mais de 5.000 pessoas e atingiu o segundo lugar
no ranking das maiores empregadoras do estado, perdendo apenas
para a companhia química DuPont. A fábrica começou
a funcionar no começo dos anos de 1950 como produtora de
tanques para o exército americano. Ao final da guerra da
Coréia, a Chrysler expandiu a fábrica e transformou-se
em produtora de veículos para a comunidade civil. Ela começou
a reduzir a produção nos anos de 1990 e desde então
tem eliminado seu terceiro turno.
Os efeitos do fechamento serão combinados com um recente
episódio de demissões locais em ambos os setores
de produção e serviços. Em 10 de fevereiro,
JP Morgan Chase anunciou sua decisão de eliminar
147 empregos na região. Essa notícia se somou a
outra anunciada no último mês a respeito da demissão
de 100 trabalhadores do suporte técnico e do setor administrativo
do Banco da América, em Newark, medida que é parte
de um programa de reestruturação iniciado com a
fusão com o banco MBNA, em 2005. No mesmo mês, a
Avon cosméticos anunciou sua decisão de demitir
350 trabalhadores e fechar o seu centro de distribuição
em Newark até 2009, o mesmo ano em que a Chrysler planeja
fechar a sua fábrica.
A eliminação dos empregos com salários
decentes - numa cidade onde o custo de vida é 15% mais
alto do que a média nacional, e o custo da habitação
é de 295.000 dólares - terá um imenso impacto
social. Mais de 20% dos 30.000 habitantes de Newark já
vivem abaixo dos níveis oficiais da linha da pobreza -
o que representa o dobro da média do estado, que é
de 9,2%, e 60% mais alta do que a média nacional.
Contrastando com tudo isso, a Universidade de Delaware estabelecida
em Newark fez caridade, no ano escolar de 2004-2005, aos seus
executivos com o mais amplo pacote de compensações
de todas as universidades públicas dos Estados Unidos,
forrando os bolsos do Presidente, David Roselle, com aproximadamente
um milhão de dólares em salário e bônus.
Roselle chefiou um programa de privatização e corte
de custos que foi responsável pelo rebaixamento dos salários
dos trabalhadores temporários e empreiteiros, reduzindo
o orçamento da universidade em 32 milhões de dólares.
Com um quinto da população de Newark vivendo na
pobreza, estes números comprovam que Roselle foi pago para
ajudar a colocá-los nesta situação.
Aumento da Jornada e Concessões
Na seção de opinião do periódico
local News Journal, o senador democrata Tom Carper encorajou
os trabalhadores remanescentes da fábrica a trabalharem
mais e mais a fim de aumentar a produtividade e aperfeiçoar
as relações trabalhadores-administração
- leia-se aceitar cortes no pagamento e nos direitos
- tentando apaziguar os ânimos e reafirmar as esperanças
na Chrysler, que então, segundo ele, poderá reconsiderar
sua decisão.
Além disso, o senador afirmou que os dirigentes
locais e estaduais, que inovam fazendo uma revisão geral
muito necessária no programa de compensações
aos trabalhadores de Delaware, devem continuar tentando encontrar
outras maneiras de cultivar um ambiente de trabalho mais propício
para a criação de empregos e para a preservação
dos empregos daqui, particularmente respeitando os empregos na
produção. Em essência, Carper reivindica
que o Estado forneça ainda mais benefícios-esmolas
para a Chrysler, tirando-os dos bolsos dos trabalhadores locais
e, ao mesmo tempo, convoca os trabalhadores para que devolvam
todos os benefícios que conquistaram.
As chamadas reformas que foram aprovadas pelo governo este
ano cortarão os direitos dos trabalhadores em cerca de
15 a 20%, com o que se espera economizar para as companhias que
ainda operam no estado mais de 43 milhões de dólares.
Os Democratas e os Republicanos têm apenas uma resposta
à destruição dos empregos: cortes nos programas
sociais e o retorno às condições de trabalho
que existiam antes da construção dos sindicatos
das indústrias e das reformas do New Deal.
O Sindicato dos Trabalhadores das empresas Autobobilísticas
(UAW) assumiu essencialmente a mesma linha dos políticos,
tanto Democratas quanto Republicanos, ao usar os ameaçadores
planos de fechamento para justificar as propostas de incentivos
fiscais e legislação favorável aos interesses
da Chrysler. Depois dos superficiais argumentos sobre a necessidade
da companhia de desenvolver produtos que tenham apelo junto
ao consumidor, o boletim oficial número 10 da UAW
sobre as demissões chega ao ponto fundamental da questão:
nós trabalharemos para assegurar que assim que o
Grupo Chrysler retomar a lucratividade, nossos associados tenham
a oportunidade de retornar ao trabalho. Na prática,
isto se traduz em mais concessões e aumento das jornadas,
e o mais importante, o reconhecimento do direito da administração
de fazer aquilo que ela achar necessário para proteger
os lucros dos maiores acionistas da companhia.
A General Motors é outra companhia que tem recebido
muita ajuda dos políticos locais, desde que esta anunciou
o fechamento da fábrica de Wilmington, também no
estado de Delaware, em 1992. O governo se uniu a UAW com a intenção
de reverter a decisão da administração da
companhia, por meio da oferta de amplas concessões para
a companhia. No seu depoimento, o senador Carper reivindica a
reativação deste milagre, no intuito
de conseguir as mesmas concessões para a Chrysler.
Gary, um trabalhador da montadora vizinha da GM em Wilmington,
falou ao WSWS: a Chrysler poderia usar o mesmo truque que
a GM usou em 1992 para pagar menos ao Estado. Nosso presente de
natal naquele ano foi uma notificação oficial
de fechamento. Eles nos disseram que a fábrica estava
fechando e não havia nada que alguém pudesse fazer
para reverter o fechamento, mas ela ainda está lá.
Diversos trabalhadores da fábrica de Newark falarAM
sobre o fechamento ao Fórum online do News Journal.
Um trabalhador comentou que o presidente da UAW Local 1138,
Jim Fischer, encontrou um novo emprego uma semana antes do anúncio.
O que acham disso? Exclamou ele. E continuou: Mr.
Fischer publicou uma carta alguns meses atrás deixando
bem claro para cada trabalhador que o futuro seria brilhante para
a fábrica de Newark, dizendo para nós que a Chrysler
produziria pelo menos dois novos produtos.
Outra trabalhadora escreveu: eu trabalho na fábrica
de Newark, assim como grande parte dos membros da minha família...
Nós moramos aqui, em Newark, há mais de 40 anos...
meu marido trabalha há 23 anos na fábrica, e como
ele não tem tempo suficiente para se aposentar, ele pode
ser transferido para outra fábrica. Eu tenho apenas 14
anos de casa, e nem ao menos terei essa opção. Eu
também não poderei ir junto com ele. Será
que eu receberei algum tipo de benefício? Talvez, mas ...
Não se esqueçam que o Tio Sam irá tirar a
sua parte antes que eu receba. E isto é apenas para aqueles
que têm mais de 10 anos de empresa. Isto é justo?...
E pelo que? Nenhuma pensão, nenhum benefício, nada!
John Manley, um mecânico de Newark que recentemente se
graduou na escola técnica, falou ao WSWS: eu tenho
dois tios que estão aposentados pela Chrysler. Eu posso
te dizer que produzir um carro não é fácil
- requer muitas habilidades específicas e experiência.
Os trabalhadores da montadora merecem cada centavo do que recebem
- alguns deles têm trabalhado na fábrica por 20 ou
25 anos, e eles serão trapaceados nos seus benefícios
de aposentadoria. Não faz nenhum sentido que as companhias
demitam milhares de pessoas apenas para obter mais lucro.
Harry Warner, um residente local, falou ao nosso repórter:
um trabalhador que estava seguro no seu emprego hoje tem
que lidar com a possibilidade de ficar desempregado e sem direito
nenhum durante seis meses. Não há nenhuma garantia
social real que possa auxiliá-lo. Eu sou um trabalhador
qualificado da construção civil e todas as vezes
que há uma queda no mercado da construção,
todo mundo do setor é atingido.
Minha filha de 12 anos de idade e eu acabamos de ser
despejados do nosso apartamento, e nós devemos juntar 2.000
dólares para podermos nos estabelecer em qualquer outro
lugar - apenas para uma entrada inicial e para ter a mínima
infra-estrutura necessária. Quando os trabalhadores da
Crhysler forem demitidos, muitos deles procurarão emprego
no ramo da construção civil, então será
ainda mais difícil encontrar algum emprego que ofereça
segurança nesse setor. Muitos trabalhadores da fábrica
de Newark se encontrarão na mesma situação
que eu me encontro agora.
A Universidade e a Fábrica da Chrysler
A fábrica de Newark é localizada no final da
rua do principal campus da Universidade de Delaware. O seu pátio
mais amplo fica em frente ao centro atlético. Linhas de
ônibus regulares circulam entre o pátio e o campus
principal, transportando estudantes entre os carros produzidos
na fábrica. No caminho de volta para o pátio, nosso
repórter iniciou uma conversa com o motorista de ônibus
dessa linha local. Apontando para as propagandas dos veículos
utilitários em outdoors na frente da fábrica, o
motorista perguntou: porque a Chrysler não faz carros
que as pessoas queiram comprar? Ninguém quer estas camionetes
grandes e caras, que consomem enormes quantidades de combustível.
A administração tomou uma péssima decisão,
e agora os trabalhadores é que têm que pagar por
ela.
Chad Belles, um calouro da Universidade de Delaware, falou
ao WSWS: a Daimler Chrysler está no vermelho há
anos. Como pode se aceitar que eles demitam milhares de pessoas
apenas porque eles tiveram um trimestre ruim? E acrescentou:
foi a administração quem decidiu construir
um monte de veículos utilitários esportivos que
ninguém queria. Porque a maioria dos trabalhadores tem
que sofrer pelos erros dos figurões? Ao fechar as fábricas,
a companhia pode aumentar seus lucros e suas ações
no mercado, mas os trabalhadores perdem tudo.
Michael Green, um estudante que trabalhou 20 anos antes de
voltar à Universidade, disse: o fechamento me faz
sentir que realmente temos muito pouco controle sobre as coisas
que são realmente as mais importantes para as nossas vidas.
Tome, como exemplo, a guerra: a maioria das pessoas quer que ela
acabe, mas todos no governo a sustentam.
Muitos dos meus amigos do ensino médio foram trabalhar
nas fábricas automobilísticas. Agora as oportunidades
para toda a classe trabalhadora estão se reduzindo.