Segundo as estatísticas do Programa de Modernização
das Relações Trabalhistas, da Universidade Católica
do Uruguai, coordenado pelo economista Juan Manuel Rodríguez,
chefe da Política Econômica do Ministério
da Indústria, desde março de 2005 a PIT-CNT (Plenária
Intersindical de Trabalhadores - Convenção Nacional
de Trabalhadores) não realizou nenhuma greve que durasse
mais de 24 horas.
A PIT-CNT é a única central sindical atualmente
existente no Uruguai. A ditadura Militar (1973-1985) declarou
ilegal, em 1973, a Convenção Nacional dos Trabalhadores
(CNT), a central sindical que reunia todos os sindicatos uruguaios.
Em 1982, o movimento operário começou a se reorganizar
com a criação da Plenária Intersindical de
Trabalhadores (PIT), que em 1984, tornou-se uma central sindical
formal, a PIT-CNT.
Em comparação com o número de greves realizadas
durante os governos anteriores, o governo de Tabaré Vázquez
- atual presidente do Uruguai - tem sido muito pouco pressionado
pelos sindicalistas da PIT-CNT. Luis Alberto Lacalle (presidente
entre 1990 e 1995) sofreu 15 greves gerais (sendo duas delas de
36 horas e outras quatro de 24 horas). Julio Maria Sanguinetti
(1985-1990/1995-2000) sofreu 14 greves gerais no segundo governo
(quatro de 24 horas). Este dois governos sofreram juntos mais
de 30 greves em cinco anos. Jorge Battle (2000-2005) sofreu 13
greves gerais, sendo quatro de 24 horas.
Tabaré Vázquez foi eleito presidente do Uruguai
nas eleições de 31 de outubro de 2004 pela coalizão
de esquerda Encontro Progressista/Frente Ampla/Nova Maioria, ao
obter a maioria absoluta dos votos: 50,45%. Assim, transformou-se
no primeiro presidente de esquerda do país,
rompendo com a hegemonia bipartidarista do Partido Nacional e
do Partido Colorado, que dominavam a história política
uruguaia desde 1830.
Segundo Rodriguez, o governo de Tabaré Vázquez
não sofre a mesma pressão dos governos anteriores
porque entre ele e a central sindical não existiriam grandes
divergências, mas existira, sim, uma afinidade natural.
Segundo Rodriguez, do ponto de vista dos sindicalistas não
tem sentido fazer uma greve reclamando negociação
coletiva se o governo instalou os conselhos de salário
de forma imediata, praticamente quando assume. E o presidente
empossado os anunciou antes de assumir.
As raras greves ocorridas durante o governo de Vázquez
não foram greves diretamente contra seu governo nem possuíram
reivindicações antipatronais. Uma das grandes mobilizações
nacionais organizada pela PIT-CNT foi para acompanhar o enterro
dos restos de Ubagesner Chávez Sosa, militante do Partido
Comunista desaparecido em 1976. A única exceção
destas mobilizações foi uma greve geral em resposta
a outra greve dos patrões do setor de transporte de cargas,
em 2006.
No primeiro ano do governo de Vázquez não houve
desacordo da frente sindical com as pautas salariais oficiais.
Em 2007, o clima de conflito aumentou porque vários sindicatos
pediam pautas salariais com maiores aumentos. Surgiram, deste
modo, divergências quanto à política econômica,
mas ainda muito menores do que nos governos anteriores.
O atual coordenador da PIT-CNT, Juan Castillo, afirma que no
governo de Vázquez há menos motivos para protestar.
Para que vou parar para protestar por salários se
tenho meios [de negociação]?, afirma abertamente
Castillo em defesa do governo de Tabaré Vázquez.
Castillo disse ainda que a PIT-CNT está investindo em mobilizações
de rua, ao invés de greves gerais, como forma de pressão,
pois, segundo ele, com o governo de Tabaré Vázquez
tornaram-se desnecessárias greves de 24 ou 36 horas para
pressionar o governo e os patrões.
Os Conselhos de Salários, criados por Vázquez
e apoiados pela PIT-CNT, tiveram sua lei decretada pelo Senado
e pela Câmara. Segundo a sua lei de criação
(nº 10.449), os Conselhos de Salários servem para
garantir aos operários e empregados do comércio,
indústria, oficinas, escritórios privados e dos
serviços públicos não atendidos pelo Estado,
um piso salarial considerado como justo pelos patrões
e trabalhadores. Estes conselhos teriam como função
fixar o salário mínimo aplicável a cada categoria
de trabalho submetida às suas jurisdições,
por hora, por jornada, por semana, por mês ou por período.
Segundo a Lei, os conselhos de salários poderão
ser requisitados pela terça parte dos operários
de uma indústria ou por trabalhadores do comércio
registrados na planilha de trabalho, pelos patrões ou sindicatos
patronais ou, ainda, por grupos de trabalhadores reconhecidos
como pessoa jurídica frente ao Poder Executivo. Os conselhos
de salários poderão, ainda, pedir a inspeção
da contabilidade, visitar e inspecionar os estabelecimentos empresariais
e comerciais.
No entanto, por detrás da aparente conquista da classe
trabalhadora por meio dos Conselhos de Salários, esconde-se
a realidade violenta da exploração e da luta de
classes entre patrões e trabalhadores. É falsa a
idéia pregada pelos sindicalistas de que está havendo
participação plena dos trabalhadores na definição
de seus salários e na investigação dos livros
de contabilidade dos patrões. O Estado e a classe dos patrões,
com o apoio aberto dos sindicalistas traidores, criaram uma forma
enganosa de negociação salarial que mascara a divisão
em classes, a exploração e a ausência de democracia
na fábrica e na sociedade.
Esta situação é perceptível pela
análise do próprio decreto que instituiu os Conselhos
de Salários. Segundo ele, cada conselho poderá ser
composto por sete membros: três designados pelo Poder Executivo
no Conselho de Ministros, dois designados pelos patrões
e dois designados pelos trabalhadores. O presidente será
um dos indicados pelo poder executivo. Na composição
e presidência dos Conselhos de Salários, podemos
perceber claramente o caráter patronal deste organismo.
Enquanto os trabalhadores são representados por apenas
duas pessoas, há cinco representantes do capital, sendo
um deles o presidente, indicado pelo Estado.
Mas a Lei 10.449 torna as coisas ainda piores para os trabalhadores
quando analisamos o seu artigo 14. Este diz que as decisões
dos Conselhos de Salários serão tomadas pela maioria
simples de seus membros. E a maioria simples pode
ser obtida pela soma dos votos dos três representantes do
Estado com as duas representações patronais.
Na prática, a PIT-CNT está legitimando o governo
capitalista de Tabaré Vázquez ao organizar as lutas
da classe trabalhadora dentro das formas democráticas
da sociedade burguesa. Os sindicalistas da PIT-CNT, ao invés
de organizarem greves mais intensas e radicalizadas contra o domínio
dos patrões, acabam sustentando a política burguesa
de Vázquez. Mas não é assim que pensam os
sindicalistas burocratas da PIT-CNT. Segundo eles, Tabaré
Vázquez é um governo dos trabalhadores que representa
uma conquista histórica do movimento sindical
uruguaio e seria incoerente lutar contra ele.
O que fica claro na questão dos Conselhos de Salários
é que o pseudo-esquerdismo de Vázquez está
ligado diretamente ao fortalecimento do caráter repressivo
e antidemocrático do Estado burguês. Este pseudo-esquerdismo
do governo de Tabaré Vazquez, apoiado pela PIT-CNT, mesmo
que possa melhorar, eventualmente e momentaneamente as condições
de vida e de trabalho dos uruguaios, no fundo é uma forma
mascarar as classes sociais, e impede legalmente o desenvolvimento
da auto-organização dos trabalhadores de forma independente
do controle do Estado e dos patrões.
Iniciativas similares aos Conselhos de Salários do Uruguai
existem no Brasil desde o governo Fernando Henrique Cardoso e
eram chamadas de Câmaras Setoriais, onde trabalhadores traidores
e patrões procuravam demonstrar que os interesses do capital
e do trabalho não são conflitantes. Evidentemente,
tais consensos entre e o capital e o trabalho são impossíveis.
No Brasil, sempre beneficiaram, em última instância
aos patrões.
Não poderia ser diferente no Uruguai. De fato, não
é a classe trabalhadora do Uruguai quem é beneficiada
com as políticas esquerdistas de Vázquez,
que reproduzem a exploração diária do trabalhador.
Como ocorre nos demais países de governos esquerdistas
da América Latina, como nos governos de Lula no Brasil,
de Kirchner na Argentina e Chávez na Venezuela, essas políticas
sociais são formas ilusórias.
Isto fica claro ao constatarmos que os altos índices
de desemprego e pobreza do Uruguai, como dos outros países
latino-americanos, não chegam a diminuir de forma significativa.
Sobretudo, a curto ou médio prazo, a lógica do desenvolvimento
capitalista prevalece: tudo que se concede com uma mão
se retira em dobro com a outra. Certamente, logo isso ficará
claro também em relação a todas as pseudo-conquistas
da classe trabalhadora uruguaia. Quando Vázquez deixar
o poder os trabalhadores estarão em piores condições
para negociar com os patrões, pois, certamente, graças
aos Conselhos de Salários, estarão mais desorganizados
e com menor independência de classe.