Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 21 de junho de 2007.
Com enorme pompa militar, a classe dominante inglesa tem celebrado
o 25° aniversário da vitória nas Ilhas Malvinas
(Falklands). Com cerimônias religiosas nas ilhas
e em toda a Grã-Bretanha, desfiles e exibições
aéreas, há uma atmosfera de triunfo do imperialismo
com relação à guerra. Aproximadamente 900
pessoas morreram durante a guerra que durou 74 dias 255
soldados britânicos, 649 argentinos e 3 nativos das ilhas
(mortos durante o bombardeio naval do porto Stanley).
O estado de ânimo pôde ser observado na mensagem
transmitida pela ex-Primeira Ministra Margaret Thatcher, responsável
pelo envio das tropas britânicas às Malvinas em abril
de 1982. Na mensagem, transmitida via rádio para as forças
armadas britânicas e das ilhas, ela descreveu a libertação
das nossas ilhas como uma grande vitória por
uma nobre causa. Descrevendo a guerra como justa,
ela disse que os britânicos alegraram-se com o sucesso;
e nós ainda devemos nos alegrar.
O Primeiro Ministro Tony Blair concordou com ela, afirmando
que naquele momento havia um princípio em jogo.
A decisão de ir à guerra, disse ele em entrevista
para o site Downing Street no mês passado, exigiu
coragem política, mas foi a coisa certa
a se fazer.
Mas, afinal, o que de fato aconteceu há 25 anos?
As Ilhas Malvinas, aparentemente inabitadas na época
da chegada dos europeus no novo mundo, constituíam um pequeno
fragmento do império colonial da Espanha na América
Latina, mas passaram a ser exploradas e reivindicadas pelos britânicos
e pelos franceses no final do século XVIII. Com a independência
da Argentina declarada em 1816, os argentinos concordaram em deixar
o controle das ilhas à Espanha.
Entre os anos de 1806 e 1807, os britânicos tentaram
invadir a Argentina por duas vezes, não tendo êxito.
A Grã-Bretanha aproveitou as guerras de independência
da Argentina (1816-1853) para ocupar as ilhas em 1833. Dando-lhes
o nome de Falklands, os britânicos começaram
a habitá-las com cidadãos ingleses e passaram a
reivindicar controle do petróleo e dos recursos minerais
nas águas polares do sul. Desde então o governo
argentino passou a reivindicar a sua soberania sobre as ilhas.
Em 1982, a junta militar do general Leopoldo Galtieri utilizou
esta legítima reivindicação das ilhas para
ganhar respaldo e isolar a oposição em relação
as suas políticas sanguinárias. Em março
do mesmo ano, uma brigada mercante argentina desembarcou na Geórgia
do Sul, uma ilha britânica próxima às Malvinas.
Em 2 de abril, Galtieri mandou tropas da Geórgia do Sul
para as Malvinas.
Margaret Thatcher decidiu defender militarmente os interesses
do imperialismo britânico no sul do Atlântico. Uma
força tarefa foi enviada a uma distância de 8.000
milhas a fim de reconquistar as ilhas. Após 5 dias da chegada
dos argentinos, o governo britânico já havia enviado
navios para o sul do Atlântico e determinado uma zona de
exclusão de 200 milhas ao redor das ilhas.
Galtieri não esperava uma reação militar
do governo britânico. O governo militar argentino não
recebera resposta alguma das Nações Unidas em relação
a sua intenção de invadir as ilhas. A Grã-Bretanha
estava reduzindo sua presença militar nas ilhas. Durante
muitos anos, o governo britânico procurou negociar um acordo
com relação às ilhas.
Sir Lawrence Freedman, professor de estudos de guerras no King´s
College, na Universidade de Londres, e autor da história
oficial das Falklands, afirmou que o governo Thatcher havia
aceitado abrir mão do controle das ilhas e reconhecer a
soberania argentina dois anos antes do conflito.
Em junho de 1980, o Ministério do Exterior elaborou
uma proposta para entregar oficialmente a soberania das ilhas
para Buenos Aires. A partir de então, a Inglaterra arrendaria
as ilhas por 99 anos. O ministro do Exterior, Nicholas Ridley,
se reuniu secretamente com Comodoro Cavandoli da Argentina, na
Suíça e em Nova York, mas o plano foi descoberto
pela oposição e pelos habitantes das ilhas, durante
uma visita oficial de Ridley e numa discussão levantada
pelo Partido Trabalhista no parlamento.
O governo militar argentino esperava que o governo norte-americano
não interviesse, em resposta aos serviços prestados.
Galtieri esperava o apoio dos EUA devido ao recorde de torturas
e assassinatos de trabalhadores e estudantes de esquerda alcançado
por seu governo, bem como pela ajuda à CIA no treinamento
e armamento dos Contras na Nicarágua.
Galtieri ficou desapontado. Os EUA permaneceram oficialmente
neutros durante o conflito, mas, na verdade, forneceram suporte
tático e de inteligência às forças
britânicas.
O governo norte-americano tinha fortes razões para apoiar
os ingleses. Em primeiro lugar, Reagan e Thatcher eram aliados
na política econômica monetarista, que consistia
em contra-reformas e ataques aos salários, aos empregos,
e aos direitos dos sindicatos e aos serviços sociais. Além
disso, a guerra abriria um perigoso precedente para ambos os países,
mesmo para o governo argentino, que havia demonstrado ser um importante
aliado dos EUA para tomar um território de uma potência
imperialista.
Todavia, para Thatcher era fundamental assegurar o apoio dos
EUA, tendo em vista os interesses estratégicos na América
do Sul. De acordo com o Guardian, Freedman também
ressalta como Washington fez forte pressão para que
Thatcher concordasse em fazer um acordo de cessar fogo antes mesmo
das ilhas serem reconquistadas.
Num determinado momento do conflito, o Secretário de
Estado dos EUA, Alexander Haig, propôs um cessar fogo intermediado
por uma força de paz internacional, incluindo tropas norte-americanas.
No final de maio de 1982, Thatcher telefonou para Reagan para
comunicar que aceitava um cessar fogo, desde que os argentinos
fossem retirados da ilha.
Ela perguntou a Reagan como os norte-americanos reagiriam
se o Alaska fosse invadido e, enquanto os invasores estivessem
sendo expulsos, nós propuséssemos a retirada dos
norte-americanos?
Thatcher insistiu várias vezes que a soberania britânica
sobre as Falklands era uma questão de princípios.
Mas havia razões internas que estimularam o início
da guerra. Em 1982, o governo de Thatcher tinha sido profundamente
abalado. O desemprego oficial atingiu a casa dos 3,6 milhões
de pessoas, embora, na realidade, o número de desempregados
era muito maior. Sua política enfrentava uma forte oposição,
com greves em grande parte das indústrias e nos hospitais.
Em 1981, os planos do governo de fechar 23 minas de carvão
tiveram que ser adiados por causa da ameaça de greve.
O governo Thatcher estava na corda bamba. O apoio do Partido
Trabalhista à guerra das Malvinas foi de fundamental importância
para a recuperação do território.
Dois anos antes, o segundo Secretário dos Assuntos Exteriores,
Peter Shore, criticara a proposta de fechar um acordo com a Argentina,
considerando-a de conservadora. No parlamento, Shore observou
que os ingleses deveriam dar a máxima importância
para os interesses dos moradores da ilha. Com a decisão
de mandar a força-tarefa, o Partido Trabalhista conciliou
como o patriotismo e com o imperialismo militarista. Apenas 33
representantes do Partido Trabalhista no parlamento se opuseram
à guerra. O líder trabalhista, Michael Foot, defendeu
que o caráter direitista do governo militar argentino justificava
o apoio do partido ao imperialismo. Ao mesmo tempo, ele criticava,
num discurso no parlamento, a demagogia de Thatcher, que colocava
como uma descabida e brutal agressão por parte
da Argentina.
Sem o apoio dos Trabalhistas, a guerra e as atrocidades dela
decorrentes não teriam sido possíveis. Junto com
a mídia, a estímulo à guerra dado pelos trabalhistas
acabou proporcionando um patriotismo frenético em torno
da guerra justa contra um governo fascista e em benefício
dos moradores da ilha, que desorientou e confundiu amplas camadas
dos trabalhadores.
Em 25 de abril, enquanto as negociações de paz
de Haig e de Belaunde Terry ainda estavam em andamento, marinheiros
britânicos abateram com muita facilidade as tropas argentinas
na Geórgia do Sul. Thatcher, convocando sua propaganda
militarista, afirmou que esta notícia só podia
nos alegrar.
Em 2 de maio, o navio de guerra argentino General Belgrano
navegava fora da zona de exclusão no sentido de 270 graus
oeste-noroeste (i.e., longe das ilhas) quando foi atingido por
torpedos do submarino nuclear HMS Conqueror e afundou,
causando a morte de 323 militares argentinos. O jornal The
Sun, de propriedade de Rupert Murdoch, colocou a manchete
Gotcha! que foi forçada, mais tarde,
a ser removida devido à oposição generalizada.
No dia seguinte, o HMS Sheffield foi atingido por aviões
argentinos, afundando e matando 20 membros de sua tripulação.
Outros cinco navios britânicos foram abatidos durante o
conflito.
Com o início das batalhas em terra, a disparidade entre
o profissionalismo do exército britânico e os mal-equipados
e mal-treinados soldados argentinos, muitos deles muito jovens,
ficou evidente. Em Goose Green, no primeiro dia da batalha
em terra, o enorme contingente de soldados britânicos perdeu
apenas 17 homens, enquanto o exército argentino teve 250
baixas. Mais de 1.000 soldados argentinos tornaram-se prisioneiros
de guerra. As tropas argentinas foram forçadas a se defender
do exército britânico, que avançavam sobre
as ilhas em direção do Porto Stanley. Os argentinos
se renderam em Stanley, no dia 14 de junho, sendo decretado o
fim da guerra em 20 de junho. Dois dias depois, o General Galtieri
se rendeu. Cerca de um ano depois, a revolta popular a respeito
do evento sanguinário das Malvinas levou o governo militar
ao colapso.
No entanto, apesar da rápida vitória e da evidente
superioridade militar britânica, o número de soldados
britânicos mortos foi bem maior do que o número de
mortes nas guerras do Iraque e do Afeganistão juntas. A
intensidade do combate corpo a corpo traumatizou profundamente
os veteranos de guerra, tanto britânicos como argentinos.
O número de soldados britânicos que cometeram suicídio
após o fim da guerra foi maior do que o número de
soldados mortos nela. De acordo com a organização
dos veteranos da Associação das Condecorações
do Atlântico Sul, 264 veteranos britânicos cometeram
suicídio até 2002. Durante a guerra morreram 255
soldados britânicos. De acordo com um filme de 2006, o número
atual de argentinos que cometeram suicídio é de
454.
O Partido Trabalhista também foi responsável
pelo reforço da rígida política de Thatcher
implementada após a vitória nas Malvinas.
Foot, um veterano pacifista e membro da Campanha pelo Desarmamento
Nuclear, foi eleito líder do partido em 1980. Este foi
o resultado da revolta interna ao partido a respeito da desastrosa
política do governo trabalhista de James Callaghan, que
atacou duramente a classe trabalhadora, preparando, dessa maneira,
o caminho para a chegada de Thatcher ao poder. Ele traiu as expectativas
dos trabalhadores, facilitando que Thatcher vencesse no segundo
turno. Nas eleições gerais de junho de 1983, os
Toris ganharam mais de 40% dos votos, o que significou uma pequena
queda. Os Trabalhistas receberam apenas 27,6%, caindo mais de
9% perdendo a maioria dos votos para a Aliança formada
entre os Liberais e os Sociais Democratas, a ala de direita que
rompeu com os trabalhistas em 1981.
Com a vitória de Thatcher em 1983, abriram-se as portas
para um profundo ataque às condições de vida
dos trabalhadores, atingindo seu ápice na derrota da greve
dos mineiros, que durou um ano, e na ampla privatização
dos serviços essenciais. Tudo isso foi também responsabilidade
dos Trabalhistas.
Estes são os termos nos quais Thatcher mede o sucesso
da guerra das Malvinas. Desde o primeiro desfile militar, no qual
os veteranos que ficaram aleijados na guerra foram proibidos de
participar, ficou evidente o desprezo de Thatcher por todos aqueles
que lutaram para dar a ela essa vitória.
Hoje, mais uma vez, os Trabalhistas fizeram coro aos Toris
nos elogios à guerra das Malvinas desta vez, porém,
como parte do governo tendo Thatcher como convidada, no
papel de uma ex-mulher de estado. Os objetivos de todos eles não
é somente o de tentar justificar os crimes do passado,
mas defender os crimes atuais e futuros.
Em seu discurso na festa de aniversário da guerra, Thatcher
relembrou sua atitude colonialista bárbara como sendo um
grande esforço nacional. Ela observou que não
há vitórias finais, pois a luta contra o mal
no mundo nunca acabará. A tirania e a violência vestem
muitas máscaras. Ainda hoje, desde a vitória nas
Malvinas, todos nós devemos ter esperança e determinação.
Da sua parte, o primeiro ministro Tony Blair comemorou o aniversário
da guerra das Malvinas, comparando-a as guerras no Iraque e no
Afeganistão, todas representando uma frente de luta contra
a tirania. Antes de comparecer às comemorações
oficiais, Blair concedeu uma entrevista ao historiador Simon Schama,
do site Number 10. Blair concordou com a afirmação
de Schama de que a decisão de ir à guerra teria
sido uma aposta assustadora por parte de Thatcher,
e concluiu que aquela atitude exigiu muita coragem política.
Disse também que ele teria feito o mesmo que Thatcher,
que é, aliás, seu ídolo político,
pois esta foi a coisa certa a se fazer... não apenas
por motivos relacionados à soberania britânica, mas
também porque eu penso que havia um princípio em
jogo.
Quando Blair fala em fazer a coisa certa e cita
Thatcher como seu maior modelo, isto deve servir para tratar com
o devido desprezo toda esta nociva trama de propaganda e nostalgia
em torno da guerra das Malvinas.