O caos e o terror reinaram nos últimos cinco dias em
São Paulo devido às ações da poderosa
organização PCC.
A cidade, a mais populosa do país, conta com quase 11
milhões de habitantes, que se tornam mais de 15 milhões
se contabilizarmos a população da chamada "Grande
São Paulo" (municípios como Guarulhos, Osasco,
Santo André, São Bernardo, São Caetano, Taboão,
Carapicuíba são praticamente bairros da própria
cidade).
Nesse gigantesco aglomerado urbano, que por si só já
mostra a irracionalidade do urbanismo capitalista, convivem rotineiramente,
lado a lado, a absoluta miséria das favelas com os bairros
de altíssimo luxo, as moradias abaixo das condições
mínimas de vida não longe de mansões e condomínios
fantásticos vistos em poucas cidades do mundo, amontoam-se
também barracas de vendedores ambulantes similares àquelas
dos países mais pobres do planeta próximas a centros
comerciais similares àqueles de Nova York ou Londres.
Nestes cinco dias de terror, toda a rotina desse cenário
de opostos foi quebrada, e manifestou-se, de forma abrupta, a
enorme violência que se esconde no interior das contradições
da cidade de São Paulo e do Brasil. A organização
criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), em operação
de verdadeira guerra civil, realizou 251 ataques contestando abertamente
o poder de Estado constituído.
Delegacias, postos policiais e carros de polícia foram
metralhados, agentes da lei e até bombeiros foram fuzilados,
quinze agências bancárias e oitenta ônibus
de transporte coletivo foram incendiados.
O pânico tomou conta da população: diversas
lojas comerciais, universidades e escolas foram fechadas. Donos
de empresas de ônibus, temendo pelo seu patrimônio,
não permitiram que os veículos saíssem das
garagens. Milhares de paulistanos ficaram sem transporte para
chegar ao trabalho. Durante toda a segunda-feira (dia 15), mais
de 190 quilômetros de engarrafamento tornaram o trânsito
uma verdadeira tragédia, buzinas e sirenes policiais transformavam
o barulho do centro em algo ensurdecedor.
Além de tudo isso, diversos presídios se rebelaram
e atos de vandalismo ocorriam por todo o país. Tanto na
própria São Paulo como em outras cidades próximas,
tais como Campinas, e em vários estados do Brasil, tais
como Paraná e Bahia, presidiários se levantavam
tomando a direção das casas de detenção
e também delegacias ou ônibus eram atacados, transformando
a população civil em refém do crime organizado.
O saldo dos cinco dias de violência, segundo a Secretaria
de Segurança Pública, foi de 115 mortes e dezenas
de feridos, isto somente na cidade de São Paulo.
Na madrugada da terça-feira (dia 16), ocorreram ainda
novos atentados na Grande SP, mas, pela manhã, os ônibus
voltaram a circular na zona sul, a mais atingida pelos acontecimentos,
com a polícia vigiando os terminais. Nesse dia, boa parte
da população, porém, não saiu de casa,
e a terça-feira parecia um dia feriado, com poucos carros
circulando, com o metro e os transportes sem passageiros. Neste
momento, terça-feira à noite, ainda alguns veículos
foram queimados, mas, a situação parece ter ser
acalmado repentinamente. Como a calmaria rotineira retornou de
forma tão súbita?
A negociação com o PCC
Corre o boato que o governador do Estado de São Paulo,
Cláudio Lembo, teria negociado com a facção
criminosa atendendo algumas reivindicações do PCC.
O principal interlocutor dessa negociação seria
Orlando Mota Júnior, conhecido como Macarrão, que
cumpre pena de 48 anos e oito meses pelos crimes de roubo, furto,
formação de quadrilha e receptação.
Orlando seria um dos principais líderes do P,cc logo abaixo
do líder máximo, Marcos Willians Herbas Camacho,
conhecido como Marcola.
A rebelião teria começado justamente porque Marcola,
Macarrão e outros líderes do PCC haviam sido transferidos
para o CRP (Centro de Readaptação Penitenciária)
de Presidente Bernardes (589 km de SP), onde ficariam isolados
-em RDD, Regime Disciplinar Diferenciado, perdendo toda as regalias
e a capacidade de ação que ainda possuem em presídios
comuns. Não aceitando essa transferência dos seus
líderes, o PCC teria desencadeado os cinco dias de terror.
As rebeliões nos presídios e os ataques teriam
sido interrompidos na terça-feira, justamente, porque o
governo do Estado teria atendido algumas exigências do PCC.
Depois do acordo, Macarrão teria então ordenado
através de celular que cessassem as operações
criminosas e teria sido imediatamente obedecido por seus milhares
de fiéis seguidores. Entre as exigências de Macarrão,
fala-se na promessa da parte do governo de não utilizar
a tropa de choque -conhecida por sua violência extrema -
para conter as rebeliões ocorridas em presídios
e o retorno de uma série de regalias para Marcola e outros
líderes do PCC.
Tal suspeita de negociação do Estado com a organização
criminosa revolta boa parte da população paulista,
mas, acontecimentos como esse vêm tornando-se comum no Brasil,
já que a corrupção domina a vida política
e todas as instituições, mostrando a grave crise
que atinge a própria dominação burguesa no
Brasil. Além das denúncias escandalosas que envolvem
todo o governo Lula, o congresso nacional e mesmo o poder judiciário,
recentemente, por ocasião do roubo de armas de um quartel
do Exército no Rio de Janeiro, também teria ocorrido
negociação similar com o crime organizado. Na época,
correram boatos de que as Forças Armadas recuperaram as
armas roubadas através de negociação com
o Comando Vermelho, outra grande organização criminosa.
É como se houvesse uma certa continuidade e complementaridade
entre o Estado burguês, expressão da classe dominante
em armas, e as grandes organizações criminosas armadas,
apoiadas, em certo sentido, na miséria da maior parte da
população brasileira, moradora nas favelas.
As origens do PCC no Comando Vermelho
Nessa direção é interessante lembrar as
origens do Comando Vermelho. Esta organização teria
sido criada em 1979, na época ainda da ditadura militar.
Teria surgido no presídio Cândido Mendes, no Rio
de Janeiro, a partir do convívio entre presos comuns e
militantes políticos. A organização nasceu
com conotação política e designava-se "Falange
Vermelha" tendo como lema "Paz, Justiça e Liberdade".
Controlando inicialmente o tráfico de cocaína no
Rio de Janeiro, começou um rápido crescimento distribuindo
a droga também para o mercado europeu. Para controlar os
pontos de venda, as chamadas "bocas-de-fumo", começou
a trabalhar com armamento pesado, armas de alto calibre roubadas
do exército ou vindas da Europa, particularmente, da ex-URSS,
cuja burocracia vendia a preços acessíveis até
armas de defesa antiaérea.
Foi bem essa a trajetória de um dos mais célebres
líderes do Comando Vermelho, Fernandinho Beira-Mar. Começou
roubando armas do exército brasileiro e logo prosperou,
sobretudo, como traficante internacional de armas. Recentemente,
inclusive, foi preso na Colômbia, onde tinha grandes negócios
com as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia),
recebendo cocaína em troca de armas. Sustenta-se que antes
de cisões que atingiram o Comando Vermelho, esta organização
chegou a ter 6.500 homens armados diretamente trabalhando nas
suas ações e cerca de 300.00 indivíduos em
trabalho indireto.Uma de suas cisões foi justamente a origem
do P,cc organização que atua mais na cidade de São
Paulo e na Baixada Santista, região litorânea do
Estado.
Base social e "cultural" das organizações
Como o Comando Vermelho, o PCC tem uma ampla base social nos
presídios e nas favelas, tendo milhares de colaboradores.
Freqüentemente, essas organizações controlam
associações de moradores, clubes, atividades esportivas
e musicais, até doando ou obtendo certos pequenos benefícios
para a população. Organizam também atividades
"culturais", como os bailes funks, onde muita droga
e sexo atraem até jovens burgueses ou pequeno-burgueses.
Os cantores funks fazem hinos de exaltação das
facções criminosas e até gravam cds elogiando
os líderes do Comando ou do PCC. Os cds muitas vezes têm
boa captação de som e qualidade técnica refinada,
sendo tocados em rádios piratas e vendidos por centenas
de vendedores ambulantes no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Em cidades da Baixada Santista, no litoral de São Paulo,
principalmente, em Santos e em São Vicente, existem funkeiros
famosos ligados ao P,cc tais como Renatinho e Alemão, os
principais MCs (Mestres de Cerimônias), que gravam álbuns
diretamente em homenagem à organização. Por
exemplo, no cd "Guerreiro Não Gela", Renatinho
e Alemão mandam mensagens a Marcos Willians Herbas Camacho,
ou seja, justamente o Marcola, que seria um dos líderes
da guerra civil destes dias em São Paulo.
Lembremos que o cd de maior sucesso da dupla Renatinho e Alemão
intitula-se "Taleban - Parque dos Monstros", que é
como o PCC chama o presídio de segurança máxima
de Presidente Venceslau, local onde estão presos Marcola
e Macarrão. Na capa do cd, os dois funkeiros aparecem usando
óculos escuros e boné estilo militar, com uma foto
do World Trade Center em chamas ao fundo. Em cds apreendidos em
presídios, escutam-se rajadas de metralhadoras e ameaças
diretas a membros do governo ou da polícia.
Como se vê, essas organizações possuem
uma base social ampla que habita nas favelas, um trabalho "cultural"
e até uma ideologia difusa que se identifica com atos terroristas
contra o poder do Estado burguês e mesmo contra o imperialismo
internacional. As organizações criminosas parecem,
assim, quase verdadeiros partidos políticos das favelas
e da classe trabalhadora, mas, na verdade, evidentemente, não
são. Como as torcidas organizadas de times de futebol,
que de forma fanática torcem para a sua bandeira, e que
também, freqüentemente, enfrentam a polícia,
como os membros das escolas de samba, também fanáticos
pelo pavilhão da sua comunidade, organizações
como o Comando Vermelho e o PCC expressam, na verdade, a ausência
de um verdadeiro partido dos trabalhadores e um grande bloqueio
para a construção de tal partido.
Essas organizações são, assim, em última
instância, aliados e cúmplices do Estado burguês
e produtos do próprio capitalismo que parecem, em certos
momentos, ameaçar. Por isso, não é espantoso
que o Estado negocie com eles, como parece ter feito o governo
de São Paulo nesta ocasião. Porém, de forma
mais perigosa que as torcidas organizadas de time de futebol ou
escolas de samba, organizações como o PCC e o Comando
Vermelho, potencializadas por muita droga, armas pesadas e dinheiro,
apesar de cúmplices e sócias da burguesia, expressam
também a irracionalidade absoluta do sistema capitalista
e a sua negação, ainda que indeterminada, uma negação
pela barbárie, e os acontecimentos destes cinco dias em
São Paulo mostraram que esta negação está
presente e já nas ruas.
Os outros cúmplices do PCC
Por outro lado, se o Estado burguês é, sem dúvida,
cúmplice do PCC e do Comando Vermelho, não seriam
também cúmplices ( e maiores cúmplices) todos
aqueles que forjaram falsos partidos dos trabalhadores? Não
seriam cúmplices destas organizações criminosas
todos aqueles que permitiram e que permitem, com suas traições,
que essas organizações criminosas cresçam
na classe trabalhadora brasileira?
Nesse sentido, lembremos que aproximadamente na mesma época
que surgia o Comando Vermelho, há cerca de 26 anos atrás,
outra bandeira vermelha era também hasteada, aquela do
PT, aquela do partido hoje no poder e hoje mergulhado em crimes
quase similares aos de Fernandinho Beira-Mar, Marcola e Macarrão.
Que dizer de Silvinho Pereira, dos dólares na cueca,
dos assassinatos de prefeitos, das máfias do lixo e do
transporte coletivo, todos escândalos petistas? Que dizer
do "mensalão" que subornou quase todo o Congresso
Nacional? Que dizer do "Sombra", uma das figuras sinistras
do PT de Santo André? Nesse sentido, todos aqueles que
construíram o PT e os centristas que o ajudaram a construir
são cúmplices, ainda que indiretos, das máfias
petistas e daquela de Marcola.
Hoje, diante dos acontecimentos de São Paulo, alguns
partidos ditos "de esquerda", pensando (como sempre)
já nas próximas eleições (e apenas,
nos possíveis lucros eleitorais), aproveitaram os fatos
para atacar os seus potenciais adversários e culpá-los
pela falta de segurança. Conforme a posição
eleitoral, uns atacam o PSDB e o PFL, outros o próprio
PT, pois, saíram dele há apenas alguns anos, outros
há alguns meses e ainda, os últimos, que saíram
há apenas alguns dias (antes do término do prazo
para conseguir outra legenda eleitoral). Outros atacam o "capitalismo
neoliberal" como a causa da violência. Seria este último
melhor que o capitalismo?
Quantas rajadas de metralhadoras do PCC serão ainda
necessárias para calar tal retórica eleitoral e
tanta pseudo-teoria destes outros cúmplices indiretos do
crime organizado paulista e brasileiro?