Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 8 de julho de 2006
As flutuações desordenadas dos preços
das ações nos últimos dois meses apontam
o crescente poder do capital financeiro internacional sobre o
mercado indiano e indiretamente sobre a economia indiana.
Depois de atingir a alta histórica de 12,761, no dia
11 de maio, o Índice de Sensibilidade (SENSEX) da Bolsa
de Bombaim (BSE), retrocedeu violentamente. Em 14 de junho, a
bolsa caiu aproximadamente 30 pontos percentuais, fechando em
8,929 - uma perda de cerca de $250 bilhões num mercado
em que a capitalização total é estimada entre
$800 e $900 bilhões.
Nas últimas três semanas, as ações
subiram bruscamente. Na terça-feira, o SENSEX fechou aos
10,768 pontos, o que significa que os valores das ações
recuperaram cerca de metade das perdas que sofreram entre meados
de maio e de junho.
Previamente a essa queda do mercado, no mês de maio,
as casas de negociação indianas, a elite política
e a mídia corporativa estavam sustentando que aquele crescimento
(até 11 de maio) da mais importante bolsa de valores da
Índia, o maior desde maio de 2004, seria uma prova do "decolar"
da economia da Índia.
Uma das principais causas desse incremento, senão a
principal, se deu pelo fluxo de investimentos dos Investidores
Institucionais Estrangeiros (FIIs - Foreign Institutional Investors),
ou seja, investimentos de bancos e fundos "hedge". Uma
grande fração desses investimentos veio da pequena
ilha do Oceano Pacífico e paraíso fiscal de Maurício,
onde as FIIs ativaram companhias de títulos que eram mascaradas
como firmas baseadas em Maurício, podendo assim ter vantagens
sobre o tratado de taxação dupla entre a Índia
e Maurício, e escapar, assim, de pagar taxas sobre seus
lucros de investimentos.
A maior queda do SENSEX ocorreu em 22 de maio, quando atingiu
os 1,114.70 pontos, ou mais de 10%, acionando uma parada automática
das negociações. De acordo com as análises
da bolsa, muito da queda naquele dia e nos anteriores se deu pelas
vendas prolongadas realizadas pelos FIIs, especialmente de fundos
"hedge". Tais fundos são notórios por
emprestar massivas quantidades de investimentos especulativos,
o que os torna vulneráveis às retiradas adicionais
(maiores demandas monetárias de investidores devidas à
queda de preço dos fundos).
Após a queda do dia 22 de maio, o ministro indiano das
finanças Chidambaram tentou parecer calmo: "Houve
certo nervosismo no mercado. A minha mensagem aos investidores
é para que continuem investindo. Os FIIs estão aqui
para ficar. Não há motivos para pânico....
Bancos providenciarão dinheiro para aqueles que quiserem
realizar retiradas adicionais".
Temendo que as perdas do mercado pudessem despertar uma erupção
de suicídios entre os pequenos investidores arruinados,
a polícia em diversas cidades, incluindo Mumbai e Ahmedabad,
foi instruída a observar de perto as pontes e linhas de
trens. Tais suicídios ocorreram em 1990 quando estourou
uma bolha especulativa do mercado.
De acordo com as estimativas feitas em meados de junho, essa
queda cortou a rede de investimentos estrangeiros na Índia
para este ano em aproximadamente $2,7 bilhões. Comparativamente,
em 2005 houve um fluxo líquido de investimentos estrangeiros
nas ações indianas de $10 bilhões e em 2004
de $8,6 bilhões.
A liquidação de ações e a associada
retirada de fundos estrangeiros da Índia afetaram a taxa
de cambio da rúpia (moeda indiana). A rúpia declinou
a uma baixa de três anos atrás em relação
ao dólar americano (Rs46, 57), mas se recuperou um pouco
depois que o Banco Central da Índia subiu duas vezes 0,25%
a taxa de juros.
Ironicamente, a queda do mercado em 22 de maio coincidiu com
o segundo aniversário da subida ao poder do Partido do
Congresso líder da Aliança da Unidade Progressista
(UPA). Durante a campanha pelas eleições em 2004,
o Partido do Congresso fez um intenso apelo à revolta popular
pela insegurança econômica e pela desigualdade social,
enquanto o Partido Bharatiya Janata (BJP), líder da Aliança
Democrática Nacional, refletindo a situação
da elite corporativa e das mais privilegiadas seções
da classe média, reivindicava a reeleição
sob o slogan "Índia brilhando".
Como era esperado, o Partido do Congresso, líder da
UPA, enquanto continuava a propagar sua retórica pró-pobres,
prosseguiu com sua agenda neoliberal assim como o outro partido
anterior, o BJP, procurando fazer da Índia um centro de
mão-de-obra barata, engenharia, processamento de negócios,
pesquisas, e manufaturas para voltadas para o mercado mundial.
O desmantelamento das barreiras para investimentos estrangeiros
em bancos, no comercio varejista e em outros setores e os planos
do governo para diminuir as restrições à
demissão de trabalhadores e ao fechamento de postos de
trabalho, assim como o desvio dos fundos estatais e dos serviços
públicos para desenvolver energia e a infra-estrutura de
comunicação fizeram da Índia um ímã
para o capital estrangeiro, colaborando na aceleração
da taxa de crescimento do país.
Mas, o crescimento anual de sete por cento do Produto Interno
Bruto (PNB) e o considerável aumento do rendimentos per
capita nos últimos anos não foram traduzidos em
nenhuma melhora sócio-econômica para a vasta maioria
da população indiana. Pelo contrário, o desmantelamento
da regulação nacional da economia da Índia,
associado a cortes nos gastos sociais, incluindo os cortes nos
subsídios agrícolas, e a transferência dos
investimentos estatais em agricultura para apoiar projetos relacionados
à infra-estrutura desejados pelos capital nacional indiano
e internacional foram catastróficos: produziram um montante
desemprego nas cidades e severos sofrimentos no campo. De acordo
com uma recente reportagem do Banco Mundial, 35 por cento da população
indiana vive com menos de um dólar por dia.
Além disso, as afirmações da elite política
e corporativa que a Índia vem se tornando rapidamente uma
potência econômica mundial são embasadas em
décadas de manipulações a respeito das taxas
de crescimento.
Na verdade, sob qualquer medida, e em quase todos os setores,
a economia da Índia continua pequena e atrasada. Ainda
que mais de 15% da população mundial resida na Índia,
o país é responsável por apenas um por cento
do mercado mundial.
De maneira grosseira, as afirmações da irresistível
Índia como potência ascendente ignoram fundamentalmente
os problemas e desequilíbrios tanto da economia indiana
quanto aqueles da economia mundial.
Nesse sentido, a arruinada situação da infra-estrutura
da Índia é crescentemente citada como uma forte
barreira para futuros investimentos, mesmo no setor de tecnologias
da informação, um nicho no qual a Índia emergiu
como um significativo participante global.
Diversos economistas estimam que para a Índia atingir
uma taxa de crescimento anual de 8,5%, será necessário
um fluxo de capital de $50 a $60 bilhões por ano. Mesmo
essa soma poderia estar subcalculada, pois, como o Primeiro Ministro
Manmohan Singh relatou, no 39° Encontro Anual do Quadro de
Governantes do Banco de Desenvolvimento Asiático, no dia
5 de maio, a infra-estrutura da Índia requer um investimento
de mais de $150 bilhões, e isto nos próximos poucos
anos.
Com a idéia de atrair investidores internacionais para
a infra-estrutura, a UPA (frente entre o Partido do Congresso
e os comunistas indianos), como já fazia o governo anterior,
está planejando direcionar mais recursos chaves, como a
água, e setores fundamentais da economia, como aqueles
da geração de energia, para o controle parcial ou
mesmo completo por setores da apropriação privada.
A maior parte do capital estrangeiro que a Índia atraiu
nos anos recentes foi sob a forma desses investimentos institucionais
voláteis, ao invés de investimentos estrangeiros
diretos. (Em 2005, a proporção era de 60% para 40%).
Ainda que o fluxo dos FIIs possibilitou às companhias indianas
o levantamento adicional de capital por meio de novas ofertas
de ações ou com o aumento dos empréstimos
baseados no aumento de seu valor, os investimentos dos FIIs são
por definição altamente líquidos, pois, são
vindos de instituições financeiras que estão
nos negócios que dão lucro em variações
acionárias e valores submetidos a concorrência de
curto prazo.
A dependência da Índia às formas de investimentos
voláteis dos FIIs marca um óbvio contraste em relação
à China e ao Brasil, onde os investimentos de FIIs foram
estimados respectivamente em 26 e 30 por cento para todos os investimentos
estrangeiros em 2005.
A taxa de crescimento da Índia deve diminuir, sobretudo,
quando os investidores estrangeiros tornarem-se mais impacientes
com o ritmo das reformas neo-liberais, ou com as condições
do mercado internacional que se deterioram. A Índia pode,
assim, como as recentes oscilações do mercado demonstraram,
a qualquer momento, ser posta de lado por uma repentina retirada
dos FIIs e haveria assim a conseqüente desvalorização
da rúpia.
Um artigo no começo desse ano no asiatimes.com
apontou que a economia da Índia "encontra riscos significativos
surgindo no preço do petróleo muito mais alto e
no impacto deste preço mais elevado da energia na inflação
indiana e no crescimento econômico global" e atentou
que esses riscos poderiam levar ao afastamento dos fundos estrangeiros
dos mercados indianos.
"Anteriormente", continua o artigo, " o desempenho
dos investimentos dos mercados emergentes que vivia da acumulação
de curtíssimo prazo do capital estrangeiro veio a falecer
por causa da repentina retirada do capital estrangeiro. E a Índia
é hoje muito vulnerável a essa síndrome".
A Índia sofre de um considerável déficit
nas suas contas correntes. Para o período entre abril e
dezembro de 2005, o déficit foi de $13,5 bilhões,
mais que o dobro do déficit de $5,9 bilhões ocorrido
no mesmo período de 2004. A principal razão para
tal crescimento no atual déficit foi o inchaço do
déficit comercial, que totalizou $39,6 bilhões para
os nove meses entre abril e dezembro de 2005.
No front fiscal, tanto os governos estaduais como o central
na Índia estão atolados em débitos superiores
a 40% da renda reservada para o reembolso da dívida. As
imensas dívidas são conseqüências das
sucessivas seções de cortes das taxas para as empresas
e para os ricos. As dívidas do governo central e estadual
combinadas somam por volta de 9% do PNB, o capital internacional
insiste que os gastos públicos devem ser drasticamente
diminuídos.
Em suma, a confluência de fatores que está além
do controle da elite que controla a Índia poderá
ocasionar, em breve, uma crise econômica similar àquela
que devastou o Sudeste asiático em 1997-1998.