Não-imagens de Brasil

Diario da Greve

Assisti nessa semana dois filmes brasileiros que, a despeito das suas fragilidades, me pareceram experimentos muito interessantes e que dialogavam muito bem apesar de serem de resto em tudo diferentes. Um deles é o A Luz do Tom, segundo documentário que o Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim co-dirigiram. O outro é Diário da Greve, autointitulado filme de garagem, que Guilherme Sarmiento realizou registrando o seu dia a dia durante a paralisação dos professores das universidades federais em 2015. Eles não têm muito em comum a parte serem filmes quase caseiros, (A Luz  do Tom com muito mais grana evidentemente) e serem filmes assombrados pelo que seria uma representação do Brasil hoje. Continuar lendo

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Hooper em cinco filmes

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Tobe Hooper faleceu este último final de semana e como era inevitável quase todas as menções a ele se centraram no Massacre da Serra Elétrica (com algumas referências a ele ter dirigido Poltergeist também). Há bons motivos para isso, há poucos filmes de horror mais marcantes do que o primeiro Massacre, um filme que parece ter surgido pronto, uma viagem vil pelo mal, impressionante por tudo que recusa (a catarse, a redenção, a explicação, a psicologia), há somente o descer fisicamente ao inferno. Ao mesmo tempo me entristece muito que a carreira dele seja reduzida ao filme, pois Hooper fez muita coisa interessante nas duas décadas subsequentes. Creio que ele teve uma decadência mais pronunciada do que outros cineastas da sua geração, mas isso também decorre da disposição de seguir pegando projetos de orçamento e material cada vez menores. Não que isto venha ao caso, talvez o grande azar de Hooper é que o Massacre não seja seu cartão de visitas ideal, há uma crueza ali que de um modo geral o cineasta pouco tentou reproduzir e é um desses filmes que surgiram do amago de uma sociedade doente que parecem existir para além dos responsáveis.

Mas para tentar equilibrar as coisas um pouco comento aqui cinco filmes do Hooper que acho também merecem ser conhecidos:

Eaten Alive (1976)

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De certa forma este é o filme que as pessoas que nunca viram o Massacre imaginam que ele seja: é grosseiro e sujo, com uma disposição para chafurdar na lama. É também um filme de imagens elaboradas, com um trabalho de cor e cenários muito destacados, um segundo filme de quem está se aproveitando bem de ter recursos antes indisponíveis e Hooper abraça um imaginário visual artificial bem distante do Massacre. Uma Hollywood decadente abraçando o exploitation da era, o elenco cheio de veteranos (Neville Brand, Stuart Whitman, Mel Ferrer). Outro dia no twitter alguém descreveu o filme como Tennessee Williams em versão horror sulista e o filme é mesmo meio isso, um melo familiar histérico temperado por um caipirão com seu crocodilo.

Pague para entrar, reze para sair/The Funhouse (1981)

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Feito no boom de popularidade dos slashers no começo dos anos 80 e flertando com gênero mesmo sem se assumir completamente. A premissa é mais simples possível dois casais resolve passar a noite na casa de horrores de um circo e evidentemente isto se revela uma péssima ideia. É um filme sobre impotência, sobre o trauma diante das imagens de horror. É bem autoconsciente de estar trabalhando a partir de um manancial de ficção de horror. Aquela casa de horrores elevada pelas imagens para uma grande casa da ficção, onde os traumas podem ganhar forma. Toda a encenação do Hooper voltada para esta imagem do espectador paralisado em frente as possibilidades de violência desta ficção.

Força Sinistra/Lifeforce (1985)

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Hooper descreveu este filme como um suicídio de carreira e de fato poucas vezes alguém pegou todas as fichas que conseguiu com um grande sucesso e as transformou em algo tão peculiar. Sexo, morte e a sedução do cinema, estão aí motivos que animam filmes desde que eles existem e aqui eles tem um tratamento tão duro, sobretudo neste formato de superprodução. A perversidade do olhar é um desses temas que raramente são bem recebidos e aqui ele é apresentado com uma grandiosidade e uma densidade de imagem raros. Muito se fala de o filme ser uma grande homenagem ao horror inglês vinda de um americano, e se é verdade que o roteiro do Dan O’Bannon é bem consciente no uso da história do gênero e sobretudo da Hammer (Carmilla encontra Quatermass para os iniciados), acho que a referência que por vezes passa a batida é do Peeping Tom do Michael Powell, outro suicídio de carreira e outro filme que existe entre a pulsão do sexo e da morte. Quando Powell o lançou  houve quem o chamasse de tarado pelas relações que construía entre o ato de assistir imagens e a compulsão do seu psicopata e Força Sinistra meio que se dedica a ser uma versão mais direta e menos analítica deste mesmo processo. Fica na minha mente sempre aquele momento em que o corpo sem vida do Patrick Stewart se dissolve e o sangue vai aos poucos formando o corpo nu da Mathilda May. Morte encontra o desejo, a equação dos filmes segundo Hooper.

O Massacre da Serra Eletrica 2/Texas Chainsaw Massacre 2 (1986)

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Detesta-se o Massacre 2 justamente por ele não ser como o primeiro, a imagem artificial no lugar da crueza, o gore no lugar da sugestão, a figura do Dennis Hopper para oferecer algum star power, uma obsessão por retribuição quando o original impressionava pela sua completa ausência de motivações. O primeiro Massacre é um filme chave da estética dos anos 70, mas eu diria que o mesmo pode-se dizer desta sequência para a década seguinte, com sua imagem sintética e o seu olhar pós-humanista. Costumo dizer que a história da geração de cineastas de horror americanos dos anos 70 é da relação de atração e repulsa com as possibilidades de ascenderem dentro de Hollywood, um casamento mal resolvido entre anarquismo e o arrivismo, e o que se ganha e perde ali, acho que nenhum filme alegoriza isso de forma mais direta do que esse. Massacre um é grito primal, este é uma piada doente que Hooper conquistou o direto de fazer.

Combustão Instantânea/Spontaneous Combustion (1990)

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Se dentro da sociedade americana os anos Reagan ecoam nostalgicamente os da presidência de Eisenhower, algo particularmente presente nos filmes de ficção cientifica e horror do período, este misto de fantasia paranoica, atualização de filme de monstro dos anos 50 e melodrama familiar, é a ansiedade doentia de um período se sobrepondo as de outro. É um conto sobre um homem que descobre aos poucos que ele literalmente é uma bomba atômica humana e uma herança da guerra fria. Ele finalmente se exaure dramaticamente na altura do terceiro ato, mas é de uma integridade de ideias e imagens notável e Brad Dourif  tem provavelmente melhor atuação de um filme de Hooper.

 

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Meus favoritos de 2016

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The Exquisite Corpus, de Peter Tscherkassky

Como sempre o critério é filmes que vi pela primeira vez em 2016 que tiveram sua estreia pública nos últimos 3 anos.

Antes de mais nada 5 curtas que me marcaram este ano: A Brief History of Princess X (Gabriel Abrantes), The Exquisite Corpus (Peter Tscherkassky), Hinterlands (Scott Barley), Où en êtes-vous, Jean-Marie Straub ? (Jean-Marie Straub), The Tony Longo Story (Thom Andersen).

Menções Honrosas (76-100): 100 Yen Love (Masaharu Take), 13 Horas (Michael Bay), Ascent (Fiona Tan), L’Amour au Temps de la Guerre Civile (Rodrigue Jean), Baskin (Can Evrenol), Behemoth (Zhao Liang), Café Society (Woody Allen), Cemitério do Esplendor (Apichatpong Weerasethakul), Chongqing Hot Pot (Yang Qing), O Cantador (The Accountant, Gavin O’Connor), Eliminators (James Nunn), El Futuro Perfecto (Nele Wohlatz), High-Rise (Ben Weathley), I Am Not a Serial Killer (Billy O’Brien), Incompresa (Asia Argento), The Lies of the Victors (Christoph Hochhausler), No Home Movie (Chantal Akerman), Pale Moon (Daihachi Yoshida), El Rey de La Habana (Agustí Villaronga), Taego Awã (Henrique Borela, Marcela Borela), Train to Busan (Yeon Sang-ho), Trivisa (Frank Hui, Jevons Au, Vicky Wong), The Trust (Alex Brewer, Benjamin Brewer), Veteran (Ryoo Seung-wan), Vie Sauvage (Cedric Kahn).

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Mostra 2016

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A Hora da Religião, de Marco Bellocchio

Com algum atraso, o tradicional post de dicas da Mostra.

Este ano a Mostra está com um grupo maior que o habitual de retrospectivas, a maior sendo a do Wajda, mas a também uma retrospectiva do Bellocchio e outra do Friedkin, além de ciclos em homenagem ao Kieslowski e Jamursch. Acho que todas elas têm seu interesse.   Nas maiores eu diria que os filmes da década de 50 são os mais imperdíveis do Wajda (apesar de serem também alguns dos mais manjados). Do Bellocchio, De Punhos Fechados são incríveis apesar de que foram exibidos na Mostra em 2007 acho, mas também não deixaria escapar A Hora da Religião um dos melhores filmes do mundo e que segue pouco conhecido. A do Friedkin já é menor e inclui os 5 longas do período mais famoso dele mas daria particular atenção a O Comboio do Medo, seu remake maldito de O Salário do Medo que parece finalmente começar a ser recuperado nos últimos anos e Viver e Morrer em Los Angeles, um dos melhores filmes americanos dos  anos 80. A não perder também a exibição de O Quarto Homem, um dos melhores filmes da fase holandesa do Paul Verhoeven. Não se esqueçam também da sessão de curtas do Aloysio Raulino, que além de ser um dos melhores fotógrafos foi um curta metragista documental notável. Lacriminosa e O Porto de Santos estão sem dúvidas entre os melhore filmes brasileiros de qualquer duração.

Muitos veem reclamando da seleção da Mostra e do sempre detestado ineditismo. De fato, creio que esta é a Mostra com menos filmes de medalhão que eu me lembro e com relativamente poucos filmes premiados nos três grandes festivais europeus. Por outro lado, a Mostra tem um número bem razoável de filmes menos badalados interessantes (algo no qual o Rio este ano deixou a desejar). Acho que idealmente em Festivais panorâmicos que são menos baseados num recorte curatiorial do que numa tentativa de apresentar uma visão ampla do ano, um equilíbrio nestes dois polos é fundamental e creio que 2016 termina deixando a desejar nos grandes festivais do fim de ano.

Listo os filmes novos em 3 listas separadas. A primeira é dos grandes destaques. Depois uma segunda lista de filmes de cineastas cujo trabalho me interessa bastante, depois uma última lista com filmes que também me chamam a atenção ou porque já vi outros trabalhos bons dos cineastas (mas um pouco menos do que a lista B) ou porque li elogios de pessoas que levo em conta.

As recomendações dos filmes novos seguem abaixo. Continuar lendo

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Thom Andersen além de Los Angeles Plays Itself

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The Thoughts That Once We Had (2015), de Thom Andersen

Muitos cinefilos paulistanos tiveram a oportunidade de conhecer Thom Andersen quando a Mostra trouxe Los Angeles Plays Itself em 2014. Trata-se certamente da obra prima de Andersen tanto como cineasta quanto crítico, mas a partir de amanhã (8/7) o CCSP iniciara a retrospectiva “Hollywood e além: o cinema investigativo de Thom Andersen” que nos dará a oportunidade de conferir o restante da obra de Andersen que vai certamente além daquele grande filme. A retrospectiva inclui até onde sei todos os longas e médias do realizador e grande maioria dos curtas dele, incluindo alguns trabalhos do ano passado que ainda não circularam muito. Andersen é um cineasta essencial justamente porque poucos são tão hábeis em nos colocar diante de como a história das formas (seja numa arte como cinema, seja nos espaços públicos que frequentamos, etc.) ajuda a formar nossa compreensão do mundo. Como costumo dizer o que há de menos importante nos filmes de Andersen e se concordamos ou não com suas teses e conclusões, mas este desejo de expandir o olhar.

Entre outras coisas é uma bela oportunidade para colocar as preocupações com arquitetura, espaço público e políticas de Andersen num contexto mais amplo. Por exemplo, Red Hollywood (co-dirigido pelo Noel Burch) e Get Out of the Car, os filmes que Andersen realizou antes e depois de Los Angeles Plays Itself ajudam bastante a coloca-lo no contexto, o primeiro narrando a historia dos artistas militantes comunistas em Hollywood e o segundo completando a construção da identidade urbana de Los Angeles para além da sua imagem no próprio cinema.

A retro é uma rara oportunidade de assistir ao primeiro média dele Eadweard Muybridge, Zoopraxographer que é um dos seus melhores filmes e geralmente circula na internet em cópias de qualidade duvidosa. Um trabalho excepcional de crítica e história e um dos seus filmes formalmente mais interessantes, além de um bom exemplo do senso de humor do Andersen em relação ao seu tom professoral que sempre ajuda os filmes a fluir melhor. A retro também inclui a primeira exibição paulistana do longa mais novo de Andersen The Thoughts That We Once Had, que acho só passara por aqui no Fronteira ano passado. É um filme intrigante justamente porque tira Andersen do seu habitat natural do pragmatismo da crítica americana e numa direção mais especulativa da tradição francesa. O ponto de partida são os dois livros de cinema do Deleuze, mas é bom destacar aos deleuzianos que eles são mais um veículo para as ideias de Andersen do que o foco do filme.

A retro também inclui alguns trabalhos de cineastas próximos e as vezes parceiros do realizador como Peter Bo Rappmund, Billy Woodberry e Ross Lipman.

No dia 14 após a segunda exibição do The Thoughts That We Once Had haverá um bate papo entre o Andersen, Remier Lion e o Aaron Cutler (que fez a curadoria da mostra junto da Mariana Shellard).

A programação esta disponível aqui.

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Alguns favoritos de 2015

Belos filmes vistos e revistos ao longo de 2015 realizados até 2012.

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Carmen (Cecil B De Mille, 1915)

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The River (Frank Borzage, 1929)

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Man to Man (Allan Dwan, 1930)

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The Champ (King Vidor, 1931)

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Platinum Blonde (Frank Capra, 1931)

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Meus Favoritos de 2015

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Noite Sem Distancia, de Lois Patiño

Como sempre o critério aqui são filmes vistos pela primeira vez este ano que tiveram as primeiras exibições nos últimos 3 anos.

Primeiro um comentário rápido sobre curtas. Meu favorito do ano foi Noite Sem Distancia do Lois Patiño. Outros 9 curtas que gostei muito em ordem alfabética: Bitch Better Have My Money (Rihanna, MegaForce), Fort Morgan (Alexander Stewart), Hunter (Scott Barley), I Dalio (Mark Rappaport), Ihomtep (Leo Pyrata), Message de salutations: Prix suisse / remerciements / mort ou vif (Jean-Luc Godard), Um Século de Energia (Manoel de Oliveira), Sem Título #2: La Mer Larme (Carlos Adriano), World of Tomorrow (Don Hertzfeldt).

Vale apontar que optei por não contar Visita ou Memórias e Confissões do Manoel de Oliveira como um filme de 2015.

Menções honrosas (100-76) À Beira Mar (By The Sea, Angelina Jolie), The Airstrip (Heinz Emigholz), Aloha (Cameron Crowe), Being Boring (Lucas Ferraço Nassif), La Buca (Daniele Cipri), Da Sweet Blood of Jesus (Spike Lee), Daughters (Tochter, Maria Speth), Everest (Baltasar Kormákur), Experimenter (Michael Almereyda), Gangster Payday (Lee Biu-Cheung), Garotas (Bande des Filles, Céline Sciamma), Gett: o Julgamento de Viviane Amsalem (Ronit Elkabetz, Shlomi Elkabetz), Hill of Freedom (Hong Sang-soo), A Incrível História de Adaline (The Age of Adaline, Lee Toland Krieger), Mia Madre (Nanni Moretti), Ming of Harlem: Twenty One Storeys in the Air (Phillip Warnell), A Misteriosa Morte de Pérola (Guto Parante, Ticiane Augusto de Lima), Mountains May Depart (Jia Zhang-ke), Noite (Paula Gaitán), Pasolini (Abel Ferrara), Sabor da Vida (An, Naomi Kawase), Selma (Ava DuVernay), Temporary Family (Cheuk Wan Chi), Teobaldo Morto, Romeu Exilado (Rodrigo de Oliveira), Vício Inerente (Inherent Vice, Paul Thomas Anderson)

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