A conferência da UE realizada em Bruxelas na quinta e
sexta-feira foi dominada por um grande confronto que terminou
com a virtual exclusão do Reino Unido no que diz respeito
a decidir sobre os assuntos futuros da União Europeia.
Neste ano as especulações têm sido crescentes
nos círculos financeiros e políticos em relação
a uma possível saída da zona do euro de certos Estados-membros,
como resultado do aprofundamento da crise da dívida soberana.
Essa especulação centrou-se em diversas das menores
e mais endividadas economias, como as de Portugal e da Grécia.
Agora o ano está chegando ao fim com a exclusão
na prática da terceira maior economia da Europa de qualquer
poder de decisão sobre a organização da União
Européia.
Na sessão de sexta-feira do encontro, 26 dos 27 Estados-membros
declararam que iriam continuar com os planos propostos pela França
e pela Alemanha de empurrar novas medidas de austeridade e limites
orçamentários por toda a Europa. A única
voz de oposição foi a do primeiro-ministro da Grã-Bretanha,
David Cameron.
O conflito ocorrido no encontro iniciou na quinta-feira, quando,
ao longo de uma tempestuosa reunião de negociação
de 11 horas, Cameron tentou bloquear as mudanças propostas
pela França e Alemanha depois que estes países discordaram
de um protocolo que excluía a City of London [centro financeiro
de Londres] dos efeitos de uma legislação pensada
pela União Europeia para regular várias práticas
financeiras. Justificando sua posição, Cameron argumentou:
"Tive que buscar com firmeza aquilo que era do interesse
da Grã-Bretanha".
Outros três países -Suécia, República
Tcheca e Hungria - declararam que não podiam concordar
com os termos colocados pela França e Alemanha e que primeiro
teriam que consultar seus respectivos parlamentos nacionais.
Na quinta-feira à noite, o presidente francês,
Nicolas Sarkozy, disse a repórteres que a posição
da Grã-Bretanha na conferência era "inaceitável".
Ele chegou a repreender Cameron por ter tentado ditar os termos
para lidar com a crise do Euro ao mesmo tempo que se recusava
a se juntar à Zona do Euro.?Sarkozy depois descreveu o
encontro como "histórico". Fazendo alusão
aos 17 Estados-membros que usam a moeda comum e aos dez que não
usam, ele saudou a criação de um bloco "europlus"
(que exclui a Grã-Bretanha).
Na sexta-feira, a Suécia, a República Tcheca
e a Hungria decidiram se juntar aos 23 Estados-membros que apoiavam
o plano Merkel-Sarkozy, deixando Cameron isolado. Em discussões
anteriores na União Europeia, o primeiro-ministro britânico
tinha conseguido contar com um nível de apoio para determinar
a política europeia para outros países que não
fazem parte da Zona do Euro, como a Polônia, Suécia
e a Dinamarca. Agora a iniciativa franco-alemã acabou de
uma vez por todas com esse artifício.
No centro das dissidências no encontro de Bruxelas estão
os interesses divergentes do capital financeiro e dos consórcios
bancários europeus. Os bancos e instituições
financeiras concentradas na City of London dominam os mercados
de serviço financeiro na União Europeia e há
tempos são a pedra no sapato dos interesses bancários
centrados em Paris e Frankfurt.
Há apenas uma semana, o primeiro-minsitro britânico
deixou claro que sua tarefa principal no encontro de Bruxelas
era a de preservar a soberania dos mercados financeiros britânicos.
"É absolutamente vital que a salvaguardemos",
disse ele à Casa dos Comuns (baixo parlamento britânico).
As questões que estão em jogo para a Grã-Bretanha
foram esboçadas em um relatório recente da agência
de inteligência financeira Open Europe, que presta serviços
para o setor bancário britânico. De acordo com o
relatório, a União Europeia estava preparando ao
menos 49 novas propostas regulatórias que poderiam ter
repercussões negativas na City of London. A Open Europe
apontou que "ao passo que nos anos 1990 e no início
dos anos 2000, políticos europeus geralmente (mas nem sempre)
se sentiam constrangidos por impor uma regulação
financeira para a Grã-Bretanha, agora eles não se
sentem mais".
Especificamente, o relatório dizia que as propostas
para um imposto de movimentações financeiras para
toda a Europa, a proibição de vendas a curto prazo,
e a insistência por parte do Banco Central Europeu para
que as transações financeiras em euros sejam conduzidas
dentro da Zona do Euro em vez de Londres representam um desafio
fundamental à Grã-Bretanha. Baseado em seus achados,
o relatório aconselhava o primeiro-ministro britânico
a defender exatamente a posição adotada por Cameron
em Bruxelas.
Enquanto o encontro de Bruxelas expôs o profundo racha
que existe entre os interesses bancários britânicos
e o restante da Europa, seria um erro concluir que os Estados-membros
tinham qualquer intenção de restringir o poder dos
bancos. Uma das características mais significantes do acordo
discutido em Bruxelas nesta semana era o acordo forjado pela Alemanha
e França para assegurar que no futuro nenhum banco privado
ou acionista seriam alvos de prejuízo resultado de um resgate
a uma economia europeia. O custo de cobrir maus investimentos
dos bancos será carregado pela classe trabalhadora.
Nos últimos dois anos, o chamado para que investidores
assumam perdas no evento de um resgate de dívida soberana
era uma grande plataforma da política financeira alemã.
Diante da dura pressão dos bancos internacionais e das
agências de avaliação de crédito, incluindo
uma ameaça no início desta semana por parte da Standard
& Poor's de rebaixar a maioria das nações da
Zona do Euro, inclusive a Alemanha, o governo da chanceler Angela
Merkel retirou a exigência, durante suas negociações
com Sarkozy, de trabalhar um plano comum antes do encontro.?
Diferenças substanciais permanecem entre os países
que assinaram o plano Sarkozy-Merkel, incluindo aquelas entre
França e Alemanha. A Alemanha quer um regime de supervisão
fiscal mais solto vindo de Bruxelas e uma política muito
mais ampla por parte do Banco Central Europeu para fornecer euro
barato aos bancos nacionais europeus - em primeira instância,
os bancos franceses. A Alemanha quer um mecanismo mais centralizado
para se sobrepor aos parlamentos nacionais e impor a austeridade
fiscal à toda a UE, assim como a limitação
do papel do Banco Central Europeu.
Todos - incluindo o Reino Unido - concordam, porém,
com a implementação de programas de austeridade
draconianos ditados pela elite financeira. Quanto a fazer a classe
trabalhadora pagar pela crise, não há divergências
entre Londres, Paris e Berlim.
Além de abandonar qualquer chamado a um "corte
de cabelo" pelos bancos como parte dos esforços para
atenuar a crise de endividamento européia, os elementos
essenciais do plano acordado entre as 26 nações
em Bruxelas inclui a concessão de poderes semi-ditatoriais
à burocracia de Bruxelas para supervisionar e ditar as
políticas orçamentárias e fiscais de nações
individuais da UE, assim como a imposição de sanções
contra os Estados que violarem as estritas regras orçamentárias.
Os novos acordos constituem um verdadeiro campo minado político
e legal. O texto final do acordo deve ser jogado fora antes de
uma nova conferência planejada para a primavera do ano que
vem.
A maior parte dos mercados de ação tiveram alta
na sexta-feira, estimulados pela conferência, principalmente
graças ao abandono da demanda de um "corte de cabelo"
contra seus holdings da dívida pública européia,
e devido a decisão da conferência de adiantar em
um ano a constituição do fundo de resgate europeu
permanente (Mecanismo de Estabilidade EuropeuESM) para julho
de 2012.
Mas as propostas empurradas pelos EUA, pelo FMI e por muitos
governos europeus defendendo um massivo acréscimo de recursos
ao ESM e sua transformação em um banco, para inundar
os mercados com crédito barato, foram bloqueadas pela Alemanha.
O respiro proporcionado à crise européia provavelmente
vai durar pouco. A Europa já mergulhou de novo na recessão,
a economia americana permanece afundada, e o crescimento econômico
de economias "emergentes" fundamentais, como China,
Índia e Brasil está perdendo ímpeto. As medidas
de austeridade impostas às economias européias mais
frágeis - Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha, Itália
- já jogaram esses países na recessão e aprofundaram
suas crises de endividamento. Políticas similares na França,
Inglaterra e outros países da UE serão intensificadas.
Essas políticas fomentarão um crescimento da
resistência do proletariado assim como um aprofundamento
dos antagonismos inter-imperialistas. É apenas uma questão
de tempo até que a crise do euro tenha uma nova virada,
para a pior.
A exclusão do Reino Unido das novas estruturas e organismos
deliberativos marca um ponto nodal na desintegração
da própria União Européia. Sob os golpes
da crise, a integração capitalista da Europa que
começou mais de 15 anos atrás está em rápida
decadência.