Mais de dois milhões de trabalhadores do funcionalismo
público participaram ontem de uma greve de 24 horas contra
o ataque perpetrado pelo governo Conservador/Liberal sobre suas
aposentadorias.
A maior paralisação dos últimos 30 anos
envolveu membros de 37 sindicatos em uma ação apoiada
pelo Congresso de Sindicatos (TUC), que incluía professores,
profissionais da saúde, funcionários públicos
em geral e trabalhadores de administrações locais
e de outras áreas do serviço social, todos revoltados
com os planos da coligação de fazer os funcionários
públicos pagar mais e trabalhar mais para receber menos
em sua aposentadoria.
O governo e a mídia tentaram subestimar a greve, e o
primeiro-ministro, David Cameron, descreveu-a como "miada"
ao mesmo tempo que reclamava do distúrbio extensivo.
Os números provam o contrário. Apenas 13% das
escolas na Inglaterra não foram afetadas pela paralisação,
número próximo daqueles no País de Gales
e na Irlanda do Norte. Na Escócia, menos de 2% das escolas
funcionaram normalmente.
Dezenas de milhares de profissionais da saúde fizeram
greve, postergando, somente a Inglaterra, 60 mil consultas e cirurgias.
Também foi relatada uma grande adesão da greve nas
centrais telefônicas de emergência da polícia
e de ambulâncias. Os serviços de ambulância
da região sudeste e de Londres declararam que só
poderiam atender casos de risco de vida.
Enquanto a mídia anunciava que houve o mínimo
de interrupção dos serviços em aeroportos,
apesar da paralisação dos funcionários da
imigração, o canal de TV Sky News relatou que o
secretário de imprensa de Cameron estava entre os poucos
"voluntários" que estavam trabalhando no aeroporto
de Heathrow ajudando no trabalho de controle de fronteira.
Na Irlanda do Norte, nenhum trem ou ônibus funcionaram.
Na Inglaterra, a maior parte dos sindicatos dos transportes não
estavam envolvidos na greve mas, nos locais em que estavam, todos
os serviços foram suspensos. Os túneis de Mersey
em Liverpool foram fechados, assim como o sistema de metrô
em Newcastle e os ferries das ilhas Shetland.?Dezenas de milhares
de trabalhadores participaram de cerca de mil manifestações
e atos de rua em todo o país. Apesar da cobertura extremamente
hostil da mídia, os repórteres que estavam nas manifestações
descreveram o amplo apoio dado pelo público.
Os trabalhadores do setor público "compareceram
em massa" para a marcha na capital, relatou um jornalista
do Guardian, enquanto outro em Birmingham disse que "não
era fácil" "encontrar alguém que não
apoiasse a greve".
Em Glasgow, Swansea, Liverpool e em muitas outras cidades,
os consumidores que estavam nas ruas espontaneamente aplaudiram
as manifestações. Como pesquisa de opinião,
o Guardian e o Daily Mail relararam apoio popular
à greve entre 60% e 90%.
Em Londres, um grupo de 200 manifestantes tentou ocupar a sede
da corporação de mineração Xstrata,
e foram cercados por uma forte presença policial. Uma declaração
do movimento Ocupa Londres dizia que a tentativa era de ressaltar
o pagamento de Mike Davies, da Xstrata, o CEO mais bem pago da
lista FTSE 100 do ano passado.
No início da semana relatou-se que os salários
líquidos haviam caído por 11 meses consecutivos
para a maioria dos trabalhadores, ao mesmo tempo que os ganhos
dos presidentes e diretores das grandes corporações
aumentaram 15% no último ano.
Em outros lugares da capital, em Hackney, houve relatos de
confrontos entre a polícia e grevistas e 30 pessoas foram
detidas. De acordo com alguns relatos, mais de 100 policiais estavam
envolvidos no confronto, que parece ter se iniciado com o uso
de uma caixa de som na linha de piquete.
No governo, o ministro Francis Maude atacou a greve tachando-a
de "imprópria, inoportuna e irresponsável,
principalmente enquanto negociações estão
sendo realizadas".
O teor desses ataques ficou claro um dia antes da greve, na
voz do chanceler, George Osborne, em seu pronunciamento anual
de outono ao parlamento sobre o orçamento.
Osborne admitiu que o objetivo do governo de usar medidas de
austeridade, incluindo os congelamentos salariais no setor público,
para pagar pelo deficit até 2015 não foi bem sucedida.
O desemprego crescente e a queda na arrecadação
de impostos significava que a dívida, em vez de diminuir,
havia crescido em quase £30 bilhões.
A resposta do governo foi de reivindicar mais austeridade por
um período ainda mais longo. Osborne salientou que a prioridade
era defender o nível de confiança creditícia
do Reino Unido - outro nome para os interesses parasitas do seu
centro financeiro, a City of London. O país tem que "se
manter à própria custa".Essa medida só
mirou a classe trabalhadora.
Os cortes nos gastos públicos serão estendidos
por dois anos além do prazo final original de 2015, anunciou
Osborne.
O congelamento salarial do setor público, já
em prática há dois anos, estava previsto para terminar
no final de 2012. Mas o chanceler disse que o governo imporia
um teto de 1% sobre qualquer aumento salarial por dois anos após
essa data. Isso, combinado com o aumento nas contribuições
para aposentadoria, acaba somando um corte efetivo de 16% sobre
os salários do funcionalismo público.
Além disso, o aumento planejado na idade de aposentadoria,
de 66 a 67 anos, será progressivo até chegar a 8
anos de aumento até o ano de 2028.
Separadamente, a comissão de responsabilidade orçamentária
disse que mais de 700 mil empregos serão cortados no setor
público devido a cortes de gastos, que por si só
elevarão o número de desempregados para mais que
3,25 milhões.
O pronunciamento de outono foi direcionado aos trabalhadores
de salários mais baixos, e Osborne disse que o aumento
planejado nos créditos de impostos (pagos a famílias
de baixa renda) será cortado.
O Guardian comentou: "O tratamento de choque de Osborne
sobre os salários do funcionalismo público faz com
que seja difícil de acreditar que ele, ou que qualquer
outra pessoa no governo, estava falando sério quando ele
pediu aos funcionários públicos que repensassem
sua adesão à greve".
De fato, o pronunciamento propositalmente provocativo era uma
declaração das intenções do aos mercados
financeiros internacionais de que a coligação está
determinada a impor seus ditames, independentemente da oposição
pública. Mais de 80% da estratégia de redução
do deficit depende dos cortes nos gastos públicos, e apenas
20% dos aumentos de impostos.
Osborne autorizou mais £75 bilhões de "flexibilização
quantitativa" pelo Banco da Inglaterra - dinheiro público
a ser injetado diretamente nos cofres dos bancos.
Entre outras medidas reveladas estava um congelamento do limite
de impostos sobre os ganhos capitais, voltado para limitar os
direitos daqueles empregados em pequenas empresas de declarar
demissão injusta, para tornar mais fácil suas demissões.
Em artido para o Daily Mail, Max Hastings comemorou
as medidas. "Criamos um modelo social para nós mesmos
que não podemos mais bancar, no qual trabalhadores do outro
lado do mundo produzem bens por apenas uma fração
do preço cobrado no Ocidente", disse.
A devastação social que está ocorrendo
na Europa - na Grécia, Itália e no restante do mundo
- a mando da oligarquia financeira demonstra que não há
limites para a rapina perpetrada pela elite dominante.
Contra isso, o Dia de Ação demonstrou um espírito
determinado compartilhado pela classe trabalhadora. Mas o TUC
não tem intenções de dirigir uma luta em
defesa dos empregos dos trabalhadores, de seus níveis de
vida e direitos democráticos. Há 18 meses os sindicatos
consentiram em cortes e congelamentos salariais e demissões
em massa.
Afinal, os sindicatos eram forçados a atuar como se
fosse uma oposição. Mas a grande adesão à
greve será mais irritante aos sindicatos do que ao próprio
governo - principalmente quando qualquer menção
feita aos levantes na praça Tahrir, no Egito, eram fortemente
ovacionados no ato de Londres.
Os sindicatos continuam a implorar por "negociações
reais" sobre as aposentadorias e nenhuma ação
posterior está planejada. O secretário-geral da
UNISON, Dave Prentis, mencionou vagamente a "possibilidade
de greves em 2012". Nos bastidores, cada um dos sindicatos
só está tentando costurar seu próprio acordo
com o governo.
Os sindicatos buscam direcionar a revolta popular para um apoio
ao Partido Trabalhista. Foi esse mesmo partido de direita que
possibilitou o frenesi de sustentação dos milionários
durante anos no governo e que iniciou os congelamentos nos salários
do setor público e os ataques às aposentadorias.
Em respeito ao ataque sobre os empregos e condições
de vida dos trabalhadores, não há diferenças
entre o Partido Trabalhista e o atual governo. No parlamento,
a direção dos trabalhistas, Ed Miliband, se recusou
contundentemente a apoiar a greve, ao mesmo tempo que Cameron
ostentava que as reformas na aposentadoria haviam sido planejadas
e endossadas por John Hutton, ex-secretário da previdência
e do trabalho do governo trabalhista.
Grupos de intervenção do Partido da Igualdade
Socialista (SEP) intervieram nos atos por todo o país,
panfletando a declaração "Por uma greve geral
para derrubar o govern Cameron!".
Esse chamado foi bem recebido. Como o SEP explicou, "o
TUC e os sindicatos há muito tempo deixaram de ser organizações
verdadeiras da classe trabalhadora e são agora diretamente
responsáveis pela terrível situação
que a classe trabalhadora enfrenta agora".
"O que se faz necessário é mobilizar a força
coletiva da classe trabalhadora em uma greve geral. Novas organizações
de base devem ser construídas - independentemente das burocracias
sindicais - para unificar todas as seções da classe
trabalhadora em uma luta única para derrubar o governo.
[...] Não se trata de trocar um grupo de políticos
capitalistas por outro, mas de trocar o sistema em sua integridade
pela formação de um governo operário.