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"Reconstruindo o Haiti" com salários de fome
Por Bill Van Auken
2 de fevereiro de 2010
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Publicado originalmente em inglês no dia 26 de janeiro
de 2010.
Ministros do governo, banqueiros internacionais e agências
de auxílio humanitário se reuniram em Montreal na
segunda-feira para discutir planos para a reconstrução
do Haiti destruído pelo terremoto. No cerne das propostas
está a exploração dos trabalhadores haitianos
com base em salários de fome.
A conferência não ofereceu nada concreto em termos
de maior assistência, pelo contrário, agendou um
encontro de doadores nas Nações Unidas somente para
março. Muito da retórica que saiu do encontro pareceu
ter pouca relação com a situação real
do Haiti, onde 150.000 mortos foram confirmados, outros centenas
de milhares estão feridos e mais de 1,5 mi estão
desabrigados.
O primeiro ministro Jean-Max Bellerive, representando os restos
do governo haitiano, junto com ministros estrangeiros da Europa
e das Américas, falou sobre a soberania haitiana, a subordinação
das forças militares estrangeiras aos esforços humanitários,
e sobre permitir que os haitianos determinem e liderem seus próprios
esforços de reconstrução.
Alguns oficiais, incluindo o diretor do Fundo Monetário
Internacional Dominique Strauss-Kahn, chegaram ao ponto de falar
em termos de um "Plano Marshall" para o Haiti.
Na realidade, o Haiti é hoje controlado pelas forças
armadas dos EUA, que enviou mais de 13.000 soldados e unilateralmente
assumiu o controle do porto e do aeroporto do país. O Pentágono
dominou o fornecimento de ajuda, que subordinou à prioridade
máxima de pôr em campo soldados e marines munidos
de equipamento de combate, à revelia dos haitianos feridos
e famintos que aguardam pelos suprimentos médicos e alimentos
que salvariam suas vidas.
O semanário americano Time expressou bem a situação
real ao se referir ao comandante que chefia as forças armadas
dos EUA no Haiti, o Tenente General Ken Keen, como "o rei
de facto do Haiti." Enquanto isso, o povo haitiano não
viu ou ouviu falar nada do presidente haitiano René Préval.
Por trás da conversa sobre os haitianos determinarem
seu próprio futuro e sobre o governo haitiano apontar o
caminho, o que se discute é um plano formulado nos meses
anteriores ao terremoto que é ditado pelos interesses de
lucro dos bancos e corporações dos EUA, junto com
a elite rica do Haiti.
Falando aos jornalistas em viagem de Washington para Montreal,
a secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton fez menção
a esse plano, elogiando o trabalho de seu marido, o ex-presidente
Bill Clinton, em tentar implementá-lo através de
sua posição de enviado das Nações
Unidas ao Haiti.
"Ele havia acabado de sair de uma conferência com
500 empresários," ela disse. "Eles estavam assinando
contratos, eles estavam fazendo investimentos."
Ela prosseguiu: "Então nós temos um plano.
Era um plano legítimo, foi feito em conjunto com outros
doadores internacionais, com as Nações Unidas. E
eu não quero começar do zero, mas nós temos
que reconhecer os desafios mudados que agora estamos enfrentando."
O plano, desenvolvido principalmente pelas Nações
Unidas no ano passado, tem o objetivo de expandir a economia haitiana
através do desenvolvimento de zonas de livre comércio
baseadas em fábricas de roupas onde trabalhadores haitianos
seriam super-explorados, recebendo salários muito inferiores
ao mínimo necessário para a sobrevivência.
A iniciativa foi baseada num relatório preparado para
a ONU pelo professor de economia da Universidade de Oxford Paul
Collier. O relatório perversamente encarava a pobreza haitiana
- a pior em todo o Hemisfério Ocidental - como o principal
trunfo do país dentro da economia capitalista global.
"Graças a sua pobreza e mercado de trabalho relativamente
desregulado, o Haiti tem custos de força de trabalho que
competem plenamente com os da China, que é a referência
global" escreveu Collier.
Esse "trunfo" é algo que tanto a elite dominante
de Washington quanto a do Haiti têm resguardado zelosamente.
O ex-presidente Jean-Bertrand Aristide foi deposto duas vezes
- em 1991 e 2004 - em golpes sangrentos orquestrados pela CIA
em conjunto com proprietários de fábricas haitianos,
em larga medida por propor o aumento do salário mínimo
no país.
Depois de sua reeleição em 2000, Aristide dobrou
o salário mínimo e baniu o pagamento por peça
em fábricas de roupas, levando à oposição
acirrada dos proprietários dessas companhias. Andy Apaid,
o dono haitiano-americano das maiores fábricas de super-exploração
do Haiti e um dos aliados-chave dos Clinton no novo plano de "desenvolvimento",
foi uma figura primordial do golpe de 2004, no qual Aristide foi
sequestrado e enviado para fora do país por tropas dos
EUA e milhares de haitianos foram massacrados por esquadrões-da-morte
direitistas.
No ano passado, depois de grandes manifestações
de estudantes e trabalhadores, várias pessoas foram mortas
e feridas, o presidente Préval foi forçado a aceitar
um aumento do salário mínimo que havia sido aprovado
pelo legislativo haitiano. Apesar disso ele implementou um sub-salário
mínimo específico para a indústria de roupas
no valor de 2,98 dólares o dia -aproximadamente um vigésimo
do salário mínimo nos EUA.
Embora um sistema como esse possa gerar enormes lucros para
os fabricantes de roupas e enriquecer ainda mais a oligarquia
nativa haitiana, ele não fará nada para atenuar
a desesperadora pobreza do país e somente aprofundará
sua desigualdade social, a pior do hemisfério. A fabricação
de roupas envolve a importação de peças componentes
que são reunidas em zonas de livre comércio e em
seguida exportadas, com praticamente nenhum impacto na economia
local.
Embora a secretária Clinton indique que esse projeto
para o trabalho escravo seja o mesmo com o qual os EUA trabalharão
depois do terremoto de 12 de janeiro, ela admitiu que a catástrofe
iria implicar em algumas modificações.
Clinton elogiou Bellerive por falar sobre "descentralizar"
a economia haitiana. "Como parte de nossos esforços
multilaterais no sentido de ajudar o Haiti, devemos descobrir
como descentralizar a economia e trabalhar com o governo e o povo
haitianos para apoiar o realojamento, que eles próprios
já fazem sozinhos, conforme as pessoas saem de Porto Príncipe
e retornam ao campo de onde a maioria veio", afirmou Clinton.
As autoridades haitianas, apoiadas por Washington e pela ONU,
começaram a implementar um plano para mudar centenas de
milhares de pessoas predominantemente pobres de Porto Príncipe
para campos de realojamento. O espaço foi liberado para
um desses campos em Croix-des-Bouquets, a 13 quilômetros
da capital, que abrigaria 10 mil pessoas. Outros locais estão
sendo escolhidos, com a idéia de que os evacuados da capital
passariam a viver permanentemente nesses campos.
Em uma sociedade onde as divisões sociais são
tão rígidas, o assim chamado plano de reconstrução
do Haiti está inevitavelmente se desenvolvendo com base
em diferenças de classe. Pode muito bem acontecer que os
novos campos de realojamento sirvam como fontes de trabalho forçado
para zonas de livre comércio erguidas nas proximidades.
Enquanto isso, Porto Príncipe será reconstruída
como uma cidade menor, voltada aos interesses da elite nativa.
Isso foi sugerido numa declaração do embaixador
haitiano em Washington, Raymond Joseph. Falando sobre a tragédia
que foi infligida sobre o povo haitiano em uma transmissão
televisiva da rede governamental dos EUA, ele disse, "Há
uma luz no fim do túnel. O que não era politicamente
possível foi feito pelo terremoto. Nós reconstruiremos
de outra forma."
Essa reengenharia social correspondente aos interesses da classe
dominante nativa e do capital estrangeiro, se dará à
custa das amplas massas de trabalhadores e pobres haitianos, e
irá inevitavelmente provocar resistência e levantes
sociais. Por isso Washington colocou o posicionamento de suas
tropas acima das vidas das vítimas do terremoto.
[traduzido por movimentonn.org]
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