Publicado originalmente em inglês no WSWS em 27 de
março de 2009
Durante a Grande Depressão, favelas cresceram nos arredores
das cidades americanas. Povoadas por aqueles que perderam seus
empregos e foram despejados, essas "Hoovervilles" se
tornaram um símbolo indelével do sofrimento humano
causado pela Depressão. Essas favelas receberam seu nome
em zombaria ao presidente dos primeiros quatro anos da Depressão,
Herbert Hoover (1929-1933). Ele gostava de dizer aos americanos
que "a prosperidade está logo na esquina," embora
não oferecesse absolutamente nenhuma assistência
aos desempregados e sem-teto.
Estudantes secundaristas e universitários dos Estados
Unidos aprendem sobre as Hoovervilles a partir de seus livros
de história, que tratam as favelas como um exemplo de pobreza
americana que foi extinto pelo New Deal de Franklin Delano Roosevelt,
para nunca mais voltar.
Mas as Hoovervilles estão de volta.
Um artigo de primeira página do New York Times quinta-feira
("Cidades lidam com onda de crescimento de favelas")
descreve o ressurgimento dos acampamentos itinerantes na paisagem
urbana dos EUA. O mais conhecido desses acampamentos está
perto de Sacramento, Califórnia. Cerca de 125 pessoas hoje
residem nessa Hooverville, localizada na capital do Estado americano
mais rico e populoso.
Ainda assim a tendência de favelização
é bem mais geral do que o foco da mídia na cidade-barraco
perto de Sacramento dá a entender. Hoovervilles ressurgem
em Phoenix, Estado do Arizona; Olympia e Seattle, Washington;
Reno, Nevada; Portland, Oregon; Nashville, Tennessee; St. Petesburg,
Flórida, e Fresno, Califórnia; entre outros.
Os moradores desses acampamentos vivem em barracas, ou então
cabanas feitas de madeira velha, metal descartado, papelão
e outros tipos de sucata. Não possuem água corrente,
eletricidade, encanamento ou remoção de resíduos.
O Times se concentrou em Fresno, uma cidade de 500.000 habitantes.
Há hoje cinco favelas ao redor de Fresno. Michael Stoops,
o diretor executivo da Coalização Nacional para
os Sem-teto, descreveu os residentes desses acampamentos como
"pessoas capazes que trabalhavam diariamente, por um salário
mínimo ou mais, e que anteriormente possuíam residências
que sustentavam por sua renda."
A população dessas Hoovervilles representa apenas
uma pequena porção daqueles que não possuem
moradia. Antes da aprovação do pacote de estímulo
da administração Obama, a Aliança Nacional
pelo Fim da Falta de Moradia estimou que 3.4 milhões de
americanos devem estar desabrigados este ano um aumento
de 35 por cento em relação a 2007. Esse número
equivale a toda a população de Berlim; é
maior que o da população de Chicago e do Estado
do Iowa.
Impulsionando o crescimento do desabrigo está a crise
das hipotecas. As fileiras dos desabrigados, porém, também
estão sendo aumentadas por ex-inquilinos. Ironicamente,
o pico nos processos de hipoteca está forçando a
subida dos preços de aluguel conforme o suprimento total
de moradia se contrai. Além disso, apartamentos estão
sendo hipotecados, jogando na rua mesmo os inquilinos que não
atrasaram seus pagamentos.
Antes da crise econômica se apresentar claramente, uma
maioria da população sem-teto possuía empregos,
e cerca de 41 por cento era de famílias com filhos. Especialistas
acreditam que a parcela dos sem-teto composta por pobres trabalhadores
e famílias com filhos subiu consideravelmente.
A crescente onda de desabrigo foi encarada com indiferença
pela administração Obama. A crise social massiva
que está varrendo os Estados Unidos foi quase totalmente
ignorada pela conferência televisiva de Barack Obama na
noite de terça-feira. A única pergunta que apontava
para as dimensões da crise social que engole os EUA era
sobre as novas cidades-barraco. Um repórter da revista
Ebony perguntou a Obama "o que ele diria às famílias,
especialmente crianças, que estão dormindo embaixo
de pontes e em barracas ao redor do país."
A resposta de Obama não apontou qualquer encaminhamento
prático. Ele assegurou que estava de fato "de coração
partido que qualquer criança na América esteja desabrigada,"
uma declaração que parece quase tão sincera
quanto sua "raiva" em relação aos bônus
para os executivos da AIG. Obama não fez qualquer proposta,
se referindo vagamente a uma "gama de programas [que] lidam
sim com o desabrigo."
"A coisa mais importante que posso fazer em prol dos desabrigados
é assegurar que seus pais tenham empregos," ele disse.
Em outras palavras, sua administração não
tem qualquer plano para lidar com a crise da moradia. Suas propostas
de criação de empregos são insignificantes
diante do crescimento extraordinário do desemprego. Na
quinta-feira, o Departamento do Trabalho relatou que as requisições
continuadas de benefícios-desemprego aumentaram para 5.56
milhões, um número que de fato subestima consideravelmente
a crise de empregos nos EUA.
Esta é a administração, precisamos relembrar,
que um dia antes, na quarta, anunciou um novo pacote "público-privado"
trilionário de resgate aos grandes bancos. Esse não
foi o primeiro resgate a Wall Street, e nem será o último.
Dito isso, entre empréstimos, injeções de
dinheiro, nacionalizações, e garantias sobre as
dívidas, os contribuintes ajudaram Wall Street com cerca
de 8 a 10 trilhões de dólares. Em comparação,
o pacote de estímulo de Obama inclui 1.5 bilhões
de dólares para a "prevenção" do
desabrigo na forma de assistência financeira direta e assistência
para realocação de moradia, voltada a pessoas que
estão ameaçadas de perder suas casas.
Obama não incluiu qualquer medida, seja em sua proposta
orçamentária, seja em seu pacote de estímulo,
para auxiliar famílias de baixa renda com os pagamentos
de aluguel. E seu plano de ressuscitar o mercado imobiliário
não irá diminuir os preços superfaturados
das hipotecas de milhões de lares americanos que foram
"submergidos," com seus proprietários devendo
mais que os valores de mercado de suas casas. Ele assegurou assim
que as fileiras dos desabrigados continuarão a crescer.
Os defensores liberais de Obama, como a revista The Nation,
cuspiram muita tinta tentando comparar Obama a Roosevelt. Eles
promovem a ilusão de que o New Deal foi responsável
por encerrar a Grande Depressão. De fato, foi a Primeira
Guerra Mundial e a destruição de boa parte da economia
mundial e de pelo menos 60 milhões de vidas
que acabou com a crise econômica. As verdadeiras mudanças
na estrutura social, além disso, vieram não do estamento
político, mas pelas ações de massa da classe
trabalhadora.
Ainda assim, o que mais marca os primeiros meses de Obama na
presidência é a completa ausência de qualquer
programa sério de reforma social.
Em seus primeiros 100 dias, Roosevelt um representante
da burguesia que via as reformas sociais como um meio necessário
de preservação do capitalismo lançou
uma "sopa de letrinhas" de programas como a Administração
de Garantias Agrícolas, a Administração de
Realocação de Moradia, a Administração
de Eletrificação do Campo, a Autoridade do Vale
do Tennessee e as Brigadas de Conservação Civil
que procuravam empregar centenas de milhares, trazer eletricidade
até vastas áreas, e melhorar as condições
de vida da extensa população rural.
A administração Obama, que governa há
apenas dois meses, foi caracterizada por um impulso unilateral
de apropriação de vastas riquezas públicas
para a elite financeira através de grandes resgates aos
bancos.
Para capitalizar sobre o ódio de classe sentido por
milhões de americanos, Roosevelt emitia comentários
regulares contra os "comerciantes de dinheiro" em Wall
Street. Obama, por outro lado, faz todo o humanamente possível
para capitular à mesma elite financeira primeiramente responsável
pela miséria econômica que confronta milhões.
Num discurso que virou a realidade de ponta-cabeça,
Obama disse aos presentes em um encontro de CEOs de alto nível,
"Suas companhias propeliram a prosperidade de comunidades
por todo o país, e as histórias de sucesso de incontáveis
indivíduos. Elas enriqueceram nossa nação;
serviram como um tributo ao espírito duradouro do capitalismo
americano."
Longe de implementar uma nova agenda de reformas, Obama deixou
claro na terça-feira que um ataque massivo sobre os programas
sociais está sendo preparado, para ser implementado logo
que os resgates aos bancos estejam completos. Ele se referiu repetidamente
ao alto custo da saúde e à necessidade de uma "Reforma
de titularidade" ou seja, as dívidas estatais
acumuladas com as remessas de dinheiro à Wall Street serão
pagas através de cortes em assistência medica, seguridade
social, e outros programas.
O contraste com Roosevelt é evidente. Como Trotsky colocou,
"A riqueza da América permite a Roosevelt seus experimentos."
Os vastos recursos industriais do capitalismo americano formavam
a fundação objetiva da reforma social que tinha
como finalidade conter os antagonismos de classe.
A posição dos Estados Unidos é hoje muito
diferente. O vasto enriquecimento da oligarquia financeira
que mantém um controle ferrenho sobre todo o estamento
político e midiático se desenvolveu em conjunção
com o declínio do capitalismo americano e a erosão
de seus fundamentos industriais. Como as ações da
administração Obama deixam claro, a classe dominante
não sustenta qualquer base de apoio para uma reforma social.
A última Grande Depressão levou não só
às Hoovervilles símbolos do colapso econômico
mas também a enormes levantes sociais. Os antagonismos
de classe que surgem inexoravelmente da crise atual serão
a base objetiva para um poderoso ressurgimento do socialismo revolucionário.