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A crise mundial dos alimentos e o mercado capitalista

Parte dois

Por Alex Lantier
30 de junho de 2008

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Esta é a segunda parte, de três, de artigo sobre a crise mundial dos alimentos. A parte 1 foi publicada no dia 26 de Junho. A Terceira parte e última será publicada no dia 1de Julho.

O problema central que está por trás da atual crise mundial dos alimentos não é uma falta física de alimentos, mas, sem dúvida, uma inacessibilidade de grande quantidade de pessoas a eles, devido ao rápido aumento dos preços. Entre os fatores determinantes do rápido avanço da crise dos alimentos, um papel maior é protagonizado pela explosão do investimento especulativo em commodities básicas, como petróleo e grãos, diretamente ligado com as dificuldades enfrentadas pelos EUA, pelo mercado financeiro mundial e o declino do dólar americano. A especulação desenfreada pelos Hedge Funds (fundos de derivativos) e outros grandes jogadores do mercado tem aumentado custos, incentivando, assim, empresas privadas a aumentarem os preços numa jornada competitiva para acumular o maior lucro possível.

Estatísticas oficiais refutam a afirmação de que não há comida suficiente para todos. De acordo com os números de 2008 do Departamento de Agricultura dos EUA, a média de consumo per capita é de 2.618 calorias por dia em países em desenvolvimento e 3.348 em países desenvolvidos, comparados com o mínimo recomendado de 2.100 calorias. No entanto, profundas disparidades no acesso a essa comida, decorrentes da pobreza e da desigualdade social, condenam à fome muitos milhões.

A Revista Times citou um membro do Programa Mundial de Alimentos, Josette Sheeran, que disse: “Nós vemos comida nas prateleiras, mas as pessoas são incapazes de comprá-la.”

Especulação das Commodities

Os preços do mercado mundial para as commodities saltaram, precisamente, quando os grandes investidores retiraram-se dos investimentos tradicionais e dos mercados de crédito, em grande medida como resultado do estouro da bolha imobiliária e de crédito dos EUA em 2007. O capital especulativo tem buscado outros investimentos lucrativos.

Uma importante avenida para o capital especulativo são os mercados de futuros de commodities. Está essencialmente ligado às apostas financeiras o fato de que os preços dos bens básicos, como petróleo, grãos e metais, continuarão a aumentar. Uma vez que estes mercados de futuro são usados como pontos de referência para a atual negociação das commodities físicas, sua rápida ascensão têm ajudado intensamente a aumentar os preços do mercado.

Um recente depoimento dado ao Congresso por um gestor norte-americano de hedge funds, Michael Masters, lança uma luz interessante sobre a especulação do mercado de futuros de commodities. Disse ele ao Congresso:

“No início desta década, alguns investidores institucionais, que sofreram com o resultado da grave estagnação do mercado de ações em 2000-2002, começaram a olhar para o mercado de futuros de commodities como um novo tipo de ativo em potencial, adequado para o investimento institucional. Embora o mercado de commodities sempre tenha tido alguns especuladores, nunca antes as maiores instituições de investimentos o haviam considerado seriamente como viável para programas de investimentos em larga escala. Commodities parecem atraentes porque historicamente têm sido ‘uncorrelated’ (não relacionadas, inversamente proporcionais), o que significa que elas comercializam inversamente à renda fixa da carteira de ações [i. e., não necessariamente caem, pelo contrário, tendem a subir quando as ações ou estoques do mercado decaem].”

Masters continuou: “A linha principal dos consultores financeiros industriais, que orientavam grandes instituições com alocações de carteiras, pela primeira vez sugeriu que investidores poderiam ‘comprar e armazenar’ mercado de futuros de commodities, assim como antes faziam com ações e títulos.”

Um contrato do marcado de futuros de commodities é um acordo realizado entre um comprador e um vendedor para comercializarem uma quantidade dada de commodity, em um tempo e lugar futuros. O único elemento negociado do contrato é o preço da entrega, que varia com o tempo no mercado. Desenvolvido primeiro na bolsa de grãos de Chicago durante o século XIX, o mercado de futuros de commodities foi inicialmente projetado para permitir que os fazendeiros ou outros produtores mantivessem os custos, evitando prejuízos financeiros de oscilações bruscas nos preços de bens essenciais.

Há uma longa história da especulação no mercado de futuros. Um investidor, que acertadamente adivinha que o preço do milho aumentará, pode entrar no contrato do mercado de futuros como um comprador, então embolsa a diferença entre o preço acordado na data anterior e o valor mais alto do milho na data da entrega. Da mesma maneira, um investidor, acreditando que o preço do milho cairá, pode entrar no contrato do mercado de futuros como um vendedor. Isto é chamado de venda “rápida”.

Para evitar o aumento dos preços por causa da especulação em massa nos mercados de futuros, a Comissão de Comércio de Mercado de Futuros de Commodities dos EUA (CFTC) põe limite à quantidade de contratos de mercados de futuros que um especulador individual pode manter. No entanto, de acordo com o depoimento dado ao Congresso em 2007 pelo Diretor de Monitoramento de Mercado da CFTC, Don Heitman, a CFTC tem feito exceções nesses regulamentos para os bancos de Wall Street desde, pelo menos, os anos 90. Agora, os hedge funds, os fundos de pensão e outros grandes investidores simplesmente entram em acordo com estes bancos de Wall Street para livrarem-se das restrições da CFTC.

Essa especulação tem adquirido formas grotescas. De acordo com o Conselho de Comércio de Chicago, menos de 10% de seus contratos de mercados de futuros de grãos são mantidos por grupos intencionados realmente a comercializar grãos. Grandes investidores rotineiramente procuram lucrar simplesmente através da compra de contratos de mercado de futuros e, pouco antes da data de vencimento destes, os trocam ou os “fazem circular” para expirarem mais tarde. Esse tipo de especulação é construída sobre a premissa de que os preços subirão, e dá aos grandes investidores um poderoso interesse financeiro nos preços mais elevados das commodities.

Os fundos valem dezenas ou centenas de bilhões de dólares, os quais têm gerado retorno de mais de 30%, uma vez que os grandes investidores controlam e lucram com as próprias demandas, cada vez maiores, por suprimento de alimento mundial. O valor dos maiores índices de commodities - o Standard & Poor’s/Goldman Sachs Commodity Index e o Dow Jones-American International Group Index - aumentaram aproximadamente de $20 bilhões em 2002 para $110 bilhões em 2006, depois, então, para $170 bilhões em 2007 e, ainda, para $240 bilhões em Março de 2008.

Como o investimento em mercado de futuros de commodities subiu, o aumento dos preços dos alimentos acelerou-se fortemente nos anos 2000-2006. O Instituto Internacional de Pesquisa em Política Alimentar, um grupo de pesquisa de Washington, D.C., escreveu: “Em 2007 os índices de preços internacionais dos alimentos aumentaram quase 40%, comparado com 9% em 2006, e nos primeiros três meses de 2008 os preços aumentaram ainda mais, por volta de 50%.”

Bloomberg News escreveu no dia 28 de abril: “O índice de fundos das Commodities controla um recorde de 4,51 bilhões de bushels de milho, trigo e soja através do Conselho do Comércio de Mercado de Futuros de Chicago... Investimentos em grãos e pecuária no mercado de futuros têm mais que dobrado, para aproximadamente $65 bilhões dos $25 bilhões em Novembro, de acordo com o consultor da AgResource Co., em Chicago. Sozinha, a compra da safra do mercado de futuros é cerca de metade do valor conjunto do milho, soja e trigo cultivados nos EUA, o maior exportador do mundo das três commodities. O Departamento de Agricultura dos EUA “estimou” a colheita de 2007 com o recorde de $92.5 bilhões.”

Segundo um boletim de 6 de junho do New York Times, investidores ricos estão vertendo bilhões de dólares na aquisição de propriedades físicas - terras agrícolas, fertilizantes, moinhos de grão e equipamentos de navegação. Brad Cole, presidente da Cole Partners Asset Management, disse ao Times: “Existe um interesse considerável naquilo que chamamos de “proprietários de estrutura”—estruturas como as terras agrícolas americanas, terras agrícolas argentinas e terras agrícolas inglesas—onde quer que o cenário do lucro esteja progredindo.”

O dito em seguida ao Times explicitou a estratégia dos investidores de deliberadamente segurar os grãos do Mercado, afim de adquirirem maiores lucros com a carestia e a fome: “Quando os preços das safras estão subindo, manter o estoque para a próxima venda pode gerar lucros mais altos do que vender para satisfazer a demanda atual, por exemplo. Ou se os preços divergem em diferentes partes do mundo, o estoque pode ser transferido para o mercado mais lucrativo.”

O Times também citou um corretor de commodities, Jeffrey Hainline, que apontou o perigo de um catastrófico colapso nos preços caso os investidores especulativos decidirem, em última análise, sacarem seu dinheiro e venderem os ativos que eles adquiriram. Hainline disse: “Terras agrícolas podem ser uma bolha, assim como a bolha imobiliária da Flórida. O ciclo de entrar e sair seria muito volátil e perturbador.” Esse tipo de resultado não ameaça somente terras agrícolas, mas, também, os bens agrícolas adquiridos ou comercializados nos mercados de títulos.

Os preços da energia e biocombustíveis

A elevação dos preços da energia, causa para uma significante extensão da especulação nos mercados de futuros, está massivamente aumentando os custos para o cultivo básico. O Instituto Internacional de Pesquisa em Políticas Alimentares (IFPRI) observa: “Os preços da energia sempre afetaram os preços agrícolas através de insumos, ou seja, o preço dos fertilizantes, pesticidas, irrigação e transporte. Agora preços da energia também afetam fortemente os preços do montante produzido por meio da concorrência por terras para produzir biocombustível.”

Os preços dos fertilizantes explodiram porque a produção de fertilizantes de nitrogênio requer uma grande quantidade de gás natural, e o preço deste elevou-se junto com o preço do petróleo. Segundo o estudo de uma Universidade de Illinois, de 2000 a 2008, o custo dos fertilizantes dos agricultores de Illinois praticamente dobrou - de aproximadamente $55 para $115 por acre de milho. A elevação do preço dos grãos também resulta na elevação dos preços das sementes, que praticamente dobraram de 2000 para 2008. Juntos, os dois somam, aproximadamente, dois terços dos custos de insumos dos agricultores.

O aumento do custo do transporte, impulsionado pela alta dos preços dos combustíveis, tem particularmente afetado os grãos, que representam uma grande porção da carga sólida naval do mundo. De acordo com o Conselho Internacional de Grãos, situado em Londres, a média dos preços dos transportes marítimos por tonelada de grãos mandados da Costa Americana do Golfo para Europa aumentou de $44 para $83 ao longo do último ano; já da Costa do Golfo para o Japão o salto foi de $65 para $165.

O incentivo dos EUA para o desenvolvimento dos biocombustíveis, em grande parte impulsionado pelo interesse do agronegócio, facilita o aumento dos preços dos alimentos. Em uma medida ostensivamente destinada a reduzir as importações de energia dos EUA, a administração Bush permitiu o uso do etanol à base de milho como um combustível substituto, subsidiando-o à taxa de $0.51/galão. Em 2007, a produção de etanol consumiu 20% da safra de milho dos EUA - cerca de 53 milhões de toneladas (Mt) de milho, suficiente para alimentar 150 milhões de pessoas ao estilo americano, com dieta baseada no milho.

Projetos pra triplicar a produção de etanol à base de milho americano para 35 bilhões de galões em 2017, consumiriam ainda mais os suprimentos de alimentos mundiais. Esses projetos avançarão, apesar do etanol à base de milho ser desprezível para produção de energia e para benefícios ecológicos.

Como o milho fatura preços mais altos graças aos subsídios do etanol e a região de plantio de milho se expande para o norte (devido ao aquecimento global), a substituição do trigo pelo milho nas fazendas de plantação está aumentando constantemente. Segundo o Washington Post, é esperado que os agricultores americanos plantem 64 milhões de acres de trigo neste ano, queda de 88 milhões de acres com relação a 1981.

Falando do preço da espiga de trigo em fevereiro de 2008, David Brown, diretor da Associação Americana dos Padeiros, disse ao Post: “Com um estoque baixo e um dólar fraco, as coisas voam das prateleiras mais rápido do que elas costumavam voar. Não é suficiente retomar apenas os acres produzidos para repor os estoques americanos.”

O sistema de lucro desestabiliza a cadeia de abastecimento de alimentos

Em meio ao rápido aumento da inflação, a luta pelo lucro está desorganizando toda a cadeia de abastecimento, estendendo-se de insumos agrícolas aos alimentos vendidos nos supermercados.

Pescadores e produtores de laticínios de toda Europa estão fazendo greves e protestos conforme o aumento do combustível e insumos os levam a perdas massivas, enquanto os preços pagos a eles por grandes comerciantes de alimentos estagnam-se.

Especialmente para os pequenos agricultores, a distância entre o aumento dos preços dos fertilizantes e sementes e os preços do mercado para suas mercadorias significa a ruína financeira. Na terminologia anti-séptica da ciência social burguesa, o IFPRI observa que isto “impede a reação da produção” a preços mais altos e aumenta a demanda por alimentos. Na Índia, o campesinato endividou-se duramente com o agronegócio, e dezenas de milhares de agricultores cometeram suicídio ao longo da última década.

Com pouco incentivo financeiro para cultivar grãos básicos, os produtores agrícolas mundiais, como um todo, estão colhendo muito pouco de suas plantações. Comerciantes de grãos devem, portanto, imergir nos estoques de reserva para atingir a demanda.

Segundo os dados de abril de 2008 do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), de 2004 para 2008 os estoques de trigo caíram de 151Mt para 110Mt; estoques mundiais de grãos como milho, aveia, centeio e cevada caíram de 179 milhões de toneladas para 129 milhões de toneladas. Os estoques de arroz aumentaram de 74.4 milhões de toneladas em 2004 para 76.5 milhões de toneladas em 2005, mas desde então caiu para 75.2 milhões de toneladas.

A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) escreveu: “A relação entre o decréscimo dos estoques mundiais de cereais em 2007/08 e a utilização mundial de cereais, tende a cair para 18.8% na estação seguinte, a mais baixa em três décadas. Apesar do aumento da produção mundial de trigo em 2007, as ofertas não são suficientes para satisfazer a demanda sem uma forte redução dos estoques. A previsão para o índice do trigo é cair para 22.9%, bem abaixo dos 34% observados durante a primeira metade da década. O índice para os grãos como milho, aveia, centeio e cevada está colocado em apenas 14.5%... O estoque está colocado em 23.4%, um nível muito baixo também.”

As grandes empresas, controlando os principais insumos ou mercados e tendo amplo conhecimento das condições de comércio, estão lucrando imensamente.

As principais, entre essas empresas são grandes varejistas. Em fevereiro de 2008 numa tele-conferência com investidores, o chefe financeiro do Wal Mart, Tom Schoewe disse que o recorde trimestral de vendas e o lucro de $4.1 bilhões vieram praticamente do aumento dos preços no setor alimentício, particularmente dos preços dos laticínios. Schoewe, de acordo com Bloomberg News, “recusou-se a quantificar o impacto” do aumento dos preços dos alimentos.

O Carrefour da França, o segundo maior varejista do mundo, anunciou o lucro recorde do seu primeiro quadrimestre: €1.87 bilhões. Seu CEO, José Luis Durán, disse aos analistas que a baixa confiança dos consumidores estava começando a afetar a venda de produtos não-alimentícios, mas essa queda foi em grande parte compensada por um aumento do número de vendas de alimentos.

A empresa de agronegócios Monsanto, que fornece sementes modificadas para agricultores dos EUA e do mundo, também emitiu a informação do aumento dos seus lucros líquidos: de $255 milhões para $993 milhões de 2005 para 2007. Entre as empresas de agronegócio que produzem sementes, a Monsanto é frequentemente apontada para aquisição da Delta and Pine Land Company, aquela que criou as chamadas “sementes terminator”, que crescem em plantas com grãos estéreis. Isso poderia forçar os agricultores a utilizarem exclusivamente empresas de agronegócios para o fornecimento de sementes. A Monsanto afirma que não comercializará o produto.

A gigante do agronegócio Archer Daniels Midland (ADM) relatou um aumento de 42% nos lucros no primeiro trimestre de 2008, para $517 milhões. A CEO da ADM, Patricia Woertz, comentou: “A volatilidade nos mercados de commodities apresentou oportunidades sem precedentes. Mais uma vez, nossa equipe alavancou a flexibilidade financeira e a base dos ativos globais para capturar oportunidades de entregar valor acionista” - Ou seja, para colher enormes lucros...

Continua