Esta é a segunda parte, de três, de artigo
sobre a crise mundial dos alimentos. A parte
1 foi publicada no dia 26 de Junho. A Terceira parte e última
será publicada no dia 1de Julho.
O problema central que está por trás da atual
crise mundial dos alimentos não é uma falta física
de alimentos, mas, sem dúvida, uma inacessibilidade de
grande quantidade de pessoas a eles, devido ao rápido aumento
dos preços. Entre os fatores determinantes do rápido
avanço da crise dos alimentos, um papel maior é
protagonizado pela explosão do investimento especulativo
em commodities básicas, como petróleo e grãos,
diretamente ligado com as dificuldades enfrentadas pelos EUA,
pelo mercado financeiro mundial e o declino do dólar americano.
A especulação desenfreada pelos Hedge Funds (fundos
de derivativos) e outros grandes jogadores do mercado tem aumentado
custos, incentivando, assim, empresas privadas a aumentarem os
preços numa jornada competitiva para acumular o maior lucro
possível.
Estatísticas oficiais refutam a afirmação
de que não há comida suficiente para todos. De acordo
com os números de 2008 do Departamento de Agricultura dos
EUA, a média de consumo per capita é de 2.618 calorias
por dia em países em desenvolvimento e 3.348 em países
desenvolvidos, comparados com o mínimo recomendado de 2.100
calorias. No entanto, profundas disparidades no acesso a essa
comida, decorrentes da pobreza e da desigualdade social, condenam
à fome muitos milhões.
A Revista Times citou um membro do Programa Mundial
de Alimentos, Josette Sheeran, que disse: Nós vemos
comida nas prateleiras, mas as pessoas são incapazes de
comprá-la.
Especulação das Commodities
Os preços do mercado mundial para as commodities saltaram,
precisamente, quando os grandes investidores retiraram-se dos
investimentos tradicionais e dos mercados de crédito, em
grande medida como resultado do estouro da bolha imobiliária
e de crédito dos EUA em 2007. O capital especulativo tem
buscado outros investimentos lucrativos.
Uma importante avenida para o capital especulativo são
os mercados de futuros de commodities. Está essencialmente
ligado às apostas financeiras o fato de que os preços
dos bens básicos, como petróleo, grãos e
metais, continuarão a aumentar. Uma vez que estes mercados
de futuro são usados como pontos de referência para
a atual negociação das commodities físicas,
sua rápida ascensão têm ajudado intensamente
a aumentar os preços do mercado.
Um recente depoimento dado ao Congresso por um gestor norte-americano
de hedge funds, Michael Masters, lança uma luz interessante
sobre a especulação do mercado de futuros de commodities.
Disse ele ao Congresso:
No início desta década, alguns investidores
institucionais, que sofreram com o resultado da grave estagnação
do mercado de ações em 2000-2002, começaram
a olhar para o mercado de futuros de commodities como um novo
tipo de ativo em potencial, adequado para o investimento institucional.
Embora o mercado de commodities sempre tenha tido alguns especuladores,
nunca antes as maiores instituições de investimentos
o haviam considerado seriamente como viável para programas
de investimentos em larga escala. Commodities parecem atraentes
porque historicamente têm sido uncorrelated
(não relacionadas, inversamente proporcionais), o que significa
que elas comercializam inversamente à renda fixa da carteira
de ações [i. e., não necessariamente caem,
pelo contrário, tendem a subir quando as ações
ou estoques do mercado decaem].
Masters continuou: A linha principal dos consultores
financeiros industriais, que orientavam grandes instituições
com alocações de carteiras, pela primeira vez sugeriu
que investidores poderiam comprar e armazenar mercado
de futuros de commodities, assim como antes faziam com ações
e títulos.
Um contrato do marcado de futuros de commodities é um
acordo realizado entre um comprador e um vendedor para comercializarem
uma quantidade dada de commodity, em um tempo e lugar futuros.
O único elemento negociado do contrato é o preço
da entrega, que varia com o tempo no mercado. Desenvolvido primeiro
na bolsa de grãos de Chicago durante o século XIX,
o mercado de futuros de commodities foi inicialmente projetado
para permitir que os fazendeiros ou outros produtores mantivessem
os custos, evitando prejuízos financeiros de oscilações
bruscas nos preços de bens essenciais.
Há uma longa história da especulação
no mercado de futuros. Um investidor, que acertadamente adivinha
que o preço do milho aumentará, pode entrar no contrato
do mercado de futuros como um comprador, então embolsa
a diferença entre o preço acordado na data anterior
e o valor mais alto do milho na data da entrega. Da mesma maneira,
um investidor, acreditando que o preço do milho cairá,
pode entrar no contrato do mercado de futuros como um vendedor.
Isto é chamado de venda rápida.
Para evitar o aumento dos preços por causa da especulação
em massa nos mercados de futuros, a Comissão de Comércio
de Mercado de Futuros de Commodities dos EUA (CFTC) põe
limite à quantidade de contratos de mercados de futuros
que um especulador individual pode manter. No entanto, de acordo
com o depoimento dado ao Congresso em 2007 pelo Diretor de Monitoramento
de Mercado da CFTC, Don Heitman, a CFTC tem feito exceções
nesses regulamentos para os bancos de Wall Street desde, pelo
menos, os anos 90. Agora, os hedge funds, os fundos de pensão
e outros grandes investidores simplesmente entram em acordo com
estes bancos de Wall Street para livrarem-se das restrições
da CFTC.
Essa especulação tem adquirido formas grotescas.
De acordo com o Conselho de Comércio de Chicago, menos
de 10% de seus contratos de mercados de futuros de grãos
são mantidos por grupos intencionados realmente a comercializar
grãos. Grandes investidores rotineiramente procuram lucrar
simplesmente através da compra de contratos de mercado
de futuros e, pouco antes da data de vencimento destes, os trocam
ou os fazem circular para expirarem mais tarde. Esse
tipo de especulação é construída sobre
a premissa de que os preços subirão, e dá
aos grandes investidores um poderoso interesse financeiro nos
preços mais elevados das commodities.
Os fundos valem dezenas ou centenas de bilhões de dólares,
os quais têm gerado retorno de mais de 30%, uma vez que
os grandes investidores controlam e lucram com as próprias
demandas, cada vez maiores, por suprimento de alimento mundial.
O valor dos maiores índices de commodities - o Standard
& Poors/Goldman Sachs Commodity Index e o Dow
Jones-American International Group Index - aumentaram aproximadamente
de $20 bilhões em 2002 para $110 bilhões em 2006,
depois, então, para $170 bilhões em 2007 e, ainda,
para $240 bilhões em Março de 2008.
Como o investimento em mercado de futuros de commodities subiu,
o aumento dos preços dos alimentos acelerou-se fortemente
nos anos 2000-2006. O Instituto Internacional de Pesquisa em Política
Alimentar, um grupo de pesquisa de Washington, D.C., escreveu:
Em 2007 os índices de preços internacionais
dos alimentos aumentaram quase 40%, comparado com 9% em 2006,
e nos primeiros três meses de 2008 os preços aumentaram
ainda mais, por volta de 50%.
Bloomberg News escreveu no dia 28 de abril: O
índice de fundos das Commodities controla um recorde de
4,51 bilhões de bushels de milho, trigo e soja através
do Conselho do Comércio de Mercado de Futuros de Chicago...
Investimentos em grãos e pecuária no mercado de
futuros têm mais que dobrado, para aproximadamente $65 bilhões
dos $25 bilhões em Novembro, de acordo com o consultor
da AgResource Co., em Chicago. Sozinha, a compra da safra do mercado
de futuros é cerca de metade do valor conjunto do milho,
soja e trigo cultivados nos EUA, o maior exportador do mundo das
três commodities. O Departamento de Agricultura dos EUA
estimou a colheita de 2007 com o recorde de $92.5
bilhões.
Segundo um boletim de 6 de junho do New York Times,
investidores ricos estão vertendo bilhões de dólares
na aquisição de propriedades físicas - terras
agrícolas, fertilizantes, moinhos de grão e equipamentos
de navegação. Brad Cole, presidente da Cole Partners
Asset Management, disse ao Times: Existe um interesse
considerável naquilo que chamamos de proprietários
de estruturaestruturas como as terras agrícolas
americanas, terras agrícolas argentinas e terras agrícolas
inglesasonde quer que o cenário do lucro esteja progredindo.
O dito em seguida ao Times explicitou a estratégia
dos investidores de deliberadamente segurar os grãos do
Mercado, afim de adquirirem maiores lucros com a carestia e a
fome: Quando os preços das safras estão subindo,
manter o estoque para a próxima venda pode gerar lucros
mais altos do que vender para satisfazer a demanda atual, por
exemplo. Ou se os preços divergem em diferentes partes
do mundo, o estoque pode ser transferido para o mercado mais lucrativo.
O Times também citou um corretor de commodities,
Jeffrey Hainline, que apontou o perigo de um catastrófico
colapso nos preços caso os investidores especulativos decidirem,
em última análise, sacarem seu dinheiro e venderem
os ativos que eles adquiriram. Hainline disse: Terras agrícolas
podem ser uma bolha, assim como a bolha imobiliária da
Flórida. O ciclo de entrar e sair seria muito volátil
e perturbador. Esse tipo de resultado não ameaça
somente terras agrícolas, mas, também, os bens agrícolas
adquiridos ou comercializados nos mercados de títulos.
Os preços da energia e biocombustíveis
A elevação dos preços da energia, causa
para uma significante extensão da especulação
nos mercados de futuros, está massivamente aumentando os
custos para o cultivo básico. O Instituto Internacional
de Pesquisa em Políticas Alimentares (IFPRI) observa: Os
preços da energia sempre afetaram os preços agrícolas
através de insumos, ou seja, o preço dos fertilizantes,
pesticidas, irrigação e transporte. Agora preços
da energia também afetam fortemente os preços do
montante produzido por meio da concorrência por terras para
produzir biocombustível.
Os preços dos fertilizantes explodiram porque a produção
de fertilizantes de nitrogênio requer uma grande quantidade
de gás natural, e o preço deste elevou-se junto
com o preço do petróleo. Segundo o estudo de uma
Universidade de Illinois, de 2000 a 2008, o custo dos fertilizantes
dos agricultores de Illinois praticamente dobrou - de aproximadamente
$55 para $115 por acre de milho. A elevação do preço
dos grãos também resulta na elevação
dos preços das sementes, que praticamente dobraram de 2000
para 2008. Juntos, os dois somam, aproximadamente, dois terços
dos custos de insumos dos agricultores.
O aumento do custo do transporte, impulsionado pela alta dos
preços dos combustíveis, tem particularmente afetado
os grãos, que representam uma grande porção
da carga sólida naval do mundo. De acordo com o Conselho
Internacional de Grãos, situado em Londres, a média
dos preços dos transportes marítimos por tonelada
de grãos mandados da Costa Americana do Golfo para Europa
aumentou de $44 para $83 ao longo do último ano; já
da Costa do Golfo para o Japão o salto foi de $65 para
$165.
O incentivo dos EUA para o desenvolvimento dos biocombustíveis,
em grande parte impulsionado pelo interesse do agronegócio,
facilita o aumento dos preços dos alimentos. Em uma medida
ostensivamente destinada a reduzir as importações
de energia dos EUA, a administração Bush permitiu
o uso do etanol à base de milho como um combustível
substituto, subsidiando-o à taxa de $0.51/galão.
Em 2007, a produção de etanol consumiu 20% da safra
de milho dos EUA - cerca de 53 milhões de toneladas (Mt)
de milho, suficiente para alimentar 150 milhões de pessoas
ao estilo americano, com dieta baseada no milho.
Projetos pra triplicar a produção de etanol à
base de milho americano para 35 bilhões de galões
em 2017, consumiriam ainda mais os suprimentos de alimentos mundiais.
Esses projetos avançarão, apesar do etanol à
base de milho ser desprezível para produção
de energia e para benefícios ecológicos.
Como o milho fatura preços mais altos graças
aos subsídios do etanol e a região de plantio de
milho se expande para o norte (devido ao aquecimento global),
a substituição do trigo pelo milho nas fazendas
de plantação está aumentando constantemente.
Segundo o Washington Post, é esperado que os agricultores
americanos plantem 64 milhões de acres de trigo neste ano,
queda de 88 milhões de acres com relação
a 1981.
Falando do preço da espiga de trigo em fevereiro de
2008, David Brown, diretor da Associação Americana
dos Padeiros, disse ao Post: Com um estoque baixo
e um dólar fraco, as coisas voam das prateleiras mais rápido
do que elas costumavam voar. Não é suficiente retomar
apenas os acres produzidos para repor os estoques americanos.
O sistema de lucro desestabiliza a cadeia de
abastecimento de alimentos
Em meio ao rápido aumento da inflação,
a luta pelo lucro está desorganizando toda a cadeia de
abastecimento, estendendo-se de insumos agrícolas aos alimentos
vendidos nos supermercados.
Pescadores e produtores de laticínios de toda Europa
estão fazendo greves e protestos conforme o aumento do
combustível e insumos os levam a perdas massivas, enquanto
os preços pagos a eles por grandes comerciantes de alimentos
estagnam-se.
Especialmente para os pequenos agricultores, a distância
entre o aumento dos preços dos fertilizantes e sementes
e os preços do mercado para suas mercadorias significa
a ruína financeira. Na terminologia anti-séptica
da ciência social burguesa, o IFPRI observa que isto impede
a reação da produção a preços
mais altos e aumenta a demanda por alimentos. Na Índia,
o campesinato endividou-se duramente com o agronegócio,
e dezenas de milhares de agricultores cometeram suicídio
ao longo da última década.
Com pouco incentivo financeiro para cultivar grãos básicos,
os produtores agrícolas mundiais, como um todo, estão
colhendo muito pouco de suas plantações. Comerciantes
de grãos devem, portanto, imergir nos estoques de reserva
para atingir a demanda.
Segundo os dados de abril de 2008 do Departamento de Agricultura
dos EUA (USDA), de 2004 para 2008 os estoques de trigo caíram
de 151Mt para 110Mt; estoques mundiais de grãos como milho,
aveia, centeio e cevada caíram de 179 milhões de
toneladas para 129 milhões de toneladas. Os estoques de
arroz aumentaram de 74.4 milhões de toneladas em 2004 para
76.5 milhões de toneladas em 2005, mas desde então
caiu para 75.2 milhões de toneladas.
A Organização das Nações Unidas
para Agricultura e Alimentação (FAO) escreveu: A
relação entre o decréscimo dos estoques mundiais
de cereais em 2007/08 e a utilização mundial de
cereais, tende a cair para 18.8% na estação seguinte,
a mais baixa em três décadas. Apesar do aumento da
produção mundial de trigo em 2007, as ofertas não
são suficientes para satisfazer a demanda sem uma forte
redução dos estoques. A previsão para o índice
do trigo é cair para 22.9%, bem abaixo dos 34% observados
durante a primeira metade da década. O índice para
os grãos como milho, aveia, centeio e cevada está
colocado em apenas 14.5%... O estoque está colocado em
23.4%, um nível muito baixo também.
As grandes empresas, controlando os principais insumos ou mercados
e tendo amplo conhecimento das condições de comércio,
estão lucrando imensamente.
As principais, entre essas empresas são grandes varejistas.
Em fevereiro de 2008 numa tele-conferência com investidores,
o chefe financeiro do Wal Mart, Tom Schoewe disse que o recorde
trimestral de vendas e o lucro de $4.1 bilhões vieram praticamente
do aumento dos preços no setor alimentício, particularmente
dos preços dos laticínios. Schoewe, de acordo com
Bloomberg News, recusou-se a quantificar o impacto
do aumento dos preços dos alimentos.
O Carrefour da França, o segundo maior varejista do
mundo, anunciou o lucro recorde do seu primeiro quadrimestre:
1.87 bilhões. Seu CEO, José Luis Durán,
disse aos analistas que a baixa confiança dos consumidores
estava começando a afetar a venda de produtos não-alimentícios,
mas essa queda foi em grande parte compensada por um aumento do
número de vendas de alimentos.
A empresa de agronegócios Monsanto, que fornece sementes
modificadas para agricultores dos EUA e do mundo, também
emitiu a informação do aumento dos seus lucros líquidos:
de $255 milhões para $993 milhões de 2005 para 2007.
Entre as empresas de agronegócio que produzem sementes,
a Monsanto é frequentemente apontada para aquisição
da Delta and Pine Land Company, aquela que criou as chamadas sementes
terminator, que crescem em plantas com grãos estéreis.
Isso poderia forçar os agricultores a utilizarem exclusivamente
empresas de agronegócios para o fornecimento de sementes.
A Monsanto afirma que não comercializará o produto.
A gigante do agronegócio Archer Daniels Midland (ADM)
relatou um aumento de 42% nos lucros no primeiro trimestre de
2008, para $517 milhões. A CEO da ADM, Patricia Woertz,
comentou: A volatilidade nos mercados de commodities apresentou
oportunidades sem precedentes. Mais uma vez, nossa equipe alavancou
a flexibilidade financeira e a base dos ativos globais para capturar
oportunidades de entregar valor acionista - Ou seja, para
colher enormes lucros...