O texto abaixo foi publicado em inglês no WSWS no
dia 1 de novembro de 2008. É a terceira e última
parte de artigo baseado numa palestra apresentada pelo autor no
verão de 2007.
Por que o KPD perdeu a revolução?
Uma fácil resposta a esta pergunta é lançar
toda a culpa sobre Brandler. Essa foi a reação de
Zinoviev e de Stálin, que o transformaram num bode expiatório.
Simultaneamente, acusaram o KPD (Partido Comunista Alemão)
de ter fornecido informações erradas sobre a situação
na Alemanha, informações exageradas sobre seu potencial
revolucionário. Desse modo, contestaram toda a avaliação
sobre a qual havia se baseado o plano de insurreição.
Menos de três semanas após a insurreição
ser abortada, Stálin e Zinoviev começaram a reinterpretar
os eventos na Alemanha. Assim o fizeram para encobrir seus próprios
papeis no processo e iniciar seu combate fracional contra a Oposição
de Esquerda, que começava a se articular (em 15 de outubro,
surgia o primeiro documento importante da Oposição
de Esquerda, a Declaração dos 46. Ao final
de novembro, Trotsky escrevia O Novo Curso).
Trotsky rejeitou a abordagem simplista feita por Zinoviev e
Stálin. Mesmo não concordando com a decisão
de Brandler de abortar a insurreição, não
a tomava como um evento isolado. Ao final do processo, Karl Radek,
que estava presente em Chemnitz como representante da Internacional
Comunista (Comintern ou III Internacional), bem como o Zentrale
alemão, a direção central do partido, também
concordavam com Brandler.
A insistência de Brandler de que a revolução
falharia e de que os comunistas ficariam isolados caso
começassem a insurreição sem o apoio dos
social-democratas de esquerda estava de acordo com erros
anteriores atribuídos não somente a Brandler, mas
à Internacional como um todo. Tanto a Internacional, dirigida
por Zinoviev, quanto a direção do KPD (seu setor
majoritário e seu setor esquerdista) desempenharam por
longo tempo um papel passivo, tipicamente "centrista"
diante dos eventos na Alemanha. Apesar das condições
sociais e políticas terem mudado enormemente após
a ocupação francesa do Ruhr, em janeiro, eles continuaram
trabalhando com os métodos desenvolvidos no ano anterior,
quando a revolução não estava imediatamente
na agenda do partido.
Foi somente após longo tempo, no meio dos eventos de
Agosto, que mudaram de curso e começaram a preparar a insurreição.
Isso deu-lhes apenas dois meses para o preparo, mas este era de
caráter insuficiente, hesitante e deslocado.
Trotsky, num pronunciamento feito ao Congresso dos Trabalhadores
Médicos e Veterinários da URSS em junho de 1924,
comentou o seguinte sobre a derrota: "Qual foi a causa fundamental
da derrota do Partido Comunista Alemão?", perguntou.
"Esta: não apreciaram corretamente e no momento certo
a crise revolucionária que se abriu com a ocupação
do vale do Ruhr e, especialmente, após o final da resistência
passiva (janeiro-junho de 1923). Perderam o momento crucial...
Mesmo após o ataque ao Ruhr, continuaram com seu trabalho
de agitação e propaganda com base na fórmula
de Frente Única anterior ao ataque. Nesse meio tempo, a
fórmula havia se tornado completamente insuficiente. A
influência política do partido crescia automaticamente.
Uma modificação tática era necessária".
"Era necessário mostrar às massas, e acima
de tudo ao partido, que se tratava, no momento, da imediata preparação
para a tomada do poder. Era necessário consolidar e dar
forma organizativa à crescente influência do partido,
para estabelecer as bases de apoio para a tomada direta do estado.
Era necessário transferir toda a organização
do partido para as bases das células operárias.
Era necessário formar novas células nas estradas-de-ferro.
Era necessário suscitar o quanto antes a questão
do trabalho dentro do exército. Era necessário,
extremamente necessário, adaptar a tática de Frente
Única total e completamente a essas questões, dar-lhe
um prazo mais decidido e resoluto, bem como um caráter
mais revolucionário. Nessa base, um trabalho técnico-militar
certamente poderia ter sido levado adiante..."
"A coisa mais importante, entretanto, era esta: garantir
em tempo a mudança tática decisiva para a
tomada do poder na Alemanha. O que não foi feito. Essa
foi a principal e fatal omissão. Dela surgiu
a contradição central. De um lado, o partido esperava
uma revolução, enquanto que, de outro, por ter perdido
os dedos nos eventos de março [Trotsky se refere a 1921],
evitou, até os últimos meses de 1923, a idéia
de organizar a revolução, ou seja, preparar a insurreição.
A atividade política do partido estava carregada de uma
atmosfera pacífica, num momento em que a cena final se
aproximava."
"A data para a insurreição foi finalmente
fixada quando, como um todo, o inimigo já havia se valido
do tempo perdido pelo partido para fortalecer sua posição.
A preparação técnica-militar do partido,
que começou numa velocidade febril, estava divorciada da
atividade política do partido, que esteve anteriormente
carregada por uma atmosfera pacífica. As massas não
compreendiam o partido e não avançaram o passo junto
dele. O partido sentiu-se subitamente separado das massas, e ficou
paralisado. Disso resultou a imediata retirada da linha de frente,
sem mesmo haver combate a pior de todas as derrotas."
[1]
Teria sido possível organizar uma insurreição
vitoriosa em todo o país em 1923?
Há um grande número de relatos de dirigentes
comunistas alemães, assim como de líderes e especialistas
militares da III Internacional, presentes na Alemanha no momento,
que declaram haver um péssimo preparo para a insurreição.
Os destacamentos de luta conhecidos como Centenas de Revolucionários
estavam formados e treinados, mas mal possuíam armas.
O aparato de propaganda do KPD devido às perseguições
e à repressão estava em estado lastimável.
A comunicação e a coordenação do partido
entre as diversas regiões funcionavam muito mal.
Por outro lado, os trabalhadores que lutaram e Hamburgo demonstraram
um alto grau de coragem, disciplina e eficiência. Apenas
300 trabalhadores lutaram nas barricadas, mas alcançaram
uma larga e positiva embora passiva resposta por
parte da população.
Em seu pronunciamento aos trabalhadores médicos e veterinários,
Trotsky ressaltou que a própria dinâmica do processo
revolucionário deve ser levada em conta. "Os comunistas
tinham atrás de si a maioria das massas trabalhadoras?",
perguntou. "Essa é uma questão que não
pode ser respondida por meio de estatísticas. Somente pode
ser respondida pela dinâmica da revolução".
"As massas estavam com um espírito de luta?",
continuou Trotsky. "Toda a história do ano de 1923
não deixa dúvida sobre isso". E concluiu: "Sob
tais condições, as massas apenas poderiam seguir
adiante se existisse uma direção firme, auto-confiante,
assim como uma confiança das massas nessa direção.
Discussões a respeito do ânimo das massas, se era
de luta ou não, possuem um caráter muito subjetivo
e expressam essencialmente a falta de confiança entre os
líderes do próprio partido". [2]
As lições de outubro
A capitulação sem luta foi certamente o pior
resultado possível dos eventos alemães. Ela desmoralizou
e desorganizou o KPD e criou as condições em que
a elite dominante e os militares puderam continuar com a ofensiva
e consolidar seu poder. Trotsky, então, insistiu que as
lições da derrota alemã deviam ser tiradas
duramente. Ele rejeitou os argumentos dos bodes-expiatórios
isolados, que eram somente para evitar as discussões políticas
mais fundamentais. Tirar tais lições não
era somente indispensável para preparar a liderança
alemã para as oportunidades revolucionárias futuras,
que inevitavelmente surgiriam, mas também era crucial para
todas as seções do Internacional, que se deparariam
com desafios e problemas muito similares.
Trotsky notou que as lições da Revolução
Russa de Outubro a única revolução
proletária bem sucedida na história nunca
tinham sido devidamente traçadas. No verão de 1924,
publicou o livro Lições de Outubro, examinando
o bem sucedido Outubro Russo sob a luz da derrota do outubro alemão.
Ele insistiu na necessidade "de estudar as leis e métodos
da revolução proletária". Insistiu que
existem questões que todo Partido Comunista deve enfrentar
quando entrar num período revolucionário: "Regra
geral, as crises no partido surgem a cada mudança importante,
como seu prelúdio ou conseqüência. É
que cada período de desenvolvimento do partido tem os seus
traços especiais, exigindo determinados hábitos
ou métodos de trabalho. Uma mudança tática
acarreta uma ruptura mais ou menos importante nestes hábitos
e métodos: aí reside a causa direta das frações
e das crises internas ao partido".
Trotsky então cita Lenin, que escreveu em julho de 1917:
"A uma mudança brusca da história acontece
muito frequentemente, até aos partidos avançados,
não chegarem a se habituar à nova situação
num maior ou menos espaço de tempo, repetindo as palavras
de ordem que, embora justas ontem, hoje perderam todo o seu sentido;
coisa que acontece tão subitamente' quanto a mudança
histórica."
"Conseqüentemente", concluiu Trotsky, "surge
o perigo: se a mudança tiver sido demasiadamente brusca
ou inesperada e o partido posterior tiver acumulado demasiados
elementos de inércia e de conservadorismo em seus órgãos
dirigentes, este revelar-se-á incapaz de assumir a direção
no momento mais grave, para o qual se preparou durante anos ou
dezenas de anos. O Partido deixar-se-á corroer por uma
crise e o movimento se processará sem objetivo, semeando
a derrota."
"Ora, a mudança mais brusca é aquela em
que o partido do proletariado passa da preparação,
propaganda, organização e agitação
para a luta direta pelo poder, à insurreição
armada contra a burguesia. Tudo o que há de irresoluto,
cético, conciliador e capitulacionista no interior do partido
ergue-se contra a insurreição e busca fórmulas
teóricas para a sua oposição, encontrando-as
já preparadas nos adversários de ontem, os oportunistas.
Ainda vamos ter que observar muitas vezes este fenômeno
no futuro." [3]
Zinoviev e Stalin rejeitaram a análise de Trotsky. Guiados
por motivos fracionários e subjetivos, falsificaram os
eventos na Alemanha, cobrindo seus próprios rastros e fazendo
de Brandler o bode-expiatório para todos os erros. As conseqüências
foram desastrosas. A direção do KPD foi trocada
pela quinta vez em cinco anos sem qualquer lição
ser tirada do processo.
Como Radek apontou em disputa acalorada com Stalin numa
reunião do Comitê Central do partido Russo, em janeiro
de 1924 quadros marxistas experientes foram trocados tanto
por pessoas que tinham experiência no centrista USPD (SPD-Independente)
quanto por pessoas que mal tinham experiência revolucionária.
Henirich Brandler, um membro fundador da Liga Espártaco
(Spartakusbund) com uma história de 25 anos no movimento,
foi substituído por Ruth Fischer e Arkadi Maslow, jovens
intelectuais vindos de um rico ambiente burguês e sem passado
revolucionário. A maioria do grupo central, que agora formaria
a nova direção, havia entrado no KPD apenas em dezembro
de 1920, quando a esquerda do centrista USPD se uniu ao KPD.
A mudança na direção "acertou"
o caminho após perseguições e novas
modificações nos anos seguintes para a total
subordinação do KPD aos ditados de Stalin. Tal fato
revelou ter conseqüências devastadoras 10 anos depois,
quando a desastrosa linha do KPD pavimentou o caminho de Hitler
ao poder. O alinhamento de Stalin com a esquerda de Fischer e
Maslow foi particularmente cínico, uma vez que ele sempre
havia ajudado as posições mais direitistas durante
o andamento dos eventos. Stalin ganhou a aliança de Maslow,
que estava sob investigação por ter dado informação
à polícia durante os eventos de março de
1921, assegurando que estaria limpo das acusações.
Até mesmo a teoria do social-fascismo, que iguala a
social-democracia ao fascismo, achou sua primeira expressão
num documento sobre os eventos alemães, esquematizado por
Zinoviev e adotado pelo presidente do Comitê Executivo da
Internacional contra a resistência da Oposição
de Esquerda em janeiro de 1924. O documento diz: "As camadas
dirigentes da social-democracia alemã apresentam nada mais
que uma facção do fascismo alemão sob uma
máscara socialista". [4]
Depois que o partido falhou em mover a tempo da tática
de Frente Única à da luta pelo poder, Zinoviev e
Stalin rejeitaram a Frente Única como um todo. A teoria
do social-fascismo, que rejeita qualquer forma de Frente Única
com o SPD contra os nazistas, foi revivida em 1929 e teve um papel
importante no desarmamento da classe trabalhadora na luta contra
o fascismo.
Em 1928, Trotsky mais uma vez repetiu as lições
básicas do Outubro Alemão. Criticando o esquema
de programa para o Sexto Congresso da Internacional Comunista,
escreveu: "O papel do fator subjetivo em um período
de desenvolvimento lento e orgânico pode permanecer um tanto
subordinado. Assim, muitos provérbios de sobre a graduação
do processo podem surgir, como: devagar, mas certo' e não
adianta dar murro em ponta de faca' e muitos outros, que resumem
toda a sabedoria tática de nossa época, que abomina
pular etapas'. Mas, no momento em que as condições
objetivas estão maduras, a chave de todo o processo histórico
passa para a condição subjetiva, que é o
partido. O oportunismo, que consciente ou inconscientemente desenvolve-se
com inspiração em épocas passadas, sempre
tenta subestimar o papel do fator subjetivo, que é: a importância
do partido e da direção revolucionária. Tudo
isso nos foi completamente revelado nas discussões a respeito
do Outubro Alemão, no Comitê Anglo-Russo e na Revolução
Chinesa. Em todos esses casos, assim como em outros de menor importância,
a tendência oportunista evidenciou-se ao adotar uma via
que cabia somente às massas', desprezando por completo
o topo' da direção revolucionária.
Tal atitude, que é falsa como um todo, opera com um efeito
certamente fatal na época imperialista." [5]
Concluído
[traduzido por movimentonn.org]
Notas:
1. Leon Trotsky, [Through What Stage Are We
Passing, in The Challenge of the Left Opposition(1923-25),
Pathfinder Press, 1975], pp. 170-71.
2. Ibid., p. 169.
3. Leon Trotsky, (Lessons of October, New Park Publications,
1971), pp. 4-7.
4. Bernhard H. Bayerlein u.a. Hsg., (Deutscher Oktober 1923.
Ein Revolutionsplan und sein Scheitern, Berlin: 2003), p.
464.
5. Leon Trotsky, (The Third International after Lenin,
New Park, 1974), p. 64.