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O Outubro Alemão: a revolução perdida de 1923

Parte 3

Por Peter Schwarz
10 de dezembro de 2008

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O texto abaixo foi publicado em inglês no WSWS no dia 1 de novembro de 2008. É a terceira e última parte de artigo baseado numa palestra apresentada pelo autor no verão de 2007.

Por que o KPD perdeu a revolução?

Uma fácil resposta a esta pergunta é lançar toda a culpa sobre Brandler. Essa foi a reação de Zinoviev e de Stálin, que o transformaram num bode expiatório. Simultaneamente, acusaram o KPD (Partido Comunista Alemão) de ter fornecido informações erradas sobre a situação na Alemanha, informações exageradas sobre seu potencial revolucionário. Desse modo, contestaram toda a avaliação sobre a qual havia se baseado o plano de insurreição.

Menos de três semanas após a insurreição ser abortada, Stálin e Zinoviev começaram a reinterpretar os eventos na Alemanha. Assim o fizeram para encobrir seus próprios papeis no processo e iniciar seu combate fracional contra a Oposição de Esquerda, que começava a se articular (em 15 de outubro, surgia o primeiro documento importante da Oposição de Esquerda, a Declaração dos 46. Ao final de novembro, Trotsky escrevia O Novo Curso).

Trotsky rejeitou a abordagem simplista feita por Zinoviev e Stálin. Mesmo não concordando com a decisão de Brandler de abortar a insurreição, não a tomava como um evento isolado. Ao final do processo, Karl Radek, que estava presente em Chemnitz como representante da Internacional Comunista (Comintern ou III Internacional), bem como o Zentrale alemão, a direção central do partido, também concordavam com Brandler.

A insistência de Brandler de que a revolução falharia — e de que os comunistas ficariam isolados caso começassem a insurreição sem o apoio dos social-democratas de esquerda — estava de acordo com erros anteriores atribuídos não somente a Brandler, mas à Internacional como um todo. Tanto a Internacional, dirigida por Zinoviev, quanto a direção do KPD (seu setor majoritário e seu setor esquerdista) desempenharam por longo tempo um papel passivo, tipicamente "centrista" diante dos eventos na Alemanha. Apesar das condições sociais e políticas terem mudado enormemente após a ocupação francesa do Ruhr, em janeiro, eles continuaram trabalhando com os métodos desenvolvidos no ano anterior, quando a revolução não estava imediatamente na agenda do partido.

Foi somente após longo tempo, no meio dos eventos de Agosto, que mudaram de curso e começaram a preparar a insurreição. Isso deu-lhes apenas dois meses para o preparo, mas este era de caráter insuficiente, hesitante e deslocado.

Trotsky, num pronunciamento feito ao Congresso dos Trabalhadores Médicos e Veterinários da URSS em junho de 1924, comentou o seguinte sobre a derrota: "Qual foi a causa fundamental da derrota do Partido Comunista Alemão?", perguntou. "Esta: não apreciaram corretamente e no momento certo a crise revolucionária que se abriu com a ocupação do vale do Ruhr e, especialmente, após o final da resistência passiva (janeiro-junho de 1923). Perderam o momento crucial... Mesmo após o ataque ao Ruhr, continuaram com seu trabalho de agitação e propaganda com base na fórmula de Frente Única anterior ao ataque. Nesse meio tempo, a fórmula havia se tornado completamente insuficiente. A influência política do partido crescia automaticamente. Uma modificação tática era necessária".

"Era necessário mostrar às massas, e acima de tudo ao partido, que se tratava, no momento, da imediata preparação para a tomada do poder. Era necessário consolidar e dar forma organizativa à crescente influência do partido, para estabelecer as bases de apoio para a tomada direta do estado. Era necessário transferir toda a organização do partido para as bases das células operárias. Era necessário formar novas células nas estradas-de-ferro. Era necessário suscitar o quanto antes a questão do trabalho dentro do exército. Era necessário, extremamente necessário, adaptar a tática de Frente Única total e completamente a essas questões, dar-lhe um prazo mais decidido e resoluto, bem como um caráter mais revolucionário. Nessa base, um trabalho técnico-militar certamente poderia ter sido levado adiante..."

"A coisa mais importante, entretanto, era esta: garantir em tempo a mudança tática decisiva para a tomada do poder na Alemanha. O que não foi feito. Essa foi a principal — e fatal — omissão. Dela surgiu a contradição central. De um lado, o partido esperava uma revolução, enquanto que, de outro, por ter perdido os dedos nos eventos de março [Trotsky se refere a 1921], evitou, até os últimos meses de 1923, a idéia de organizar a revolução, ou seja, preparar a insurreição. A atividade política do partido estava carregada de uma atmosfera pacífica, num momento em que a cena final se aproximava."

"A data para a insurreição foi finalmente fixada quando, como um todo, o inimigo já havia se valido do tempo perdido pelo partido para fortalecer sua posição. A preparação técnica-militar do partido, que começou numa velocidade febril, estava divorciada da atividade política do partido, que esteve anteriormente carregada por uma atmosfera pacífica. As massas não compreendiam o partido e não avançaram o passo junto dele. O partido sentiu-se subitamente separado das massas, e ficou paralisado. Disso resultou a imediata retirada da linha de frente, sem mesmo haver combate — a pior de todas as derrotas." [1]

Teria sido possível organizar uma insurreição vitoriosa em todo o país em 1923?

Há um grande número de relatos de dirigentes comunistas alemães, assim como de líderes e especialistas militares da III Internacional, presentes na Alemanha no momento, que declaram haver um péssimo preparo para a insurreição. Os destacamentos de luta — conhecidos como Centenas de Revolucionários — estavam formados e treinados, mas mal possuíam armas. O aparato de propaganda do KPD — devido às perseguições e à repressão — estava em estado lastimável. A comunicação e a coordenação do partido entre as diversas regiões funcionavam muito mal.

Por outro lado, os trabalhadores que lutaram e Hamburgo demonstraram um alto grau de coragem, disciplina e eficiência. Apenas 300 trabalhadores lutaram nas barricadas, mas alcançaram uma larga e positiva — embora passiva — resposta por parte da população.

Em seu pronunciamento aos trabalhadores médicos e veterinários, Trotsky ressaltou que a própria dinâmica do processo revolucionário deve ser levada em conta. "Os comunistas tinham atrás de si a maioria das massas trabalhadoras?", perguntou. "Essa é uma questão que não pode ser respondida por meio de estatísticas. Somente pode ser respondida pela dinâmica da revolução".

"As massas estavam com um espírito de luta?", continuou Trotsky. "Toda a história do ano de 1923 não deixa dúvida sobre isso". E concluiu: "Sob tais condições, as massas apenas poderiam seguir adiante se existisse uma direção firme, auto-confiante, assim como uma confiança das massas nessa direção. Discussões a respeito do ânimo das massas, se era de luta ou não, possuem um caráter muito subjetivo e expressam essencialmente a falta de confiança entre os líderes do próprio partido". [2]

As lições de outubro

A capitulação sem luta foi certamente o pior resultado possível dos eventos alemães. Ela desmoralizou e desorganizou o KPD e criou as condições em que a elite dominante e os militares puderam continuar com a ofensiva e consolidar seu poder. Trotsky, então, insistiu que as lições da derrota alemã deviam ser tiradas duramente. Ele rejeitou os argumentos dos bodes-expiatórios isolados, que eram somente para evitar as discussões políticas mais fundamentais. Tirar tais lições não era somente indispensável para preparar a liderança alemã para as oportunidades revolucionárias futuras, que inevitavelmente surgiriam, mas também era crucial para todas as seções do Internacional, que se deparariam com desafios e problemas muito similares.

Trotsky notou que as lições da Revolução Russa de Outubro — a única revolução proletária bem sucedida na história — nunca tinham sido devidamente traçadas. No verão de 1924, publicou o livro Lições de Outubro, examinando o bem sucedido Outubro Russo sob a luz da derrota do outubro alemão.

Ele insistiu na necessidade "de estudar as leis e métodos da revolução proletária". Insistiu que existem questões que todo Partido Comunista deve enfrentar quando entrar num período revolucionário: "Regra geral, as crises no partido surgem a cada mudança importante, como seu prelúdio ou conseqüência. É que cada período de desenvolvimento do partido tem os seus traços especiais, exigindo determinados hábitos ou métodos de trabalho. Uma mudança tática acarreta uma ruptura mais ou menos importante nestes hábitos e métodos: aí reside a causa direta das frações e das crises internas ao partido".

Trotsky então cita Lenin, que escreveu em julho de 1917: "A uma mudança brusca da história acontece muito frequentemente, até aos partidos avançados, não chegarem a se habituar à nova situação num maior ou menos espaço de tempo, repetindo as palavras de ordem que, embora justas ontem, hoje perderam todo o seu sentido; coisa que acontece tão ‘subitamente' quanto a mudança histórica."

"Conseqüentemente", concluiu Trotsky, "surge o perigo: se a mudança tiver sido demasiadamente brusca ou inesperada e o partido posterior tiver acumulado demasiados elementos de inércia e de conservadorismo em seus órgãos dirigentes, este revelar-se-á incapaz de assumir a direção no momento mais grave, para o qual se preparou durante anos ou dezenas de anos. O Partido deixar-se-á corroer por uma crise e o movimento se processará sem objetivo, semeando a derrota."

"Ora, a mudança mais brusca é aquela em que o partido do proletariado passa da preparação, propaganda, organização e agitação para a luta direta pelo poder, à insurreição armada contra a burguesia. Tudo o que há de irresoluto, cético, conciliador e capitulacionista no interior do partido ergue-se contra a insurreição e busca fórmulas teóricas para a sua oposição, encontrando-as já preparadas nos adversários de ontem, os oportunistas. Ainda vamos ter que observar muitas vezes este fenômeno no futuro." [3]

Zinoviev e Stalin rejeitaram a análise de Trotsky. Guiados por motivos fracionários e subjetivos, falsificaram os eventos na Alemanha, cobrindo seus próprios rastros e fazendo de Brandler o bode-expiatório para todos os erros. As conseqüências foram desastrosas. A direção do KPD foi trocada — pela quinta vez em cinco anos — sem qualquer lição ser tirada do processo.

Como Radek apontou — em disputa acalorada com Stalin numa reunião do Comitê Central do partido Russo, em janeiro de 1924 — quadros marxistas experientes foram trocados tanto por pessoas que tinham experiência no centrista USPD (SPD-Independente) quanto por pessoas que mal tinham experiência revolucionária. Henirich Brandler, um membro fundador da Liga Espártaco (Spartakusbund) com uma história de 25 anos no movimento, foi substituído por Ruth Fischer e Arkadi Maslow, jovens intelectuais vindos de um rico ambiente burguês e sem passado revolucionário. A maioria do grupo central, que agora formaria a nova direção, havia entrado no KPD apenas em dezembro de 1920, quando a esquerda do centrista USPD se uniu ao KPD.

A mudança na direção "acertou" o caminho — após perseguições e novas modificações nos anos seguintes — para a total subordinação do KPD aos ditados de Stalin. Tal fato revelou ter conseqüências devastadoras 10 anos depois, quando a desastrosa linha do KPD pavimentou o caminho de Hitler ao poder. O alinhamento de Stalin com a esquerda de Fischer e Maslow foi particularmente cínico, uma vez que ele sempre havia ajudado as posições mais direitistas durante o andamento dos eventos. Stalin ganhou a aliança de Maslow, que estava sob investigação por ter dado informação à polícia durante os eventos de março de 1921, assegurando que estaria limpo das acusações.

Até mesmo a teoria do social-fascismo, que iguala a social-democracia ao fascismo, achou sua primeira expressão num documento sobre os eventos alemães, esquematizado por Zinoviev e adotado pelo presidente do Comitê Executivo da Internacional contra a resistência da Oposição de Esquerda em janeiro de 1924. O documento diz: "As camadas dirigentes da social-democracia alemã apresentam nada mais que uma facção do fascismo alemão sob uma máscara socialista". [4]

Depois que o partido falhou em mover a tempo da tática de Frente Única à da luta pelo poder, Zinoviev e Stalin rejeitaram a Frente Única como um todo. A teoria do social-fascismo, que rejeita qualquer forma de Frente Única com o SPD contra os nazistas, foi revivida em 1929 e teve um papel importante no desarmamento da classe trabalhadora na luta contra o fascismo.

Em 1928, Trotsky mais uma vez repetiu as lições básicas do Outubro Alemão. Criticando o esquema de programa para o Sexto Congresso da Internacional Comunista, escreveu: "O papel do fator subjetivo em um período de desenvolvimento lento e orgânico pode permanecer um tanto subordinado. Assim, muitos provérbios de sobre a graduação do processo podem surgir, como: ‘devagar, mas certo' e ‘não adianta dar murro em ponta de faca' e muitos outros, que resumem toda a sabedoria tática de nossa época, que abomina ‘pular etapas'. Mas, no momento em que as condições objetivas estão maduras, a chave de todo o processo histórico passa para a condição subjetiva, que é o partido. O oportunismo, que consciente ou inconscientemente desenvolve-se com inspiração em épocas passadas, sempre tenta subestimar o papel do fator subjetivo, que é: a importância do partido e da direção revolucionária. Tudo isso nos foi completamente revelado nas discussões a respeito do Outubro Alemão, no Comitê Anglo-Russo e na Revolução Chinesa. Em todos esses casos, assim como em outros de menor importância, a tendência oportunista evidenciou-se ao adotar uma via que cabia somente às ‘massas', desprezando por completo o ‘topo' da direção revolucionária. Tal atitude, que é falsa como um todo, opera com um efeito certamente fatal na época imperialista." [5]

Concluído

[traduzido por movimentonn.org]

Notas:
1. Leon Trotsky, [Through What Stage Are We Passing, in The Challenge of the Left Opposition (1923-25), Pathfinder Press, 1975], pp. 170-71.
2. Ibid., p. 169.
3. Leon Trotsky, (Lessons of October, New Park Publications, 1971), pp. 4-7.
4. Bernhard H. Bayerlein u.a. Hsg., (Deutscher Oktober 1923. Ein Revolutionsplan und sein Scheitern, Berlin: 2003), p. 464.
5. Leon Trotsky, (The Third International after Lenin, New Park, 1974), p. 64.