World Socialist Web Site
 

WSWS : Portuguese

Marxismo, o Comitê Internacional e a ciência da perspectiva: uma análise histórica da crise do imperialismo americano.

Primeira parte

Por David North
18 de julio de 2007

Utilice esta versión para imprimir | Enviar por email | Comunicar-se com o autor

Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês, no dia 11 de Janeiro de 2005

No fim de semana de 8 e 9 de Janeiro, 2005, o Partido da Igualdade Socialista (SEP) organizou um encontro nacional em Ann Arbor, Michigan. O relato de abertura foi feito por David North, o secretário nacional do SEP e presidente da comissão editorial do Site Socialista de Interligação Mundial (wsws.org).

Ao abrir o encontro nacional de membros do Partido da Igualdade Socialista, é importante observarmos um minuto de silêncio em homenagem às dezenas de milhares de pessoas no Sul da Ásia que morreram mês passado no tsunami que varreu o oceano Índico.

Ao redor do globo houve uma expansão de profunda empatia às vítimas do tsunami, assim como expressões verdadeiras de solidariedade. Que diferentes são essas manifestações de luto verdadeiro das demonstrações de preocupação hipócritas, formais e de má vontade da parte dos líderes do imperialismo britânico e americano! Nem Bush nem Blair foram capazes de expressar interesse, de maneira convincente, no destino de milhões de pessoas cujas vidas foram devastadas pela catástrofe.

Até mesmo a mídia estava envergonhada pela maneira com a qual a Casa Branca respondeu, ou, sendo mais preciso, falhou em responder à tragédia que se desdobrou. Primeiro houve o silêncio extraordinário, que persistiu por quase 3 dias enquanto o presidente americano folgava em seu rancho no Texas e o primeiro ministro britânico cuidava de seu bronzeado em uma praia egípcia, totalmente alheios às conseqüências do tsunami. Então veio a mísera oferta de Bush de 15 milhões de dólares em ajuda, aumentada com má vontade para 35 milhões e, mais tarde, para 350 milhões. Obviamente, quando comparada com as quantias despendidas pelos Estados Unidos em operações voltadas para matar pessoas, principalmente no Iraque, o dígito de 350 milhões representa nada mais do que meros trocados.

De fato, 350 milhões é apenas uma pequena porcentagem do valor total de dinheiro pago anualmente aos 500 maiores diretores executivos americanos em forma de salários e opções para compra de ações, cujo número chega aos bilhões de dólares. Em 2003, a recompensa total de Charles M. Cawley da MBNA excedeu os 45 milhões; a de Stanley O´Neil da Merrill Lynch foi de 28.3 milhões, a de Daniel P. Amos da Aflac foi 37.3 milhões; a de Kennedy Chennault da American Express foi de 40 milhões; a de Patrick Stokes da Anheuser Busch foi 49 milhões. Selecionei esses nomes aleatoriamente de uma lista de aproximadamente 1.000 executivos publicada em um site que investiga recompensas de executivos.

Quando se considera a quantia de dinheiro movimentada pelas contas bancárias dessas pessoas, o tamanho das contribuições de caridade vindas dos Estados Unidos relatadas pela mídia não parece assim tão impressionante. Pode-se ter certeza de que o contribuinte comum da classe trabalhadora está doando uma porcentagem muito maior de seu rendimento semanal para esforços humanitários do que o executivo que, antes de assinar um cheque, discute a questão com seus contadores e calcula os descontos nos impostos.

Depois das conseqüências do tsunami apareceu uma série de artigos na imprensa explicando as causas geológicas do desastre, sendo isso informação científica de relevância, mas que precisa ser complementada por análises dos fatores sociais significantes que constituem um elemento causal maior na desastrosa perda de vidas. Essa tarefa geralmente é evitada pela mídia, que acha mais fácil pontificar o caráter inescrutável das terríveis intenções da natureza. Dessa forma, somos informados pelo colunista David Brooks do New York Times: “Os humanos não são a preocupação principal do universo. Somos apenas insetos na crosta terrestre. A terra dá de ombros e 140.000 insetos morrem, vítimas de forças muito maiores e mais permanentes do que eles mesmos.” Um comentário desse nível, composto em partes iguais de ignorância e desprezo pela humanidade serve a um claro propósito: evadir a realidade e mascarar as desagradáveis verdades políticas e econômicas.

O impacto do tsunami expõe de uma maneira particularmente gráfica a natureza irracional do capitalismo, sua incapacidade de desenvolver as forças produtivas de uma maneira na qual se elevem os níveis de vida das amplas massas da população. A mídia faz alarde sobre o “milagre asiático”, mas o fato é que os benefícios da infusão de capital na região na última década recaem apenas sobre pequenas elites privilegiadas. Centenas de milhões de asiáticos vivem em favelas que, até mesmo sob as condições climáticas mais favoráveis, oferecem proteção escassa aos elementos naturais. Isso testemunha o caráter desumano do desenvolvimento econômico em uma região em que um desastre que custa a vida de mais de 150.000 pessoas não é considerado como um evento econômico fundamental pela comunidade financeira internacional. As bolsas de valores da região, incluindo a da Indonésia, Tailândia, Índia e até do Sri Lanka, não sofreram nenhuma baixa significativa com as conseqüências do tsunami. O motivo é que grande parte da população desses países vive num estado de pobreza tão brutal que sua relação com a economia nacional é de caráter apenas tangencial.

As condições sociais existentes nesses países devem ser relacionadas com suas histórias políticas. Vejamos os países que sofreram as maiores perdas na semana passada: Indonésia e Sri Lanka. È impossível entender a natureza da moderna sociedade indonesa, sua pobreza aterradora, subnutrição alastrada, expectativa de vida abaixo de 65 anos para os homens, sem nos referirmos aos eventos de 1 de Outubro de 1965. Nesse dia, a CIA, trabalhando com oficiais militares fascistas liderados pelo General Suharto, organizou um golpe que retirou o presidente nacionalista de esquerda Sukarno do poder. No decorrer do golpe, militares e esquadrões da morte muçulmanos de direita, operando com listas providenciadas pela CIA, massacraram mais de meio milhão de membros do Partido Comunista Indonésio e de outros grupos de esquerda. Durante as próximas três décadas, o regime brutalmente repressivo e apoiado pelos EUA do General Suharto manteve a Indonésia segura para investimentos capitalistas. A natureza caótica e destrutiva do desenvolvimento capitalista culminou no tsunami financeiro que devastou a economia do país em 1998.

Já o Sri Lanka, muito antes de o tsunami haver varrido sua vulnerável costa, havia sido devastado pelas políticas reacionárias e chauvinistas dos sucessivos governos burgueses. O desenvolvimento da crítica infra-estrutura social havia se subordinado às demandas financeiras de uma guerra civil provocada pela burguesia nacional.

Quando examinado em seu verdadeiro contexto político e socioeconômico, fica claro que o impacto destrutivo do tsunami é muito mais uma conseqüência do trabalho do homem do que do da natureza.

Em algum lugar do futuro, o desenvolvimento da ciência e da tecnologia deverá permitir que a humanidade domine a natureza a tal ponto que será inconcebível que uma força tão elementar e primitiva quanto um tsunami possa extinguir milhares de vidas. No mínimo o homem deverá poder prever tais eventos de uma forma que permita a aplicação de contramedidas de salvamento de vidas. De fato sabemos que tal tecnologia existe e está disponível por todo o Pacífico. A questão é, o domínio pelo homem da natureza depende de seu domínio dos fundamentos socioeconômicos de sua própria existência, da abolição de todos os elementos de irracionalidade da estrutura econômica da sociedade, isto é, da substituição do capitalismo pelo socialismo.

No ambiente dominante de reação política, com seu impacto sufocante sobre as emoções e o intelecto das pessoas, a possibilidade de tal transformação parece impossível e totalmente remota, no entanto, as condições históricas para essa mesma transformação estão maturando rapidamente. De fato, há indicações crescentes de que começamos um novo ano no qual o capitalismo entra em um novo período de crises econômicas e reviravoltas políticas. A tarefa diante deste encontro é fazer a avaliação mais precisa possível da situação mundial, para então julgar nessas bases as possibilidades reais para o socialismo e determinar as tarefas políticas que advêm dessa avaliação. Esse trabalho é de caráter científico.

Em abril de 1933, Trotsky escreveu uma carta a Sidney Hook, desafiando certas formulações em um ensaio entitulado “Marxismo: Dogma ou Método?”, que o jovem professor radical havia escrito para o Nation. Hook havia escrito que o marxismo “não é nem um dogma, nem mito e nem ciência objetiva, mas sim um método realista de ação de classe”, ao que Trotsky respondeu: “O que significa aqui a palavra ‘realista’? Claramente, ela significa baseada sobre o verdadeiro conhecimento do objetivo, no caso os processos sociais; o conhecimento do objetivo é uma ciência. A política marxista é realista na medida em que é baseada no marxismo como uma ciência.” [2]

A concepção de Trotsky, de que a formulação de perspectivas políticas é um trabalho científico, contém em si mesma a premissa que os processos políticos se desdobram de acordo com leis. Essa atitude é anátema a todas as variedades pragmáticas de antimarxismo, que elevam a probabilidade e o acaso ao nível do absoluto no processo histórico, que insistem que história e política são determinadas, em última instância, pela ação recíproca de acasos e um número ilimitado de variantes insperadas e/ou imprevisíveis. O velho François Furet, historiador que havia sido membro do Partido Comunista Francês, sumarizou esse ponto de vista da maneira que se segue: “Um verdadeiro entendimento de nossa época só é possível quando nos livramos da ilusão da necessidade: a única forma de explicar o século vinte, na medida em que uma explicação se faz possível, é reafirmando seu caráter imprevisível, um atributo negado pelos maiores responsáveis por suas tragédias.”[3]

O argumento de Furet se move por dentro de um sistema bem rígido: como não é possível prever o futuro com qualquer nível significante de certeza, é absurdo falar em necessidade histórica. Para Furet, necessidade implica na existência de forças irreversíveis que levam a um e somente um resultado possível. Como é claro que o caminho do desenvolvimento histórico pode levar a resultados diferentes e até mesmo contraditórios, a convicção de que o processo histórico é sujeito a leis e que, além disso, tais leis podem ser interpretadas e influenciadas, constitui uma ilusão marxista. Não é surpresa que a crítica ferrenha de Furet ao determinismo histórico é feita no contexto de uma polêmica de um livro inteiro devotado a estabelecer a absoluta necessidade do capitalismo agora e por todos os tempos.

A posição de Furet, deveras comum entre os anti-marxistas, revela uma incompreensão ingênua do que é significado do conceito de lei e necessidade. O caráter científico do marxismo não é determinado pela exatidão de suas predições. O grau de exatidão que o marxismo ou qualquer outra disciplina científica pode atingir é a descrição de que qualquer fenômeno é determinado no final das contas pela natureza do próprio fenômeno. A natureza objetiva do fenômeno que é o sujeito da história, a sociedade humana, não é de um caráter que poderia permitir até mesmo o mais consciente materialista histórico a “predizer” exatamente o que irá acontecer em dois dias, duas semanas, dois meses e de aí em diante. Isso não é um argumento contra a aplicação de leis no processo histórico ou contra a possibilidade de seu estudo científico. Pelo contrário, isso requer uma apreciação mais profunda de como a aplicação de leis se manifesta no processo histórico. Como Lukács explicou: “leis científicas só podem se comprovar no mundo real como tendências e como necessidades somente no choque entre forças opostas, somente em uma mediação que ocorre por meio de intermináveis acidentes.” [4]

O fato de o processo histórico não ser predeterminado, que seu desenvolvimento se dá em várias direções, é uma conseqüência do fato que a evolução social prossegue através da luta de classes, as quais estão em busca de fins diferentes e mutuamente incompatíveis. Mas nem as classes como um todo, nem os partidos ou indivíduos através dos quais seus interesses socioeconômicos encontram maior ou menor expressão, funcionam como agentes livres. A amplitude e a natureza de suas atividades são essencialmente definidas pelas leis do modo de produção capitalista.

Isso não é somente verdadeiro para a classe trabalhadora, mas também para a elite dominante burguesa. A perspectiva política de nosso partido não procede de desejos e esperanças motivados subjetivamente. Os marxistas não concebem a revolução como uma punição aos pecados dos capitalistas e nem como uma recompensa por seus próprios esforços altruístas para abolir a pobreza. As perspectivas do partido revolucionário devem se desenvolver de uma análise das contradições objetivamente reais do modo de produção capitalista. Essa análise forma a base mais geral da perspectiva revolucionária. Sua elaboração mais detalhada requer que o desenvolvimento dessas contradições, em sua expressão social e política da vida real, seja investigado por dentro de várias camadas de mediação histórica, social, cultural e intelectual através das quais essas contradições devem passar.

Uma perspectiva marxista deve se preocupar com processos históricos abarcando décadas ou então com um conjunto mais imediato de condições políticas concretas nas quais o limite temporal de ação revolucionária é de duração muito menor. Mas até mesmo no último caso, o ponto de referência do partido marxista é sempre o processo histórico mais amplo. As táticas que são planejadas para atender as exigências das circunstâncias e dos problemas conjunturais devem estar de acordo com os objetivos principistas definidos pelo programa histórico e as tarefas do movimento socialista internacional. Deve-se acrescentar que não é possível entender problemas e condições conjunturais a não ser que sejam estudados dentro dos moldes dos objetivos estratégicos definidos pela natureza do período histórico.

Finalmente, o desenvolvimento de perspectivas revolucionárias requer uma atitude ativa e não contemplativa para com a sociedade e a luta de classes. Objetividade não significa passividade. A avaliação do partido revolucionário da realidade objetiva e o balanço das forças de classe incluem uma estimativa do impacto e das conseqüências de sua própria intervenção no processo revolucionário. A interpretação correta do mundo, como Marx explicou em sua 11ª tese sobre Feuerbach, só pode se desenvolver na luta pela sua transformação.

Mas a apreciação correta do elemento “ativo” no processo de cognição, cuja descoberta e elucidação constituíram uma das grandes conquistas da filosofia idealista alemã do fim do século XVIII e início do XIX (acima de tudo, na obra de Hegel), não pode ser levada a significar que o mundo objetivo pode ser moldado e transformado da maneira que qualquer um quiser. Não há tendência filosófica com implicações mais perigosamente reacionárias que aquela que separa a atividade do “desejo” da cognição científica dos processos sociais objetivos e governados por leis que constituem os determinantes essenciais da prática social do homem. A atividade do partido revolucionário deve proceder de uma avaliação correta das tendências básicas do desenvolvimento socioeconômico em escala mundial. Sem que se baseie nesse fundamento, o trabalho do movimento revolucionário pousará sobre nada mais substancial do que impressões e adivinhações... e isso acabará em desastre.

(o texto possui mais duas partes)

Notas:
1. http://www.aflcio.com/corporateamerica/paywatch/ceou/database.cfm
2. Writings of Leon Trotsky 1932-33 (New York, 1972), pp. 232-33.
3. The Passing of an Illusion (Chicago 1999), p. 2. 4. The Ontology of Social Being, Volume 2 (London, 1978), p. 103.