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Brasil: A OMC e a “luta” de Lula em favor do G20

Por Jadir Antunes
25 Janeiro 2007

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O chanceler brasileiro Celso Amorin, presidente do G20 (grupo de 21 países “em desenvolvimento” que defendem interesses agrícolas) declarou à imprensa durante os últimos meses de 2006 que procurará a todo custo recuperar a credibilidade da OMC (Organização Mundial de Comércio). Esta “luta” de Amorin se tornou necessária devido ao grande fracasso da Rodada de negociações de Doha aberta em Cancún em 2003. Nesta rodada de negociações nenhum resultado concreto foi obtido, encerrando em quase nada, anos de conversações.

O G20 é constituído por um grupo de países que se organiza dentro da OMC para defender interesses comuns frente aos interesses predominantes dos EUA e da UE - União Européia. Dentre eles encontram-se países com uma forte economia agrário-exportadora como Brasil, Índia, México, Egito, China e África do Sul. O principal objetivo do G20 é conseguir uma reforma do comércio mundial agrícola, reduzindo os subsídios e incentivos à produção nos EUA e as tarifas de importação na União Européia.

Em recentes negociações, os dirigentes do G 20 conseguiram arrancar dos EUA e da UE uma relativa concessão, aprovando uma série de restrições à prática de dumping comercial. Contudo, na prática, estas concessões foram ignoradas e não produziram nada. Os dois maiores blocos - EUA e UE - não aceitam estas restrições e, por isso, a OMC corre o risco de cair numa crise terminal e desaparecer. Junto com a falência da OMC viria uma retração às negociações multilaterais e o crescimento do protecionismo através de acordos bilaterais, onde a vontade dos países mais poderosos política, econômica e militarmente seria imposta de qualquer modo.

O governo dos EUA fornece cerca de 47 bilhões de dólares por ano a seus agricultores na forma de subsídios diretos. Estes subsídios chegam a atingir mais de 18% do total da renda das fazendas americanas. Estes subsídios, de modo geral, servem para compensar a diferença entre os custos da produção agrícola nos EUA, geralmente elevados, e os preços do mercado mundial, geralmente mais baixos que os primeiros. Os subsídios servem, ainda, para estimular certos setores de proprietários rurais a manter suas propriedades em funcionamento e garantir uma base de apoio político ao partido que governa os EUA.

Na União Européia, as altas tarifas de importação servem para impedir que produtos estrangeiros mais baratos concorram com os produtos locais, geralmente com preços correntes mais elevados que os preços do mercado mundial. Evidentemente, tais tarifas atendem também aos interesses de proprietários privados rurais que constituem um dos setores politicamente mais conservadores da sociedade européia.

A União Européia destina também cerca de US$ 1,6 bilhão anuais, por exemplo, só para subsidiar suas exportações de açúcar refinado. A indústria do açúcar dos países que compõem a UE compra o açúcar bruto de suas ex-colônias do Caribe, África e Pacífico, o processa em suas próprias refinarias e o comercializa, por fora das regras da OMC, dentro da própria UE, a preços normalmente duas vezes maiores que os preços internacionais.

Assim, com uma política protecionista agressiva, os europeus conseguem ser os maiores exportadores mundiais de açúcar, apesar de sua produção custar o dobro da produção de países como Brasil, Tailândia e Moçambique. Via política de subsídios e tarifas de importação protecionistas os europeus conseguem, ainda, comercializar seu açúcar no mercado mundial abaixo do preço de custo nacional e mesmo assim conseguir lucros grandiosos.

De todos os grandes produtores mundiais de açúcar, o Brasil é o que possui o menor custo de produção. No estado de São Paulo, o maior produtor nacional, o custo de produção é de cerca de $165 dólares por tonelada. Nos países da União Européia esse custo, contudo, chega próximo de $700 dólares por tonelada. A diferença entre estes abissais custos de produção e o preço do açúcar no mercado mundial é coberta pela UE com os subsídios estatais: cerca de US$ 1,6 bilhão anual.

Caso o preço mundial do álcool açucareiro fosse, por exemplo, regulado diretamente pelo custo de produção, e não sofresse as distorções protecionistas, a exportação de álcool brasileiro teria um acréscimo de cerca de 1 bilhão de litros por ano, de acordo com lideranças do setor. Por ter um preço altamente competitivo no mercado mundial, isto é, por ter seu custo de produção muito abaixo dos custos internacionais, a importação do álcool brasileiro é sobre-taxada em todos os países da UE e nos EUA.

Caso o açúcar europeu não fosse subsidiado, ele não conseguiria circular no mercado mundial porque em outros países, os preços mundiais de produção estão muito abaixo.

Em entrevista concedida no último ano à imprensa, Amorin declarou: “O presidente Lula tem uma visão histórica de longo prazo da importância da Rodada Doha para o Brasil. É, sem dúvida, uma questão de interesse nacional, acima de qualquer partido, porque uma relação comercial mundial mais equilibrada é fundamental para os nossos povos. Quanto aos EUA: eu confio no desejo e no interesse político do presidente Bush de chegar a um acordo. Os EUA são os promotores do livre comércio, são muito orgulhosos disso, e há gente que vê necessidade de reformas no setor agrícola americano”.

Assim, todo o problema, aparentemente, seria que as lideranças “neoliberais” dos EUA e da União Européia deveriam assumir o seu “liberalismo” nessa questão. Aproximadamente, dessa maneira, é exposto o problema pelo grupo chamado G20: se o mercado mundial agrícola fosse realmente um mercado livre, sem barreiras nacionais, países como Brasil, Índia, África do Sul, China, Egito e México poderiam expandir sua produção a níveis nunca antes atingidos.

Setores da burguesia e políticos do G20 - tais como o Presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva, político do Partido dos Trabalhadores, e outros demagogos - seguindo os argumentos dos seus economistas e assalariados do capital, dizem que caso UE e EUA abrissem mão de suas políticas protecionistas, os países do G20 poderiam, além de exportar muito mais, erradicar os graves problemas sociais decorrentes destas práticas protecionistas que impedem o livre desenvolvimento de seus países.

Essa argumentação, na verdade, é totalmente falsa. A falácia dessa argumentação é evidente quando compreendemos a verdadeira origem desta elevada capacidade competitiva da produção agrícola dos países que compõem o G20. O baixo custo de produção dos produtos agrícolas destes países possui pouca relação com a capacidade de produzir o mesmo produto a um grau de produtividade do trabalho superior a seus concorrentes internacionais.

A verdadeira origem desta vantagem competitiva do G20 reside no altíssimo grau de exploração da classe trabalhadora destes países. O grau de exploração dos trabalhadores rurais de países como Brasil, Índia e China, é simplesmente brutal, muitas vezes levando-os à morte. Na maioria dos países que compõem o G20, a classe trabalhadora agrícola é extremamente mal paga e executa longas e extenuantes jornadas de trabalho diário no campo.

Nos canaviais brasileiros, por exemplo, encontramos uma trágica combinação de produção moderna mecanizada, altas taxas de lucro e rápido e fácil enriquecimento para os fazendeiros, combinada com miséria, morte prematura e super-exploração de milhares e milhares de trabalhadores.

As condições de vida e de trabalho destes trabalhadores não estão muito distantes das antigas condições de trabalho dos escravos do Brasil colonial: excesso de trabalho diário mediante jornadas muito acima da jornada legal de 8 horas, morte prematura do trabalhador por esgotamento sobre-humano de suas energias vitais, salários baixíssimos que mantêm o trabalhador vivendo próximo do nível da mera subsistência diária, moradias coletivas insalubres e superlotadas e emprego maciço de jovens e mulheres em longas e duríssimas jornadas de trabalho cortando e amontoando a cana em meio à fuligem da palha queimada e sob o fortíssimo sol do Brasil tropical.

Trabalhando em regiões distantes dos centros urbanos e da própria justiça burguesa, não possuem uma representação sindical combativa. Os dirigentes sindicais normalmente são gangsters que traem os interesses dos trabalhadores. Os trabalhadores do campo não possuem contrato fixo de trabalho, geralmente são trabalhadores volantes que migram de suas regiões de origem para trabalhar durante a época de colheita e plantio nas regiões de cultivo.

Mesmo em regiões rurais do Estado de São Paulo, o mais adiantado do país, as condições de trabalho são desumanas. Os operários agrícolas recebem um adiantamento em dinheiro para cobrir as despesas de deslocamento de sua região de origem até o local de trabalho, que é lentamente debitado do salário. Este salário normalmente só é pago após o encerramento completo do trabalho.

Além disso, se desconta do trabalhador o alojamento, que, na verdade, muitas vezes, se reduz a um barracão, no qual a “cama” é apenas o chão de terra coberto, quando muito, por uma folha de bananeira. Enquanto esse “adiantamento” patronal não é completamente restituído, o trabalhador permanece preso ao seu local de trabalho e impedido, inclusive à força e sob ameaça de morte, de migrar para outro emprego ou região.

O sonho de vampiro do G20

É essa realidade vergonhosa que se esconde por trás do discurso “libertário” do G20. Isto é, na realidade, o sonho de um vampiro, o sonho do capital agrário investido no G20 que procura obter um mercado agrícola mundial para seus próprios produtos e enriquecer aos saltos sugando mais e mais o sangue dos trabalhadores desorganizados. È essa a “dignificante” bandeira que está por trás das pretensões do chanceler brasileiro que preside o G20. Precisa ele a todo custo retomar as negociações na OMC, após o fracasso das conversações da rodada de Doha, para satisfazer os sugadores insaciáveis de altos lucros que o dirigem.

Promovida pelos demagogos políticos brasileiros do Partido dos Trabalhadores como uma luta pela igualdade, a luta do G20 contra os subsídios estatais das grandes potências é, no fundo, uma luta em favor de uma distribuição da mais-valia global mais generosa com o bolso dos grandes proprietários fundiários - cujos interesses são inseparáveis dos interesses das gigantes multinacionais como Bunge, Cargill e Archer Daniels Midland, que controlam uma parte crescente do agribusiness brasileiro. Este é o verdadeiro interesse que se esconde por trás do discurso do G 20, e seu esforço é um esforço para conquistar o mercado mundial mediante uma exploração mais intensa dos trabalhadores rurais. Lula e Amorin, neste caso, não passam de meros lacaios destes setores e todo o seu discurso em favor do livre-comércio entre as nações não passa de mera ideologia e disfarce para mascarar os interesses de classe do G20.

No Brasil, a burguesia agrária tem uma forte presença no Parlamento e influência decisiva em várias questões importantes. Nas últimas eleições parlamentares de 2006 a Bancada Ruralista, uma frente parlamentar suprapartidária que se organiza como um verdadeiro partido político em torno de interesses ligados ao agribusiness no país - tanto nacional quanto multinacional -, elegeu cerca de 111 parlamentares, entre deputados e senadores, distribuídos entre distintas siglas partidárias oficiais.

Nos anos 80, a burguesia agrária conseguiu fundar uma associação nacional para defender seus interesses durante a Reforma Constitucional, a chamada UDR, União Democrática Ruralista. A UDR era formada por grandes proprietários fundiários que se opunham às propostas de implementação da Reforma Agrária no país. A UDR, neste período, e mesmo depois dele, ao sair vitoriosa na Constituição, chegou a armar milícias paramilitares para defender suas propriedades da ocupação por parte dos trabalhadores rurais sem terra.

A Bancada Ruralista exerce forte pressão não apenas sobre o Congresso, mas, sobretudo, sobre o Executivo. Usa seu poder de voto para arrancar crédito barato do Estado, para obter reescalonamento e perdão de dívidas atrasadas, para obter subsídios na compra de insumos importados e combustíveis, para obter licença no plantio de transgênicos e no uso de defensivos e medicamentos veterinários vetados pela legislação.

A Bancada Ruralista, na realidade, determina a política agrícola e ambiental do país e interfere na nomeação do Ministro da Agricultura e dos principais diretores da área agrícola do Banco do Brasil, o banco do Estado que concede empréstimos ao setor. No governo Lula, o mesmo grupo conseguiu nomear os Ministros da Agricultura e do Desenvolvimento, ambos empresários ligados ao agro-negócio exportador.

Curiosamente, e não por acaso, diversos setores dessa dita “esquerda” pequeno-burguesa têm dado apoio à “luta” de Celso Amorin e Lula para a remoção dos subsídios agrícolas e terminam se aliando, de uma forma ou de outra, ao projeto de setores do capital agrário que atua no G20 e que sempre quer ter mais lucro e mais mercados para seus produtos. Nada poderia mostrar mais claramente o caráter traidor destes setores da assim chamada “esquerda’. Seja como for, e apesar das ilusões dos oportunistas de esquerda, o capital agrário aplicado no G20 a cada conquista de mercado vai apenas explorar mais e mais os trabalhadores, e estes não terão nenhuma melhoria nas suas condições sub-humanas de vida e de trabalho.

Para uma parte da chamada “esquerda” desses países do G20, trata-se de abandonar a OMC e dirigir uma política econômica voltada para a promoção do mercado interno. Como se isso fosse resolver os graves problemas sociais existentes em seus estados nacionais. Segundo estes setores ditos “socialistas”, tais como o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) e a Via Campesina (uma espécie de Internacional Camponesa), e ainda ONGs defensoras de uma hipotética “troca solidária”, os graves problemas sociais poderiam ser resolvidos, ou ao menos amenizados, se cada Estado dirigisse suas forças para a expansão do mercado interno de massas e para uma política de auto-suficiência alimentar nacional.

A luta dos trabalhadores brasileiros e dos trabalhadores dos países que compõem o G 20, não deve ser para defender uma economia nacional capitalista “solidária” e auto-suficiente, nem para garantir maior acesso ao mercado mundial por este ou aquele país capitalista. Nunca se pode esquecer que por trás do capital agrário do G20 está a super-exploração dos trabalhadores agrícolas desses países.

A luta para defender os interesses dos trabalhadores, urbanos e rurais, somente pode ser dirigida organizando a classe trabalhadora de todos os países contra os proprietários dos meios de produção, inclusive contra os proprietários que exploram os trabalhadores dos países do G20. Não devemos lutar pelo livre mercado, nem pela defesa de mercados nacionais, mas, sim, pelo fim da economia de mercado, pelo fim das fronteiras nacionais, por uma economia planejada socialista a escala mundial.