O chanceler brasileiro Celso Amorin, presidente do G20 (grupo
de 21 países em desenvolvimento que defendem
interesses agrícolas) declarou à imprensa durante
os últimos meses de 2006 que procurará a todo custo
recuperar a credibilidade da OMC (Organização Mundial
de Comércio). Esta luta de Amorin se tornou
necessária devido ao grande fracasso da Rodada de negociações
de Doha aberta em Cancún em 2003. Nesta rodada de negociações
nenhum resultado concreto foi obtido, encerrando em quase nada,
anos de conversações.
O G20 é constituído por um grupo de países
que se organiza dentro da OMC para defender interesses comuns
frente aos interesses predominantes dos EUA e da UE - União
Européia. Dentre eles encontram-se países com uma
forte economia agrário-exportadora como Brasil, Índia,
México, Egito, China e África do Sul. O principal
objetivo do G20 é conseguir uma reforma do comércio
mundial agrícola, reduzindo os subsídios e incentivos
à produção nos EUA e as tarifas de importação
na União Européia.
Em recentes negociações, os dirigentes do G 20
conseguiram arrancar dos EUA e da UE uma relativa concessão,
aprovando uma série de restrições à
prática de dumping comercial. Contudo, na prática,
estas concessões foram ignoradas e não produziram
nada. Os dois maiores blocos - EUA e UE - não aceitam estas
restrições e, por isso, a OMC corre o risco de cair
numa crise terminal e desaparecer. Junto com a falência
da OMC viria uma retração às negociações
multilaterais e o crescimento do protecionismo através
de acordos bilaterais, onde a vontade dos países mais poderosos
política, econômica e militarmente seria imposta
de qualquer modo.
O governo dos EUA fornece cerca de 47 bilhões de dólares
por ano a seus agricultores na forma de subsídios diretos.
Estes subsídios chegam a atingir mais de 18% do total da
renda das fazendas americanas. Estes subsídios, de modo
geral, servem para compensar a diferença entre os custos
da produção agrícola nos EUA, geralmente
elevados, e os preços do mercado mundial, geralmente mais
baixos que os primeiros. Os subsídios servem, ainda, para
estimular certos setores de proprietários rurais a manter
suas propriedades em funcionamento e garantir uma base de apoio
político ao partido que governa os EUA.
Na União Européia, as altas tarifas de importação
servem para impedir que produtos estrangeiros mais baratos concorram
com os produtos locais, geralmente com preços correntes
mais elevados que os preços do mercado mundial. Evidentemente,
tais tarifas atendem também aos interesses de proprietários
privados rurais que constituem um dos setores politicamente mais
conservadores da sociedade européia.
A União Européia destina também cerca
de US$ 1,6 bilhão anuais, por exemplo, só para subsidiar
suas exportações de açúcar refinado.
A indústria do açúcar dos países que
compõem a UE compra o açúcar bruto de suas
ex-colônias do Caribe, África e Pacífico,
o processa em suas próprias refinarias e o comercializa,
por fora das regras da OMC, dentro da própria UE, a preços
normalmente duas vezes maiores que os preços internacionais.
Assim, com uma política protecionista agressiva, os
europeus conseguem ser os maiores exportadores mundiais de açúcar,
apesar de sua produção custar o dobro da produção
de países como Brasil, Tailândia e Moçambique.
Via política de subsídios e tarifas de importação
protecionistas os europeus conseguem, ainda, comercializar seu
açúcar no mercado mundial abaixo do preço
de custo nacional e mesmo assim conseguir lucros grandiosos.
De todos os grandes produtores mundiais de açúcar,
o Brasil é o que possui o menor custo de produção.
No estado de São Paulo, o maior produtor nacional, o custo
de produção é de cerca de $165 dólares
por tonelada. Nos países da União Européia
esse custo, contudo, chega próximo de $700 dólares
por tonelada. A diferença entre estes abissais custos de
produção e o preço do açúcar
no mercado mundial é coberta pela UE com os subsídios
estatais: cerca de US$ 1,6 bilhão anual.
Caso o preço mundial do álcool açucareiro
fosse, por exemplo, regulado diretamente pelo custo de produção,
e não sofresse as distorções protecionistas,
a exportação de álcool brasileiro teria um
acréscimo de cerca de 1 bilhão de litros por ano,
de acordo com lideranças do setor. Por ter um preço
altamente competitivo no mercado mundial, isto é, por ter
seu custo de produção muito abaixo dos custos internacionais,
a importação do álcool brasileiro é
sobre-taxada em todos os países da UE e nos EUA.
Caso o açúcar europeu não fosse subsidiado,
ele não conseguiria circular no mercado mundial porque
em outros países, os preços mundiais de produção
estão muito abaixo.
Em entrevista concedida no último ano à imprensa,
Amorin declarou: O presidente Lula tem uma visão
histórica de longo prazo da importância da Rodada
Doha para o Brasil. É, sem dúvida, uma questão
de interesse nacional, acima de qualquer partido, porque uma relação
comercial mundial mais equilibrada é fundamental para os
nossos povos. Quanto aos EUA: eu confio no desejo e no interesse
político do presidente Bush de chegar a um acordo. Os EUA
são os promotores do livre comércio, são
muito orgulhosos disso, e há gente que vê necessidade
de reformas no setor agrícola americano.
Assim, todo o problema, aparentemente, seria que as lideranças
neoliberais dos EUA e da União Européia
deveriam assumir o seu liberalismo nessa questão.
Aproximadamente, dessa maneira, é exposto o problema pelo
grupo chamado G20: se o mercado mundial agrícola fosse
realmente um mercado livre, sem barreiras nacionais, países
como Brasil, Índia, África do Sul, China, Egito
e México poderiam expandir sua produção a
níveis nunca antes atingidos.
Setores da burguesia e políticos do G20 - tais como
o Presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva, político
do Partido dos Trabalhadores, e outros demagogos - seguindo os
argumentos dos seus economistas e assalariados do capital, dizem
que caso UE e EUA abrissem mão de suas políticas
protecionistas, os países do G20 poderiam, além
de exportar muito mais, erradicar os graves problemas sociais
decorrentes destas práticas protecionistas que impedem
o livre desenvolvimento de seus países.
Essa argumentação, na verdade, é totalmente
falsa. A falácia dessa argumentação é
evidente quando compreendemos a verdadeira origem desta elevada
capacidade competitiva da produção agrícola
dos países que compõem o G20. O baixo custo de produção
dos produtos agrícolas destes países possui pouca
relação com a capacidade de produzir o mesmo produto
a um grau de produtividade do trabalho superior a seus concorrentes
internacionais.
A verdadeira origem desta vantagem competitiva do G20 reside
no altíssimo grau de exploração da classe
trabalhadora destes países. O grau de exploração
dos trabalhadores rurais de países como Brasil, Índia
e China, é simplesmente brutal, muitas vezes levando-os
à morte. Na maioria dos países que compõem
o G20, a classe trabalhadora agrícola é extremamente
mal paga e executa longas e extenuantes jornadas de trabalho diário
no campo.
Nos canaviais brasileiros, por exemplo, encontramos uma trágica
combinação de produção moderna mecanizada,
altas taxas de lucro e rápido e fácil enriquecimento
para os fazendeiros, combinada com miséria, morte prematura
e super-exploração de milhares e milhares de trabalhadores.
As condições de vida e de trabalho destes trabalhadores
não estão muito distantes das antigas condições
de trabalho dos escravos do Brasil colonial: excesso de trabalho
diário mediante jornadas muito acima da jornada legal de
8 horas, morte prematura do trabalhador por esgotamento sobre-humano
de suas energias vitais, salários baixíssimos que
mantêm o trabalhador vivendo próximo do nível
da mera subsistência diária, moradias coletivas insalubres
e superlotadas e emprego maciço de jovens e mulheres em
longas e duríssimas jornadas de trabalho cortando e amontoando
a cana em meio à fuligem da palha queimada e sob o fortíssimo
sol do Brasil tropical.
Trabalhando em regiões distantes dos centros urbanos
e da própria justiça burguesa, não possuem
uma representação sindical combativa. Os dirigentes
sindicais normalmente são gangsters que traem os
interesses dos trabalhadores. Os trabalhadores do campo não
possuem contrato fixo de trabalho, geralmente são trabalhadores
volantes que migram de suas regiões de origem para trabalhar
durante a época de colheita e plantio nas regiões
de cultivo.
Mesmo em regiões rurais do Estado de São Paulo,
o mais adiantado do país, as condições de
trabalho são desumanas. Os operários agrícolas
recebem um adiantamento em dinheiro para cobrir as despesas de
deslocamento de sua região de origem até o local
de trabalho, que é lentamente debitado do salário.
Este salário normalmente só é pago após
o encerramento completo do trabalho.
Além disso, se desconta do trabalhador o alojamento,
que, na verdade, muitas vezes, se reduz a um barracão,
no qual a cama é apenas o chão de terra
coberto, quando muito, por uma folha de bananeira. Enquanto esse
adiantamento patronal não é completamente
restituído, o trabalhador permanece preso ao seu local
de trabalho e impedido, inclusive à força e sob
ameaça de morte, de migrar para outro emprego ou região.
O sonho de vampiro do G20
É essa realidade vergonhosa que se esconde por trás
do discurso libertário do G20. Isto é,
na realidade, o sonho de um vampiro, o sonho do capital agrário
investido no G20 que procura obter um mercado agrícola
mundial para seus próprios produtos e enriquecer aos saltos
sugando mais e mais o sangue dos trabalhadores desorganizados.
È essa a dignificante bandeira que está
por trás das pretensões do chanceler brasileiro
que preside o G20. Precisa ele a todo custo retomar as negociações
na OMC, após o fracasso das conversações
da rodada de Doha, para satisfazer os sugadores insaciáveis
de altos lucros que o dirigem.
Promovida pelos demagogos políticos brasileiros do Partido
dos Trabalhadores como uma luta pela igualdade, a luta do G20
contra os subsídios estatais das grandes potências
é, no fundo, uma luta em favor de uma distribuição
da mais-valia global mais generosa com o bolso dos grandes proprietários
fundiários - cujos interesses são inseparáveis
dos interesses das gigantes multinacionais como Bunge, Cargill
e Archer Daniels Midland, que controlam uma parte crescente do
agribusiness brasileiro. Este é o verdadeiro interesse
que se esconde por trás do discurso do G 20, e seu esforço
é um esforço para conquistar o mercado mundial mediante
uma exploração mais intensa dos trabalhadores rurais.
Lula e Amorin, neste caso, não passam de meros lacaios
destes setores e todo o seu discurso em favor do livre-comércio
entre as nações não passa de mera ideologia
e disfarce para mascarar os interesses de classe do G20.
No Brasil, a burguesia agrária tem uma forte presença
no Parlamento e influência decisiva em várias questões
importantes. Nas últimas eleições parlamentares
de 2006 a Bancada Ruralista, uma frente parlamentar suprapartidária
que se organiza como um verdadeiro partido político em
torno de interesses ligados ao agribusiness no país
- tanto nacional quanto multinacional -, elegeu cerca de 111 parlamentares,
entre deputados e senadores, distribuídos entre distintas
siglas partidárias oficiais.
Nos anos 80, a burguesia agrária conseguiu fundar uma
associação nacional para defender seus interesses
durante a Reforma Constitucional, a chamada UDR, União
Democrática Ruralista. A UDR era formada por grandes proprietários
fundiários que se opunham às propostas de implementação
da Reforma Agrária no país. A UDR, neste período,
e mesmo depois dele, ao sair vitoriosa na Constituição,
chegou a armar milícias paramilitares para defender suas
propriedades da ocupação por parte dos trabalhadores
rurais sem terra.
A Bancada Ruralista exerce forte pressão não
apenas sobre o Congresso, mas, sobretudo, sobre o Executivo. Usa
seu poder de voto para arrancar crédito barato do Estado,
para obter reescalonamento e perdão de dívidas atrasadas,
para obter subsídios na compra de insumos importados e
combustíveis, para obter licença no plantio de transgênicos
e no uso de defensivos e medicamentos veterinários vetados
pela legislação.
A Bancada Ruralista, na realidade, determina a política
agrícola e ambiental do país e interfere na nomeação
do Ministro da Agricultura e dos principais diretores da área
agrícola do Banco do Brasil, o banco do Estado que concede
empréstimos ao setor. No governo Lula, o mesmo grupo conseguiu
nomear os Ministros da Agricultura e do Desenvolvimento, ambos
empresários ligados ao agro-negócio exportador.
Curiosamente, e não por acaso, diversos setores dessa
dita esquerda pequeno-burguesa têm dado apoio
à luta de Celso Amorin e Lula para a remoção
dos subsídios agrícolas e terminam se aliando, de
uma forma ou de outra, ao projeto de setores do capital agrário
que atua no G20 e que sempre quer ter mais lucro e mais mercados
para seus produtos. Nada poderia mostrar mais claramente o caráter
traidor destes setores da assim chamada esquerda.
Seja como for, e apesar das ilusões dos oportunistas de
esquerda, o capital agrário aplicado no G20 a cada conquista
de mercado vai apenas explorar mais e mais os trabalhadores, e
estes não terão nenhuma melhoria nas suas condições
sub-humanas de vida e de trabalho.
Para uma parte da chamada esquerda desses países
do G20, trata-se de abandonar a OMC e dirigir uma política
econômica voltada para a promoção do mercado
interno. Como se isso fosse resolver os graves problemas sociais
existentes em seus estados nacionais. Segundo estes setores ditos
socialistas, tais como o MST (Movimento dos Trabalhadores
Sem-Terra) e a Via Campesina (uma espécie de Internacional
Camponesa), e ainda ONGs defensoras de uma hipotética troca
solidária, os graves problemas sociais poderiam ser
resolvidos, ou ao menos amenizados, se cada Estado dirigisse suas
forças para a expansão do mercado interno de massas
e para uma política de auto-suficiência alimentar
nacional.
A luta dos trabalhadores brasileiros e dos trabalhadores dos
países que compõem o G 20, não deve ser para
defender uma economia nacional capitalista solidária
e auto-suficiente, nem para garantir maior acesso ao mercado mundial
por este ou aquele país capitalista. Nunca se pode esquecer
que por trás do capital agrário do G20 está
a super-exploração dos trabalhadores agrícolas
desses países.
A luta para defender os interesses dos trabalhadores, urbanos
e rurais, somente pode ser dirigida organizando a classe trabalhadora
de todos os países contra os proprietários dos meios
de produção, inclusive contra os proprietários
que exploram os trabalhadores dos países do G20. Não
devemos lutar pelo livre mercado, nem pela defesa de mercados
nacionais, mas, sim, pelo fim da economia de mercado, pelo fim
das fronteiras nacionais, por uma economia planejada socialista
a escala mundial.