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Pinochet, ex-ditador chileno apoiado pelos EUA, morre aos 91 anos

Por Bill Van Auken
19 Dezembro 2006

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Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês, no dia 11 de Dezembro de 2006.

A notícia da morte do ex-ditador militar do Chile, Augusto Pinochet, causou manifestações espontâneas em Santiago e em outras cidades chilenas no último domingo (10/12).

Milhares de pessoas tomaram as ruas ou fizeram parte de barulhentas caravanas para celebrar a morte do militar reformado de 91 anos, que chegou ao poder em 1973, num golpe apoiado pela CIA, contra o governo eleito do Presidente Salvador Allende, do Partido Socialista.

A Alameda Bernardo O’Higgins, a principal avenida da capital do Chile, Santiago, foi tomada por pessoas entoando palavras de ordem e agitando bandeiras e cartazes. Nos subúrbios da capital, onde reside a classe trabalhadora, que sofreu durante a ditadura uma indiscriminada e brutal repressão—os habitantes levantaram barricadas e fizeram fogueiras para marcar a morte do odiado ex-presidente.

O regime de Pinochet foi responsável pelo assassinato ou desaparecimento de milhares de ativistas de esquerda, de sindicalistas, de estudantes e de outros suspeitos de se opor aos interesses da elite chilena e do capital estrangeiro. Sob a ditadura Pinochet, centenas de milhares foram presos, torturados e forçados ao exílio.

A alegria popular provocada pela morte do velho criminoso de estado foi suavizada consideravelmente pelo fato de que ele morreu impune, recebendo intensivo cuidado médico no Hospital Militar de Santiago, ao invés de terminar seus dias numa cela de prisão.

No momento de sua morte, Pinochet estava enfrentando cerca de 300 processos criminais relacionados aos assassinatos, tortura e seqüestros realizados por seu regime. “A Caravana da Morte,” “Operação Colombo,” e “Operação Condor” foram algumas das sanguinárias ações de repressão comandadas por ele.

Tanto ele quanto sua família são também objeto de investigações criminais relacionadas à apropriação de 10 milhões de dólares dos recursos do Estado, que foram desviados para fora do país e aplicados em contas secretas no Riggs Bank, em Washington, assim como em outras instituições financeiras por todo o mundo.

A evidência de uma vergonhosa corrupção por parte do ex-ditador fez, nos últimos anos, diminuir seu apoio entre uma camada da direita chilena, que há muito tempo vem justificando a política de assassinatos em massa e repressão de Pinochet em nome de uma “batalha contra o marxismo.”

Entre a população chilena, a última viagem do ex-ditador ao hospital foi vista com extrema suspeita. Considera-se que esta foi mais uma artimanha para escapar da condenação criminal. Pinochet estava em prisão domiciliar antes de ser admitido para o tratamento médico—o quinto desde que um juiz impôs o confinamento, há poucos anos atrás.

Enquanto isso, no hospital militar onde o ex-ditador morreu, um pouco menos de cem fascistas e apoiadores dos militares reuniram-se, carregando retratos de Pinochet. Alguns deles, realizaram até ataques físicos a membros da imprensa.

Internacionalmente, também houve expressões de apoio ao ex-ditador. Na Grã-Bretanha, a ex-primeira-ministra Margaret Thatcher declarou-se “profundamente entristecida” pela morte do famoso genocida.

Jack Straw, o líder trabalhista da Casa dos Comuns Britânica, declarou hipocritamente que tinha esperança de que a morte de Pinochet “fará com que o povo chileno seja capaz de ir adiante e deixar o legado desses terríveis anos para trás.”

Foi Straw que, como secretário do exterior britânico em 1998, emitiu uma ordem permitindo que Pinochet fugisse de volta ao Chile, depois dele ter sido detido em prisão domiciliar em Londres por 503 dias, enquanto o juiz espanhol Baltasar Garzón pedia sua extradição para que ele enfrentasse o julgamento por crimes contra humanidade. No final desse episódio, o governo do primeiro-ministro Tony Blair protegeu o ex-ditador, alegando considerações “humanitárias” e seu débil estado de saúde.

Nos EUA, a reação à morte do antigo aliado foi, do mesmo modo, extremamente hipócrita. A Casa Branca emitiu uma declaração descrevendo a ditadura de Pinochet como “um dos mais difíceis períodos na história da nação” e declarando que “nossos sentimentos estão hoje ao lado das vítimas de seu terror e de suas famílias”. Considerando a relação íntima existente entre os crimes do regime militar chileno e o governo norte-americano—incluindo a presença de altos oficiais na cúpula do governo—essas afirmações não tem o mínimo crédito.

A grande imprensa apresenta uma visão “equilibrada” do legado do ex-ditador, lamentando, por um lado, seus índices referentes aos direitos humanos, e por outro, elogiando-o por “estabilizar” a economia chilena e inaugurar o chamado “milagre econômico chileno”.

A relação íntima entre esses dois processos não é sequer mencionada nessas matérias. O “milagre”, expresso nas altas taxas de crescimento econômico e na alta do mercado de ações, foi preparado precisamente através de uma campanha de extermínio físico das seções mais militantes do proletariado chileno, do fechamento dos sindicatos, da diminuição dos salários, e da eliminação de todas as barreiras para a brutal exploração da classe trabalhadora.

O resultado foi uma vasta transferência da riqueza social produzida pela maioria, a classe trabalhadora, para a aristocracia financeira. De acordo com as estatísticas fornecidas pelo próprio regime de Pinochet, entre 1979 em 1989, os 20% mais ricos aumentaram sua participação na riqueza nacional de 51% para 60%.

Ao mesmo tempo, durante os primeiros 13 anos da ditadura, os 10% mais pobres da sociedade chilena viram seu nível de consumo total diminuído em 30%. Em 1988, o salário real de um trabalhador médio era 25% menor que o salário em 1970.

O golpe que trouxe Pinochet ao poder foi realizado em 11 de Setembro de 1973. Os caças de combate da Força Aérea Chilena bombardearam o palácio de La Moneda, o palácio presidencial, onde Allende morreu.

A junta militar chefiada por Pinochet dissolveu o congresso, extinguiu os partidos políticos e os sindicatos, aboliu a liberdade de imprensa e o direito ao habeas corpus.

A Unidade Popular desarmando a classe trabalhadora

O golpe foi facilitado pelas próprias políticas de governo de frente popular de Allende, e particularmente por aquelas do Partido Comunista chileno, que apoiou Allende. O Partido Comunista, stalinista, trabalhou para subordinar o fermento intensamente revolucionário existente na classe trabalhadora chilena ao governo de frente popular. Allende e os stalinistas rejeitaram os apelos para armar à classe trabalhadora, procurando quebrar a onda de militância que causou ocupações de fábrica e expropriações de propriedades.

Os stalinistas e o governo da Unidade Popular criaram ilusões infundadas e, no final das contas, fatais para a democracia parlamentar chilena, com os stalinistas descrevendo o exército chileno como “o povo de uniforme”. Foi o próprio Allende que trouxe os generais em seu gabinete e nomeou Pinochet comandante-chefe das forças armadas chilenas, uma posição que Pinochet utilizou para preparar e executar o golpe que acabou com a própria vida de Allende.

Nos dias que se seguiram ao golpe, dezenas de milhares foram reunidos, muitos deles colocados no estádio de futebol de Santiago, onde a maioria foi espancada, torturada e muitos executados. Dentre aqueles que foram assassinados estavam dois cidadãos norte-americanos, Frank Teruggi e Charles Horman. Evidências posteriores indicaram que altos oficiais norte-americanos não apenas trabalharam para acobertar o crime, mas eram cúmplices dessas mortes.

O próprio golpe obteve o pleno apoio do governo do presidente Richard Nixon. Milhões de dólares foram secretamente enviados para o Chile, através da CIA, para financiar o ataque dos patrões e fundar grupos fascistas que desejavam a queda de Allende. Nixon ordenou explicitamente que a CIA organizasse “um bloqueio econômico” como forma de derrubar o governo. Os planos do conspirativo golpe militar foram compartilhados e coordenados inteiramente pela CIA e pelo Pentágono.

Henry Kissinger, então o Conselheiro de Segurança Nacional de Richard Nixon—e agora um conselheiro chave do governo Bush—foi o principal arquiteto norte-americano do golpe no Chile. Em 1970, quando o governo de Unidade Popular de Allende foi eleito, Kissinger comentou: “eu não vejo porque devemos permanecer quietos e deixar um país tornar-se comunista devido à irresponsabilidade de seu povo”.

O governo norte-americano assumiu seu papel em reverter os resultados desta eleição popular através de subversão secreta, terror e força militar.

Se Pinochet está morto, Kissinger ainda está vivo e merece uma condenação criminal por seu papel em fomentar um golpe que custou a vida de milhares de pessoas.

Não é apenas ele o único oficial norte-americano cúmplice nos crimes da ditadura de Pinochet. George H.W. Bush, ex-presidente norte-americano e pai do atual presidente, foi o diretor da CIA durante o período em que o regime de Pinochet serviu como eixo para a “Operação Condor,”, uma ação coordenada de assassinato e repressão executada pelos regimes militares de vários países da América Latina contra os oponentes de esquerda.

Documentos secretos dos EUA, tornados públicos, provaram que a CIA foi mantida plenamente informada dessa operação, em que centenas, se não milhares de pessoas foram assassinadas ou ilegalmente presas e torturadas.

Parte da operação incluiu aquele que foi, na época, o pior ato do terrorismo internacional ocorrido em solo norte-americano. Em 21 de Setembro de 1976, um carro-bomba matou Orlando Letelier, ex-ministro do exterior e um proeminente adversário do regime de Pinochet, assim como seu assessor norte-americano, Ronni Moffit, quando estavam andando nas ruas de Washington.

A CIA, sob a liderança de Bush pai, trabalhou para encobrir a responsabilidade do regime de Pinochet por esses assassinatos. Os próprios assassinos foram, depois, colocados sob a proteção dos EUA e receberam novas identidades e apoio financeiro sob o programa federal de proteção à testemunha.

O vice-presidente, Dick Cheney, e o secretário da defesa, Donald Rumsfeld, estão, da mesma forma, envolvidos com o apoio de Washington para a ditadura de Pinochet durante esse período. Cheney era o chefe de gabinete da Casa Branca e Rumsfeld era o secretário da defesa, administrando a relação norte-americana com os militares latino-americanos, quando a Operação Condor foi lançada.

A habilidade de Pinochet de escapar da condenação até a sua morte aos 91 anos—mais de 16 anos depois de deixar o poder—é prova do fato de que os horrores lançados por seu regime contra os trabalhadores do Chile foram realizados para defender os interesses da elite dominante, tanto em seu país quanto internacionalmente, elite esta que continuou a protegê-lo.

Esta proteção também constitui um sério alerta. Os métodos brutais de assassinatos em massa, tortura e ditadura, que sempre serão associados ao nome de Augusto Pinochet, permanecem como o último recurso do capitalismo em crise.