Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 11 de Dezembro de 2006.
A notícia da morte do ex-ditador militar do Chile, Augusto
Pinochet, causou manifestações espontâneas
em Santiago e em outras cidades chilenas no último domingo
(10/12).
Milhares de pessoas tomaram as ruas ou fizeram parte de barulhentas
caravanas para celebrar a morte do militar reformado de 91 anos,
que chegou ao poder em 1973, num golpe apoiado pela CIA, contra
o governo eleito do Presidente Salvador Allende, do Partido Socialista.
A Alameda Bernardo OHiggins, a principal avenida da capital
do Chile, Santiago, foi tomada por pessoas entoando palavras de
ordem e agitando bandeiras e cartazes. Nos subúrbios da
capital, onde reside a classe trabalhadora, que sofreu durante
a ditadura uma indiscriminada e brutal repressãoos
habitantes levantaram barricadas e fizeram fogueiras para marcar
a morte do odiado ex-presidente.
O regime de Pinochet foi responsável pelo assassinato
ou desaparecimento de milhares de ativistas de esquerda, de sindicalistas,
de estudantes e de outros suspeitos de se opor aos interesses
da elite chilena e do capital estrangeiro. Sob a ditadura Pinochet,
centenas de milhares foram presos, torturados e forçados
ao exílio.
A alegria popular provocada pela morte do velho criminoso de
estado foi suavizada consideravelmente pelo fato de que ele morreu
impune, recebendo intensivo cuidado médico no Hospital
Militar de Santiago, ao invés de terminar seus dias numa
cela de prisão.
No momento de sua morte, Pinochet estava enfrentando cerca
de 300 processos criminais relacionados aos assassinatos, tortura
e seqüestros realizados por seu regime. A Caravana
da Morte, Operação Colombo, e
Operação Condor foram algumas das sanguinárias
ações de repressão comandadas por ele.
Tanto ele quanto sua família são também
objeto de investigações criminais relacionadas à
apropriação de 10 milhões de dólares
dos recursos do Estado, que foram desviados para fora do país
e aplicados em contas secretas no Riggs Bank, em Washington, assim
como em outras instituições financeiras por todo
o mundo.
A evidência de uma vergonhosa corrupção
por parte do ex-ditador fez, nos últimos anos, diminuir
seu apoio entre uma camada da direita chilena, que há muito
tempo vem justificando a política de assassinatos em massa
e repressão de Pinochet em nome de uma batalha contra
o marxismo.
Entre a população chilena, a última viagem
do ex-ditador ao hospital foi vista com extrema suspeita. Considera-se
que esta foi mais uma artimanha para escapar da condenação
criminal. Pinochet estava em prisão domiciliar antes de
ser admitido para o tratamento médicoo quinto desde
que um juiz impôs o confinamento, há poucos anos
atrás.
Enquanto isso, no hospital militar onde o ex-ditador morreu,
um pouco menos de cem fascistas e apoiadores dos militares reuniram-se,
carregando retratos de Pinochet. Alguns deles, realizaram até
ataques físicos a membros da imprensa.
Internacionalmente, também houve expressões de
apoio ao ex-ditador. Na Grã-Bretanha, a ex-primeira-ministra
Margaret Thatcher declarou-se profundamente entristecida
pela morte do famoso genocida.
Jack Straw, o líder trabalhista da Casa dos Comuns Britânica,
declarou hipocritamente que tinha esperança de que a morte
de Pinochet fará com que o povo chileno seja capaz
de ir adiante e deixar o legado desses terríveis anos para
trás.
Foi Straw que, como secretário do exterior britânico
em 1998, emitiu uma ordem permitindo que Pinochet fugisse de volta
ao Chile, depois dele ter sido detido em prisão domiciliar
em Londres por 503 dias, enquanto o juiz espanhol Baltasar Garzón
pedia sua extradição para que ele enfrentasse o
julgamento por crimes contra humanidade. No final desse episódio,
o governo do primeiro-ministro Tony Blair protegeu o ex-ditador,
alegando considerações humanitárias
e seu débil estado de saúde.
Nos EUA, a reação à morte do antigo aliado
foi, do mesmo modo, extremamente hipócrita. A Casa Branca
emitiu uma declaração descrevendo a ditadura de
Pinochet como um dos mais difíceis períodos
na história da nação e declarando que
nossos sentimentos estão hoje ao lado das vítimas
de seu terror e de suas famílias. Considerando a
relação íntima existente entre os crimes
do regime militar chileno e o governo norte-americanoincluindo
a presença de altos oficiais na cúpula do governoessas
afirmações não tem o mínimo crédito.
A grande imprensa apresenta uma visão equilibrada
do legado do ex-ditador, lamentando, por um lado, seus índices
referentes aos direitos humanos, e por outro, elogiando-o por
estabilizar a economia chilena e inaugurar o chamado
milagre econômico chileno.
A relação íntima entre esses dois processos
não é sequer mencionada nessas matérias.
O milagre, expresso nas altas taxas de crescimento
econômico e na alta do mercado de ações, foi
preparado precisamente através de uma campanha de extermínio
físico das seções mais militantes do proletariado
chileno, do fechamento dos sindicatos, da diminuição
dos salários, e da eliminação de todas as
barreiras para a brutal exploração da classe trabalhadora.
O resultado foi uma vasta transferência da riqueza social
produzida pela maioria, a classe trabalhadora, para a aristocracia
financeira. De acordo com as estatísticas fornecidas pelo
próprio regime de Pinochet, entre 1979 em 1989, os 20%
mais ricos aumentaram sua participação na riqueza
nacional de 51% para 60%.
Ao mesmo tempo, durante os primeiros 13 anos da ditadura, os
10% mais pobres da sociedade chilena viram seu nível de
consumo total diminuído em 30%. Em 1988, o salário
real de um trabalhador médio era 25% menor que o salário
em 1970.
O golpe que trouxe Pinochet ao poder foi realizado em 11 de
Setembro de 1973. Os caças de combate da Força Aérea
Chilena bombardearam o palácio de La Moneda, o palácio
presidencial, onde Allende morreu.
A junta militar chefiada por Pinochet dissolveu o congresso,
extinguiu os partidos políticos e os sindicatos, aboliu
a liberdade de imprensa e o direito ao habeas corpus.
A Unidade Popular desarmando a classe trabalhadora
O golpe foi facilitado pelas próprias políticas
de governo de frente popular de Allende, e particularmente por
aquelas do Partido Comunista chileno, que apoiou Allende. O Partido
Comunista, stalinista, trabalhou para subordinar o fermento intensamente
revolucionário existente na classe trabalhadora chilena
ao governo de frente popular. Allende e os stalinistas rejeitaram
os apelos para armar à classe trabalhadora, procurando
quebrar a onda de militância que causou ocupações
de fábrica e expropriações de propriedades.
Os stalinistas e o governo da Unidade Popular criaram ilusões
infundadas e, no final das contas, fatais para a democracia parlamentar
chilena, com os stalinistas descrevendo o exército chileno
como o povo de uniforme. Foi o próprio Allende
que trouxe os generais em seu gabinete e nomeou Pinochet comandante-chefe
das forças armadas chilenas, uma posição
que Pinochet utilizou para preparar e executar o golpe que acabou
com a própria vida de Allende.
Nos dias que se seguiram ao golpe, dezenas de milhares foram
reunidos, muitos deles colocados no estádio de futebol
de Santiago, onde a maioria foi espancada, torturada e muitos
executados. Dentre aqueles que foram assassinados estavam dois
cidadãos norte-americanos, Frank Teruggi e Charles Horman.
Evidências posteriores indicaram que altos oficiais norte-americanos
não apenas trabalharam para acobertar o crime, mas eram
cúmplices dessas mortes.
O próprio golpe obteve o pleno apoio do governo do presidente
Richard Nixon. Milhões de dólares foram secretamente
enviados para o Chile, através da CIA, para financiar o
ataque dos patrões e fundar grupos fascistas que desejavam
a queda de Allende. Nixon ordenou explicitamente que a CIA organizasse
um bloqueio econômico como forma de derrubar
o governo. Os planos do conspirativo golpe militar foram compartilhados
e coordenados inteiramente pela CIA e pelo Pentágono.
Henry Kissinger, então o Conselheiro de Segurança
Nacional de Richard Nixone agora um conselheiro chave do
governo Bushfoi o principal arquiteto norte-americano do
golpe no Chile. Em 1970, quando o governo de Unidade Popular de
Allende foi eleito, Kissinger comentou: eu não vejo
porque devemos permanecer quietos e deixar um país tornar-se
comunista devido à irresponsabilidade de seu povo.
O governo norte-americano assumiu seu papel em reverter os
resultados desta eleição popular através
de subversão secreta, terror e força militar.
Se Pinochet está morto, Kissinger ainda está
vivo e merece uma condenação criminal por seu papel
em fomentar um golpe que custou a vida de milhares de pessoas.
Não é apenas ele o único oficial norte-americano
cúmplice nos crimes da ditadura de Pinochet. George H.W.
Bush, ex-presidente norte-americano e pai do atual presidente,
foi o diretor da CIA durante o período em que o regime
de Pinochet serviu como eixo para a Operação
Condor,, uma ação coordenada de assassinato
e repressão executada pelos regimes militares de vários
países da América Latina contra os oponentes de
esquerda.
Documentos secretos dos EUA, tornados públicos, provaram
que a CIA foi mantida plenamente informada dessa operação,
em que centenas, se não milhares de pessoas foram assassinadas
ou ilegalmente presas e torturadas.
Parte da operação incluiu aquele que foi, na
época, o pior ato do terrorismo internacional ocorrido
em solo norte-americano. Em 21 de Setembro de 1976, um carro-bomba
matou Orlando Letelier, ex-ministro do exterior e um proeminente
adversário do regime de Pinochet, assim como seu assessor
norte-americano, Ronni Moffit, quando estavam andando nas ruas
de Washington.
A CIA, sob a liderança de Bush pai, trabalhou para encobrir
a responsabilidade do regime de Pinochet por esses assassinatos.
Os próprios assassinos foram, depois, colocados sob a proteção
dos EUA e receberam novas identidades e apoio financeiro sob o
programa federal de proteção à testemunha.
O vice-presidente, Dick Cheney, e o secretário da defesa,
Donald Rumsfeld, estão, da mesma forma, envolvidos com
o apoio de Washington para a ditadura de Pinochet durante esse
período. Cheney era o chefe de gabinete da Casa Branca
e Rumsfeld era o secretário da defesa, administrando a
relação norte-americana com os militares latino-americanos,
quando a Operação Condor foi lançada.
A habilidade de Pinochet de escapar da condenação
até a sua morte aos 91 anosmais de 16 anos depois
de deixar o poderé prova do fato de que os horrores
lançados por seu regime contra os trabalhadores do Chile
foram realizados para defender os interesses da elite dominante,
tanto em seu país quanto internacionalmente, elite esta
que continuou a protegê-lo.
Esta proteção também constitui um sério
alerta. Os métodos brutais de assassinatos em massa, tortura
e ditadura, que sempre serão associados ao nome de Augusto
Pinochet, permanecem como o último recurso do capitalismo
em crise.