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Raça, classe e a eleição de Trump

Por Barry Grey
21 de novembro de 2016

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Publicado originalmente em inglês em 10 de Novembro de 2016

A mídia especializada e os grupos que defendem o Partido Democrata estão apresentando a vitória de Donald Trump como o resultado do racismo e sexismo amplamente difundidos na “classe trabalhadora branca”.

Uma tentativa típica de tornar a questão racial a mais importante da eleição americana foi apresentada por Van Jones, comentarista da CNN e ex-assessor de Obama, que disse que a vitória de Trump “é um castigo-branco contra um país em transformação” e “contra um presidente negro.”

Eduardo Porter, do New York Times, escreveu na edição do dia do anúncio da vitória de Trump que o colapso de Clinton e dos Democratas “revela um preocupante retrato da sociedade americana.” Trata-se, segundo ele, de uma sociedade “dominada por hostilidade racial, uma atitude acima de qualquer outra consideração...”

A interpretação do resultado eleitoral de 2016 segundo as categorias de raça e, em menor grau, de gênero, estão em flagrante contraste com os fatos. O eleitorado que votou contra Clinton – a personificação multimilionária do status quo político – foi quem votou por duas vezes em Obama para leva-lo à Casa Branca.

Trump deve sua vitória a um aumento da votação de eleitores brancos sem ensino superior entre 45 e 64 anos, particularmente homens. Esses eleitores votaram principalmente no bilionário Republicano.

Esses eleitores, nascidos entre 1952 e 1971, começaram a trabalhar entre 1970 e 1989. Eles, por isso, assistiram a massivas demissões, redução salarial e piora nas condições de trabalho.


Renda familiar média dos EUA

Esses eleitores são os trabalhadores que estavam mais envolvidos nas lutas do final dos anos de 1970 e de 1980 contra a falência dos sindicatos e os cortes salariais. Eles foram os jovens trabalhadores militantes que formaram os piquetes na Hormel, Phelps Dodge, Greyhound, PATCO, AT Massey, Pittston e em fábricas automotivas e siderúrgicas por todo o Centro-Oeste. Suas lutas foram sistematicamente isoladas e traídas pelos sindicatos.

Os votos desses eleitores em Clinton diminui bruscamente se comparado ao que aconteceu com Obama em 2012. Nos importantes estados industriais de Michigan, Wisconsin e Pensilvânia, palco de “batalhas campais” dos trabalhadores, a votação em Clinton diminui 13, 10 e 9 pontos percentuais em relação a Obama, respectivamente.

Que as questões econômicas foram as mais importantes entre os eleitores da classe trabalhadora é mostrado pelo fato de, 8 anos depois do fim oficial da Grande Recessão, 62% dos eleitores, de acordo sondagens depois das eleições, avaliaram a situação econômica negativamente, enquanto esse número aumentou para 85% entre os eleitores de Trump.

Três quartos dos eleitores brancos sem ensino superior disseram que a economia “não estava boa” ou “estava ruim”, e quase 8 em cada 10 disseram que sua situação financeira estava igual ou pior do que há quatro anos.

Para toda essa ampla parcela da classe trabalhadora, os últimos 40 anos foram de continua degradação do padrão de vida. De acordo com os dados do Censo analisados pelo Centro de Orçamento e Prioridade Políticas, homens trabalhadores brancos sem ensino superior tiveram seu salário médio reduzido em mais de 20%, entre 1975 e 2014, considerando a inflação do período.


Comparação entre os salários reais entre 2003 e 2013

Entre 2007 e 2014, durante o governo Obama, o salário deles diminuiu 14%.

Qual foi o fator decisivo nas eleições de 2016? Grandes estados industriais que foram economicamente devastados pelo fechamento de fábricas e pela destruição de empregos bem-pagos, que votaram em Obama em 2012, mudaram seu voto para os Republicanos e deram a vitória a Trump. Esse foi um voto principalmente de trabalhadores, muitos dos quais são brancos, em protesto contra as politicas pró-empresarias e anti-classe trabalhadora que foram continuadas e intensificadas por Obama.

Entre esses estados estão Michigan, Pensilvânia, Wisconsin, Ohio e Iowa. Outros estados industriais majoritariamente Democratas, mas que recentemente tornaram-se Republicanos, como Virgínia Ocidental e Kentucky, somaram-se aos outros para dar a vitória a Trump.

Existe uma correlação entre os estados industriais que mudaram seu voto em favor de Trump e o fechamento de fábricas automotivas durante o resgate financeiro da GM-Chrysler em 2009 pela administração Obama. Essa reestruturação, além de uma redução salarial de 50% para todas as novas contratações, incluiu o fechamento de 14 fábricas e o fim de 35.000 mil empregos. Sete das fábricas fechadas eram em Michigan e três em Ohio. Em Wisconsin foi fechada a fábrica da GM em Janesville.

Outra expressão da enorme ira que representou os votos em Trump é o número de estados que votaram para o Republicano que tinham votado no Senador de Vermont Bernie Sanders nas primárias do Partido Democrata, incluindo Michigan, Wisconsin, Virginia Ocidental, Indiana e Idaho. A vergonhosa capitulação de Sanders em favor de Clinton, o inevitável resultado de sua promoção do Partido Democrata, teve um papel significativo na vitória de Trump.

A ruptura com o Partido Democrata em estados como Michigan, Wisconsin e Ohio é expressa no fato de pequenas cidades industriais que votaram em Obama em 2012 votaram em Trump em 2016, movendo esses estados para o campo dos Republicanos.


Estados com fábricas automotivas fechadas durante a restruturação da GM em 2009

As interpretações raciais também são desmentidas pela grande diminuição na participação eleitoral em cidades com a população majoritariamente afro-americanas, como Detroit, Cleveland e Milwaukee, que selaram a derrota de Clinton.

No Condado de Wayne, Michigan, que inclui Detroit, foram votar 78.000 eleitores a menos do que em 2008. Na própria cidade de Detroit, Clinton recebeu 48.000 menos votos do que Obama em 2012. No Condado de Genesse, Michigan, que inclui Flint, 27.000 eleitores a menos foram às urnas.

No Condado de Cuyahoga, Ohio, que inclui Cleveland, a votação em Clinton diminuiu mais de 50.000 votos, com a maior diminuição na própria cidade de Cleveland. Em Milwaukee, 58.000 eleitores a menos participaram da eleição. Na Filadélfia, Clinton teve 18.000 votos a menos do que Obama.

A falta de entusiasmo pela candidatura de Clinton não se limitou a uma raça específica. Foi uma resposta que se deu principalmente aos interesses de classe de uma pessoa apoiada por Wall Street com um histórico de grandes intervenções militares e corrupção. Em todo os EUA, a votação em Clinton foi 6 milhões de votos menor do que em Obama em 2012. E a votação em Obama em 2012 foi menor do que a de 2008, mesmo tendo como oponente Mitt Romney, que personificou de maneira exemplar os especuladores de Wall Street que tinham quebrado a economia quatro anos antes.

Com toda a certeza as futuras análises da eleição de 2016 concluirão que mais significativo para o resultado final do que a intervenção do FBI na polêmica sobre os e-mails de Clinton foi o anúncio duas semanas antes das eleições que os planos de saúde do programa “Obamacare” aumentarão em média 25% em 2017.

Essa medida, que terá um impacto significativo sobre a renda das famílias da classe trabalhadora, revela que o programa de planos de saúde de Obama favoreceu os lucros das companhias de seguro e empresas através do aumento dos custos desse serviço para os trabalhadores.

Todos os estados industriais do Centro-Oeste que mudaram seu voto dos Democratas para os Republicanos foram alvos de um aumento no plano de saúde de dois dígitos, como o aumento de 32,5% na Pensilvânia.

Esses fatos mostram claramente que foram as questões econômicas e de classe, não as raciais ou de gênero, que levaram a derrota de Clinton e dos Democratas.

A vitória de Trump representa o colapso não só do Partido Democrata, mas também da burocracia sindical. Os estados industriais mais importantes para a vitória dos Republicanos são aqueles mais atingidos pelas traições do Sindicato dos Trabalhadores Automotivos, do Sindicatos dos Metalúrgicos, do Sindicato dos Mineiros e da AFL-CIO, a maior central sindical dos EUA. Suas décadas de aliança com o Partido Democrata e o bloqueio da luta de classes transformaram antigos centros automotivos, metalúrgicos e mineiros em terras economicamente arrasadas.

Quando o racista e pseudo-populista demagogo George Wallace ganhou as primárias do Partido Democrata em Michigan, em 1972, a Workers League e o Bulletin, antecessores do Partido da Igualdade Socialista e do World Socialist Web Site, explicou que isso aconteceu por causa da aliança política traidora entre o Sindicato dos Trabalhadores Automotivos e o Partido Democrata. O papel do sindicato em controlar a classe trabalhadora a favor desse partido burguês, nós ressaltamos, criou as condições para que os trabalhadores, diante dos ataques aos seus empregos e padrão de vida, pudessem se alinhar, a partir do nacionalismo econômico, com os mais reacionários representantes da classe dominante.

Quase 45 anos depois, diante de uma crise mais avançada do capitalismo americano e mundial e um ataque ainda maior sobre a classe trabalhadora, esse perigo destruidor agora se manifesta na chegada ao poder de um governo de extrema-direita.

A classe trabalhadora é a única força social capaz de deter o avanço da guerra e a ditadura apoiada pelos partidos Democrata e Republicano. Para isso, deve rejeitar todas as formas de política racial e identidade. A tarefa mais importante é unir a classe trabalhadora americana e internacional na luta contra o capitalismo.