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Estudantes secundaristas brasileiros continuam ocupações mesmo diante de enorme repressão

Por Gabriel Lemos e Miguel Andrade
21 de novembro de 2016

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Publicado originalmente em inglês em 9 de Novembro de 2016

Em 4 de Outubro, estudantes secundaristas brasileiros iniciaram sua quarta onda de ocupações de escolas contra enormes ataques à educação realizados pelo governo federal e por diversos governos estaduais. A primeira onda de ocupações aconteceu em Novembro de 2015, em São Paulo, quando estudantes de até 12 anos fecharam suas escolas contra reorganização escolar que levaria ao fechamento de 94 escolas, cortes no orçamento educacional e ataques às condições de trabalho dos professores.

Em todas as mobilizações desde então, os estudantes têm resistido a uma série de intimidações não apenas de pais e alunos de direita, mas também do estado, da polícia e do crime organizado. Centenas de alunos foram detidos, fichados e mesmo presos se maiores de idade ao longo deste ano, e outros centenas sofreram retaliações através de suspensões escolares, retenções e expulsões.

A intimidação cada vez maior contra os estudantes alcançou seu pior momento na semana passada, quando um juiz autorizou a polícia militar de Brasília a sitiar uma escola ocupada, permitiu que a água e luz fossem cortados, impediu que pais levassem alimentos e produtos de limpeza e higiene paras seus filhos, além de ter autorizado o uso de instrumento sonoro para impedir o sono do alunos e força-los a desocupar a escola. Assustados, os alunos deixaram a escola no dia seguinte.

As atuais ocupações iniciaram-se e concentram-se principalmente no estado do Paraná, um dos mais ricos do pais, onde, há duas semanas, no auge do movimento, metade das 1.700 escolas estavam ocupadas. As ocupações espalharam-se para outros 19 estados e mais de 100 universidades, com mais de 1.000 ocupações em todo o pais.

Uma das razões da onda de ocupações é a Proposta de Emenda Constitucional 241, já aprovada na Câmara de Deputados e enviada ao Senado Federal, que congela os gastos do governo para os próximos 20 anos, com a suposta pretensão de superar a pior crise econômica brasileira em cem anos depois do segundo ano de contração econômica.

Economistas estimam que a PEC 241 retirará da educação e saúde mais de 1 trilhão de reais nos próximos 20 anos, o que a fez ganhar o apelido “PEC do fim do mundo”.

Para estudantes e professores, a proposta de emenda constitucional vem acompanhada da reforma educacional do ensino médio promulgada pelo governo do Presidente Michel Temer (PMDB). Espera-se que a reforma educacional, imposta por medida provisória logo depois do impeachment da Presidente Dilma Rousseff (PT) em Setembro, também leve ao congelamento do salário de professores e torne as condições de trabalho e de estudo nas escolas brasileiras ainda piores.

O caráter empresarial da reforma do ensino médio representa um enorme ataque à educação pública e estenderá para todo o país a experiência de privatização da educação realizada nos estados de Pernambuco e São Paulo.

A reforma educacional estabelece a política de fomento à implementação de escolas de tempo integral, aumentando de 5 para 7 horas por dia o tempo que os estudantes passam nas escolas, além de implementar um currículo “flexível” e empresarial, supostamente de acordo com a escolha do aluno.

A reforma também tornam optativas as disciplinas de Artes, Educação Física, Filosofia e Sociologia, com a provável possibilidade de que desapareçam do currículo em função de cortes orçamentários, ou, o que é mais provável, por causa da intervenção política de grupos reacionários de direita e religiosos. O caráter opcional de Artes nas escolas de tempo integral, e seu possível fim, significa tirar dos estudantes da classe trabalhadora um dos únicos meios de acesso à cultura.

O aumento do tempo de ensino dos estudantes é uma proposta antiga de educadores com o apoio de pais e alunos. Hoje, 94% das escolas brasileiras são de um turno – manhã, tarde ou noite. Dos 24% dos alunos que estudam no período noturno, a grande maioria trabalha durante o dia. Muitos pais e educadores alegam que o sistema de três turnos, que não permite o aluno ficar na escola no contra-turno, torna os alunos vulneráveis ao assédio do crime organizado ou à exploração do trabalho infantil.

O aumento no tempo de ensino tem sido considerada há muito tempo a solução para alunos com desempenho educacional insatisfatório. De acordo com a Prova Brasil, teste de larga escala nacional, cujos resultados foram divulgados no começo de Setembro, 40% dos estudantes do ensino médio brasileiros possuem resultados educacionais extremamente insatisfatórios.

Por outro lado, estudantes temem que com as escolas de tempo integral leve muitos deles a abandonar a escola, sem permiti-los combinar os estudos com o trabalho em meio a uma crise econômica cada vez maior.

As medidas propostas pela reforma do ensino médio foram pela primeira vez implementadas em Pernambuco, em 2008, em uma parceria público-privada entre a Secretária de Educação do Estado, então chefiada pelo atual ministro da Educação, Mendonça Filho, e o Instituto de Corresponsabilidade Educacional (ICE). Até hoje, o ICE é presidido por um ex-presidente da Philips, e é financiado por fundações educacionais controladas por grandes bancos e empresas brasileiras, como Natura, Itaú e Bradesco.

A participação do ICE nas escolas de ensino médio de Pernambuco acontece através do financiamento de reformas e da implementação mecanismos de gestão empresarial. Isso significa que o regime de trabalho dos professores inclui avaliações de desempenho periódicas e bônus se os estudantes superarem as metas estabelecidas nos testes de larga escala. Hoje, 44% das escolas de ensino médio de Pernambuco são de tempo integral.

Como sempre acontece nos processos de privatização, o governo Temer alega que a implementação das escolas de tempo integral será impossível sem medidas empresariais em face do estado do sistema educacional brasileiro, cujos professores possuem a maior jornada de trabalho e o terceiro pior salario entre os países da OCDE, e 84% das escolas não possuem bibliotecas, laboratórios ou quadras esportivas. O processo de privatização é apresentado como uma alternativa diante da proposta de emenda constitucional que reduzirá o orçamento educacional a um nível nunca antes visto.

A reforma educacional também possui o objetivo explicito de aumentar o numero de escolas técnicas, que hoje atendem 8% dos alunos brasileiros do ensino médio, uma medida alinhada com as recomendações do Banco Mundial e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Como o ministro da educação justificou no lançamento da medida provisório, a formação técnica é uma garantia “para a qualificação profissional que levará ao desenvolvimento econômico do pais”.

A relação entre o Banco Mundial e a educação brasileira remonta aos anos de 1950, mas foi intensificada durante a ditadura militar apoiada pelos EUA entre 1964 e 1985. Entre 1971 e 1978, o Banco Mundial financiou a construção e a reforma de escolas técnicas industriais e agrícolas, com o apoio da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e a Ford.

Anterior a essa parceria, a ditadura militar brasileira estabeleceu uma série de acordos com a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), que levou a uma enorme expansão da educação superior privada, o que fez com que hoje 75% dos alunos brasileiros estudem em faculdades privadas, um dos maiores índices do mundo. Ao mesmo tempo, filosofia e sociologia foram removidas do currículo. Apenas em 2008 essas disciplinas voltaram a se tornar obrigatórias.

Se a reforma educacional e o brutal ataque que representa à educação pública foi anunciada pelo governo Temer, ela foi preparada pelos governos do PT de Lula da Silva (2003 - 2010) e Dilma Rousseff (2011-2016). Além de ter sido baseada em um projeto de lei de um deputado do PT, Reginaldo Lemos, que desde 2013 está em discussão na Câmara dos Deputados, o caráter de urgência da medida provisória da reforma do ensino médio foi justificado depois da divulgação dos resultados do teste de larga escala nacional implementado pelo ministro da educação de Lula, Fernando Haddad, atual prefeito de São Paulo, em 2005.

O fato dos primeiros estados a terem implementado essas medidas, nos últimos tempos, estarem sob domínio de partidos de direita em oposição ao PT, e que muitos funcionários que elaboraram essas medidas foram desses estados para o atual ministério da educação depois do impeachment de Dilma Rousseff, estão sendo utilizados como pretexto para encurralar a luta dos estudantes por trás dos sindicatos de professores controlados pelo PT por todo o pais. Ao mesmo tempo, isso tem sido utilizado para renovar a imagem desses mesmos sindicatos entre professores e estudantes depois de suas greves e ocupações terem resultados em concessões salariais e de condições de trabalho ao longo dos últimos anos, que tiveram um recorde de greves entre professores.

Da mesma maneira, a associação histórica das medidas propostas na reforma do ensino médio com a ditadura militar brasileira e forças de direita brasileira, incluindo chauvinistas cristãos, está sendo utilizada por sindicatos e a mídia alternativa ligados ao PT a fomentar a narrativa do “golpe”, escondendo a cumplicidade do partido não só nos ataques aos trabalhadores, mas também sua responsabilidade em ter fortalecido as forças políticas que removeram Dilma Rousseff do poder e que agora aceleram e intensificam esses ataques.