Variantes do árabe

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Mapa (em inglês) com os dialetos do árabe no mundo árabe.

O árabe é uma língua semítica com diversas variantes, todas elas amplamente diferentes umas das outras, tanto de país para país como mesmo dentro de um mesmo país ou Estado. Existe também uma grande diferença entre o árabe clássico ou padrão (literário, frequentemente chamado de árabe moderno padrão) e as suas variantes "coloquiais".

Em termos sociolinguísticos, o árabe costuma ocorrer, em seu ambiente natural, numa situação de diglossia, o que significa que os seus falantes nativos aprendem e utilizam com frequência duas formas linguísticas substancialmente diferentes entre si, em diferentes aspectos de suas vidas. No caso do árabe, a variedade que prevalece em determinada região é aprendida como língua materna do falante, e usada para quase todas as situações cotidianas que envolvam a língua oral, além de alguns filmes, peças teatrais e (raramente) alguma literatura. Estas variedades (dialetos) são chamadas de العامية (transl. (al-)`āmmiyya, "oriental") ou الدارجة (transl. (ad-)dārija, ocidental). Uma segunda variante, muito diferente, o árabe moderno padrão (الفصحى, transl. (al-)fuṣ-ḥā), é aprendido nas escolas e usado na maioria do material impresso, nos meios públicos de comunicação e em outras situações formais. A extensão em que as variedades vernáculas do árabe usam as versões literárias (ou "clássicas") nas situações formais varia de país para país e de falante para falante (de acordo com suas preferências pessoais, sua educação e cultura), e depende do tópico e da situação.

O árabe coloquial e o formal certamente se sobrepõem; na realidade é muito difícil encontrar uma situação em que um dos dois tipos seja usado exclusivamente. Por exemplo, o árabe moderno padrão é usado em discursos formais ou entrevistas; no entanto, assim que o falante se desvia do seu discurso, geralmente preparado com antecedência, para acrescentar um comentário ou responder a uma pergunta, a taxa de uso do árabe coloquial aumenta dramaticamente. A proporção exata das duas variantes no falante geralmente depende do próprio indivíduo, bem como do tópico e da situação, entre outros fatores. No outro lado do espectro, a educação pública, assim como a exposição aos meios de comunicação de massa, introduziram elementos do árabe moderno padrão entre os menos educados, de modo que também é igualmente difícil encontrar um falante do árabe cuja fala esteja totalmente desprovida da influência do árabe moderno padrão. [1]

História[editar | editar código-fonte]

Descendente dos dialetos do árabe antigo setentrional, falando na Arábia pré-islâmica, o árabe arcaico tinha diferenças dialetais marcantes - especialmente entre o qahtanita, o adnanita e o himiarita. Com o advento do islã no século VII, o árabe corânico se tornou o dialeto predominante.

O árabe vernáculo foi reconhecido pela primeira vez como idioma escrito, em contraste com o árabe clássico, no Egito Otomano do século XVII, quando iniciou-se uma tendência a utilizá-lo entre a elite do Cairo. Um registro do vernáculo cairota do período pode ser encontrado no dicionário compilado por Yusuf al-Maghribi.

No período moderno, os dialetos falados populares por todo o mundo árabe são consideravelmente diferentes do árabe literário e de si mesmos.

Variantes principais[editar | editar código-fonte]

A principal divisão entre as variedades do árabe falado são entre as variantes do Norte da África (magrebinas, caracterizadas pela primeira pessoa do singular terminada em n-, e pelo uso de sh no fim de um verbo, indicando negação), e pelas variantes do Oriente Médio, seguidas por aquelas existentes entre as variantes sedentários e as beduínas, mais conservadoras. As variantes "periféricas", localizadas em países onde o árabe não é um idioma dominante (como a Turquia, Irã, Chipre, Chade e Nigéria) são especialmente diferentes em certos aspectos, especialmente em seu vocabulário, tendo sido menos influenciadas pelo árabe clássico. Historicamente, no entanto, encaixam-se nas mesmas classificações dialetais que as variantes mais conhecidas do idioma. Em certas áreas, diferentes comunidades religiosas falam variantes ligeiramente diferentes. Em Bagdá, cristãos e judeus falam a variante qeltu, enquanto os muçulmanos falam a variante gilit (ambos os termos significam "eu disse"; ver línguas judaico-árabes).

O maltês é um descendente genética do sículo-árabe, porém com o tempo adquiriu influências românicas altamente difundidas.[2] Devido ao grande impacto destas influências, o maltês também é designado um "idioma misto"[3][4] (embora este termo seja utilizado de maneira mais criteriosa pelos estudos mais recentes[3]) e até se chegou a propor classificá-la como uma língua "criolóide, pertencente ao grupo das línguas arabóides",[5] ou como situada em algum ponto entre uma "língua mista" e uma "língua com uma quantidade enorme de empréstimos".[3][5][6] O maltês também utiliza um alfabeto baseado no latino, na sua forma padrão, e é o único idioma semítico dentro da União Europeia.

Provavelmente a mais divergente das variantes não-criolas do árabe é o árabe cipriota maronita, uma variedade quase extinta, com fortes influências do grego.

Algumas variantes não são mutualmente inteligíveis com outras formas do árabe. As variantes do Oriente Médio e da África Setentrional (excluindo as faladas no Egito, que estão mais próximas das formas do Oriente Médio) são particularmente diferentes, com os falantes da última sendo capazes apenas de compreender a primeira devido à influência de filmes e outros meios de comunicação egípcios.

Um fator significante na diferenciação das variedades do árabe foi a influência dos idiomas falados anteriormente nas áreas que foram conquistadas pelos invasores árabes, e que tipicamente forneceram um número significativo de novas palavras, por vezes influenciando também a pronúncia local ou a ordem gramatical das palavras; no entanto, um fator muito mais significativo para a maior parte dos dialetos é, assim como nas línguas românicas, a retenção (ou mudança de significado) de diferentes formas clássicas. Assim, o iraquiano aku, o levantino, egípcio e líbio fiih, e o marroquino e argelino kayen significam todos "é", e vêm do árabe yakuun, fiihi, kaa'in, respectivamente.

As variantes faladas do árabe foram, ocasionalmente, escritas, normalmente no alfabeto árabe. Existem algumas peças e poemas, assim como algumas outras obras (como traduções de Platão) no árabe libanês e egípcio, além de livros de poesia na maior parte das variedades. Na Argélia o árabe magrebino coloquial era ensinado como uma matéria independente, durante a colonização francesa daquele país, e algumas apostilas ainda existem. Os judeus mizrahim por todo o mundo árabe que falavam os dialetos judeo-árabes produziram jornais, cartas, relatos, histórias e traduções de boa parte de sua liturgia, no alfabeto hebraico, adicionando diacríticos e outras convenções para as letras que existiam naquela variedade do árabe, mas não no hebraico. O alfabeto latino foi proposto para o árabe libanês por Said Aql, cujos seguidores publicaram diversos livros feitos com o seu método de transcrição. Posteriormente, em 1994, Abdelaziz Pasha Fahmi, membro da Academia da Língua Árabe, no Egito, propôs a substituição do alfabeto árabe pelo latino; sua proposta, discutida em duas sessões da origanização, foi rejeitada diante da forte oposição surgida nos círculos culturais.

Pidgins baseados no árabe, com um vocabulário pequeno e majoritariamente árabe, mas que não conta com a maior parte das características morfológicas daquele idioma, estão muito espalhados por toda a margem meridional do Saara até os dias de hoje; o geógrafo medieval Al-Bakri registrou um texto escrito num destes pidgins num lugar provavelmente correspondente à atual Mauritânia, no século XI. Em algumas áreas, especialmente em torno do sul do Sudão, estes pidgins sofreram um processo de criolização.

Variantes sedentárias e beduínas[editar | editar código-fonte]

Uma divisão dialetal básica que traça uma divisão ao longo de toda a geografia do mundo arabofalante se dá entre as variantes 'sedentárias' e beduínas do árabe. Por todo o Levante e o Norte da África (isto é, as áreas de colonização pós-islâmica), isto se reflete principalmente na forma de uma divisão relativamente simples entre o idioma urbano (sedentário) e o rural (beduíno), porém a situação fica mais complexa no Iraque e na Arábia. Esta diferenciação se originou com os padrões de colonização e assentamento que seguiram-se às conquistas árabes. À medida que as regiões iam sendo conquistadas, os acampamentos militares que eram montados nestes novos territórios transformavam-se em cidades, e o povoamento das áreas rurais pelos beduínos veio logo em seguida. Em certas áreas, os dialetos sedentários também são divididos em variedades rurais e urbanas.

A diferença fonética mais óbvia entre estes dois grupos dialetais é a pronúncia da letra ق (qaaf), que é sonora nos dialetos beduínos (quase sempre /g/, embora às vezes ocorra uma variante palatalizada /ʤ/ ou /ʒ/), porém surda nos dialetos sedentários (/q/ ou /ʔ/); a primeira é mais associada com a fala rústica do campo, enquanto a segunda é considerada tipicamente urbana. A outra principal diferença fonética é que os dialetos beduínos preservaram as interdentais do árabe clássico, ث (/θ/) e ذ (/ð/), e fundiram os sons enfáticos ض (/dˤ/) e ظ (/ðˤ/), transformando-os em /ðˤ/, em vez do /dˤ/ usado pelos dialetos sedentários.

Existem diferenças significantes na sintaxe; os dialetos sedentários, em particular, partilham com o árabe clássico diversas inovações comuns - o que levou à sugestão de que uma espécie de koiné ("língua comum") simplificado teria surgido nos acampamentos militares árabes no Iraque, a partir de onde as partes restantes do mundo árabe atual foram conquistadas.

Os dialetos beduínos, no geral, são mais conservadores que os sedentários, e os dialetos beduínos dentro da Arábia são ainda mais conservadores que em qualquer outro lugar. Dentro dos dialetos sedentários, as variedades ocidentais, em particular o árabe marroquino, são menos conservadoras do que as ocidentais.

Referências

  1. Questions from Prospective Students on the varieties of Arabic Language - online Arab Academy
  2. ROMANCE LANGUAGES; Concise Oxford Companion to the English Language; 1998 (visitado em julho de 2008)
  3. a b c Stolz, T. (2003) "Not quite the right mixture: Chamorro and Malti as candidates for the status of mixed language", em Y. Matras/P. Bakker (eds.) The mixed languages debate. Theoretical and empirical advances. Berlim: Mouton de Gruyter, pp. 271-315. P. 273
  4. Ignasi Badia i Capdevila; A view of the linguistic situation in Malta; Gencat (acessado em julho de 2008)
  5. a b Mori, Laura. "The shaping of Maltese along the centuries: linguistic evidences from a diachronic-typological analysis". Conferência "Maltese Linguistics / Lingwistika Maltija"; Universität Bremen; 18-20 de outubro de 2007 (visitado em juhlo de 2008)
  6. Meakins, Felicity. 2004. Crítica de "The Mixed Language Debate: Theoretical and Empirical Advances." Linguist List.[1]

Bibliografia[editar | editar código-fonte]