Moreno Barros' Post

O futuro da biblioteconomia – o livro

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O perigo de escrever um artigo sobre os impactos da inteligência artificial em bibliotecas é que ele pode ao mesmo tempo celebrar o avanço da robotização em nossa atividade profissional e justificar a eventual extinção do bibliotecário. Seria uma contradição acreditar que a IA é uma ameaça para a força de trabalho em geral, mas individualmente nós permanecermos confiantes de que somos insubstituíveis. Então aqui vou eu.

Nas discussões sobre o futuro da biblioteca e da biblioteconomia (que se tornaram livro, falarei sobre ele mais adiante) meu argumento era que a inteligência artificial torna o bibliotecário descartável, e nesse sentido o movimento de IA e robotização poderia representar uma necessidade de mudança de foco na biblioteconomia.

Em termos gerais, a essência do trabalho do bibliotecário (organização de registros do conhecimento para fins de recuperação, que é o que nos difere de outros profissionais) continua sendo importante, mas a maneira como esse processo é realizado está mudando (eu explico essa mudança no meu capítulo do livro). A oportunidade seria que as bibliotecas podem capitalizar sobre o valor da IA para agilizar alguns processos, liberando recursos, que são limitadíssimos, para se concentrar em enriquecer a experiência dos usuários (em suma, digitalizar tudo o que possui sob sua salvaguarda e deixar que profissionais de outras áreas cuidem do resto).

O discurso do humanismo bibliotecário é que, inerente ao nome da IA, a inteligência é artificial. E a grande missão dos bibliotecários é a conexão humana: as bibliotecas podem conectar pessoas à informação e a outras pessoas. Mesmo com os robôs super sofisticados, ainda haverá muitas coisas que só os humanos conseguem oferecer, como a criatividade, a inovação, exploração, arte, ciência, entretenimento e cuidar de outras pessoas.

Certamente eu tenho um pé atrás com esse discurso, que deseja justificar a permanência dos bibliotecários em um mundo robotizado acreditando que estamos completamente de fora das forças capitalistas que promovem as mudanças reais. Além disso, o ponto mais importante a meu ver, é que defender o retardo da mudança tecnológica para preservar postos de trabalho é em certa medida o mesmo que defender uma punição sobre os usuários e a melhoria da experiência de uso de bibliotecas. Porque como consumidores e usuários, nós quase nunca resistimos à mudança de tecnologia que nos fornece melhores produtos e serviços, mesmo quando isso custa empregos.

Se a nossa área ainda não foi afetada seriamente pela robotização, é porque nós custamos pouco, somos baratos. Embora a sofisticação técnica indique o que pode ser automatizado, no entanto, é o quanto os robôs custam em comparação com o trabalho humano que impulsiona quando eles vão ser adotados. A principal razão para utilizar robôs em vez de pessoas é quando o robô pode tornar o custo da atividade menos caro de ser realizada. Mas o inverso também é verdadeiro. Quando as pessoas podem fazer algo que custa mais barato do que os robôs podem fazer, então não faz sentido econômico usar robôs. Esta é a teoria econômica básica aplicada ao trabalho.

Ou seja, podemos acreditar o quanto quisermos no papel humanista da profissão. Mas não podemos depois reclamar que fomos pegos de surpresa pelos robôs.

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O Murakami resgatou ontem o incrível texto da Lydia Sambaquy, escrito em 1972, sobre a biblioteca do futuro. “Como ela descreve como acha que seria a Biblioteca no ano 2000, seria lindo escrever uma resposta para ela, para falar no que nos tornamos.”

Não pretendo escrever a resposta, especialmente porque não há que o responder, ela acertou rigorosamente tudo. Só destaco alguns pontos:
– a preocupação naquela época com a organização da explosão bibliográfica (ou qualquer outro adjetivo catastófrico). Ninguém mais sofre com isso hoje (not information overload, filter failure);
– o medo da destruição universal dos livros (facilmente resolvido com a digitalização e impressão 3D, mas que cria outros problemas como os monopólios de informação com fins lucrativos);
– compreensão enciclopédica sobre os avanços de outras áreas (pra mim, a melhor definição da missão da biblioteconomia especializada: um conjunto de técnicas aplicadas ao implemento de outras áreas);
– a missão da biblioteca maior (pública, nacional) flutua entre o guardião (limitada) e o divulgador (nobre).

A maior assertiva é “A grande e significativa diferença que prevejo, nas bibliotecas do ano 2000, será encontrada na parte relativa ao controle dos assuntos de que trata a documentação reunida.”

Mas a meu ver, o ponto crucial é que ela diz que “Crescendo o registro dos conhecimentos científicos, tecnológicos, artísticos, literários, cresce, consequentemente a dificuldade e a importância da Biblioteconomia e Documentação como profissão”, que eu concordo ipsis litteris, exceto que a transição de um modelo de organização centrado em registros físicos para um modelo baseado em registros digitais, junto da consolidação do Google, nos levou a acreditar que o problema da recuperação estava finalmente resolvido. Obviamente este problema não está resolvido, mas a ideia de um pequeno grupo de autoridades em representações descritivas e temáticas competindo com um algoritmo incrementável é desoladora.

E exatamente este ponto que eu tento destrinchar no meu capítulo do livro: considerando que já contamos com uma base de organização e classificação estabelecida ao longo de anos, em grande parte graças aos próprios bibliotecários, e do constante acúmulo de dados nascidos digitais ou convertidos em digitais, robôs já fazem o trabalho de recuperação e contextualização de modo semelhante e farão melhor do que nós no futuro.

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O LIVRO

Há muito tempo eu tinha o sonho de ter um livro impresso publicado pelo Briquet mas nunca me esforcei para criar algo que estivesse a altura do seu catálogo (quem sabe um dia eu retome a crítica sobre a trilogia do Nitecki). Mas o tempo foi duro com os pequenos editores e o próprio Briquet já havia deixado claro que não pretendia mais publicar livros impressos, apenas e-books. Como os livros digitais são mais fáceis de distribuir eu tomei a liberdade de propor ao Briquet a publicação de alguns textos que haviam circulado por aqui sobre o futuro da biblioteconomia, a partir de uma provocação do Gustavo Henn.

O Briquet topou, e de comum acordo com os autores dos textos, liberamos o valor de capa para ser repartido entre a editora e a ABRAINFO. É um projeto interessante para todos os autores, porque oferecemos mais um material de consulta para as pessoas da área, consolidando textos que ficariam dispersos; a oportunidade de um grupo de pessoas que não escreveria em caráter de monografia ter seu texto publicado por uma editora de renome; a oportunidade de um grupo de pessoas que representa a transição do impresso pro digital trabalhar em cima de uma plataforma exclusivamente digital; a oportunidade de deixar registrado o discurso que marca a época atual e fazer o exercício de futurologia. Pro Briquet, acredito que a vantagem é expandir o catálogo, que também é uma coisa que eu sei que ele ressente, quando comparamos por exemplo a capacidade de produção intelectual de profissionais de outros países. Os bibliotecários brasileiros simplesmente não escrevem livros, tanto quando poderiam, ou preferem publicar apenas os textos acadêmicos que acabam por refletir e repercutir pouco a área, em sua maioria.

Eu ainda gostaria de propor algumas sugestões ao Briquet quanto à distribuição do livro, ou para os seus livros futuros. No nosso caso, não faria sentido ter um livro versando sobre o futuro que não estivesse na vanguarda das modalidades de publicação. Algumas pessoas reclamaram que o livro só é distribuído em pdf, mas eu vou pedir que tenham paciência e tenho certeza que em breve teremos mais opções de comercialização e distribuição de materiais da nossa área.

O livro está sendo vendido por módicos R$10, o preço de menos de duas cervejas. Lembrando que a grana é revertida em parte para o Briquet (ele tem todo o trabalho de revisar, diagramar, site, etc, suas funções como editor e continuar expandindo seu catálogo) e parte para a ABRAINFO (para que possa tocar suas atividades sem fins lucrativos e promover mais deste tipo de iniciativa).

São 6 capítulos divididos em duas grandes seções: utopias e distopias. O prefácio é assinado pelo grande Briquet de Lemos.

Tem o capítulo “O futuro é agora. Peraí… Chegou”, escrito pelo Gustavo Henn, onde ele lança os questionamentos que desencadearam na proposta do livro: O que nos diferencia de uma máquina? O que diferencia o bibliotecário de uma máquina? Ou melhor, o que faz um bibliotecário que uma máquina não pode fazer melhor? Gustavo indica três linhas de atuaçãos em que as máquinas já fazem melhor que os bibliotecários, então ele reflete sobre as atividades que ainda podem nos manter relevantes.

No capítulo 2, “O futuro da biblioteconomia é hoje” escrito pela Dora Steimer, ela traça uma distinção interessante entre o know how e o mindset dos bibliotecários, sobre como nós possuímos a mentalidade necessária para conversar de igual para igual com profissionais de tecnologia, oferecendo elementos que geralmente não são o foco de quem é de tecnologia da informação. Ela põe em xeque o que acontece hoje nas escolas de biblioteconomia, onde o aluno realiza um duplo esforço: aprender apenas a teoria na graduação, aprender sobre tecnologia apenas no mercado e literalmente se virar para fazer a ponte entre estes dois mundos.

Eu assino o capítulo 3, “Biblioteconomia em tempos de robotização”, já adiantei do que se trata acima.

Fabiano Caruso escreveu o capítulo 4, “Qual é a finalidade do trabalho bibliotecário?”, e discute a possibilidade de atualizar o sentido da formação profissional em biblioteconomia para o cenário digital e econômico emergente, em que o objetivo da atuação não tem relação com a disseminação da informação (meios), mas em prover uma experiência intelectual positiva (fins). Nesse sentido existem pelo menos três linhas de atuação profissional possíveis para o futuro: curadoria digital, colaboração e capacitação.

Na parte de distopias, tem o meu texto “O papel da biblioteca em face do apocalipse zumbi”, o título é auto-explicativo.

E pra fechar o texto sensacional da Marina Macambyra, “O apocalipse zumbitecário”. Em uma determinada noite de inverno em São Paulo, Marina sonhou com o futuro distante, e os bibliotecários há muito tido como extintos começaram a voltar. Os zumbitecários — como logo começaram ser chamados — nada faziam de errado ou realmente perigoso. Não atacavam, não mordiam, não tentavam devorar cérebros, apenas gritavam o quanto eram importantes e não reconhecidos, lembravam a todos da importância da padronização.

Espero que gostem. O livro está disponível na editora Briquet de Lemos.


O mito da neutralidade bibliotecária

Bibliotecas são de diversos tipos, mas podemos pegar algumas das principais bibliotecas públicas do Brasil para perceber que as categorias mais populares entre seus usuários estão no espectro de livros para concurso público, artesanato, quadrinhos, culinária, guia de viagens, autoajuda e saúde. Corrijam-me se eu estiver *profundamente* enganado.

Eu não sei o que isso pode dizer sobre nós enquanto sociedade, mas eu acho que explica alguma coisa sobre a biblioteca, com B maiúsculo. Por mais que a gente goste de vender a glória da biblioteca como uma instituição livre e um componente elementar de uma sociedade democrática, parece que, basicamente, as pessoas veem as bibliotecas como espaços recreativos.

E é desta mesma forma que eu, *pessoalmente*, vejo as inúmeras comunidades e grupos sobre bibliotecas e biblioteconomia na web: espaços recreativos, que eu frequento apenas para manter o capital social e nutrir o “fear of missing out”, mas não *necessariamente* para construir uma mentalidade ou posição crítica em relação a todas as coisas.

Foi um alento enorme ter encontrado ao longo destes últimos anos na nossa web local colegas bibliotecários que destoam da maioria conservadora da classe (me corrijam se eu estiver *profundamente * enganado) e que diariamente me oferecem uma curadoria dos seus interesses pessoais na forma de textos e links, que ajudam a moldar o meu posicionamento diante do mundo. Mas eu ainda sinto que falta muito para chegarmos ao nível de densidade das discussões promovidas pelos bibliotecários, por exemplo, americanos, espanhóis e franceses, publicando essencialmente em blogs. Basta comparar o tipo de conteúdo que costuma gerar repercussão nos blogs e redes de lá, com os daqui.

Fica a dica da leitura de livros como Questioning Library Neutrality: Essays from Progressive Librarian e The anarchist in the library, coisa que a gente não vê por aqui.

Tudo isso pra dizer que as “disputas” que aconteceram recentemente no grupo Bibliotecários do Brasil e na lista da ANCIB, em relação à defesa ou não do posicionamento da classe bibliotecária face ao “golpe” ou não, a mim me parecem meramente um desconhecimento sobre como a web funciona, mais do que uma divergência de posições políticas claras entre partes. Quando se questiona o papel de moderadores nestes grupos, falta entender que os moderados não precisam pedir permissão para ninguém para criar o que criaram, porque estão agindo em conformidade com os preceitos da web livre.

A neutralidade da rede se torna uma tragédia, porque justamente no momento em que celebramos o produto destas duas maravilhas – Facebook e o povão – os esclarecidos delegadinhos estão conspirando para remover as condições onde a comunicação não depende de permissão. É um paradoxo.

A minha máxima aprendida em mais de 10 anos publicando neste singelo blog, que contribuiu esparsamente para a promoção do entretenimento bibliotecário, com raros surtos de engajamento coletivo e discussões pertinentes, é “quem fala o que quer, precisa ouvir o que não quer”. Obviamente que ninguém em sã consciência vai defender o direito de ser genocida impunemente. Mas eu quero atentar exclusivamente para o quão despreparados nós estamos para estabelecer uma etiqueta da web quando a maioria de nós só passou a usá-la pouco tempo atrás e continua a usá-la apenas para fins de entretenimento.

Se posso fazer uma analogia, não ficaram sabendo do episódio da bot da Microsoft que se transformou em defensora do nazismo? Só que o robô foi deliberadamente programado para agir como um papagaio, reforçando o que outros usuários do Twitter a induziam a dizer. Na mesma perspectiva do que eu tento explicar – hermeticamente – acima, Tay o bot racista do twitter, nos faz temer a natureza humana, não a inteligência artificial. Se existe um problema de bolha na internet ou comportamento de manada, isso só diz respeito à um problema de filtragem de informação. E na minha humilde opinião, estão a exigir demais de um grupo extenso de microcéfalos. Quem são esses microcéfalos? Bem, podem começar por mim.

Ademais, no meu entendimento *pessoal* a propaganda de ambos lados (PT, PSDB, direita, esquerda, liberais, republicanos, como queiram) deseja defender o indefensável. O que é bastante diferente do que o grupo de bibliotecários pretendia com o vídeo, defender o óbvio: a crise é justamente quando precisamos defender o óbvio, e nesse sentido o vídeo e os textos abaixo estão cobertos de razão. Defendem apenas o estritamente defensável.

O Cristian (que aliás, eu fico feliz por usar o seu poder de hub para alimentar a discussão e botar a cara tapa, seguido de um grupo grande de bibliotecários em seus para lá de 30 anos marcando espaço em um movimento de mídia que, em tese, deveria partir dos bibliotecários mais novos – onde estão estes?) foi bastante claro em seu questionamento:

E bibliotecário pode se manifestar politicamente? A pergunta é de uma ingenuidade só. Afinal de contas, não se trata de uma questão de escolha. Todo mundo dá pinta, mesmo quando de bico fechado. É que o silêncio nos trai, hermanitos. Portanto, não peco contra a virtude da prudência ao me opor à mídia e ao sr. Moro em relação a Lava-Jato. Afinal de contas, prudência não se confunde com medo, letargia e, muito menos, covardia. “Prudentia”, palavra latina, pode ser traduzida como “sagacidade”. Não por acaso, é o nome atribuído a Craytus, o deus romano da guerra. Afirmo, tranquilamente, e sem medo de errar, que um bibliotecário prudente é aquele que, a partir do esquadrinhamento de um determinado quadro social, toma, corajosamente, partido — na guerra, sempre há dois lados, no mínimo –, convencido de que sua leitura de mundo é a mais adequada, a mais justa ou, no mínimo, a mais plausível. Isso não implica negar valor ao discurso do outro, mas em tomar para si certo protagonismo de uma história coletiva que vai de desenhando, certo de que o seu silêncio, embora pessoalmente vantajoso em certos aspectos, pode produzir dor e perdas na esfera pública.

O mesmo vale para o texto publicado na lista da ANCIB pelo Edmir Perroti,

Estamos vivendo uma guerra informacional (vazamentos, escutas telefônicas, bombardeio midiático…) Se outras existiram no Brasil, eram de teor distinto da atual, em volume e procedimentos. Acredito que uma associação de pesquisadores do campo informacional, por mais diferenças que- felizmente!- acolha, têm alguns entendimentos em comum (não teria?) Compartilhar com a sociedade o que é comum seria de grande valia nesta hora de perplexidade. Acredito que para todos nós, mesmo havendo nuances: a) Democracia é um valor acima de qualquer tipo de particularismo; b) Toda e qualquer divulgação de informação, no país, inscreve-se nos quadros dos valores democráticos afirmados em nossa Constituição e ganha sentido em relação a ele; c) A manipulação de informações por interesses de quaisquer espécies, é ato anti-democrático. Seus efeitos acarretam prejuízos à sociedade.

Ir a público para explicar de forma breve essas relações básicas entre Democracia e Informação, bem como manifestar preocupação com atos informacionais que não respeitam valores afirmados em nossa Constituição, é ato pedagógico e não político-partidário; agrega e não separa ou desconsidera diferenças. A hora pede contribuição, esclarecimento, compartilhamento. Não se espera panfleto, em especial de uma Associação como a ANCIB, cujos membros são especialistas renomados que se ocupam justamente de uma das questões que estão no centro dos problemas- as informacionais. É preciso dizer pouco, mas com clareza e serenidade: a matéria a qual nós, cientistas da informação, nos dedicamos- a Informação- não pode ser manipulada à revelia dos preceitos constitucionais por quem quer que seja. As consequências serão graves para todos, cientistas e não cientistas.

Marina, sempre certeira:

Bibliotecários aprendem – ou deveriam aprender – a selecionar e a analisar informação. Eu aprendi.

Bibliotecários devem ser capazes de de entender um texto a partir de uma leitura rápida e fragmentária e dizer do que se trata em algumas palavras. E precisam desenvolver a capacidade de entender um conteúdo qualquer expresso em palavras ou imagens com profundida suficiente para escrever um resumo objetivo e inteligível. Sim, bibliotecários aprendem isso, ou deveriam aprender.

Bibliotecários têm obrigação de desenvolver tolerância e compreensão com a diversidade humana, porque nas bibliotecas entram todo o tipo de pessoas que têm o direito de ser atendidas da mesma forma, sem discriminação nem preconceito.

Bibliotecários não podem ter dificuldades com interpretação de texto. Não podem, simplesmente.

Bibliotecários não podem ser preconceituosos, nem se recusar a combater o preconceito. NÃO PODEM.

Bibliotecários não podem se calar diante da escalada da intolerância por conveniência política nem marchar ao lado de fascistas.

Bibliotecários não podem espalhar notícias falsas pelas redes sociais e nem deixar de olhar criticamente para uma imagem. E nem acreditar cegamente em tudo o que leem na imprensa ou veem na TV.

Editorial a cinco mãos publicado na Biblioo:

Mas como acabar com a amorfia que existe na profissão se não discutirmos isso em grupos da área? Os bibliotecários não podem ficar à margem desse e de tantos outros acontecimentos vividos em nosso país. Somos seres políticos, toda ação do homem é política. Precisamos discutir política em todas as esferas, seja dentro da sala de aula, em eventos e também nas mídias sociais, sempre respeitando a opinião diferente, pois divergências sempre surgirão. Não podemos tolerar a censura nas mídias sociais ou em qualquer espaço de construção coletiva e democrática. Devemos rechaçar as manipulações, distorções, alienações ou favoritismos. Precisamos ter respeito às ideias contrárias e nos posicionarmos sem agressão às pessoas com opiniões divergentes.

E finalmente o vídeo:

Estamos em 2016 e “neutralidade” não significa imparcialidade e objetividade, mas muitas vezes soa como “indiferença”. Eu sou cético e pessimista, mas quero me enganar mais uma vez e ter a esperança que essas demonstrações públicas vão estimular ainda mais interesse e debate sobre o conceito de neutralidade entre os bibliotecários e quais brigas nós queremos brigar.


Lista com todas as revistas científicas de biblioteconomia e ciência da informação – atualização 2016

Atualizando a lista do Murilo, da Dora e tentando acompanhar a profusão de periódicos vinculados aos programas de pós-graduação em ciência da informação e correlatas. Serve pra quem quer seguir as publicações na área e pra quem deseja submeter artigos. Ao lado do nome está a classificação conforme webqualis/sucupira.

Analisando em Ciência da Informação (RACin) B5
AtoZ B5
Biblionline B1
Biblioteca Escolas em Revista
Bibliotecas Universitárias
Biblos B3
Brazilian Journal of Information Science B1
Cadernos BAD B2
Ciência da Informação B1
Ciência da Informação em revista
Conhecimento em ação
CRB-8 Digital B5
Datagramazero B1
Em Questão B1
Encontros Bibli B1
Folha de rosto
InCID B1
Informação@Profissões
Informação & Informação B1
Informação & Sociedade A1
Informação & Tecnologia
Liinc em Revista B1
Múltiplos Olhares
Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação e Biblioteconomia B1
PontodeAcesso B1
Revista ACB B2
RBBD Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação B1
Revista Digital de Biblioteconomia e Ciência da Informação B1
Revista Ibero-Americana de Ciência da Informação
Tendências da Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação B1
Perspectivas em Ciência da Informação A1
Perspectivas em Gestão & Conhecimento
Rebecin
Transinformação A1


Okubo para o Movers and Shakers, votem!

O Movers & Shakers do Library Journal é uma premiação dessas “funcionário do mês”, ou melhor ainda, de bibliotecários escolhidos por seus colegas como os que mais “sacudiram e inovaram” o cenário das bibliotecas e da profissão no último ano. Eu sempre acompanhei a eleição e acho uma boa apresentação americana do que considero tarefa das mais difíceis na nossa área: identificar talentos e mapear as boas práticas.

De uns anos pra cá eles passaram a aceitar indicações internacionais, e a Soraia Magalhães foi a primeira representante do Brasil a receber a premiação. Para o ano de 2015 a Soraia e eu achamos que seria legal reforçar o reconhecimento de um colega, que há muito vêm contribuindo para a área: William Okubo.

Acho difícil algum colega de profissão não conhecê-lo, mas se por alguma razão este for o caso, William já foi bibliotecário de referência nos ônibus-bibliotecas de SP, participou da criação da Associação de Profissionais da Informação (ABRINFO) e largou recentemente a Biblioteca Mario de Andrade, onde trabalhou por muitos anos, para acompanhar projetos culturais voltados a jovens carentes. Agora ele faz o acompanhamento desses projetos financiados pelas leis de fomento à cultura da cidade de São Paulo, em especial do Programa VAI. O trabalho também inclui sua colaboração nas discussões para implantação de novos projetos e editais de fomento na mesma área, além dar continuidade na organização da informação e conhecimento produzidos nos 10 anos de Programa. Toda essa experiência foi compartilhado em sua apresentação no BiblioCamp, uma das melhores do dia. Ele também foi homenageado recentemente pela Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo na sessão solene em comemoração do Jubileu de Ouro dos 50 anos da Regulamentação da Profissão de Bibliotecário.

Além de tudo isso, da atuação profissional exemplar e ser uma da figuras mais atuantes do cenário nacional, William conecta pessoas, e pra mim essa é a principal contribuição dele para uma área que, embora pequena, possui mais desconexões do que união.

Neste ano de 2015 talvez o Cristian Santos tenha sido o bibliotecário que mais sacudiu e inovou, mas meus votos vão para William Okubo pelo conjunto da obra.

Para fazer a indicação é necessário preencher este formulário. As perguntas estão em inglês mas são simples. Existem dois campos principais, nominee (a pessoa nomeada, William) e nominator (quem está nomeando, você). Basta preencher os campos indicados, com nome, endereço, etc. Eu deixo abaixo uma cola que vocês podem usar pra dar o voto ao William. A votação encerra na sexta-feira, dia 6/11. Então façam logo esse gesto de reconhecimento profissional.


5 lições que as bibliotecas podem aprender com o BuzzFeed

[texto de Christina Manzo, publicado no Weave]

Desde seu lançamento em 2006, o BuzzFeed se tornou uma instituição da internet, ao reconhecer e aproveitar o ciclo de vida insaciável da mídia viral. A ideia por trás do site é relativamente simples: reunir conteúdo de tendências de toda a web (por exemplo, notícias, fofocas de celebridades, entretenimento, quizes) e organizá-lo em um formato que seja curto e atraente.

O patrimônio líquido da BuzzFeed Inc. é estimado 850 milhões de dólares. E de acordo com uma auditoria de analytics, o site recebeu 146 milhões de visitas somente em maio de 2015 (visitas online e mobile). Em contraste, a Biblioteca do Congresso, a mais antiga instituição cultural federal nos Estados Unidos, atraiu pouco mais de 1 milhão de visitas no mesmo período.

O modelo de negócios do BuzzFeed depende do potencial de compartilhamentos, algo que possui em comum com as bibliotecas de hoje, e por essa razão os designers de sites de biblioteca têm a oportunidade de aprender com o esmagador sucesso do BuzzFeed. Aqui estão as principais lições que designers de sites de bibliotecas podem aprender com o BuzzFeed.

1. Formatação

O que eles fazem:
Estatisticamente falando, se você clicou sobre este artigo você está talvez involuntariamente ciente de um dos recursos mais utilizáveis do BuzzFeed: sua formatação. Por exemplo, o título deste artigo possui exatamente oito palavras. Isto não é acidental. Estudos relatam que manchetes de oito palavras têm um CTR (ou click-through rate) que é 21% maior do que aquelas que não tem. Além disso, a utilização de um número ímpar no título é também estatisticamente favorável, uma vez que aumenta o CTR em 20%.

Uma vez a manchete estatisticamente favorável esteja escrita, o BuzzFeed emprega o método “Mordida-Lanche-Refeição” de coleta de informações para se certificar que o usuário não será oprimido por conteúdo em sua página inicial (ver fig. 1). O Buzzfeed fornece uma manchete (a mordida), uma sinopse (o que aumenta o CTR em 27 por cento) e uma descrição curta, coloquial do artigo (o lanche), que é o que um leitor precisa para tomar uma decisão sobre se deve ou não ler o artigo (a refeição).

O que as bibliotecas podem fazer:
Um calendário de eventos da biblioteca é o teste ideal para este método. Há uma grande quantidade de informação que tem de ser transportadas em uma pequena quantidade de espaço; no entanto, muitas vezes os usuários sofrem a sobrecarga de informações. Idealmente, os usuários serão capazes de percorrer uma grande quantidade de eventos para ver o que é interessante ou que lhes é aplicável. Um exemplo de uma biblioteca que faz isso bem é a Salt Lake City Public Library (ver fig. 2).

Esta sinopse inclui as “mordidas” para título, hora, data e local e o “lanche” da descrição do evento.

2. Personas

O que eles fazem:
O BuzzFeed tem algo para todos, porque os seus artigos são baseados em diferentes personas. Em web design, uma persona é “um indivíduo com dados demográficos específicos e outras características. Cada persona é um composto de características de pessoas reais que seu grupo representa.” (Redish, 2012).

Exemplos de como o mesmo site pode recorrer a grupos opostos de personas.

O BuzzFeed cria uma grande quantidade de conteúdo direcionado para personas, que muitas vezes é contraditório (como visto acima); no entanto, ele dá ao leitor uma experiência mais personalizada com o site. Mesmo se o leitor não concorda com todos os itens na lista, as personas são muitas vezes suficientemente gerais para garantir, pelo menos, alguma medida de sucesso.

O que as bibliotecas podem fazer:
Além de sua utilidade geral no web design da biblioteca, personas são ideais para oferecer sugestões aos leitores, porque elas agrupam os usuários baseados em livros, gêneros e autores que já gostam. Tradicionalmente, esta tarefa tem sido realizada por um único bibliotecário durante uma entrevista de referência, mas o que é único sobre o método do BuzzFeed é que ele permite a auto-categorização (ou seja, se eu me identifico como um nerd, é provável que eu leia um artigo intitulado “27 livros que os nerds vão amar”).

Usando personas para sugestões ao leitor é algo que o próprio BuzzFeed já está fazendo. Por exemplo, entre meados de maio e junho de 2015, o Buzzfeed publicou as seguintes listas temáticas: 23 livros que todos os fãs de futebol devem ler, 47 livros que todo universitário deve ler, 9 quadrinhos de Avengers baseados no seu personagem favorito, 16 livros perfeitos para preencher o vazio deixado por Mad Men, 29 livros que você definitivamente deve levar para a praia neste verão e 26 livros para inspirar sua próxima viagem épica de verão.

3. Engajamento

O que eles fazem:
BuzzFeed permite que os usuários cataloguem sua coleção usando palavras-chave “livremente escolhidas”, votando em sua reação a uma história ou lista. Embora essas palavras-chave (ver Fig. 4) seriam julgadas por qualquer catalogador profissional como “tags de lixo”, elas ajudam a envolver o leitor no processo de coleta de informações e permitem aos usuários a encontrar o conteúdo que eles querem rapida e facilmente.

Essas categorias são coloquiais o suficiente para atrair a atenção, mantendo alguma medida de eficácia.

Além disso, o BuzzFeed incentiva os usuários a votar no conteúdo que eles mais tarde transformam em artigos. Por exemplo, a votação de hoje sobre quais livros ler na praia pode se tornar a lista de amanhã dos melhores 23 livros pra ler neste verão. Isso garante que o grupo demográfico vê o conteúdo relevante que eles próprios podem ter ajudado a criar.

O que as bibliotecas podem fazer:
Folksonomias são surpreendentemente precisas. Num estudo de 2015, Manzo et ai. descobriram que os participantes pesquisados, bibliotecários e leigos, eram capazes de igualar metadados criados profissionalmente (ou exatamente ou muito perto) cerca de 88 por cento das vezes. No entanto, permitir o controle completo por parte dos usuários não é uma meta realista para muitas bibliotecas. Em vez disso, folksonomias devem ser utilizadas para complementar os metadados que já existem, criados profissionalmente. Um grande exemplo dessa justaposição ocorre na interface do catálogo do Bibliocommons, que permite a coexistência de listas criadas pelo usuário e taxonomias profissionais, em uma única interface facilmente pesquisável.

O próximo passo para as bibliotecas que empregam este tipo de modelo taxonômico misto é encontrar maneiras novas e inovadoras para transformar essas informações em conteúdo, exposições e outros meios de engajamento. Onde o BuzzFeed simplesmente transforma esses dados criados pelo usuário em conteúdo, as bibliotecas têm o potencial para explorar maneiras criativas para que os usuários interajam com esses dados. Grandes exemplos disso incluem a exposição Origins do Chinese American Museum e do App Library da Digital Public Library of America.

4. Oportunidade

O que eles fazem:
Outra opção de design simples que mantém o BuzzFeed relevante é a sua apresentação cronológica. Sua home page é especificamente projetada para mostrar aos usuários o que é burburinho, naquele momento particular. Isso mantém o conteúdo relevante e permite mais tráfego, conforme o que os visitantes do site veem às 9 horas será diferente do que ao meio-dia.

Não apenas o home do Buzzfeed conta com cronologia, mas também tem uma sub-página inteira dedicada a o que está quente no momento.

O que as bibliotecas podem fazer:
Pontualidade pode ser um assunto complicado com os sites de biblioteca. Grande parte da informação em um home page de biblioteca deve permanecer estática por uma boa razão (por exemplo, a localização da biblioteca, horário de funcionamento), mas mantendo todo o site estático, estamos perdendo a chance de envolvermos em uma discussão com nossos usuários sobre as questões que importam a eles.

A boa notícia é que muitos catálogos de bibliotecas já estão usando esse recurso, destacando os livros, filmes e outras mídias em sua coleção que foram recentemente emprestados ou comentados. A melhor notícia é que as bibliotecas têm a oportunidade de ampliar o uso dessa estratégia para incluir outros conteúdos online.

Bibliotecários de referência são normalmente as primeiras pessoas a serem consultadas quando os usuários estão pesquisando um novo problema ou assunto. Muitas bibliotecas já mantem controle sobre o número e tipos de perguntas, mas muitas delas avaliam esses dados apenas ao final de um ano. Se as bibliotecas realizarem a análise de dados em tempo real, os bibliotecários na linha de frente podem obter uma imagem mais clara das questões que o público se preocupa naquele momento, e equipá-los melhor para responder a perguntas do público e promover o conteúdo da web em tempo útil para antecipar algumas das essas perguntas.

5. Potencial de compartilhamento

O que eles fazem:
Setenta e cinco por cento de todo o tráfego de BuzzFeed vem de pessoas que compartilham seu conteúdo em plataformas de mídia social como Facebook e Twitter. Parte disso é fácil de explicar: eles tornam esse processo mais fácil, com uma única etapa, incorporando plug-ins de mídia social em cada página. A resposta mais complexa é que eles têm o conteúdo que as pessoas inerentemente desejam compartilhar. Este conceito envolve todos os quatro pontos anteriores. Seu conteúdo é compartilhável porque é utilizável, interativo, personalizado e em tempo oportuno. Todos estes quatro conceitos são as pernas da mesa proverbial que mantêm o BuzzFeed compartilhável. Sem a viralidade da marca, toda a operação iria desmoronar.

BuzzFeed oferece todas e quaisquer opções de compartilhamento em uma barra, visualmente legível.

O que as bibliotecas podem fazer:
Potencial de compartilhamento é outro conceito que pode ser difícil em termos de conteúdo de biblioteca, devido ao fato de que a maior parte da vida online da biblioteca gira em torno do seu espaço físico. Em razão deste ponto de vista, muitas oportunidades para engajamento online tendem a cair no esquecimento. Há duas soluções diferentes que podem ajudar uma biblioteca a engajar mais como uma entidade online: uma tradicional e outra um pouco mais contemporânea. O método tradicional é incentivar os usuários a interagir com a biblioteca digital (ou seja, tê-los confirmados em um evento no Facebook).

A solução mais contemporânea é ter os usuários interagindo com a biblioteca como uma entidade digital. Grandes exemplos disso são os hackatons, onde o público se reúne ao longo de alguns dias para projetar e construir algo como um aplicativo ou corrigir um problema de codificação. Se você estiver interessado em aprender mais sobre hackatons, consulte o guia DPLA de como fazer.

TL; DR

Modelo de negócios do BuzzFeed depende de pessoas que querem compartilhar o conteúdo do site. As bibliotecas também contam com esse modelo para promover o uso da mídia em suas coleções, mas muitas vezes esse conceito é aplicado somente para a biblioteca em um sentido físico. A fim de tornar a biblioteca compartilhável em um nível digital, o conteúdo deve primeiro ser utilizável, interativo, personalizado e publicado em tempo oportuno. Atualmente, o conteúdo da biblioteca cai muitas vezes sob a categorização coloquial de “TL; DR” (ou too long, didn’t read – “muito longo, não li”, taquigrafia da internet comum para algo chato). Para mudar isso, precisamos repensar nossa estratégia online de ser simplesmente uma extensão do edifício físico para uma entidade separada, porém relacionada, que permite aos usuários interagir com a biblioteca de formas inovadoras. Ao reconhecer que há algo a ser aprendido com o modelo de negócios de Buzzfeed, as bibliotecas podem descobrir o que torna a media “viral” e usá-la para sua vantagem.


Morada das lembranças: como as bibliotecas podem ajudar imigrantes e refugiados

Morada das lembranças conta a história de uma família de refugiados de guerra, saídos da Europa e chegando ao Rio de Janeiro. A saga é narrada pela filha mais velha, ainda criança, uma daquelas tragédias de gente inocente vítima de guerras, fome ou distúrbios climáticos, que precisa largar tudo pra trás e encarar uma nova terra estranha e geralmente inóspita. O livro trata em paralelo das mulheres que ficaram conhecidas aqui como polacas, que saíam da miséria camponesa na Europa apenas para descobrir que nas Américas a dignidade humana ia muito abaixo daquilo que foi capaz de convencê-las a deixar seus países. É um relato duro de ler, mas talvez necessário, porque é uma das maneiras de nos colocarmos nos pés dessas pessoas e compreendermos o que se passa além dos nossos preconceitos. O livro valoriza também a ideia do resgate da memória oral, porque a maior parte dessas pessoas perdem suas línguas e vozes, deixadas nas cidades de origem, em certos casos optando por esquecê-la por completo, como uma necessidade de ajuste à nova vida, livre das dores do passado. É a neta, a segunda geração já nascida no Brasil que decide recontar a história da avó. Vale a leitura.

Em tempos de crise econômica, guerras e mudanças climáticas, as migrações (não confundir migrantes com refugiados) se intensificam, e considerando o Brasil como um dos países que mais atraem refugiados ou imigrantes, certamente este aspecto deve aparecer na agenda dos bibliotecários daqui, para agora e os próximos anos.

Os refugiados e imigrantes vêm com diversas formações e experiências, e ainda encontram uma miríade de desafios para se adaptarem às suas novas vidas. Existem muitas maneiras que uma biblioteca, de qualquer tipo, pode oferecer apoio aos indivíduos destas diferentes comunidades (étnicas, religiosas, etc.) com recursos e serviços que os ajudam a se adaptar ao novo país.

Algumas recomendações e materiais servem de referência, como o Manifesto da Biblioteca Multicultural da IFLA, e acredito que William Okubo seja a melhor pessoa para documentar e apresentar as experiências brasileiras no relacionamento com Haitianos, Bolivianos, Sírios, entre tantos outros potenciais usuários de bibliotecas públicas e universitárias. Então em vez de montar uma lista de atividades sugeridas que podem ser realizadas dentro de bibliotecas em apoio aos refiguados/migrantes, vou indicar alguns projetos de bibliotecas ou criados por bibliotecas em situações de crise, que servem de inspiração e exemplo para nós:

Ideas Box – Depois de ter construído dezenas de bibliotecas em tendas no Haiti, após o terremoto de 2010, o Bibliotecas Sem Fronteiras (Libraries Without Borders) passou a testar seu projeto Ideas Box no Burundi. Usando apenas duas caixas transportadoras e 20 minutos para montar, o box fornece o equivalente a uma biblioteca de uma pequena cidade. Ela vem com seus próprios livros, e-readers, tablets, laptops e ferramentas digitais, bem como acesso à internet e energia elétrica. A as caixas que contêm todos estes objetos transformam-se em cadeiras e mesas. Em abril deste ano o projeto chegou em campos de refugiados sírios na Jordânia.

Jungle Library – voluntários criaram uma biblioteca improvisada no acampamento de migrantes em Calais, norte da França, que as autoridades estimam abrigar pelo menos 3.000 refugiados, que fugiram da repressão e da guerra em países como a Eritreia, Afeganistão e Síria. Muitos querem chegar ao Reino Unido por causa das conexões familiares ou simplesmente melhores oportunidades. A professora britânica Mary Jones era uma dos voluntários que iniciou a biblioteca, e queria oferecer ajuda real, prática. “Muitas pessoas aqui são bem-educadas – eles querem entrar e querem livros que irão ajudá-los a ler e escrever Inglês, se candidatar a empregos, preencher formulários.” A biblioteca recebe doações e oferece livros, dicionários, textos, zines, etc- em qualquer e todas as línguas, inglês, francês, italiano, árabe, pashto, farsi, tigrinya, amárico e grego. A biblioteca também empresta potes, panelas, utensílios domésticos, coisas práticas como ferramentas para consertar bicicletas, jogos de cartas, jogos de tabuleiro e instrumentos musicais.

Resgate de livros na Síria – Entre tiros e destruição na cidade de Darayya, um grupo de jovens sírios conseguiu criar um lugar de refúgio – uma biblioteca. Depois que os moradores da cidade sitiada fugiram, esses estudantes resgataram livros de suas bibliotecas privadas abandonadas. Em alguns casos, os edifícios ainda estavam pegando fogo, por conta das bombas. Até agora eles já recolheu mais de 11.000 livros. Os jovens criaram um sistema de empréstimos e passam longos dias catalogando os livros, e por isso, se os proprietários voltarem depois da guerra, poderão tê-los de volta.

Enchentes no Myanmar – Localizada nas proximidades de cinco campos de refugiados que acomodam cerca de 1.500 pessoas deslocadas pelas inundações recentes, a biblioteca de Taikkyi tem desempenhado um papel-chave nos esforços de socorro. Equipada com tablets, um roteador móvel com conectividade, revistas, e os mais recentes jornais, a bibliotecária San Khaing monta sua moto e fez rondas para alcançar os membros da comunidade nos campos de refugiados. Lá, ela distribui materiais impressos e atividades organizadas com os tablets para as crianças, que ficaram presas nos campos durante semanas sem o mínimo de acompanhamento educacional.

Outra biblioteca, destruída no dilúvio, continuou a prestar serviços para as comunidades locais, principalmente através do uso de dispositivos móveis da biblioteca. A bibliotecária Ko Aung e seus colegas coorderam esforços de evacuação, ajudando as pessoas deslocadas a chegar a um dos 18 campos de refugiados da região. Ko também identificou aldeias afetadas e coordenou a distribuição de suprimentos para aldeias remotas e inacessíveis nas áreas rurais do país. Os bibliotecários passaram a transmitir informações de socorro para as autoridades, permitindo-lhes cobrir uma área maior e fornecer serviços de emergência para mais pessoas.

Bubisher – esta biblioteca móvel nasceu no acampamento para refugiados do Saara Ocidental, na Argélia, em 2008, e é agora parte de uma rede que trabalha com professores locais e organiza clubes do livro para crianças e adultos. Seu nome, Bubisher, refere-se a um pássaro do deserto cuja chegada traz boa sorte na tradição saariana.


Como identificar uma pintura usando Google Images

Sobre os dois posts recentes que discutiram o futuro da biblioteconomia, o primeiro do Gustavo e o segundo da Dora, eu tendo a concordar mais com o primeiro do que o segundo, no sentido que, de fato, não há nada que uma máquina não possa fazer melhor do que um bibliotecário. Alguns poucos anos atrás a nossa semântica era superior ao de máquinas, hoje não mais.

Esse mimimi não se restringe à biblioteconomia, tenho certeza que muitas outras profissões discutem a mesma sentença. Neste ano saiu até mesmo aquele manifesto contra a inteligência artificial avançada, assinado por Hawking, Elon Musk, Wozniak, entre outros. Ou seja, a coisa já está mais para Ex Machina do que HAL 9000.

Tem dois exemplos que eu acho ilustram bem o processo de robotização substituindo o trabalho tradicional do bibliotecário. O primeiro é a logística de um dos galpões da Amazon:

A biblioteconomia tradicional pode ser entendida como mais do que organização para recuperação, mas neste quesito específico, que é o que melhor nos difere de outros profissionais, as máquinas já estão na frente. Eu acho que as classificações decimais são a tecnologia mais avançada que pudemos oferecer ao mundo, mas hoje elas já não oferecem um diferencial que um robô não possa emular.

CDD faz completo sentido no mundo físico, com restrição de espaço, mas ela se torna apenas um adereço se o seu catálogo e sistema de busca/recuperação é tão bom a ponto de diminuir o potencial da navegação por entre as estantes e oferecer diversas combinações possíveis para encontrar um determinado objeto.

Vejam o Stack Life que é um sistema de navegação visual das bibliotecas de Harvard e a estante virtual da Universidade de Virgínia, que exibe imagens em alta resolução dos livros como eles teriam aparecido nas prateleiras e usa informação bibliográfica do catálogo de 1828, para permitir pesquisa sobre a coleção dos livros históricos.

Claro que pra isso acontecer e chegarmos a este nível de recuperação da informação foram necessários anos de investimento em metadados e mais outros anos de adequação do algoritmo para oferecer melhores resultados de busca. Mas bem, já passamos dessa fase, os robôs hoje estão propensos a resolver alguns problemas sozinhos com base no acúmulo de informações coletadas a priori, junto de outro volume de informação coletado a posteriori, a partir do de buscas/atividades/intervenções realizadas pelos usuários do sistema. É exatamente assim que funciona todos os algoritmos essenciais que usamos, Google e Facebook especialmente.

Ou seja, novamente, a organização da informação se tornou apenas uma espécie de defesa corporativista: quando toda a área computacional está preocupada apenas em modelos organizacionais a posteriori, com base no input de usuários, a biblioteconomia permaneceu trancada nos modelo a priori, com base na inteligência dos bibliotecários. Ainda é importante para pequenas coisas, mas está na contramão da realidade pragmática do mundo moderno.

O segundo exemplo que eu quero mostrar é como é possível descobrir informações sobre uma obra de arte usando apenas inteligência artificial. Digamos que eu tenha visitado um museu e gostei de um quadro, ou tenha visto uma imagem na internet mas não tenho quaisquer informações sobre ela. Como descobrir o autor, a data, o tema retratado, sem dispor de outra informação além da própria imagem? Pois bem, é possível descobrir utilizando o Google Images e selecionar a pequena câmera no lado direito do botão de busca (conhecida como Pesquisar por imagens).

Esta imagem por exemplo foi rapidamente identificada pela busca reversa do Google, me remetendo a um blog que possuía a descrição completa da obra. Todo o procedimento é realizado artificialmente, sem qualquer necessidade de interpretação semântica, ontológica ou de indexação, apenas aplicando técnicas matemáticas como distância euclidiana e detecção de pontos salientes no objeto.

Uma segunda opção seria submeter a imagem à um sistema crowdsourced, como o Reddit, e deixar que outros humanos, especialistas ou não, pudessem contribuir com novas informações.

Em alguns anos acredito ser possível o mesmo tipo de busca para livros e textos digitais, descobrir informações relevantes e contextuais, sem necessariamente ter um conjunto a priori de descritores ou metadados ou árvores do conhecimento.

Tudo isso para reforçar a ideia de que a robotização sim é capaz de substituir o grosso do trabalho dos bibliotecários em médio ou longo prazo, mas como a Isadora disse, existem ainda várias maneiras de os bibliotecários permanecerem relevantes.

Eu continuo achando que a nossa maior contribuição ao mundo é cada vez mais converter as coleções físicas para o digital e deixar que o pessoal da computação faça o restante do trabalho. Nós somos os melhores profissionais em armazenar e salvaguardar a herança cultural humana e eles vem fazendo melhor trabalho do que nós em termos de recuperação, disseminação e contextualização, do que nós fomos capazes de fazer sozinhos. Ainda teremos uns bons 100 anos em coletar, organizar, definir os metadados elementares, de todos os materiais textuais, visuais e outras mídias que ainda existem fisicamente, e jogá-los na internet para que outros profissionais façam melhor sentido desses objetos.

Fazer exercício de futurologia é necessário, porque do contrário estaremos sempre correndo atrás do tempo perdido. Mas como disse a Marianna, o futuro é agora.


Bibliotecas brasileiras, de George Ermakoff

Estava eu mais uma vez falando sobre arquitetura de bibliotecas quando eis que aparece nas livrarias o belíssimo livro Bibliotecas brasileiras, organizado por George Ermakoff.

Para o grande público, um compêndio bilíngue com o histórico das principais bibliotecas do país, acompanhado de excelentes fotos. Para os bibliotecários, um mais do mesmo de informações enciclopédicas, a tradicional cronologia que vai dos jesuítas, Biblioteca Real/Nacional, passando pela Biblioteca Pública da Bahia, Mario de Andrade, até a BPE Rio [basicamente uma versão ilustrada e atualizada do Biblioteconomia brasileira no contexto mundial, do ENF].

É livro pra se ter na estante de casa, e sugiro que quem for comprar, compre logo, porque as tiragens são pequenas. A edição é de luxo, como os livros típicos de arte, então o valor de varejo é caro, está R$130 nas livrarias Cultura e Travessa. No site do MinC tem todos os dados referentes ao projeto solicitante para a confecção do livro. O financiamento foi de R$488 mil e cerca de 20% da tiragem é destinado à bibliotecas, então quem tiver na lista, faça questão de receber o seu.

Ermakoff é um dos maiores colecionadores de fotos do Rio Antigo e vêm publicando nos últimos anos excelentes crônicas fotográficas, a maioria delas provavelmente financiada por editais públicos (acho tudo muito estranho, mas não quero tratar disso agora).

No livro das Bibliotecas brasileiras tem fotos de um dos meus fotógrafos preferidos, Cristiano Mascaro:

Finalmente uma obra rica visualmente pra rivalizar com as dezenas de livros fotográficos publicados sobre bibliotecas ao redor do mundo e apresentar aos desavisados a beleza das bibliotecas brasileiras.

[quem curte livros fotográficos de bibliotecas, eu indico os lindões abaixo]


Arquitetura de bibliotecas

A biblioteca física tá aí né gente. Mesmo que o surgimento e sofisticação das “TICs” digitais tenham alimentado um certo receio em relação à manutenção dos prédios das bibliotecas – o “fim das bibliotecas” -, o que parece é que as bibliotecas físicas se adaptaram às aspirações da sociedade e vêm mostrando uma interessante flexibilidade. Deu pra ter de uns anos pra cá esses modelos de biblioteca-café ou bibliotecas que se parecem com livrarias, mas o ponto principal é que a biblioteca, o seu prédio, se revelou uma TIC propriamente. Fica claro que a explosão da tecnologia digital tem sido acompanhada por um investimento em larga escala na biblioteca física, em espaços novos ou renovados quem tem a intenção de “encantar”.

Esse é um processo que se repete ao longo da história, mas de fato, nos últimos vinte anos tem havido um renascimento na construção de bibliotecas, incluindo uma grande dose de inventividade nos projetos de design e renovação. Eu já criei um site para tentar agrupar projetos de bibliotecas (Arquitetura de Bibliotecas), em particular no Brasil, e publiquei aqui anos atrás exemplos de arquitetura de biblioteca que servem de inspiração (estado da arte na arquitetura de bibliotecas em 2012, arquitetura de bibliotecas brasileiras, a biblioteca de Seattle, arquitetura e design de bibliotecas em vídeos).

Eu sempre tive comigo que um bom design de biblioteca exerce impacto crucial no seu funcionamento e engajamento com os usuários. Mas nunca consegui encontrar um debate entusiasmado sobre inovação e design de bibliotecas, nem na literatura da área, nem nos próprios cursos de biblioteconomia (exceto artigo de Antonio Miranda, monografia de Regina Garcia Brito e trabalhos apresentados nos SNBUs sobre renovação predial e padronização de segurança e acessibilidade). Além disso, nem todos os bibliotecário tem a chance de participar diretamente, ao longo de suas carreiras, de um projeto de construção ou renovação de biblioteca.

O processo de design para qualquer tipo de prédio/construção é essencialmente uma atividade de solução de problemas, e a concepção de bibliotecas não é exceção. Por esse motivo, tentando alinhar a minha vontade de explorar melhor a arquitetura predial de bibliotecas e como os bibliotecários podem aplicar metodologias de user experience e design thinking para promover um modelo de biblioteca centrado em pessoas (diferente de um modelo clássico centrado na gestão do acervo unicamente), eu decidi oferecer um curso sobre arquitetura de bibliotecas.

O curso é parte do Futuro das Ideias, que é um projeto vencedor de edital de atividades culturais do Centro Cultural Justiça Federal no Rio, que tem inovação como mote e conta com a participação dos criativos Andrea Gonçalves, Dora Steimer e Fabiano Caruso, que vão dar cursos sobre métricas alternativas, curadoria digital e ciência aberta, respectivamente. Os cursos são de curtíssima duração e o preço é camarada. Todas as informações estão no site Biblioteca Aberta.

Uma pequena parte do meu curso vai apresentar as diferentes frentes de estilo e processos de arquitetura de bibliotecas. Vejam um pouco abaixo:

a introdução do acesso livre às estantes, embora os livros ficassem presos por correntes (~1600):

o conceito de biblioteca universal, que contém todo o conhecimento disponível (~1790):

com o aumento no número de usuários, o balcão de empréstimo se torna o elemento central na arquitetura (~1890):

as bibliotecas “pré-fabricadas” de Carnegie, com espaço exclusivo para crianças (~1910):

arquitetura construtivista do modelo “worker’s club”, onde o trabalhador iria ao final do dia para se informar e instruir (1925):

a introdução do modelo escandinavo, que combina o modernismo com elementos tradicionais das biblioteca, além de utilizar materiais rústicos e de baixo custo (~1940):

brutalismo e bibliotecas universitárias introduzindo a ideia de flexibilidade de espaços, em função do crescimento do acervo (~1960):

a biblioteca como terceiro lugar, depois da casa e do trabalho/escola (~2000):

desmantelamento da abordagem tradicional, a biblioteca agora também incorpora galeria de arte, auditório, centro audiovisual, etc (~2005):


#marbledmonday no instagram: papel marmorizado

Agora no instagram tem uma hashtag que celebra a técnica do papel marmorizado. Acontece toda segunda-feira e se chama #marbledmonday

Vejam só que beleza:

A photo posted by Amy Auscherman (@acid_free) on