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Desastres da “Fortaleza Europa”: refugiados morrem na terra e no mar

Por Marianne Arens e Patrick Martin
23 de setembro de 2015

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Publicado originalmente em inglês em 29 de agosto de 2015

O número de mortos entre os desesperados emigrantes que fogem das regiões em guerra no Oriente Médio e da África continua a aumentar, com cenas terríveis que excedem tudo que se via na Europa desde a II guerra Mundial.

A vasta maioria desses refugiados está procurando fugir de violências desencadeadas em suas pátrias e famílias pelas potências imperialistas, acima de tudo os Estados Unidos acumpliciados com a França, a Grã-Bretanha, a Alemanha, a Itália, a Espanha e a Holanda.

Logo que escapam de seus países de origem, inclusive da Síria, Iraque, Afeganistão, Líbia e vários outros do leste e oeste da África, os refugiados encontram ainda mais violência a cada passo: da polícia e de guardas fronteiriços, e também de contrabandistas à semelhança dos que asfixiaram os refugiados em porões de navio e furgões de um caminhão, e também de maltas neonazistas na Saxônia, sob as vistas da polícia alemã.

Mais de 300.000 já cruzaram o Mediterrâneo este ano, excedendo o total do ano passado, consoante dados das Nações Unidas e da União Europeia. Esse número inclui os calculados 180.000 que percorreram o trecho pouco extenso da Turquia para as ilhas gregas, daí deslocando-se através da Grécia, da Macedônia e da Hungria até penetrarem nos países da União Europeia.

A previsão das Nações Unidas desta semana de que 3.000 migrantes por dia passavam através dos Bálcãs por terra – uma média anual superior a um milhão de pessoas, a maior parte fugindo da guerra civil da Síria, fomentada por Washington e alimentada por armas supridas por seus aliados da Arábia Saudita, Qatar e Turquia.

Outros 100.000 ou mais têm percorrido um trajeto ainda mais perigoso através Mediterrâneo, partindo da Líbia para a tália, em cujo percurso pelo menos 2.500 já perderam suas vidas este ano. O número de baixas aumentou devido a mais outros 250 quando suas embarcações afundaram na noite da quinta-feira e na manhã da sexta-feira com o sinistro de outras duas na costa da Líbia.

Pelo menos 150 corpos foram recolhidos dos dois desastres em que se envolveram uma pequena embarcação com possíveis 100 pessoas e um barco de pesca maior com mais de 400 fugitivos. A Cruz Vermelha Líbia afirmou a funcionários das Nações Unidas na sexta-feira que não dispunha de sacos suficientes para todas as vitimas do segundo e maior naufrágio.

A maior parte das vítimas amontoava-se no porão do barco de pesca quando este afundou logo após deixar o porto de Zuwarah, cujas autoridades permitiram a fuga. Aproximadamente outras 100 pessoas foram salvas com vida, e a busca de outros corpos entre os que desapareceram no mar continuava. Os migrantes eram em sua maior parte africanos, afirmaram os funcionários.

A Organização Internacional para a migração afirmou que 4.400 fugitivos foram socorridos no Mediterrâneo nas proximidades da Sicília, entre 22 e 23 de agosto, tornando estes dias os mais movimentados fins de semana para operações de resgate do ano.

A horripilante tragédia na rodovia A4 entre Budapeste e Viena evidencia os perigos mortais das aparentemente mais seguras vias para os refugiados. Num caminhão refrigerado jaziam 71 pessoas mortas, 59 homens, oito mulheres e quatro crianças: uma menina de menos de dois anos de idade e três meninos, entre oito e dez anos de idade.

Um funcionário da empresa de transporte rodoviário Asfinag encontrou o caminhão parado na quinta-feira quando atendia um chamado das proximidades do lago Neusiedl; fluidos de decomposição cadavérica já escorriam do veículo. A polícia rebocou o caminhão para um posto de assistência veterinária em Nickelsdorf na fronteira da Hungria, onde investigadores policiais descobriram os cadáveres e examinaram o veículo antes de levá-los a um posto médico-legista em Viena. ngria, onde a polícia descobriui

Supões que a causa-mortis tenha sido asfixia. O compartimento de refrigeração do veiculo utilizado no transporte de carne de frango não tinha aberturas para ventilação. Arranhões nas laterais do baú apontam para cenas horríveis que ocorreram em seu interior, à medida que os refugiados desesperadamente tentavam escapar em agonia.

Na sexta-feira, a polícia húngara prendeu quatro pessoas, entre elas três búlgaros e um húngaro, proprietários e condutores do caminhão após investigação de seus registros de deslocamento em vários postos de pedágio. Desde então, a mídia e políticos fartam-se em tiradas incriminadoras contra traficantes. De acordo com estimativas, cada um dos 71 refugiados teria pago ao menos mil Euros pela fatídica viagem.

O tráfico de pessoas é de tal forma negócio lucrativo porque os membros da União Europeia vedaram rigorosamente suas fronteiras. Eles procuram evitar que fugitivos de guerras e do terror atravessem fronteiras providas de cercas de arame farpado com lâminas afiadas sob as vistas de policiais acompanhados de cães agressivos.

“Quem quer que seja que pretenda deter os traficantes tem de afastá-los de seu lucrativo negócio, i. e. abrir as fronteiras europeias para os refugiados”, escreveu sensatamente Florian Hassel no Südedeutsche Zeitung. “Mas os políticos europeus, acrescentou ele, não se dispõem a fazer isto”.

O furgão repleto de cadáveres foi descoberto enquanto decorria a conferência do oeste dos Bálcãs a poucas milhas do Palácio Hofburg, em Viena. A chanceler Angela Merkel, o chanceler austríaco Werner Faymann e a comandante da política estrangeira Federica Mogherini encontravam-se com os seis líderes dos países balcânicos. A finalidade da reunião era buscar um consenso para melhor controle das rotas percorridas pelos refugiados e para fortificar ainda mais as fronteiras externas da União Europeia.

Merkel reagiu diante das notícias da tragédia afirmando que se devia encarar o assunto da migração “rapidamente segundo o espírito europeu . Isto é, com adoção de atitude solidária”. Como isto funciona na prática pode-se ver pelo fato de seu governo querer agora declarar o Kosovo, o Montenegro e a Albânia, estados originários seguros a fim de mais rapidamente deportarem pessoas que chegam à Alemanha desses países.

Tal medida foi solicitada por Maiziere, ministro do interior da Alemanha há apenas dois dias. Ele também pretende acelerar a deportação de refugiados, reduzir os benefícios, substituindo as ajudas em espécie para evitar que os refugiados venham para a Alemanha.

Na Áustria, a coalizão dirigente, composta por sociais democratas e conservadores, move-se apressadamente contra os refugiados. A ministra do interior, Johanna Mikl-Leitner, reagiu diante da presente crise de refugiados pedindo controles nas fronteiras ainda mais restritivos e que os traficantes sejam punidos com mais severidade.

Na noite anterior, no programa “Zeit in Bild”, Sebastian Kurz, ministro do exterior austríaco, tinha defendido regras de asilo mais restritivas, “controles nas fronteiras mais rígidos” e “procedimentos rápidos” para os que buscam asilo. Ele citou a Hungria, a construir no momento muros de quatro metros de altura numa extensão total de 109 milhas em sua fronteira sul como modelo, e insinuou que outros membros da União Europeia, “não apenas húngaros, mais possivelmente outros, tomarão medidas que não seriam agradáveis”.

Um plano de cinco medidas apresentado pelo governo austríaco em Viena, também inclui o emprego de força para combate a gangues criminosas e forças IS no Oriente Médio. A União Europeia já havia apresentado planos em maio que determinavam intervenção militar na Líbia. Esta medida equivaleria a maior alastramento de guerras, a principal razão por que milhões de pessoas veem-se forçadas a fugir.

A atitude das potências imperialistas ante o povo sírio é particularmente cínica. Durante quatro anos, elas têm citado o assassinato de sírios pelo presidente Bashar al-Assad como razão para desencadear uma campanha subversiva e violenta a fim de derrubar o regime de Assad. No entanto, quando milhões de sírios fogem em consequência da matança são demonizados como invasores que ameaçam os postos de trabalho e o bem-estar da população europeia, e que devem ser deportados ou encurralados.

Os 71 fugitivos encontrados mortos na Áustria eram provavelmente da Síria, conforme um passe encontrado entre os corpos. Isto significa que eles haviam completado uma árdua jornada de 3.500 quilômetros. Crescente número de sírios está fugindo pela Turquia, daí viajando via Bálcãs e pelo Egeu para a Europa ocidental, visto que a rota a partir do norte da África é comprovadamente muito perigosa, transformando-se o Mediterrâneo numa sepultura coletiva.