Há vinte anos a greve dos petroleiros no Brasil entrava para a história como sendo um dos principais enfrentamentos contra o projeto neoliberal que se implantava no país pelas mãos de Fernando Henrique Cardoso.
Rasgando o véu da democracia, a burguesia brasileira lutou com todas as suas forças para sufocar os grevistas, utilizando, para isso, a grande mídia, o sistema judiciário e, por fim, o exército. Com a atual crise econômica e o aprofundamento das políticas neoliberais, a histórica greve dos petroleiros merece ser estudada pelos ativistas sindicais com a finalidade de tirar as lições daquela luta e preparar a classe trabalhadora para os duros enfrentamentos que virão.
Quando assume seu primeiro mandato em 1995, FHC aprofunda as políticas neoliberais tão desejadas pela classe dominante brasileira e estrangeira, impondo privatizações, cortes de investimentos nos serviços públicos, arrocho salarial, desemprego, perda de direitos e piora nas condições de trabalho.
Políticas deste tipo provocam reação dos trabalhadores e o movimento sindical desponta como um grande entrave que precisa ser derrotado a qualquer preço. Foi assim em 1984 na Inglaterra, quando o governo neoliberal de Thatcher reprimiu duramente a greve dos mineiros; e em 1981 nos EUA, momento em que o também neoliberal, Ronald Reagan, esmagara a greve dos controladores de voo, demitindo mais de 11 mil trabalhadores, o que representou uma das maiores derrotas do movimento sindical estadunidense em 60 anos.
O exemplo de Thatcher e Reagan
Para assegurar a vitória do neoliberalismo no Brasil, Fernando Henrique precisava declarar guerra aos sindicatos, seguindo o exemplo de Thatcher e Reagan. Para isso, recebeu um conselho de Evelyn Rotschild, tradicional banqueiro inglês e presidente do Rotchild Bank à época: “Protegidos pela lei, eles (os sindicatos) atrasaram muito o processo de privatização na Inglaterra”. E concluiu: “tivemos que mudar a legislação para enfrenta-los melhor”.
Parte do projeto neoliberal brasileiro era privatizar a Petrobras, que passaria a se chamar Petrobrax. Mas a greve dos petroleiros poderia colocar tudo a perder, levando o governo FHC a mobilizar todos seus esforços para derrotar os grevistas.
Fernando Henrique se recusava em abrir negociação, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) emitiu sucessivas decisões contrárias à greve e impôs sanções milionárias aos sindicatos dos petroleiros, obrigando-os a pagar uma multa de R$ 100 mil por dia de greve, algo inédito até aquele momento.
Houve intervenção nos sindicatos com bloqueio de contas, retenção do repasse das mensalidades dos associados, penhora de bens e não tardou para que a direção da Petrobras divulgasse uma lista com 60 grevistas demitidos.
A grande mídia, por sua vez, semeou o pânico entre a população dizendo que a gasolina e o gás de cozinha estavam acabando em função da greve, numa clara tentativa de colocar a opinião pública contra os petroleiros.
O ápice da repressão ocorreu na madrugada do dia 24 de maio de 1995, quando FHC ordenou a ocupação pelo exército das refinarias de Paulínia, São José dos Campos e Mauá, em São Paulo, e de Araucária, no Paraná. Apesar da colossal repressão, a greve dos petroleiros resistiu durante 32 dias.
Isolamento e derrota
O motivo da greve foi o não cumprimento de acordos feitos com os petroleiros durante o governo de Itamar Franco em 1994, que passariam a vigorar a partir de 1995.
Os acordos previam basicamente questões salariais, mas foram descumpridos assim que FHC assumiu a presidência. Contudo, não somente os petroleiros sofriam com a política de arrocho salarial e ataques praticados por FHC e seu antecessor, Itamar Franco.
O conjunto da classe trabalhadora, em suas diversas categorias, estava vivendo sob ameaça do desemprego, sofrendo os efeitos amargos das políticas neoliberais e exigiam respostas dos seus sindicatos.
Diante desta situação instalou-se no interior da CUT o debate sobre a necessidade de construir uma greve geral no país, mas o plano foi abortado pela direção da central. De acordo com Antônio Carlos Spis, presidente da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e um dos principais dirigentes da greve: “vínhamos debatendo (na CUT) desde novembro (de 1994) a possibilidade de sair greve geral ou um movimento mais amplo de reivindicações dos trabalhadores. Foi formado um fórum das categorias com potencial de mobilização. Aí se avaliou que não era possível chamar greve geral, mas sim uma greve unificada das categorias com potencial de deflagrá-la a partir de 3 de maio (de 1995)”.
Frente ao perigo que o governo FHC representava aos direitos dos trabalhadores cabia à CUT lançar uma poderosa campanha de mobilização em suas bases, apostando numa greve geral para derrotar os neoliberais.
O plano de Lula
Os trabalhadores e seus dirigentes deviam se preparar para uma guerra, assim como fizeram FHC e seus ministros. Mas Lula e Vicentinho (então presidente da CUT), que representavam as principais lideranças do movimento operário naquele momento, tinham outros planos.
Ao plantear o cargo de presidente da república, Lula pretendia se livrar de seu passado de sindicalista combativo, assumindo cada vez mais a imagem de político respeitador da ordem institucional, ainda que as instituições burguesas estivessem totalmente voltadas para fazer vingar o neoliberalismo no país.
O discurso de Lula passou a se confundir com o discurso de políticos tradicionais da direita. Ao se referir à greve dos petroleiros numa entrevista concedida ao extinto jornal Gazeta Mercantil, Lula diz: “numa greve de metalúrgicos é o rico que fica sem comprar carro; mas numa greve de professores é o filho do pobre quem perde e fica sem aprender. Mesma coisa acontece com a greve dos transportes. Quem anda de ônibus? Na greve dos médicos é a população mais pobre que precisa dos médicos e da previdência e fica prejudicada. A greve dos petroleiros, que deixou o pobre sem gás, nos dá esse aprendizado”.
Vicentinho e toda a cúpula do PT compartilhavam do mesmo projeto de Lula e apostavam suas fichas numa saída eleitoral e institucional, abandonando a luta direta da classe trabalhadora com suas greves, ocupações de fábrica e bloqueio de vias.
Mesmo sem contar com o apoio das direções da CUT e do PT, os petroleiros, juntamente com outras categorias do setor público, como eletricitários, telefônicos, trabalhadores dos Correios e servidores federais dão início à greve em 3 de maio de 1995.
Pouco tempo depois, entretanto, os trabalhadores dessas categorias decidem voltar ao trabalho e os petroleiros seguem sozinhos na luta. Conforme o enfrentamento entre petroleiros e governo se acirrava, a greve passa a ser discutida em vários sindicatos do país e a CUT se vê obrigada a convocar atos de solidariedade aos petroleiros em alguns estados.
Porém, mais uma vez a central se recusa a construir uma luta nacional unificada e, isolados, os petroleiros são derrotados.
Cooptação
Para derrotar as organizações combativas da classe trabalhadora e garantir a implementação das políticas neoliberais com a menor resistência possível, a classe dominante brasileira utilizou-se também da cooptação, além da repressão.
Em 1991, com apoio do governo Collor, surge a Força Sindical, uma central pelega que tinha por objetivo cooptar dirigentes sindicais para minar o sindicalismo combativo e assegurar os interesses dos empresários. Contando com ajuda de governos e patrões em pouco tempo essa se tornaria uma das maiores centrais sindicais brasileiras.
Os dirigentes cutistas também passaram a ser cooptados na medida em que aceitavam participar das mesas setoriais de negociação permanente, trocando a luta por acordos. Com a chegada de Lula à presidência da república, o processo de cooptação se aprofunda e o melhor exemplo disso foi a nomeação de Luiz Marinho, então presidente da CUT, como ministro do trabalho em 2005.
No caso dos petroleiros sob o governo petista, foi comum observar dirigentes sindicais se transformarem em gerentes da Petrobras ao mesmo tempo em que a estatal aprofundava uma política de terceirizações sem precedentes.
Unificar as lutas
A maior lição deixada pela greve dos petroleiros foi a necessidade de impulsionar lutas unificadas pela base para barrar os ataques dos governos e patrões. As condições para se construir uma greve geral capaz de derrotar as demissões, o projeto das terceirizações e a política de ajuste fiscal estão colocadas neste momento.
Para isso, é necessário exigir dos sindicatos e das centrais sindicais que unifiquem as lutas em curso ao mesmo tempo em que uma ampla campanha de mobilização deve ser feita entre os trabalhadores das diversas categorias, garantindo que a base possa controlar seus dirigentes e levar a luta à vitória. |