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Estudantes brasileiros ocupam escolas de São Paulo contra plano de reorganização

Por nossos repórteres
22 de dezembro de 2015

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Publicado originalmente em inglês em 20 de Dezembro de 2015

Estudantes secundaristas brasileiros, alguns tão jovens quanto a idade de 12 anos, estão entrando na quinta semana de uma rebelião espontânea com ocupações de escolas e protestos contra o devastador “Plano de Reorganização Escolar” em São Paulo, o estado mais populoso da nação.

O plano do governador de direita Geraldo Alckmin (PSDB) de São Paulo propunha o fechamento de 94 escolas, envolveria a transferência de 311.000 estudantes e afetaria 74.000 professores. O governo do estado alega que tão enorme reorganização tem o objetivo de separar as escolas de ensino médio das de fundamental para melhorar a educação estadual.

Os opositores à reorganização acusam a administração Alckmin de levar adiante uma agenda de cortes de custos a custa dos estudantes e professores e promover escolas de tempo integral de caráter privado. Era esperado que a reorganização levasse ao aumento do número de alunos nas já lotadas salas de aula, a demissão de professores e cortes ainda maiores no orçamento da área, assim como um enorme remanejamento de estudantes.

O movimento dos estudantes surgiu quase cinco meses depois da maior greve de professores contra demissões e a precarização do trabalho. Ao mesmo tempo que contou com o grande apoio dos estudantes que agora ocupam as escolas, a greve foi sabotada pela sindicato.

A APEOSP, o sindicato dos professores com 180.000 membros, colocou fim à greve no dia 12 de junho apenas com a promessa do governo de que os grevistas não seriam perseguidos pelo governo através de seus diretores e administradores escolares.

O plano de reorganização do governo foi anunciado no dia 23 de setembro, e os primeiros protestos foram organizados pelos estudantes logo depois. No dia 9 de Novembro, a primeira escola foi ocupada por estudantes em Diadema, uma cidade industrial de 400.000 habitantes nos arredores de São Paulo, a capital do estado.

O governo publicou o decreto da reorganização escolar apenas no dia Primeiro de Dezembro, anunciando sua suspensão três dias depois. Até então, 196 tinham sido ocupadas, e uma rede de apoio aos estudantes tinha sido organizada.

A luta dos estudantes surgiu em meio a maior crise econômica do Brasil desde a Grande Depressão dos anos de 1930, e sob o descrédito em todos as instituições políticas, da administração da Presidenta Dilma Rousseff, do Partido dos trabalhadores (PT), até os menores escalões da política brasileira, por causa do enorme escândalo de corrupção em torno da Petrobras.

Enquanto a resposta política a essa crise tem sido levada adiante pela direita brasileira, que quer o impeachment de Dilma Rousseff, a luta dos estudantes expressa os profundos conflitos de classe da situação brasileira. Através de suas ações espontâneas, os estudantes conseguiram romper a inércia política imposta pelo PT, assim como pelos sindicatos, e as organizações da pseudo-esquerda que giram em torno deles.

A luta dos estudantes tornou-se o estopim dos problemas no Brasil, atraindo amplo apoio popular da classe trabalhadora, de profissionais liberais e de funcionários públicos, que também sofrem com a intimidação e a violência da polícia fascista do estado e dos grupos de segurança privada.

Notícias do final de Novembro de Osasco e Sorocaba, duas grandes cidades industriais a oeste da capital São Paulo, relatam a invasão e o roubo de três escolas ocupadas. Com medo, os estudantes deixaram as escolas, acusando o envolvimento de pessoas ligadas ao crime organizado que agiram com o consentimento e a cobertura da polícia.

Em outras cidades, antecipando-se qualquer forma de perseguição política, advogados ativistas organizaram grupos à disposição dos estudantes em caso de detenções arbitrárias e intimidações. As escolas ocupadas tem também recebido uma enorme quantidade de doações e serviços oferecido por jardineiros, eletricistas, professores de arte, entre outros, que permitiram os estudantes realizarem uma série de reparos na decadente infraestrutura das escolas e atividades para manter o dia-a-dia das escolas ocupadas.

Mais tarde, em acontecimentos amplamente noticiados pela imprensa, a justiça determinou, em 14 de Novembro, a suspensão da reintegração de posse das escolas. Atos de rua cada vez maiores que se seguiram à decisão da justiça encontraram uma brutalidade policial também cada vez maior. A Anistia Internacional denunciou a polícia Militar por uso excessivo da força contra os atos pacíficos, que incluíram o ataque aos menores com bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e violência física.

Finalmente, no dia 3 de Dezembro, o ministério público e a defensoria solicitaram a suspensão do decreto, que foi realizado pelo governador um dia depois mesmo sem a decisão da justiça, no dia 4 de Dezembro.

Junto com a suspensão do decreto, o secretário da educação, Herman Voorwald, renunciou. O secretario era considerado um frio tecnocrata, que desde 2011 vinha implementando no estado políticas de responsabilização dos professores e escolas de tempo integral tais como as “charter schools” dos EUA.

A luta dos estudantes tem sido considerada uma grande derrota política do governador Alckmin, ex-candidato à presidência da república pelo partido de direita PSDB. Segundo um pesquisa de opinião divulgada pelo Datafolha no dia 4 de Dezembro, a popularidade de Alckmin, que governa o estado há mais de 10 anos em períodos alternados, é a menor já registrada. A pesquisa mostra que apenas 28% da população aprova seu governo, apenas um ano depois de ter sido eleito no primeiro turno com 57% dos votos baseado numa plataforma direitista de chauvinismo regional.

No domingo, 6 de Dezembro, aconteceu um encontro com representantes das escolas ocupadas na E.E. Diadema, a primeira a ser ocupada pelos estudantes, para discutir a mobilização até a completa revogação da reorganização. O encontro foi realizado pelo “Comando das Escolas Ocupadas”, organizado paralelamente à União Paulista dos Estudantes Secundaristas, UPES, e aos grêmios escolares.

Os estudantes falaram sobre o estado deplorável das escolas, a crise econômica, o papel da burocracia sindical da APEOESP, a péssima gestão da administração das escolas, a violência policial e a ofensiva contra as ocupações realizada por um exército de pequenos burocratas acostumados a assediar os estudantes de forma digna da obra de Charles Dickens.

O conteúdo da discussão confirmou as relações entre o movimento do estudantes no Brasil e a “Revolta dos Pinguins” de 2006 realizada por estudantes chilenos contra o Partido Socialista, que continuo o legado autoritário na educação do ditador General Augusto.

O crescente apoio popular aos estudantes é atribuído aos seus esforços em responder, principalmente nas mídias sociais, à guerra de informação levantada pelo governo e pela imprensa tradicional.

Victor, 25, um aluno da educação de jovens e adultos presente no encontro, disse ao WSWS: “[Entidades como a Apeoesp e UPES] nos apoiam, mas nós procuramos ponderar as ideias que passam para gente. […] Deixamos claro que estamos lutando pela educação. [...] [Essas entidades] já tem uma coisa particular, como partidos, contra o PSDB. Nós lutamos só por um ensino melhor, pode ser o Papa que esteja lá, mas que tenha uma educação boa.”

Ele ainda acrescentou: “A gente luta por uma escolar decente em todos os bairros. Tenho vários amigos que vem de longe para ter o ensino que tenho no meu bairro. [...] Todos devem ser iguais. Tem pessoas que acordam às 5 h da manhã para entrar na escolar às 7h. Será que isso é certo? E o desgaste físico de chegar numa aula já lotada que acontece diariamente?” Johnny, aluno de uma escola da cidade litorânea de Caraguatatuba, a 130 km de Diadema, disse: “A reorganização também fará com que professores e funcionários sejam remanejados, assim como alunos, levando à superlotação […]. A questão da reorganização está ligada ao ajuste fiscal do governo federal, que tem o objetivo cortar gastos e sucatear a educação.”

Essas mesmas queixas foram levantadas por Júlio, 16, que estuda no período noturno da E.E. Diadema. O período noturno é uma particularidade do sistema educacional brasileiro, elaborado para permitir que a juventude trabalhadora e adultos que não tiveram a oportunidade de frequentar a escola agora estudem. O período noturno normalmente sofre com faltas crônicas de recursos e professores. Mesmo assim, a educação de jovens e adultos (EJA) no período noturno é considerada pelas famílias da classe trabalhadora uma maneira de romper com o ciclo de pobreza causada pela falta de educação e abrir oportunidades de empregos mais qualificados nas indústrias e no setor de serviços.

Perguntamos ao Júlio como os estudantes da E.E. Diadema veem a plano de reorganização escolar. Ele disse: “A crise no Brasil só afeta o pobre, o rico continua rico. […] eu tinha amigos que trabalhavam nessas empresas [automotivas] e perderam o emprego, […] alguns que estudavam aqui.”

Ele disse que além de ver muitos de seus amigos demitidos, agora o governo estadual está tentando fechar o período noturno de sua escola.

“[Com a reorganização] o governo fecharia escolas como esta, que tem altos níveis (nas provas) de SARESP, ENEM, etc. [...] A reorganização não passa de uma desorganização,” Júlio disse. Com o fechamento do período noturno, ele continuou, não haveria alternativas para estudantes como ele a não ser abandonar os estudos.

Perguntado sobre a repressão do governo, ele disse: “Quando começamos isso aqui, a repressão tanto da diretoria da escola quanto da Diretoria de Ensino foi muito grande. Soltaram vários boatos que estávamos quebrando a escola. Quando a gente decidiu que ninguém ia entrar além de aluno, a diretora pulou o portão e falou que era refém. Ela diz que cumpre ordens, mas, na verdade, está muito claro o que ela sente, que ela concorda [com a reorganização].”

Ele disse que, ao mesmo tempo em que polícia ainda não atacou a escola, ela anunciou que viria à escola “apaziguar a situação”.

“Apaziguar o quê?”, ele questionou. “Apaziguar uma coisa que eles iam causar, muito contraditório...” Júlio disse que os estudantes se inspiraram no movimento dos estudantes chilenos e também falou da reação das pessoas em geral sobre as ocupações: “A comunidade da escola apoia, faz doação, mas às vezes fica meio perdida.[…] Muitos vem perguntar no portão por que estamos aqui. O que confunde as pessoas é que elas acreditam que crianças do ensino fundamental não devem se misturar com as do ensino médio.

A falta de confiança na polícia foi melhor explicada por João, 18. Ele disse ao WSWS: “Os pais ficavam preocupados porque os filhos iam para os atos de rua e a polícia ia estar escoltando o movimento. Agora, se falar que estou na minha escola, é uma coisa completamente diferente. Minha mãe sabe que o problema esta na polícia.”

Natália, 16, acrescentou: “eu participei da ocupação de uma escola e não precisa nem dizer a truculência da polícia. Um policial chamou a liderança, que era uma garota, e estava com shorts, e ele ofendeu-a chamando de piranha. Se você olha torto pra ele, ele já quer te prender por desacato à autoridade.” Depois de lembrar das propostas que tramitam no Congresso Nacional sobre a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, completou: O governo mandou a PM bater em estudantes. Era um caça às pessoas [nos atos] maiores de 18 anos para prendê-los. Prenderam os secundaristas de 15 e 16 anos, e entra a questão da maioridade penal também. Imagina se tivesse sido aprovada, o que seria da gente? [...]A polícia militar ainda não se tocou que acabou a ditadura, que ele [o policial] não tem poder mais nenhum, ele não é mais ninguém.

Um palavra de ordem muita ouvida nos protestos de rua e nas escolas ocupadas é pelo “Fim da Polícia Militar.” João foi perguntado sobre o que achava que estava por trás da brutalidade policial. Ele disse: “Ouvimos que se você for para o exército, vão bater em você até virar homem de verdade. Lá está colocado a ideia da brutalização, os caras vão tornar você um animal desde o momento em que você entra no exército.”

Uma consequência das ocupações escolares tem sido uma série de denúncias sobre a má gestão das escolas. Dezenas de fotos foram divulgadas de todo o tipo de materiais escondidos, desde suprimentos para as aulas de artes até ventiladores de teto nunca usados. Na E.E. Diadema, estudantes levaram aos atos de rua novos instrumentos de fanfarra achados escondidos num depósito.

João disse: “A gente tirou um fim de semana para limpar toda a escola e a última coisa que a gente fez foi limpar o telhado. Quando chegamos lá, tinha uma poça na altura do joelho de água parada. Foram vistas larvas de mosquitos da dengue, e limpamos todo o lugar. Tem um grande espaço na escola com mato. Lá achamos bichos, lixo, entulho.

Felipe, 17, resumiu a disposição dos estudantes: “Você pode pensar em 2013 como o estopim. [...] Boa parte da gente cresceu vendo isso na televisão, tentando participar, mas não podia. [...] Como nossos pais viveram na época da ditadura, nós somos a geração que cresceu sem esse medo, sem essas raízes da ditadura. A gente buscar o que a gente quer, o que é nosso por direito, não preciso deixar isso nas mãos dos outros.”

A reunião do Comando das Escolas Ocupadas no domingo deliberou as seguintes exigências: 1. fim da reorganização; 2. libertação de todos os estudantes presos; 3. garantia que nenhum estudante, professor, pai ou apoiador será processado por apoiar a luta dos estudantes contra a reorganização das escolas; 4. punição de todos os policiais que reprimiram, agrediram e torturaram os estudantes.

A disposição dos estudantes continuarem em luta logo encontrará resistência da burocracia sindical da Apeoesp, que tem um número cada vez menor de apoiadores, e dará confiança aos diretores de escolar e à organização estudantil ligada a ela, UPES. Ambos estão determinados a subordinar a luta dos estudantes ao governo do PT e à presidência de Dilma Rousseff, que agora está encarando a possibilidade do processo de impeachment no Congresso Nacional enquanto leva adiante medidas de austeridade.

As organizações estudantis ligadas ao PT já começaram a desmobilizar a luta dos estudantes de São Paulo na segunda-feira, 7/12, pedindo que confiassem na boa vontade do governador e sugerindo a desocupação das escolas.