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O colapso capitalista e as perspectivas da IV Internacional

Parte 2

Por Nick Beams
3 de novembro de 2008

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Publicado originalmente em inglês em 6 de outubro de 2008

Publicamos abaixo a segunda parte de um relato feito em 28 de setembro por Nick Beams a um encontro realizado em Sydney sobre o 70o aniversário da Quarta Internacional. Beams é membro do comitê editorial internacional do WSWS e secretário nacional do Partido da Igualdade Socialista da Austrália. Publicaremos este relato em 4 partes. A parte 1 foi publicada em inglês em 4 de outubro.

À medida que a crise financeira se desenrola, ouvimos esta frase com cada vez mais frequência: a privatização dos lucros e a socialização das perdas. Isso não é apenas um resumo eficiente do que está acontecendo, mas aponta de forma mais ampla para as questões políticas que serão disputadas no próximo período.

A pergunta é inevitável: no interesse de quem será feita a reorganização econômica da sociedade? Por que os recursos sociais devem ser utilizados para resgatar a pequena minoria de milionários, aqueles que se beneficiam das operações do sistema financeiro?

Se é necessário haver socialização das perdas — se os custos devem ser bancados pela sociedade como um todo — então por que não socializar os lucros também? Ou, colocando de outra forma, por que não transformar todo o sistema financeiro e bancário em propriedade pública, para ser controlado e organizado nos interesses da sociedade como um todo.

A razão por trás da imensa operação de resgate é que sem ela um colapso econômico de proporções verdadeiramente inéditas ocorreria. O investidor bilionário Warren Buffet, por exemplo, alertou sobre "a maior catástrofe da história americana."

Desse modo, argumenta-se que este não é de fato o resgate dos super-ricos, mas a defesa dos interesses econômicos da população como um todo.

Um artigo do Wall Street Journal descreveu a cena de 17 de setembro, quando foi tomada a decisão de avançar para a compra dos ativos podres do sistema financeiro pelo governo.

"Aconchegado em seu escritório com seus maiores acessores, o secretário do tesouro Henry Paulson assistia com alarme a seu terminal de dados financeiros enquanto um mercado após outro começava a ficar desordenado. Investidores fugiam de fundos mútuos do mercado monetário há tempos considerados ultra-seguros. O mercado congelou para os empréstimos a curto prazo nos quais os bancos apoiavam-se para financiar seus negócios diários. Sem tais mecanismos, a economia se destroçaria até estacionar. Em breve, os consumidores entrariam em pânico." [Wall Street Journal September 20, 2008].

Até quinta-feira, 18 de setembro, uma catástrofe financeira estava por vir.

Mas isso apenas levanta a questão que nós colocamos de uma maneira ainda mais forte. Por quanto tempo é possível continuarmos com a atual ordem econômica? Já é certamente tempo de pôr um fim num sistema econômico e social cujas operações, baseadas no mercado capitalista e na busca cruel pelo lucro, ameaça causar devastação econômica sobre o povo dos Estados Unidos e a classe trabalhadora de todo o mundo.

E se é necessário que todos os recursos disponíveis sejam mobilizados para prevenir uma catástrofe, então certamente é duas vezes mais necessário que estes recursos sejam tirados das mãos daqueles que criaram o desastre em primeiro lugar, e que sejam colocados sob o controle democrático da classe trabalhadora, cujo trabalho — intelectual e braçal — os criou.

A crise financeira americana certamente balançou os mitos e mantras do mercado que cumpriram tal papel ideológico para a classe capitalista nas últimas três décadas.

Assim que reivindicações por melhorias nos serviços públicos, saúde, educação, infra-estrutura e outras exigências da vida moderna surgiram, foi levantado o seguinte: o Estado forte não é a solução! Os problemas não podem ser resolvidos injetando dinheiro neles! Os recursos não estão disponíveis para atender tais necessidades! Os usuários pagando, e não o fornecimento de serviços e facilidades públicas, é o único programa viável para o futuro.

Esses chavões já estão bem destruídos, e o interesse de classe que eles servem, bem expostos. Grande governo? Só o céu é o limite quando se considera a defesa dos interesses da plutocracia.

O declínio histórico do capitalismo americano

Esta crise, no entanto, fez muito mais do que destruir os fundamentos ideológicos do "livre mercado" das últimas três décadas. Ela deixou claro que os fundamentos econômicos sobre os quais o capitalismo mundial se apoiava desde após a Segunda Guerra, à qual seguiram-se quase quatro décadas de reviravolta política e econômica, atingiram um estágio bem avançado de desintegração.

Se revermos o século XX como um todo, principalmente os últimos 60 anos, fica claro que o principal fator objetivo na sobrevivência do capitalismo até este ponto tem sido a força do capitalismo americano.

Nosso movimento, a Quarta Internacional, expôs o crucial papel político desempenhado pelas velhas lideranças da classe trabalhadora — os partidos comunistas stalinistas, os partidos social-democratas e trabalhistas e as direções sindicais, juntamente com seus epígonos e defensores entre os grupos radicais de pequena-burguesia — na sustentação das classes dominantes capitalistas.

O programa de fundação da Quarta Internacional começa desta forma: "A situação política mundial no seu conjunto caracteriza-se, antes de mais nada, pela crise histórica da direção do proletariado... As premissas objetivas da revolução proletária não estão somente maduras: elas comaçam a apodrecer. Sem a vitória da revolução socialista no próximo período histórico, toda a civilização humana está ameaçada de ser conduzida a uma catástrofe. Tudo depende do proletariado, ou seja, antes de mais nada, de sua vanguarda revolucionária. A crise histórica da humanidade reduz-se à crise da direção revolucionária."

Essas palavras permanecem tão verdadeiras hoje quanto quando foram escritas 70 anos atrás. O que explica a sobrevivência do capitalismo desde então? Nosso movimento foi fundado sobre a mais profunda consideração do papel do "fator subjetivo" — o papel da direção revolucionária no processo histórico. E não há dúvidas de que o capitalismo apenas sobreviveu devido às traições das direções da classe trabalhadora.

Não somos, no entanto, subjetivistas históricos. Revoluções só tornam-se possíveis sob certas condições objetivas definidas, as quais são produzidas pelo desenvolvimento histórico do capitalismo e pelo trabalho sobre as contradições internas a ele.

Não há dúvidas de que os poderosos processos objetivos tornaram possível a sobrevivência do capitalismo após a Segunda Guerra, tanto após os levantes revolucionários que a precederam como após aqueles que a seguiram. O principal dentre estes fatores tem sido a força do capitalismo americano, que providenciou o fundamento econômico essencial para a estabilidade da ordem capitalista mundial nas últimas seis décadas.

É por isso que esta crise tem tamanhas implicações revolucionárias: ela significa o declínio histórico, a decadência e a desintegração do capitalismo americano. Ela significa a abertura de uma nova época revolucionária, para a qual tanto a IV Internacional quanto a classe trabalhadora devem preparar-se.

Os defensores ideológicos da ordem capitalista compreendem quase de maneira instintiva, semi-consciente, o significado do papel do capitalismo americano. Essa é a razão pela qual eles insistem que, apesar de esta ser a maior crise desde a Grande Depressão, "o mundo não acabou".

Deixe-me ilustrar este ponto referindo-me a um artigo recente escrito pelo editor associado e principal comentador econômico do jornal Times de Londres, Anatole Kaletsky, publicado no Australian no dia 9 de setembro, dois ou três dias após a divulgação do plano de U$ 85 bilhões para resgatar as gigantes hipotecárias, Freddie Mac e Fannie Mae.

Kaletsky abre seu artigo desta forma: "Será esta, então, a "Grande", a monstruosa reviravolta, geralmente acompanhada de algum tipo de ajuda governamental que normalmente delimita o ponto mais baixo de cada grande crise financeira? Em termos de escala não se pode haver dúvidas. O resgate da Fannie Mae e Freddie Mac... é dez vezes maior do que qualquer intervenção governamental anterior sobre qualquer mercado financeiro em qualquer lugar do mundo."

Sua conclusão foi: "Se este programa não é suficiente para colocar a economia americana e o sistema financeiro de volta sobre seus pés, é difícil imaginar o que poderia. Qualquer um que aposte contra esse pacote está, portanto, apostando que a economia americana está condenada ao declínio irreversível e inevitável. Tal aposta sempre deu errado no passado e é provavel que também dê errado desta vez. A de domingo foi provavelmente a "grande" — e a recuperação econômica americana está reassegurada."

O mínimo que se pode dizer é que as afirmações do sr. Kaletsky eram um pouco prematuras, dado o que se passou nas próximas duas semanas. Se o resgate Fannie-Freddie foi dez vezes maior do que qualquer um já feito antes, então as operações atuais são no mínimo 90 vezes isso!

O importante aqui não é tanto a previsão em si, mas a razão pela qual ela estava tão longe do acerto. O sr. Kaletsky tomou como dada a permanência do capitalismo americano e sua dominação global. O crucial para o cenário econômico e político dos últimos 60 anos — um período que engloba a vida da maioria da população atual e, de fato, uma proporção considerável das pessoas que já viveram sobre este planeta — é que nada mais é impensável. Como sempre, o pensamento sempre está a uma boa distância de atraso dos processos objetivos.

O colapso do capitalismo americano — como isso poderia ser possível? Porém, está acontecendo e significa a abertura de uma nova época histórica, onde muitas instituições antigas e aparentemente eternas tanto da esfera econômica quanto política passarão por mudanças inimagináveis. A partir disso, novas relações e possibilidades políticas surgirão.

Nixon e Bretton Woods

Antes de deixarmos o sr. Kaletsky e seus companheiros especialistas, precisamos analisar um pouco mais suas observações, para esclarecer como chegamos a esse ponto. Kaletsky defende que qualquer aposta na derrota dos EUA teria sido errada no passado, e está errada agora.

Deixe-nos examinar essa questão historicamente, a começar pela Grande Depressão. Como ela foi superada? Não pelas atividades do governo americano de Roosevelt e seu New Deal em 1930. As medidas que Roosevelt implementou falharam e, em 1937-38, o capitalismo americano se movia para o buraco tão rapidamente quanto em 1932.

A falência das medidas do New Deal levou parte dos principais setores da elite política americana a certas conclusões de longo alcance. Ao final da década de 30, haviam chegado à conclusão de que a única forma de superação da crise seria reconstruir a economia mundial.

As velhas divisões, os velhos impérios e blocos deveriam ser quebrados para criarem as condições necessárias para o reavivamento do mercado mundial assim como o fluxo livre de produtos e capital, tão essencial para a expansão do capitalismo americano e mundial. Esse foi o programa com o qual, no sentido mais fundamental, os Estados Unidos lutaram na guerra. Como Leon Trotsky explicara em 1934: "O capitalismo americano enfrenta os mesmos problemas que empurraram a Alemanha ao caminho da guerra em 1914. O mundo está dividido? Ele deve ser redividido. Para a Alemanha era uma questão de ‘organizar a Europa'. Os Estados Unidos devem ‘organizar' o mundo."

Após a Guerra, as traições do stalinismo na Europa (quando os partidos comunistas juntaram-se aos governos na Itália e França) criaram as condições para os EUA estabelecerem sua hegemonia e reorganizar o capitalismo mundial sobre novas bases. O acordo de Bretton Woods de 1944 estabeleceu um novo sistema monetário internacional e lançou as bases para uma expansão no comércio mundial. O Plano Marshall de 1947 reconstruiu as economias americanas e lançou as bases para o desenvolvimento dos sistemas de produção de linha de montagem na Europa. Junto a isso, essas medidas estabeleceram os fundamentos para o crescimento da economia capitalista do pós-guerra.

Esta reestruturação pós-guerra sob a hegemonia dos EUA abriu caminho para um novo aprimoramento capitalista. Parecia a aurora de uma era de ouro. Os ideólogos da burguesia, ecoados nos politicos trabalhistas e social-democratas, assim como as burocracias sindicais, proclamaram que as lições da Grande Depressão haviam sido dadas. Era possível, insistiam, regular o sistema capitalista. Os marxistas apocalípticos estavam errados: o capitalismo não foi afundado por nenhuma contradição.

A história, no entanto, mostraria rapidamente que tais contradições de fato existiam e que estavam longe de serem superadas. Elas manifestaram-se na crescente turbulência econômica que começou a desenvolver-se nos anos 60. Ao final desta década, os EUA estavam trabalhando com uma balança de déficits cada vez maior, e, em 1971, pela primeira vez após a Primeira Guerra, com uma balança comercial deficitária.

Sob o sistema monetário de Bretton Woods, os valores das maiores moedas mundiais foram fixados em relação ao dólar americano, que tinha, por sua vez, lastro no ouro, resgatável em U$ 35 por onça. Mas no começo da década de 70, a quantia de dólares em circulação no resto do mundo era muito maior do que os estoques de ouro guardados nos EUA. A própria expansão do comércio mundial havia minado o sistema monetário no qual a expansão baseava-se.

Para preserver o sistema Bretton Woods seria necessária uma redução nos gastos americanos no exterior, tanto de investimento quanto militares — a guerra no Vietnã estava em seu auge — e a imposição de condições de recessão em casa. O governo americano não estava preparado para tomar nenhuma dessas medidas. A outra alternativa era forjar um novo sistema de relações monetárias internacionais que reconhecesse a redução do poder econômico relativo dos EUA, assim como o ressurgimento do Japão e Europa. Isso também foi rejeitado.

O governo Nixon decidiu tomar um outro curso, destinado a preservar a supremacia dos EUA. Em agosto de 1971, acabou com o lastro ouro do dólar americano. Em 1973, o sistema de relações cambiais fixadas foi abandonado e, no ano seguinte, mecanismos que haviam sido postos em prática para regular o movimento internacional do capital financeiro foram também abandonados.

Continua