Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 11 de janeiro de 2008 .
O depoimento seguinte foi dado por David North, secretário
nacional do SEP dos EUA, em um encontro nacional que ocorreu nos
dias 5 e 6 de janeiro em Ann Arbor, Michigan.
1. 2008 será caracterizado pela intensificação
significativa da crise econômica e política do sistema
capitalista mundial. A turbulência nos mercados financeiros
mundiais é expressão não meramente de uma
crise conjuntural, mas muito mais de uma profunda crise sistêmica
que já começa a desestabilizar a política
internacional. Como sempre, os elos mais fracos na cadeia da geo-política
imperialista são os primeiros a se romper. O assassinato
de Benazir Bhutto no Paquistão, a erupção
de guerras civis no Congo e Quênia e o aprofundamento das
tensões nos Balcãs sobre Kosovo, são indicativos
do crescente estado explosivo da política mundial.
2. Dezesseis anos após a dissolução da
União Soviética, um evento que supostamente assinalava
o definitivo e irreversível triunfo do capitalismo global,
a economia mundial está em frangalhos. A explosão
da bolha do mercado imobiliário nos EUA, que havia sido
alimentada pelo descontrole nos investimentos especulativos nas
hipotecas tipo subprime, resultou na perda global de centenas
de bilhões de dólares para os bancos internacionais
e outras instituições financeiras. A turva sopa
de letrinhas dos instrumentos financeirosi.e. SIVs (Veículos
de Investimentos Estruturados), CDOs (Collateralizad Debt Obligations),
etchavia sido inventada como forma de segurar as hipotecas
do subprime, ocultar seu caráter dúbio e pulverizar
o risco entre um gigantesco número de instituições
financeiras. O resultado é uma crise financeira internacional
que, nas palavras de um analista, pôs em xeque a legitimidade
do sistema anglo-americano de capitalismo. O Financial Times
escreve que a fé nas inovações financeiras
do século XXI se evaporou. Os acontecimentos do último
ano mostraram com brutal clareza que a dispersão do risco
nem sempre previne choques financeiros, mas que ao invés
disso pode ser seu combustível... (2 de janeiro de
2008)
3. Que a atual situação econômica é
extremamente séria não está mais em discussão
entre os analistas burgueses. Os mais astutos e francos entre
eles reconhecem que ainda há dados insuficientes a respeito
da extensão das perdas finaceiras e seu impacto sobre os
amplos setores da economia americana e mundial para realizar previsões
firmes sobre as consequências reais da crise que continua
se desenrolando. Com a compreensão de que bilhões
de dólares em títulos deverão ser riscados
e considerados perdas irrecuperáveis, a confiança
das instituições financeiras na solvência
mútua foi fortemente abalada. Logo, já se reconhece
amplamente que os mesmos tipos de práticas de empréstimos
que criaram a bolha imobiliária, foram aplicados em outros
setores da economia americana. Existe um temor crescente de que
a recessão americana possa expor a inconsequência
nos empréstimos corporativos. Mas nessa situação
tensa, esperanças iniciais de que o impacto do colapso
nos preços de habitação na economia americana
será contido estão se dissipando rapidamente. A
América entrou em 2008, escreve o Financial Times,
com perigo de recessão ainda maior do que em qualquer
outra época desde o colapso da bolha da internet em 2000-01.
Assim, a maior economia do mundo luta para manter sua taxa de
crescimento diante das limitações sobre o crédito,
crise imobiliária e alta dos preços do petróleo.
(2 de janeiro de 2008)
4. Outro importante estudo econômico conclui: até
onde vai a crise do crédito, parece haver amplo acordo
de que, somando todos os fatores, a atual crise já é
mais séria do que qualquer outra que já ocorreu
nos tempos modernos. Os principais bancos e suas instituições
financeiras ainda divulgam perdas gigantescas quase diariamente,
como resultado da prática de realizar empréstimos
de modo imprudente. Os preços imobiliários estão
despencando. Existe um sentimento geral de que haverá uma
deterioração ainda maior, já que muitos outros
que contraíram empréstimos do sub-prime sofrerão
pressões ainda maiores assim que as taxas iniciais que
eles pagaram aumentarem nesse novo ano. Strategy Analysis,
novembro de 2007, Levy Institute of Bard College p.9)
5. Uma crise na economia do EUA tem implicações
diretas e imediatas. O Fundo Monetário Internacional alerta
que para os mercados domésticos da Europa ocidental
e Japão os riscos sofreram uma virada negativa como
resultado do contágio emanando dos Estados
Unidos. (World Economic Outlook, outubro de 2007, p.11) O FMI
afirma também que a continuidade da turbulência
nos mercados financeiros globais poderia interromper os fluxos
financeiros para mercados emergentes e engatilhar problemas nos
mercados domésticos... O crescimento [na Ásia e
América Latina] estaria vulnerável ao efeito do
crescimento agregado mais lento nas economias avançadas...
[ibidem, p.19]
6. Dentro dos Estados Unidos, a crise na indústria imobiliária
é, antes de mais nada, um desastre social para milhões
de famílias proletárias e da classe média.
É esperado que ao menos 1 milhão de famílias
irá perder suas casas devido a execução de
hipotecas nos próximos 2 anos. Outros milhões que
ainda não estão imediatamente ameaçados com
as hipotecas estão sendo seriamente afetados pela crise.
Em diversas partes do país é esperada queda de 25%
ou mais no preço das casas. Quedas dessa magnitude devem
ter um efeito devastador sobre as finanças pessoais das
famílias da classe trabalhadora. É sabido que os
empréstimos hipotecários têm exercido um papel
crucial na suplementação da renda ou dos salários
das famílias proletárias e de classe média.
Esses empréstimos têm sido usados para financiar
a educação dos filhos, pagar contas médicas
e atender a outras necessidades urgentes. Essa fonte de renda
adicional não estará mais disponível para
milhões de pessoas.
7. Assim, o colapso nos preços de imóveis priva
amplas massas de trabalhadores americanos de um dos principais
meios através do qual elas vêm procurando contrabalançar
a alta das despesas criada por 3 décadas e meia de estagnação
dos salários. A renda de um trabalhador masculino por volta
dos 30 anos é agora 12% mais baixa do que a de um trabalhador
da mesma idade em 1978. Como observou o ex-secretário do
Trabalho Robert Reich, os mecanismos que têm
sido empregados para lidar com a deflação na renda
têm sido a inserção massiva das mulheres na
força de trabalho (de 38% em 1970 para 70% hoje), e a adição
de duas semanas na jornada de trabalho anual. Americanos trabalham
em média 350 horas a mais do que o europeu. Na virada do
século XXI, quando os trabalhadores já alcançaram
os limites físicos de sua habilidade para fazer dinheiro
através do trabalho, eles passaram a depender mais e mais
de empréstimos, usando suas casas como garantia. Agora
que esse meio de preencher a distância cada vez maior entre
a renda e as necessidades desaparece, milhões se deparam
com o espectro de queda num abismo financeiro. Já durante
a primeira metade de 2007, falências de pessoas nos Estados
Unidos aumentaram 48%. A dimensão dessa situação
em que os trabalhadores são extraídos ao seu limite
financeiro é demonstrada pelo fato de que 27 milhões
de trabalhadores precisarão contrair empréstimos
nesse inverno simplesmente para poder pagar suas contas de aquecimento.
Mas o uso de cartões de crédito está se tornando
tão problemático quanto as hipotecas de imóveis.
No momento em que todos os meios tradicionais e individualistas
para combater a inexorável realidade econômica desaparecem,
a classe trabalhadora é forçada a se voltar para
o único meio através do qual pode se defenderaquele
da luta social e política, coletiva e consciente, contra
o sistema capitalista.
8. O caráter revolucionário e as consequências
da luta da classe trabalhadora são determinados acima de
tudo pela natureza objetiva da crise do sistema capitalista global.
Como já colocado anteriormente, a crise em expansão
é de caráter sistêmico. Pela terceira vez
em uma década, a economia mundial está sendo sacudida
pelo estouro de uma bolha da massiva especulação
financeira. A crise financeira do Leste Asiático, que irrompeu
no verão de 1997, englobou as aconomias da Tailândia,
Malásia, Indonésia, Coréia do Sul, Filipinas
e Cingapura e chegou perto de encadear uma quebra financeira internacional.
Isso foi impedido apenas por contra-medidas massivas do FMI, que
distribuiu bilhões de dólares em socorro monetário
para prevenir uma série de cataclismas nacionais. A vulnerabilidade
do mercado acionário americano à crise asiática
se refletiu em Wall Street. Em apenas um dia, o dia 27 de outubro
de 1997, o índice Dow Jones caiu 554 pontos (7,2%) em resposta
à crise no mercado asiático.
9. A tendência persistente de surgimento de bolhas especulativas
surge de contradições profundamente enraizadas no
desenvolvimento do sistema capitalista mundial, atreladas ao declínio
histórico da posição global do capitalismo
americano. O declínio a longo prazo da lucratividade da
indústria instalada nos EUA propeliu a busca das instituições
financeiras por fontes alternativas de aumentar o retorno dos
investimentos. A existência da elite dirigente americana
tem se caracterizado, ao longo dos últimos 30 anos, pela
ainda mais ampla separação do processo de acumulação
da sua riqueza dos processos de produção industrial.
Esta interessa a essa elite dirigente apenas onde a disponibilidade
de mão de obra barata provém a possibilidade de
garantir uma taxa de lucro grande o suficiente para satisfazer
a sua demanda
10. O caráter parasitário da elite dirigente
americana é inextrincavelmente ligado à extrema
intensificação do militarismo. Em última
análise, as guerras no Iraque e Afeganistão, ao
mesmo tempo que exploravam os eventos de 11 de setembro como um
pretexto, saíram do controle da classe dirigente para manter
a posição hegemônica global dos Estados Unidos.
A doutrina da guerra preventiva, revelada pelo governo Bush em
2002, continua ativa. Os desafios geo-políticos e econômicos
colocados pela existência de rivais emergente devem ser
respondidos através do exercício do poder militar.
As derrotas sofridas no Iraque, longe de diminuírem o impulso
ofensivo do imperialismo americano, criaram novos imperativos
para a manutenção do poderio dos EUA. As ameaças
contra o Irã têm aumentado em resposta à fragilidade
da posição americana no Iraque.
11. Quanto à guerra no Iraque, a ligeira redução
na violência no país não significa que a empreitada
de Bush obteve sucesso, ou que a guerra está chegando ao
seu fim. De certa forma, a diminuição temporária
na violência reflete o grau a que chegou a limpeza
étnica- o produto da invasão dos EUA -nos
bairros do Iraque. Há também o efeito do número
massivo de mortes que já ocorreram no Iraque. Mas a conseqüência
da invasão dos EUA tem sido uma tremenda intensificação
das contradições sociais e políticas no país
e região. O conflito crescente entre a Turquia e curdos
do Iraque ameaça se transformar a qualquer momento em uma
guerra. De qualquer forma - apesar do desenvolvimento de um poderoso
movimento anti-guerra da classe trabalhadora americana e internacional
- não há qualquer prospecto para a retirada das
tropas americanas do Iraque num futuro próximo. Como observou
a escritora Nir Rosen em artigo recente no periódico Current
History, a ofensiva americana é apenas uma forma
de jogar o problema do Iraque para a próxima administração,
mas a verdade é que os soldados americanos não deixarão
o Iraque nunca. As grandes bases na província de Anbar,
tais como Al Assad e Taqadum, foram feitas para durar - uma
presença duradoura, como um fuzileiro me disse. Localizadas
no meio do deserto, virtualmente invencíveis e apenas ocasionalmente
atingidas por morteiros, essas bases permanecerão por décadas.
[dezembro de 2007, p.413]
Durante os cinco anos que passaram desde a invasão do
Iraque, a posição estratégica dos Estados
Unidos tem se deteriorado. Particularmente na Ásia Central,
cuja dominação é considerada por Washington
como central para o seu projeto de hegemonia global, os Estados
Unidos são confrontados com um ambiente ainda mais desafiador.
O renascimento da influência russa na região e a
contínua expansão econômica da Índia
e China são vistos como um possível refreamento
nas ambições imperialistas dos EUA.
13. Para os estrategistas do imperialismo americano, a questão
da China cresce a cada dia. O progressivo crescimento da força
econômica chinesa - que deverá assumir uma forma
ainda mais militarizada - é visto amplamente como incompatível
com os interesses globais dos Estados Unidos. A recente formação
do Centro Militar Americano para a África - AFRICOM - é
uma resposta direta à crescente influência que a
China vem exercendo sobre esse continente. Mas, os conflitos entre
a China e os Estados Unidos pela influência no leste asiático
são repletos de uma tensão ainda maior e mais imediata.
Como escreveu o especialista em política externa Christopher
Layne, se os Estados Unidos tentarem manter sua atual dominação
sobre o leste da Ásia, um conflito sino-americano é
praticamente certo, porque as estratégias dos EUA incorporaram
o instrumento da violência antecipatória como um
instrumento para manter a primazia americana. Para um país
hegemônico, estrangular o bebê no berço
pelo ataque preventivo a um adversário em ascensão
- isto é, enquanto o país hegemônico ainda
mantém o predomínio militar - sempre foi uma opção
estratégica tentadora. [Current History, janeiro
de 2008, pp. 16-17]
14. A opção pela guerra se ergue inexoravelmente
das ambições e dos interesses geo-políticos
globais da burguesia americana. Mas ela também é
o produto do estado cada vez mais maligno das relações
sociais dentro dos Estados Unidos. O crescimento nos níveis
de desigualdade econômica nas últimas três
décadas significou a construção de tensões
sociais extremadas sob a superfície da vida política
oficial e fora dos canais do discurso público sancionado
pela mídia. O militarismo imperialista está entre
os mais importantes instrumentos políticos empregados pelas
elites dirigentes para impedir que as tensões sociais assumam
a forma de conflito de classe no seu próprio país.
15. Estudos recentes de Edward N. Wolff, do Levy Economics
Institute of Bard College, documentam os níveis extremos
de desigualdade social nos Estados Unidos. As estatísticas
referentes à distribuição da riqueza e renda
revelam o grau extraordinário de separação
social. Os principais 1% da população detém
34,3% dos negócios domésticos nos EUA. Os 4% seguintes
detém 24,6%, e os 5% seguintes detém 12,3%. No total,
os 10% mais ricos da população detém 71%
da riqueza nacional doméstica. Os 10% seguintes detém
apenas 13,4% da riqueza. E os 80% da base detém apenas
15,3% da riqueza. Os 40% da base dos negócios domésticos
detém apenas 0,2% da riqueza!
16. Quando a riqueza não imobiliária é
considerada, a estratificação é ainda maior.
Os principais 1% das famílias possuem 42,2% da riqueza
não imobiliária. Os principais 10% detém
pouco menos de 80% dela. Os 80% da base detém 7,5% da riqueza
não imobiliária. Os 40% mais pobres possuem apenas
1,1%.
17. Considerando a renda, os principais 1% recebem 20% do total.
Os principais 10%, por sua vez, recebem 45% do total da renda.
Os 80% da base recebem 41,4%. Os 40% mais pobres recebem apenas
10,1% da renda.
18.Outro conjunto estatístico extremamente interessante
diz respeito à condição financeira de famílias
localizados nos 3 quintos intermediários (80-60, 60-40,
40-20). Suas casas representam 66.1% de sua riqueza pessoal. Ativos
líquidos representam apenas 8,5% de sua riqueza. Instrumentos
de investimentos (ações, apólices, economias,
etc) representam apenas 4,2%. Esses dados deixam bastante claro
como a situação geral dos 3 quintos intermediários
depende do valor de suas casas e das condições gerais
do mercado imobiliário.
19. Esse fato torna ainda mais significativo o grande aumento
na inadimplência dessas seções da classe trabalhadora
e da classe média. Em 1983, o DB/O (debt to equity ratio)
desses setores era de 37,4%. Em 2004, ele já havia aumentado
para 61,6%. Em 1983 a porcentagem da renda mensal desses setores
comprometida com hipotecas era de 66,9%. Em 2004, aumentara para
141,2%! Em 1983, a dívida hipotecária desses 3 quintos
correspondia a 28,8% do valor da casa. Em 2004, a dívida
havia se elevado para 47,6%.
20. Um último conjunto de estatísticas: em 2004,
de acordo com Wolff, os 1% mais ricos detinham cerca de
metade de todas as ações de destaque, títulos
financeiros, investimentos e ações de empresas.
O grupo de 10% das principais famílias detinha de 80 a
85% das ações na bolsa, títulos, fundos de
investimento, negócios e imóveis para alugar não-comerciais.
Além disso, apesar do fato de que 49% dos lares pussuírem
ações da bolsa tanto direta quanto indiretamente,
através de fundos mútuos, investimentos, várias
contas de pensão, os 10% mais ricos detinham 79% do valor
total dessas ações e fundos mútuos.
[Rising Trends in Household Wealth in the United States:
Rising Debt and the Middle-Class Squeeze, junho de 2007,
p.25]
21. Quais as implicações políticas dessas
estatísticas? A profunda estratificação da
sociedade americana ao longo das últimas 3 décadas
está rapidamente chegando ao ponto do aberto e violento
conflito de classes. O enferrujado sistema político americano,
administrado por 2 partidos políticos que servem de instrumento
para a implementação dos interesses da plutocracia
dirigente, é organicamente incapaz de responder de forma
progressista e credível às demandas do povo por
uma mudança social significativa. Em última análise,
a demanda por mudanças sociais, ainda que de caráter
reformista, esbarram na obstinada determinação da
elite dominante de defender sua opulência e privilégios
sociais.
22. A eleição fraudulenta de 2000 - como advertiram
o SEP e o World Socialist Web Site na época - representou
um marco histórico na degeneração da democracia
americana. A disposição do Partido Democrata em
aceitar o roubo nas eleições demonstrou que nenhuma
parcela significativa da classe capitalista americana mantinha
interesse na defesa das instituições tradicionais
da democracia burguesa. Tudo o que aconteceu desde a eleição
veio reafirmar esse julgamento. A totalidade das violações
dos princípios democráticos e constitucionais conduzidas
sob a máscara da guerra contra o terror pós
11 de setembro - nas quais tanto republicanos quanto democratas
são cúmplices -representa a mais descarada preparação
para formas ditatoriais de domínio de classe. Essas não
são aberrações, mas surgiram de uma cada
vez mais profunda polarização social que hoje é,
em última análise, incompatível com a manutenção
das formas tradicionais da democracia americana. Deveria servir
de aviso que a prática do enhanced interrogation-
i.e. tortura - é uma tradução na língua
inglesa para um procedimento que a Gestapo de Hitler chamava verschärfte
Verhemung.
23. Independentemente de quem é nomeado pelos partidos
burgueses e eleito presidente, a lógica dos desenvolvimentos
políticos e sociais está inexoravelmente levando
a uma intensificação dos conflitos de classe. Dessa
forma, a estendida deterioração na posição
social e no padrão de vida da classe trabalhadora, a sua
sempre decrescente participação na riqueza da sociedade,
a implacável intensificação da exploração
por aqueles que possuem e controlam os meios de produção,
lançaram as bases para uma profunda mudança na orientação
política e na fidelidade da classe trabalhadora. Aqueles
que falham em ver ou mesmo que negam que as profundas mudanças
na vida econômica nos últimos 30 anos deixaram marcas
profundas na consciência social da classe trabalhadora americana,
expõe não apenas seu ceticismo desmoralizado, mas
também sua ignorância em história. De fato,
a ausência de conflito aberto de classe durante o último
quarto de século se coloca em forte contradição
com o padrão geral da história americana. Mas esse
prolongado período de quietude social, enraizado numa trama
de complexos processos econômicos e políticos de
interação nacional e, acima de tudo, internacional,
está agora alcançando seu fim. A tarefa central
do Socialist Equality Party em 2008 é se preparar em todos
os aspectos -teórico, político e de organização
- para os desafios colocados pela erupção do conflito
de classes.
24. Um aspecto importante dessa preparação é
a revisão das lições aprendidas no passado
em períodos de reviravolta revolucionária. Esse
ano marca o 40º aniversário de 1968, ano caracterizado
por lutas explosivas internacionalmente e nos Estados Unidos.
Os acontecimentos daquele ano puseram em movimento um prolongado
período de luta revolucionária internacional e intensos
conflitos de classe dentro dos Estados Unidos. Significativamente,
as erupções políticas de 1968, foram antecipadas
e então se desenvolveram tendo como pano de fundo as crescentes
tensões na economia mundial. A desvalorização
da Libra britânica em novembro de 1967, seguida pela instabilidade
do mercado do ouro europeu em março de 1968, foi o presságio
da quebra do sistema de Bretton Woods, em 1971, sobre o qual a
reconstrução do capitalismo internacional pós-Segunda
Guerra e o papel dominante dos Estados Unidos eram baseados.
25. Repassemos brevemente os eventos daquele ano: no fim de
janeiro, o governo do Vietnã do Norte iniciou sua histórica
Tet Offensive, que desacreditou completamente as alegações
do governo Johnson e do Pentágono de que os Estados Unidos
estavam ganhando a guerra. O secretário de defesa Robert
McNamara se demitiu e uma luta interna feroz irrompeu dentro do
governo sobre sua política no Vietnã. Também
em janeiro o arqui-stalinista Antonin Novotny foi substituído
no cargo de premiê da Tchecoslováquia por Alexander
Dubcek, pondo em movimento o que viria a ser conhecido como a
Primavera de Praga. Em fevereiro Lyndon Johnson quase
derrotou o Senador Eugene McCarthy nas prévias de New Hampshire,
um evento que foi interpretado como uma enorme derrota política
para o presidente em exercício. Em março, o Senador
Robert Kennedy anunciou que iria desafiar Johnson para a indicação.
Duas semanas depois, Johnson anunciou tanto sua vontade de iniciar
conversações de paz com o Vietnã do Norte
quanto sua decisão de concorrer à reeleição.
No dia 4 de abril Martin Luther King foi assassinado em Memphis
e conflitos irromperam em cidades por todos os Estados Unidos.
Em maio, a violenta supressão dos protestos estudantis
na Universidade Sorbonne de Paris levou à greve geral da
classe trabalhadora francesa que paralisou o governo DeGaulle
e trouxe o país à beira de revolução
socialista. No dia 5 de junho, o Senador Robert Kennedy foi assassinado
em Los Angeles. Em agosto, a convenção dos democratas
em Chicago foi marcada por protestos anti-guerra, que o Major
Richard Daley procurou suprimir através de violência
policial. Na mesma semana tanques soviéticos entraram na
Tchecoslováquia e restauraram o controle linha-dura stalinista.
Em novembro, Richard Nixon foi eleito presidente.
26. Os acontecimentos de 1968 marcaram apenas o início
de uma massiva ascensão global da luta de classes que persistiu
por aproximadamente uma década. Em todos os continentes
a luta das massas era a regra, não a exceção.
A mais significativa característica desse período
foi o desenvolvimento paralelo de movimentos revolucionários
tanto nos menos desenvolvidos como nos mais avançados países
capitalistas. Condições pré-revolucionárias
ou revolucionárias surgiram na Bolívia, Chile, Argentina,
Itália, França, Grã-Bretanha, Portugal, Grécia
e Espanha. Dentro dos Estados Unidos, a força predominante
nas lutas sociais durante o período não foram os
estudantes, mas a classe trabalhadora. Com exceção
de 1973 e 1976 o número de trabalhadores envolvidos em
grandes greves nunca caiu abaixo de 1 milhão entre os anos
de 1967 e 1979. Em 1970 e 1971 o número de trabalhadores
envolvidos em greves era de 2,4 milhões e 2,5 milhões,
respectivamente. Na Inglaterra, as greves de mineradores em 1973-74
forçaram o governo conservador de Edward Heath à
renúncia.
27. A que então se pode atribuir a sobrevivência
do sistema capitalista mesmo durante esse período de tumultuadas
lutas sociais? Do ponto de vista político, o principal
motivo para a sobrevivência do capitalismo pode ser encontrado
nas políticas contra-revolucionárias dos governos,
partidos e burocracia sindical stalinistas e social-democratas,
que fizeram de tudo em seu poder para sabotar as lutas revolucionárias
da classe trabalhadora. Além do mais, os partidos e organizações
pablistas, que já haviam rompido com a IV Internacional
nos anos 50 e início do 60, desempenharam um papel destrutivo
encobrindo a traição política dos stalinistas
e social-democratas e canalizando as lutas de massa para protestos
políticos impotentes. Nesse projeto, os pablistas trabalharam
de braços dados com as organizações denominadas
de Nova Esquerda, cujas principais características eram
o desdém pela classe trabalhadora, indiferença às
lições da História, hostilidade para com
a teoria marxista e ódio amargo pelo trotskismo.
28. A traição política dessas forças
foi apoiada por fatores objetivos substanciais, dentre os quais
o mais significativo foi a posição mundial ainda
dominante do capitalismo americano. O dólar funcionava
como o eixo da economia capitalista mundial, com conversão
para o ouro à taxa de US$ 35 por onça. Mas política
e economicamente, o mundo em 2008 é muito diferente daquele
existente 40 anos atrás. O principal credor do mundo se
tornou sua mais endividada das nações. O dólar
americano, cujo valor nos mercados internacionais é apenas
uma fração do que era durante a era de Bretton Woods,
perdeu virtualmente toda credibilidade como uma moeda de reserva
mundial. A substituição pelo Euro ou por um punhado
de moedas internacionais, um desenrolar que é apenas inevitável,
irá apenas confirmar o que já começa a aparecer
- que a era da dominação global do capitalismo americano
chegou ao seu fim. Logo, as extraordinárias mudanças
tecnológicas que estão por trás dos processos
conhecidos como globalização são
profundamente revolucionárias em suas implicações.
As últimas três décadas testemunharam uma
imensa expansão mundial nas forças da classe trabalhadora
internacional. Seu poder social e habilidade em potencial para
reorganizar a economia mundial nos moldes socialistas - isto é,
para o propósito conscientemente direcionado de acabar
com a pobreza e exploração e servindo às
necessidades da humanidade - é maior do que em qualquer
período anterior da história.
29. O Socialist Equality Party, em solidariedade política
ao Comitê Internacional da IV Internacional, antecipa confiantemente
o ressurgimento das lutas da classe trabalhadora. Nós estamos
convencidos de que a crise objetiva do sistema capitalista dará
o impulso para a irrupção da classe trabalhadora
americana e internacional. Mas a irrupção que está
por vir não irá resolver automaticamente o problema
que é desenvolver a consciência socialista.
30. Como as lutas iniciais da classe trabalhadora nos últimos
meses demonstram, ainda existe um enorme abismo entre as implicações
revolucionárias objetivas da crise e o nível atual
da consciência política. As condições
objetivas irão propelir a classe trabalhadora à
luta e criar as condições para um enorme salto na
consciência. Mas seria um erro subestimar o grau de esforço
que deve ser realizado pelo partido para elevar a consciência
da classe trabalhadora e superar a influência reacionária
das burocracias que, mesmo enfraquecidas, permanecem um sério
e perigoso sustentáculo do jugo capitalista. Tampouco podemos
ignorar o papel desempenhado por uma série de tendências
radicais pequeno-burguesas, que persistentemente tentam
desorientar a classe trabalhadora e manter sua subordinação
às seções progressistas da burguesia.
A influência de todos esses diferentes agentes políticos
da classe dominante pode apenas ser superada pela luta pela assimilação
das experiências estratégicas das lutas revolucionárias
do passado, e pela luta pelo entendimento das implicações
da crise em desenvolvimento no capitalismo mundial.
31. Ao longo de 2008, o Socialist Equality Party irá
assumir uma grande campanha política para expandir sua
influência na classe trabalhadora e entre a juventude. Essa
campanha incluirá:
(a) A participação do SEP nas eleições
de 2008 com candidato próprio no maior número de
estados possível. O propósito dessa campanha será
desenvolver a consciência política da classe trabalhadora,
e sua compreensão do programa do socialismo internacionalista,
para que ela rompa com os partidos da classe capitalista, e para
lutar contra a pobreza, exploração e todas as formas
de desigualdade social, para construir uma oposição
ao militarismo e imperialismo americano e recrutar novas forças
para o interior do Socialist Equality Party.
(b) O desenvolvimento, em conjunto com nossos co-pensadores
do Comitê Internacional, do World Socialist Web Site. Isso
incluirá um amplo redesenho do site para aprimorar a leitura
e fazer o melhor uso possível das tecnologias modernas
da web. O WSWS também introduzirá mudanças
editoriais que irão fortalecer seu conteúdo político,
cultural e teórico. O objetivo dessas mudanças é
expandir os leitores e a influência política do site
como um instrumento do pensamento e ação socialista.
(c) O Internacional Students for Social Equality (ISSE), o
movimento estudantil e da juventude afiliada ao SEP, irá
expandir seu trabalho nos campi através dos Estados Unidos.
Combinados aos esforços de nossos co-pensadores no Comitê
Internacional, iremos nos esforçar para desenvolver o ISSE
como um movimento genuinamente internacional lutando pela unidade
política e solidariedade da juventude e dos trabalhadores
através do mundo.
32. Fazemos um apelo a todos os membros do SEP para que lutem,
com base na perspectiva esboçada nesse documento, para
a expansão do trabalho do partido em 2008. Ao mesmo tempo,
todos os membros do SEP fazem um apelo aos leitores e apoiadores
do World Socialist Web Site para que percebam a urgência
da crise política e econômica do capitalismo americano
e mundial e se juntem a nós na luta pelo socialismo.