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França Maio-Junho de 1968 e hoje

Por Ulrich Rippert
31 Marzo 2006

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"Será este outro maio-junho de 1968?" Esta questão tem sido repetidamente levantada pela mídia francesa e internacional.

Mesmo antes do último sábado, quando 1,5 milhão participaram em 160 demonstrações por toda a França contra a "Lei do primeiro Emprego" (CPE), que foi apresentada pelo governo Gaullista do primeiro ministro Dominique de Villepin e pelo presidente Jacques Chira,c a crescente onda de protestos estava sendo comparada com os eventos de aproximadamente 40 anos atrás.

Alguns comentadores têm insistentemente defendido uma posição tranqüilizadora, argumentando que a situação atual não pode ser comparada com o final da década de 60. Hoje, dizem eles, os estudantes não estão clamando pela transformação da sociedade, como estavam na primavera de 68. Os jovens que tomaram as ruas nos últimos dias estão, de acordo com esses "especialistas", apenas procurando se enquadrar na ordem social existente.

Tais comentários, de um modo geral, evitam a questão óbvia: o que acontece quando tais aspirações "não revolucionárias" não podem ser garantidas pelo sistema capitalista?

Na mídia, outras correntes de críticos dão a impressão que os eventos de 1968 na França eram dominados por jovens de classe média radicalizados.

Isso é uma séria distorção da história. O que começou como um protesto da militância estudantil se tornou um histórico divisor de águas quando a classe trabalhadora interveio, demonstrando seu poder e potencial revolucionário ao lançar uma greve geral que paralisou a economia por mais de 2 semanas. Os trabalhadores, atuando de forma amplamente independente e muitas vezes em oposição aos sindicatos oficiais, ocuparam fábricas chaves na indústria de base e estabeleceram o que pode ser descrito como um estado de "dualidade de poder" na economia francesa.

O governo de Charles de Gaulle e a totalidade do Estado capitalista francês foram sacudidos pela base e por um momento se perguntaram, transtornados e em pânico: não poderiam ter sido varridos pela revolução socialista?

Se os eventos atuais na França têm revivido tão amplamente o fantasma de 68, é porque os eventos daquela primavera levantaram de forma tão fundamental tanto a sobrevivência da elite francesa dominante quanto as aspirações mais profundas da classe trabalhadora.

Uma vez que as lições políticas daquele episódio continuam críticas para as lutas de hoje, torna-se fundamental rever o desenrolar dos eventos daquela primavera de esperanças.

Dos protestos estudantis à greve geral

Em 3 de maio de 1968, quando os estudantes da Sorbonne ocuparam a universidade, a maioria das lutas já haviam ocorrido. No dia anterior, a Universidade de Nanterre, num subúrbio industrial de Paris, fechara. Lá os estudantes vinham boicotando as aulas há várias semanas, em protesto contra seu conteúdo reacionário e contra a infiltração de policiais à paisana pelo campus.

A polícia, usando cassetetes e gás lacrimogêneo, atacou os estudantes que ocupavam a Sorbonne e realizou prisões em massa. Essa provocação levou a conflitos de rua, por vários dias, no Quartier Latin parisiense e a uma onda de ocupações nas universidades por toda a França.

Os estudantes denunciavam não apenas a brutalidade e a repressão policial, mas também a guerra do Vietnam e as políticas imperialistas do governo francês e americano. O Partido Francês Comunista (PCF) e a Confederação Geral do Trabalho (CGT), o sindicato que era politicamente dominado pelo partido stalinista PCF, acusavam os estudantes de aventureiros e delinqüentes. Até mesmo organizaram manifestações contrárias e mandaram representantes do movimento da juventude stalinista para desviar e bloquear as ações estudantis.

Apesar desses esforços dos stalinistas, os chamados dos estudantes pela "solidariedade entre trabalhadores e estudantes" tornaram-se mais e mais populares. Grupos de estudantes se encontravam com trabalhadores nas fábricas para escrever panfletos e planejar ações conjuntas.

Em 13 de maio, todos os sindicatos com exceção da CGT (stalinista) chamaram uma greve geral de um dia para protestar contra as ações policiais. Naquele dia ocorreu a primeira grande manifestação conjunta de trabalhadores e estudantes.

Um grupo de trabalhadores da Renault escreveu um panfleto que dizia: "se queremos aumento salarial e melhores condições de trabalho, se não queremos ser constantemente ameaçados pelos patrões, então nós trabalhadores precisamos lutar por uma transformação estrutural na sociedade (...) Como trabalhadores, nós devemos nos esforçar para controlar o curso das nossas ações. Nossas reivindicações são similares a aquelas dos estudantes. Tanto a administração da indústria como a da universidade deveriam ser democraticamente controladas por aqueles que ali trabalham.".

Na noite de 14 de maio, trabalhadores da fábrica Aviation Sud começaram uma greve de ocupação. Estudantes fizeram piquetes demonstrando solidariedade. Em 16 de maio os trabalhadores da Renault começaram a ocupar a fábrica, trancando a gerência em seus escritórios. Trabalhadores na Paris Press organizaram uma greve independente.

O movimento espontâneo de greve se espalhou por mais fábricas, primeiramente em Paris, e então num movimento crescente para outras cidades. Uma declaração dos estudantes que ocupavam a Sorbonne dizia: "camaradas, a fábrica Aviation Sud, em Nantes, está ocupada há dois dias pelos estudantes e trabalhadores da cidade. Hoje o movimento se espalhou por várias fábricas ( NMPP Paris, Renault-Cleon, etc.). Portanto, o comitê de ocupação da Sorbonne chama para a ocupação imediata de todas as fábricas e pela instituição de conselhos operários. Camaradas, reproduzam e disseminem essa declaração o mais rápido possível!".

Panfletos publicados conjuntamente por estudantes e trabalhadores em diversas cidades continham as demandas, "Ocupar as fábricas! Todo poder aos conselhos! Abolição da sociedade de classes!".

O PCF stalinista e a CGT reagiram com medo e fizeram tudo o que podiam para se opor a esse movimento. Em muitas fábricas a CGT divulgou notas com os dizeres: "Jovens trabalhadores, estudantes e elementos revolucionários estão tentando cindir o movimento para nos enfraquecer. Esses extremistas são apenas os fantoches da burguesia que estão sendo pagos generosamente pelos empregadores".

Funcionários do Partido Comunista Francês (stalinista) na União dos Estudantes Comunistas (UEC) tentaram revogar o chamado para a ocupação das fábricas e tomaram o sistema público de correios na Sorbonne, o que levou a confrontos físicos entre os estudantes revolucionários e os stalinistas.

Apesar da resistência do PCF, as ocupações de fábrica se espalharam rapidamente. Até 16 maio cerca de 50 fábricas haviam sido ocupadas. Em 17 de maio, 200 000 trabalhadores entraram em greve, e nos dias que se seguiram, o movimento se expandiu com a primeira greve geral na história da França, na qual 11 milhões de trabalhadores se envolveram e que durou por mais de 2 semanas.

Tendo falhado a tentativa de boicotar o movimento grevista, a CGT usou todos os meios à sua disposição para limitar as reivindicações dos trabalhadores às reivindicações estritamente econômicas de salário e condições de trabalho. Mas, as reivindicações dos grevistas pela derrubada do governo, pela tomada do poder de Estado, e por mudanças políticas radicais, continuaram sua escalada sempre crescente.

Como o Partido Comunista e a CGT sufocaram a greve e salvaram o poder da burguesia

Em 24 de maio, o presidente Charles de Gaulle anunciou que o governo levaria a cabo as reformas educacionais pedidas pelos estudantes e garantiria um aumento salarial significativo para os trabalhadores grevistas. O PCF e a CGT celebraram o fato com uma vitória maciça e reivindicaram que as manifestações fossem suspensas temporariamente? i.e., até que um acordo final fosse assinado com o governo.

Três dias depois, a CGT negociou com os representantes do governo e dos patrões, e fizeram um acordo, que mais tarde veio a ser conhecido como o "pacto de Grenelee". De acordo com as notícias da imprensa, a CGT entrou nas negociações com uma reivindicação de aumento salarial de 30%, mas os patrões ofereceram 35% se a CGT acabasse com as greves e ocupações. Um dos mediadores entre o governo e a CGT era um jovem sub-secretário no ministério de Relações Públicas chamado Jacques Chirac.

No dia seguinte, quando o secretário geral da CGT Georges Séguy delineou um compromisso com os trabalhadores da Renault na fábrica principal em Boulogne Billancourt e convocou-os à retomada do trabalho, ele foi vaiado pelos grevistas. Em outras empresas a greve foi mantida, levando, no final de maio, a uma redução na produção de combustíveis.

A infra-estrutura do país foi largamente paralisada ou estava sob controle operário. Em Paris, por exemplo, pedidos por suprimento de energia tinham de ser negociados com um comitê de trabalhadores na Companhia Elétrica Estatal.

No mais alto sigilo, o presidente de Gaulle voou de helicóptero para Baden-Baden na Alemanha, onde as tropas francesas estavam plantadas. Mais tarde foi relatado que oficiais de alguns ministérios haviam começado a rasgar documentos importantes.

Em 27 de maio o Comitê Central do PCF lançou uma declaração que denunciava expressamente aqueles que descreviam a situação como "revolucionária". A declaração pedia sobriedade e advertia que a lei e a ordem poderiam ser melhor restabelecidas se a Assembléia Nacional (Parlamento) fosse dissolvida e fossem realizadas novas eleições.

Depois que de Gaulle foi convencido de que o Partido Comunista se opunha à revolução, ele retornou à França. Numa comunicação por rádio, ele acatou a reivindicação do PCF por novas eleições e anunciou a dissolução da assembléia nacional, chamando um plebiscito para 23 de junho. No mesmo momento, ele reafirmou sua autoridade como uma garantia do poder de Estado. Ele pediu que os trabalhadores voltassem ao trabalho, e ameaçou impor um estado de emergência que lhe conferiria autoridade para colocar as forças armadas contra os grevistas.

No mesmo momento, uma intensa campanha da mídia foi lançada contra os estudantes e grevistas. Em 30 de maio, cerca de 1 milhão de conservadores, opostos à greve geral, marcharam através de Paris. O Partido Comunista, bloqueando o esforço pela deposição do governo gaullista e opondo-se à mobilização política da classe trabalhadora por um governo dos trabalhadores, entregou a direção do movimento às forças da direita.

Uma ocupação após a outra foi terminando, e onde os trabalhadores se recusavam a por fim à sua ação, eles eram violentamente removidos pela polícia. Ações similares ocorreram contra a maioria das ocupações universitárias. No entanto, foi apenas após 18 de junho—o dia que os trabalhadores da Renault voltaram ao trabalho—que a greve acabou em definitivo.

A seguir, tanto as universidades como as fábricas enfrentaram uma intensa onda repressiva. Algumas organizações políticas socialistas de esquerda que havia desempenhado um papel importante na greve, incluindo a então trotsquista Organização Comunista Internacionalista (OCI), foram banidas.

A liderança stalinista do PCF se orgulhou de seu papel na defesa da sociedade burguesa na França. "Eu reforço que foi, acima de tudo, a calma e a ação decisiva do Partido Comunista que preveniu uma aventura sangrenta em nosso país", declarou Waldeck Rochet, que havia assumido a chefia do PCF em 1964, após a morte de Maurice Thorez.

Garantindo as eleições parlamentares, os gaullistas foram capazes de aumentar sua maioria, controlando 358 das 487 cadeiras. A influência do PCF nas fábricas diminuiu, já que vários trabalhadores viraram suas costas ao partido? um processo que se acelerou quando os tanques soviéticos invadiram a Tchecoslováquia naquele verão.

Lições políticas

A greve geral que durou semanas e a onda de ocupações de fábrica anunciavam que os elementos-chave da sociedade estavam nas mãos dos trabalhadores. A instauração de um governo dos trabalhadores e a transformação revolucionária da sociedade estavam por ser alcançadas.

A amplitude da ação revolucionária ficou evidente a partir do momento em que a greve geral teve conseqüências para além das fronteiras da França. Ela marcava o início de sete anos de levantes sociais por toda a Europa.

Um ano depois, na Alemanha, desenvolve-se um grande movimento grevista e um Social Democrata, Willy Brandt, é eleito chanceler pela primeira vez. Governos fascistas foram derrubados em Portugal e na Espanha, juntamente com a ditadura militar na Grécia. Na Grã Bretanha, uma greve de mineiros derrubou o Governo Tory de Edward Heath, e nos Estados Unidos, o Presidente Richard Nixon foi obrigado a renunciar. Na França, a greve geral deu início ao fim do governo do General de Gaulle. Em abril de 1969, o presidente francês renunciou ao mandato após uma derrota no referendo.

Em 1970, François Mitterrand criou um novo mecanismo político para estabilizar a dominação capitalista e substituir os Gaullistas, quando necessário, por um governo burguês de "esquerda". Esse mecanismo chamado "União da Esquerda" era uma aliança eleitoral entre o Partido Socialista, o Partido Comunista e o burguês Partido Radical.

Após a eleição de Mitterand para presidente em 1981, o Partido Comunista entrou no governo do Primeiro Ministro Pierre Mauroy do Partido Socialista, nomeando três ministros (Serviço Público, Transportes e Saúde) e portanto dividindo a responsabilidade nos cortes sociais e medidas severas que se seguiram.

É impossível compreender os atuais ataques implementados pelo governo gaulista sem compreender o papel assumido pelo PCF e pela CGT. Todos os ataques aos padrões sociais, condições de trabalho e salários, que mais uma vez levam milhões de pessoas a saírem às ruas, foram conduzidos em estreita cooperação com a CGT e os demais sindicatos franceses.

Os protestos dos sindicatos na atual situação são todos limitados, direcionados no sentido de que o CPE está sendo levado a cabo pelo governo de Villepin sem consultá-los. Sua reivindicação é apenas de que o governo consulte os sindicatos nas questões de política social, para que assim a oposição da classe trabalhadora possa estar melhor sob o seu controle.

Após a greve geral de 1968, a elite dominante francesa foi forçada a realizar concessões sociais. Hoje, no entanto, em face à globalização da produção e a competição mundial pelo trabalho mais barato, governos burgueses em toda a parte são levados a retirar antigas concessões e reduzir radicalmente os níveis de vida da classe trabalhadora.

A afirmação de que a situação hoje é menos revolucionária que em 1968, uma vez que os estudantes não estão chamando a revolução social é baseada em uma apreciação altamente superficial e unilateral dos acontecimentos. É inegável que na escala de massas, houve nesse meio tempo, um declínio na consciência social e política, principalmente como conseqüência de décadas de traições pelos velhos e burocráticos partidos dos trabalhadores e sindicatos. Mas em um sentido mais objetivo, fundamentalmente, a crise da sociedade burguesa na França, na Europa e internacionalmente, é muito mais profunda que em 1968.

O capitalismo hoje é comandado abertamente pela direção de uma pequena elite privilegiada, voltada apenas para o seu próprio lucro e seu auto-enriquecimento. Não há lugar para a vasta maioria da juventude, exceto como objeto de extrema exploração ou exército de reserva na massa de desempregados. O sistema não tem mais nem a capacidade que tinha há 40 anos atrás para responder às mais elementares reivindicações da juventude e dos trabalhadores. Assim, até mesmo as reivindicações mais "reformistas" carregam implicações revolucionárias.

Alguns analistas políticos percebem o potencial revolucionário da atual crise. Serge Faubert, por exemplo, escreveu em 20 de Março no France Soir: "Não confundam. O que começou como uma imitação de Maio de 68 parece ser mil vezes mais revolucionária. De fato, a atual crise é uma exata inversão. Em 68 tudo era possível na França onde havia trabalho para todos, mas nada era permitido. Hoje tudo é permitido para aqueles que têm dinheiro, um bom trabalho, mas nada é possível para a grande maioria de nossos co-cidadãos."

É impossível, no entanto, discutir o potencial revolucionário da atual situação na França, Europa ou qualquer outro lugar desvinculado da questão crucial do fator "subjetivo"— i.e., a direção da classe trabalhadora e a perspectiva política que direciona as lutas da classe. A ausência de um partido revolucionário socialista que defenda os interesses da classe trabalhadora dão à elite dominante francesa uma grande vantagem política, apesar da coragem e militância dos trabalhadores e da juventude. Agindo a partir dessas condições com o Partido Socialista, o Partido Comunista e os sindicatos—particularmente complementados pelos seus aliados da chamada "ultra esquerda", tais como a Liga Comunista Revolucionária (LCR) e Luta Operária (LO)—a burguesia tem muitos meios para desarmar politicamente e desorientar as massas.

A questão crucial que aparece a partir dos acontecimentos na França hoje, assim como em 1968, é a necessidade de construir um partido socialista e internacionalista da classe trabalhadora. Essa é a luta travada pelo Comitê Internacional da Quarta Internacional e sua publicação internacional, o World Socialist Web Site.