A derrota do governo Gaullista na Lei do Primeiro Emprego (CPE),
após mais de dois meses de protestos e greves de estudantes
e trabalhadores franceses, despertou clamor entre a elite dominante
européia para que fossem redobrados os esforços
para desmantelar as leis de proteção ao emprego
e criar uma economia de livre mercado ao estilo Americano.
O recuo do Presidente francês Jacques Chirac e do Primeiro
Ministro Dominique de Villepin foi politicamente desastroso para
ambos. No entanto, a tática essencial foi virar-se para
os sindicatos e partidos oficiais de esquerdao Partido Socialista
e o Partido Comunistae utilizar seus serviços para
enganar os movimentos de massa, ganhando tempo para preparar novos
ataques aos direitos e condições de contratação
dos trabalhadores.
A elite dominante francesa pode certamente contar com a colaboração
dos sindicatos para implementar seus programas anti-classe trabalhadora.
A CPE, que pretendia permitir que as companias francesas demitissem
jovens trabalhadores sem justa causa durante os dois primeiros
anos de emprego, representava apenas um pequeno componente de
uma politica discutida intensivamente e elaborada coletivamente
pela burguesia européia para manter sua competitividade
internacional contra os EUA e a Ásia, rebaixando salários
e condições de trabalho e acabando com gastos sociais.
A União Européia estabeleceu essa estratégia
em Março de 2000 na então chamada Estratégia
de Lisboa, que listou uma série de objetivos econômicos
para serem alcançados até 2010. Hoje a União
Européia, como qualquer outra região, enfrenta um
paradigma colocado pela globalização e a nova economia
de conhecimento, declarava o documento. Isso tem causado
impacto em cada aspecto da vida e demanda uma transformação
radical da economia e sociedade européia.
Enquanto a Estratégia de Lisboa incluia uma série
de compromissos vagos para a redução da pobreza
e melhorias ambientais, seu objetivo essencial era aumentar os
lucros dos negócios europeus através de desregularização,
privatização e baixas taxas corporativas. Em nome
de sustentabilidade, a UE também se comprometeu
em reduzir os déficitis estatais de seus membros e cortar
os programas de previdência e bem estar social.
Até 2010, 70% da força de trabalho disponível
deveria estar empregada, contra aproximadamente 60% em 2000. Mulheres
e trabalhadores mais velhos, que exigem pensões e benefícios
de bem estar, foram alvos específicos para uma participação
como força de trabalho.
A Estratégia de Lisboa fez menção especial
aos parceiros sociaisos sindicatos e organizações
trabalhistasde quem a contribuição é
necessária não apenas em virtude de uma mudança
radical no mundo do trabalho, mas também por causa da necessidade
de garantir um entendimento comum de todos os elementos necessários
a uma economia dinâmica.
Em outras palavras, os sindicatos deveriam agir como uma correia
de transmissão para as demandas da elite dominante, ajudando
a suprimir a resistência dos trabalhadores à destruição
de seus padrões de vida.
A Confederação Européia de Sindicatos
(ETUC), organização sediada em Bruxelas representando
81 sindicatos nacionais, desempenhou um papel fundamental na elaboração
e promoção da estratégia anti-classe trabalhadora
da UE. O tratado de Maastricht de 1992 formalmente sacralizou
a ETUC, juntamente com a Federação dos Empregados
UNICE (A voz dos Negócios na Europa), como
um parceiro social a ser consultado em todas as questões
importantes de política econômica.
Ainda que a ETUC seja apenas uma entidade burocrática,
com apenas uma relação de consultoria aos sindicatos,
seu papel na UE é altamente significativa. Ela apóia
a Estratégia de Lisboa e faz campanha em favor da constituição
de um livre mercado da UE que foi rejeitado pelos
eleitores Franceses e Alemães no referendo do ano passado.
John Monks, secretário geral da ETUC e antigo cabeça
do Congresso de Sindicatos Britânico, fez um apelo aos sindicatos
para que trabalhassem com empenho para fortalecer o capitalismo
europeu contra os rivais internacionais.
Há muita gente, incluindo muitos da esquerda européia,
que querem transformar a Europa num contrapeso para os americanos,
menos agressiva, menos militarizada mas com um grande poder econômico
declarou ele no ano passado. Eu prefiro essa visão.
Queremos uma Europa que possa lidar melhor com os EUA, e em pé
de igualdade. Mas não é apenas a América.
Para poder lidar com a ascensão da China, India, Rússia
e talvez a Indonésia e o Brasilas novas superpotënciasprecisamos
agir para que a nossa região atue em conjunto.
As objeções ocasionalmente levantadas pelos partidários
de Monk e dos Sindicatos europeus contra as políticas da
elite dominante são de natureza meramente tática,
apenas no que diz respeito à maneira com que as reformas
de livre mercado são implementadas, muito mais
que em relação a essência de seu conteúdo.
Hoje, muitos trabalhadores entendem a Europa como uma
ameaça a seus empregos, condições de trabalho
e bem estar social, assinalou no mês passado o comitê
executivo da ETUC. Líderes europeus precisam estar
atentos a isso e agir. Eles devem lançar um sinal claro
de que a Europa não é apenas competição
e mercados, mas que é também um mercado interno
com uma dimensão social.
Estratégia de Lisboa reativada
No começo de 2005, a Estratégia de Lisboa foi
reativada logo após o lançamento de
um relatório da UE em novembro de 2004 que concluía
que poucas das estratégias econômicas seriam atingidas
até 2010. A resposta da UE a esta avaliação
desastrosa foi abandonar a maior parte dos obejtivos sociais e
de meio ambiente da Estratégia de Lisboa e exigir que a
reforma econômica seja acelerada.
Essa virada realizada pela burguesia européia está
vinculada às mudanças na situação
política internacional ocorridas desde a formulação
original da Estratégia de Lisboa. O início
da gestão Bush em janeiro de 2001 inaugurou uma política
externa mais agressiva e unilateral por parte dos EUA, com a chamada
guerra mundial ao terrorismo depois dos ataques do
11 de setembro em NY e Washington.
A guerra ao terror foi essencialmente um eufemismo
para nomear a intensificação da hegemonia global
dos EUA. Ela envolveu a erupção do militarismo norte-americano
no Afeganistão e Iraque e uma postura de maior enfrentamento
com os aliados europeus de Washington, especialmente a Alemanha
e a França. Pela primeira vez em 50 anos, os EUA trabalharam
ativamente para impedir o projeto europeu de integração
econômica, em parte devido ao temor de que o euro ameaçasse
seriamente a hegemonia do dólar nos mercados mundiais.
A elite governante européia, não se sentindo
confortável para desafiar diretamente os EUA, respondeu
acelerando os seus esforços em relação à
reforma econômica. Flexibilizar o trabalho na
Europa era um aspecto central da Estratégia de Lisboa.
Como afirma, de forma clara, um documento de 2004 da Estratégia
de Lisboa: A tarefa é criar novas formas de previdência,
afastando-se do paradigma restritivo da preservação
de empregos vitalícios.
Toda essa política tem sido apoiada pelos sindicatos
europeus. Em resposta ao reativação da Estratégia
de Lisboa, o ETUC publicou um comunicado conjunto com os grupos
patronais UNICE e CEEP (Centro Europeu de Empresas com Participação
Pública). O documento declarava que a Estratégia
de Lisboa permanece válida e necessária, tanto quanto
era em 2000.
Os sindicatos afirmaram o seu apoio aos sistemas de previdência
social que são financeiramente sustentáveis e também
às políticas macroeconômicas sadias, com boa
interação entre políticas salariais determinadas
pelos parceiros sociais com salários coerentes com o crescimento
da produtividade. Em outras palavras, os sindicatos concordam
que as condições de trabalho, os padrões
de vida e a previdência social dos trabalhadores europeus
teriam que ser drasticamente reduzidos.
O ETUC tem freqüentes reuniões com os representantes
das grandes empresas européias e a UE. A mairo parte das
atividades do ETUC se dá à portas fechadas e às
costas dos trabalhadores que ele representa só de forma
nominal. No mês passado, por exemplo, o ETUC patrocinou
uma conferência de dois dias, entitulada As Reformas
do Mercado de Trabalho e as Políticas Macroeconômicas
na Agenda de Lisboa. Burocratas sindicais de vários
países europeus, acadêmicos e representantes empresariais
participaram.
O tom da conferência foi dado por Joaquín Almunia,
Comissário da UE para Assuntos Econômicos e Monetários.
Tanto o porta-voz de Almunia quanto o ETUC disseram ao World Socialist
Website que nenhuma gravação ou notas do discurso
do comissário ou do debate subseqüente estariam disponíveis
para consulta.
Lembremos que o encontro aconteceu ao mesmo tempo que os protestos
de massa e as greves atingiam seu ápice na França,
em grandes protestos contra a própria política destes
empresários, funcionários da UE e dirigentes sindicais.
A França e a Estratégia de Lisboa
Nos primeiros meses de 2005, a União Européia
solicitou aos estados-membros que formulassem Programas
Nacionais de Reformas (NRP), com metas de reformas específicas
para cada país e uma avaliação anual de cada
país em relação às exigências
da Estratégia de Lisboa.
A reforma do mercado de trabalho era um dos componentes centrais
do NRP da França. O governo do presidente Chirac e do primeiro-ministro
Villepin colocaram a CPE (Contrato do Primeiro Emprego) de acordo
com as exigências da Estratégia de Lisboa. O relatório
de 2005 da Comissão Européia para a França
prevê maiores incentivos para o retorno ao trabalho,
o desenvolvimento de contratos assistidos, uma política
ativa no mercado de trabalho quanto ao pagamento de benefícios
sociais, um maior apoio aos que procuram emprego e uma ênfase
maior na responsabilidade pessoal destes últimos.
O relatório menciona especificamente o CNE (Contrato
para Novo Emprego), que foi o precursor direto da CPE. O CNE permite
a empresas com menos de 20 empregados que demita empregados sem
justa causa sempre que desejarem. (Previsivelmente, o relatório
da UE fornece uma descrição eufemistíca do
CNE, descrevendo-o como um estímulo à contratação
em empresas com menos de 20 empregados).
Outros aspectos do programa de reforma NRP francês são
os compromissos de redução do déficit orçamentário
e da dívida pública, a implementação
de reformas no sistema de previdência social, a redução
impostos para empresas, e o aumento de competitividade de mercado
em diversas indústrias e setores.
Uma velha reclamação do ETUC é a de que
o governo francês não tem colaborado e se aproximado
dos sindicatos. Cinco dos principais sindicatos da França
são filiados ao ETUC, incluindo a CGT (Confederação
Geral do Trabalho), o CFDT (Confederação Democrática
Francesa do Trabalho) e a FO (Força Operária).
Em vários países europeus, particularmente aqueles
da Escandinávia, a política ligada à Estratégia
de Lisboa é desenvolvida em constantes consultas aos sindicatos.
Como um recente estudo do ETUC notou, na França os
parceiros sociais tradicionalmente não são consultados
nas políticas nacionais de emprego... Os representantes
dos sindicatos explicam que só obtém repostas do
governo se se enquadrarem uma estratégia pelo emprego já
existente.
O primeiro-ministro Villepin provocou os sindicatos com a sua
tentativa de aprovar a CPE sem nem mesmo ter a pretensão
de consultar os parceiros sociais. Depois das manifestações
de massa dos estudantes secundaristas e universitários
contra a medida, entretanto, os sindicatos apoiaram uma série
de paralisações de um dia. No entanto desde o começo,
os sindicatos cuidaram para que o movimento anti-CPE não
se desenvolvesse em uma luta mais ampla contra as políticas
da elite dirigente francesa ou em um esforço de derrubada
do governo gaullista.
A afirmação de Leon Trotsky acerca da posição
dos sindicatos franceses na greve geral de 1936 se aplica também
para a sua postura sobre o movimento anti-CPE, mais de 60 anos
depois: Apenas quando confrontados com um fato consumado
os líderes oficiais reconheceram a greve, apenas
com a intenção de estrangulá-la mais rapidamente.*
Na última manifestação conjunta de trabalhadores
e estudantes contra a CPE em Paris em 4 de abril, o secretário
geral do ETUC, John Monks, marchou à frente da multidão
de 700 mil pessoas, de braço dado com Bernard Thibault,
presidente do CGT, e com François Chereque, do CFTD.
O aparecimento de Monks no protesto de Paris demonstrou o receio
que a burocracia dos sindicatos tem do movimento de massas na
França. Sindicatos de toda a Europa, junto com os seus
parceiros na França, queriam que as greves e protestos
fossem rapidamente abafados. Contra a profunda revolta dos trabalhadores
comuns e dos estudantesque estavam determinados a lutar
contra o programa de direita do governoa prioridade dos
sindicato será a de garantir que o governo os consultasse
antes de introduzir os ataques às condições
dos trabalhadores.
Apenas um dia depois do governo ter anunciado que substituiria
a CPE por um programa de subsídios ao emprego, os sindicatos
concordaram com a proposta da organização patronal
MEDEF (Movimento das Empresas da França) de iniciar um
diálogo sobre a crise para dela tirar algumas lições.
* Leon, Trotsky, O novo ascenso do movimento revolucionário
e as tarefas da 4ª Internacional, in Leon Trotsky
on France (NY, Monad, p. 174)