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Bastidores dos acontecimentos da França

A "Estratégia de Lisboa" e os sindicatos europeus

Por Rick Kelly
22 Abril 2006

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A derrota do governo Gaullista na Lei do Primeiro Emprego (CPE), após mais de dois meses de protestos e greves de estudantes e trabalhadores franceses, despertou clamor entre a elite dominante européia para que fossem redobrados os esforços para desmantelar as leis de proteção ao emprego e criar uma economia de “livre mercado” ao estilo Americano.

O recuo do Presidente francês Jacques Chirac e do Primeiro Ministro Dominique de Villepin foi politicamente desastroso para ambos. No entanto, a tática essencial foi virar-se para os sindicatos e partidos oficiais de esquerda—o Partido Socialista e o Partido Comunista—e utilizar seus serviços para enganar os movimentos de massa, ganhando tempo para preparar novos ataques aos direitos e condições de contratação dos trabalhadores.

A elite dominante francesa pode certamente contar com a colaboração dos sindicatos para implementar seus programas anti-classe trabalhadora.

A CPE, que pretendia permitir que as companias francesas demitissem jovens trabalhadores sem justa causa durante os dois primeiros anos de emprego, representava apenas um pequeno componente de uma politica discutida intensivamente e elaborada coletivamente pela burguesia européia para manter sua competitividade internacional contra os EUA e a Ásia, rebaixando salários e condições de trabalho e acabando com gastos sociais.

A União Européia estabeleceu essa estratégia em Março de 2000 na então chamada “Estratégia de Lisboa”, que listou uma série de objetivos econômicos para serem alcançados até 2010. “Hoje a União Européia, como qualquer outra região, enfrenta um paradigma colocado pela globalização e a nova economia de conhecimento,” declarava o documento. “Isso tem causado impacto em cada aspecto da vida e demanda uma transformação radical da economia e sociedade européia”.

Enquanto a Estratégia de Lisboa incluia uma série de compromissos vagos para a redução da pobreza e melhorias ambientais, seu objetivo essencial era aumentar os lucros dos negócios europeus através de desregularização, privatização e baixas taxas corporativas. Em nome de “sustentabilidade”, a UE também se comprometeu em reduzir os déficitis estatais de seus membros e cortar os programas de previdência e bem estar social.

Até 2010, 70% da força de trabalho disponível deveria estar empregada, contra aproximadamente 60% em 2000. Mulheres e trabalhadores mais velhos, que exigem pensões e benefícios de bem estar, foram alvos específicos para uma participação como força de trabalho.

A Estratégia de Lisboa fez menção especial aos “parceiros sociais”—os sindicatos e organizações trabalhistas—de quem “a contribuição é necessária não apenas em virtude de uma mudança radical no mundo do trabalho, mas também por causa da necessidade de garantir um entendimento comum de todos os elementos necessários a uma economia dinâmica.”

Em outras palavras, os sindicatos deveriam agir como uma correia de transmissão para as demandas da elite dominante, ajudando a suprimir a resistência dos trabalhadores à destruição de seus padrões de vida.

A Confederação Européia de Sindicatos (ETUC), organização sediada em Bruxelas representando 81 sindicatos nacionais, desempenhou um papel fundamental na elaboração e promoção da estratégia anti-classe trabalhadora da UE. O tratado de Maastricht de 1992 formalmente sacralizou a ETUC, juntamente com a Federação dos Empregados UNICE (“A voz dos Negócios na Europa”), como um “parceiro social” a ser consultado em todas as questões importantes de política econômica.

Ainda que a ETUC seja apenas uma entidade burocrática, com apenas uma relação de consultoria aos sindicatos, seu papel na UE é altamente significativa. Ela apóia a Estratégia de Lisboa e faz campanha em favor da constituição de um “livre mercado” da UE que foi rejeitado pelos eleitores Franceses e Alemães no referendo do ano passado.

John Monks, secretário geral da ETUC e antigo cabeça do Congresso de Sindicatos Britânico, fez um apelo aos sindicatos para que trabalhassem com empenho para fortalecer o capitalismo europeu contra os rivais internacionais.

“Há muita gente, incluindo muitos da esquerda européia, que querem transformar a Europa num contrapeso para os americanos, menos agressiva, menos militarizada mas com um grande poder econômico” declarou ele no ano passado. “Eu prefiro essa visão. Queremos uma Europa que possa lidar melhor com os EUA, e em pé de igualdade. Mas não é apenas a América. Para poder lidar com a ascensão da China, India, Rússia e talvez a Indonésia e o Brasil—as novas superpotëncias—precisamos agir para que a nossa região atue em conjunto.

As objeções ocasionalmente levantadas pelos partidários de Monk e dos Sindicatos europeus contra as políticas da elite dominante são de natureza meramente tática, apenas no que diz respeito à maneira com que as reformas de “livre mercado” são implementadas, muito mais que em relação a essência de seu conteúdo.

“Hoje, muitos trabalhadores entendem a Europa como uma ameaça a seus empregos, condições de trabalho e bem estar social,” assinalou no mês passado o comitê executivo da ETUC. “Líderes europeus precisam estar atentos a isso e agir. Eles devem lançar um sinal claro de que a Europa não é apenas competição e mercados, mas que é também um mercado interno com uma dimensão social”.

Estratégia de Lisboa “reativada”

No começo de 2005, a Estratégia de Lisboa foi “reativada” logo após o lançamento de um relatório da UE em novembro de 2004 que concluía que poucas das estratégias econômicas seriam atingidas até 2010. A resposta da UE a esta avaliação desastrosa foi abandonar a maior parte dos obejtivos sociais e de meio ambiente da Estratégia de Lisboa e exigir que a reforma econômica seja acelerada.

Essa virada realizada pela burguesia européia está vinculada às mudanças na situação política internacional ocorridas desde a formulação original da “Estratégia de Lisboa”. O início da gestão Bush em janeiro de 2001 inaugurou uma política externa mais agressiva e unilateral por parte dos EUA, com a chamada “guerra mundial ao terrorismo” depois dos ataques do 11 de setembro em NY e Washington.

A “guerra ao terror” foi essencialmente um eufemismo para nomear a intensificação da hegemonia global dos EUA. Ela envolveu a erupção do militarismo norte-americano no Afeganistão e Iraque e uma postura de maior enfrentamento com os aliados europeus de Washington, especialmente a Alemanha e a França. Pela primeira vez em 50 anos, os EUA trabalharam ativamente para impedir o projeto europeu de integração econômica, em parte devido ao temor de que o euro ameaçasse seriamente a hegemonia do dólar nos mercados mundiais.

A elite governante européia, não se sentindo confortável para desafiar diretamente os EUA, respondeu acelerando os seus esforços em relação à “reforma econômica”. Flexibilizar o trabalho na Europa era um aspecto central da “Estratégia de Lisboa”. Como afirma, de forma clara, um documento de 2004 da Estratégia de Lisboa: “A tarefa é criar novas formas de previdência, afastando-se do paradigma restritivo da preservação de empregos vitalícios”.

Toda essa política tem sido apoiada pelos sindicatos europeus. Em resposta ao reativação da Estratégia de Lisboa, o ETUC publicou um comunicado conjunto com os grupos patronais UNICE e CEEP (Centro Europeu de Empresas com Participação Pública). O documento declarava que “a Estratégia de Lisboa permanece válida e necessária, tanto quanto era em 2000”.

Os sindicatos afirmaram o seu apoio “aos sistemas de previdência social que são financeiramente sustentáveis e também às políticas macroeconômicas sadias, com boa interação entre políticas salariais determinadas pelos parceiros sociais com salários coerentes com o crescimento da produtividade”. Em outras palavras, os sindicatos concordam que as condições de trabalho, os padrões de vida e a previdência social dos trabalhadores europeus teriam que ser drasticamente reduzidos.

O ETUC tem freqüentes reuniões com os representantes das grandes empresas européias e a UE. A mairo parte das atividades do ETUC se dá à portas fechadas e às costas dos trabalhadores que ele representa só de forma nominal. No mês passado, por exemplo, o ETUC patrocinou uma conferência de dois dias, entitulada “As Reformas do Mercado de Trabalho e as Políticas Macroeconômicas na Agenda de Lisboa”. Burocratas sindicais de vários países europeus, acadêmicos e representantes empresariais participaram.

O tom da conferência foi dado por Joaquín Almunia, Comissário da UE para Assuntos Econômicos e Monetários. Tanto o porta-voz de Almunia quanto o ETUC disseram ao World Socialist Website que nenhuma gravação ou notas do discurso do comissário ou do debate subseqüente estariam disponíveis para consulta.

Lembremos que o encontro aconteceu ao mesmo tempo que os protestos de massa e as greves atingiam seu ápice na França, em grandes protestos contra a própria política destes empresários, funcionários da UE e dirigentes sindicais.

A França e a Estratégia de Lisboa

Nos primeiros meses de 2005, a União Européia solicitou aos estados-membros que formulassem “Programas Nacionais de Reformas “ (NRP), com metas de reformas específicas para cada país e uma avaliação anual de cada país em relação às exigências da Estratégia de Lisboa.

A reforma do mercado de trabalho era um dos componentes centrais do NRP da França. O governo do presidente Chirac e do primeiro-ministro Villepin colocaram a CPE (Contrato do Primeiro Emprego) de acordo com as exigências da Estratégia de Lisboa. O relatório de 2005 da Comissão Européia para a França prevê “maiores incentivos para o retorno ao trabalho, o desenvolvimento de contratos assistidos, uma política ativa no mercado de trabalho quanto ao pagamento de benefícios sociais, um maior apoio aos que procuram emprego e uma ênfase maior na responsabilidade pessoal destes últimos”.

O relatório menciona especificamente o CNE (Contrato para Novo Emprego), que foi o precursor direto da CPE. O CNE permite a empresas com menos de 20 empregados que demita empregados sem justa causa sempre que desejarem. (Previsivelmente, o relatório da UE fornece uma descrição eufemistíca do CNE, descrevendo-o como “um estímulo à contratação em empresas com menos de 20 empregados”).

Outros aspectos do programa de reforma NRP francês são os compromissos de redução do déficit orçamentário e da dívida pública, a implementação de reformas no sistema de previdência social, a redução impostos para empresas, e o aumento de competitividade de mercado em diversas indústrias e setores.

Uma velha reclamação do ETUC é a de que o governo francês não tem colaborado e se aproximado dos sindicatos. Cinco dos principais sindicatos da França são filiados ao ETUC, incluindo a CGT (Confederação Geral do Trabalho), o CFDT (Confederação Democrática Francesa do Trabalho) e a FO (Força Operária).

Em vários países europeus, particularmente aqueles da Escandinávia, a política ligada à Estratégia de Lisboa é desenvolvida em constantes consultas aos sindicatos. Como um recente estudo do ETUC notou, na França “os parceiros sociais tradicionalmente não são consultados nas políticas nacionais de emprego... Os representantes dos sindicatos explicam que só obtém repostas do governo se se enquadrarem uma estratégia pelo emprego já existente”.

O primeiro-ministro Villepin provocou os sindicatos com a sua tentativa de aprovar a CPE sem nem mesmo ter a pretensão de consultar os “parceiros sociais”. Depois das manifestações de massa dos estudantes secundaristas e universitários contra a medida, entretanto, os sindicatos apoiaram uma série de paralisações de um dia. No entanto desde o começo, os sindicatos cuidaram para que o movimento anti-CPE não se desenvolvesse em uma luta mais ampla contra as políticas da elite dirigente francesa ou em um esforço de derrubada do governo gaullista.

A afirmação de Leon Trotsky acerca da posição dos sindicatos franceses na greve geral de 1936 se aplica também para a sua postura sobre o movimento anti-CPE, mais de 60 anos depois: “Apenas quando confrontados com um fato consumado os líderes oficiais “reconheceram” a greve, apenas com a intenção de estrangulá-la mais rapidamente”.*

Na última manifestação conjunta de trabalhadores e estudantes contra a CPE em Paris em 4 de abril, o secretário geral do ETUC, John Monks, marchou à frente da multidão de 700 mil pessoas, de braço dado com Bernard Thibault, presidente do CGT, e com François Chereque, do CFTD.

O aparecimento de Monks no protesto de Paris demonstrou o receio que a burocracia dos sindicatos tem do movimento de massas na França. Sindicatos de toda a Europa, junto com os seus parceiros na França, queriam que as greves e protestos fossem rapidamente abafados. Contra a profunda revolta dos trabalhadores comuns e dos estudantes—que estavam determinados a lutar contra o programa de direita do governo—a prioridade dos sindicato será a de garantir que o governo os consultasse antes de introduzir os ataques às condições dos trabalhadores.

Apenas um dia depois do governo ter anunciado que substituiria a CPE por um programa de subsídios ao emprego, os sindicatos concordaram com a proposta da organização patronal MEDEF (Movimento das Empresas da França) de iniciar um diálogo sobre a crise para dela tirar algumas “lições”.

* Leon, Trotsky, “O novo ascenso do movimento revolucionário e as tarefas da 4ª Internacional”, in Leon Trotsky on France (NY, Monad, p. 174)