Esse é o quinto de seis documentos votados no 10° Congresso Mundial do CIT, realizado nos dias 2-9 de dezembro na Bélgica.
1. Milhões envolvidos em greves gerais e manifestações; governos profundamente impopulares, frequentemente odiados – a Europa testemunha a reentrada da classe trabalhadora e da juventude na luta numa escala poderosa.
Contra o pano de fundo do tumulto econômico e uma emergência da União Europeia (UE) atrás da outra, a Europa está passando por levantes de longo alcance. A continuidade do impacto da crise econômica mundial produz uma tormenta atrás da outra tanto a nível de toda a Europa quanto dentro de diferentes países europeus.
2. O tamanho de alguns dos protestos – milhões em greve na Espanha em setembro, 3 milhões e meio se manifestando nas ruas da França em meados de outubro, 300.000 marchando em Lisboa em maio – são um reflexo do profundo abalo por que passa a Europa. Embora muitos líderes sindicais tenham tentado limitar esses protestos e impede-los de se transformar em lutas sérias, o poderoso movimento francês contra o aumento da idade da aposentadoria desenvolveu traços de uma situação pré-revolucionária. Uma única faísca poderia ter desencadeado um movimento mais amplo, numa situação onde pesquisas de opinião mostravam que 54% apoiavam uma greve geral. O final de novembro de 2010 viu mais protestos, com uma greve geral com enorme apoio em Portugal, uma manifestação de massas em Dublin e protestos generalizados de universitários e colegiais na Grã-Bretanha.
3. Há uma crise mundial, mas há simultaneamente um levante europeu profundamente enraizado e simbolizado no fato de que, entre muitos comentaristas capitalistas, questões sobre o futuro da zona do euro, pelo menos em sua forma atual, não são mais tabus e são discutidos cada vez mais amplamente. Há um novo ritmo agora, se foram os dias de estabilidade a médio prazo ou, em alguns países, a curto prazo. Os eventos rapidamente se seguem um ao outro – logo que uma crise é “resolvida”, uma nova se desenvolve. Mas mais importante do ponto de vista da luta contra o capitalismo, a classe trabalhadora começou a entrar ativamente em cena, embora isso não se desenvolva numa linha reta. Apesar de apenas uma minoria realmente ter entrado em greve, as lutas de massa da França, com oito dias de ação, foram amplamente apoiadas e poderiam ter sido vitoriosas com uma direção firme. Agora, em novembro, apesar do fracasso em impedir a nova lei de aposentadoria, o movimento entrou em uma pausa, mais do que um recuo.
4. Inicialmente, os governos agiram rápido para impedir que a emergência financeira de 2008 levasse a um colapso dos bancos e mercados, o que por sua vez teria produzido um desastre ao estilo dos anos 1930 em todo o mundo. Apenas alguns governos, como o da Irlanda, iniciaram rapidamente ataques diretos aos padrões de vida, embora nos locais de trabalho empregos fossem perdidos e os rendimentos cortados enquanto as economias afundavam. Na Alemanha, o déficit orçamentário de 2010 provavelmente é o maior já visto. Mas em 2009 e 2010, a combinação do fim da primeira fase da crise e, simbolizada na crise da dívida grega, a pressão dos mercados financeiros sobre os governos para adotarem medidas de emergência resultaram no início de ofensivas brutais das classes dominantes e dos governos em toda a Europa.
Nova onda de protestos
5. As tentativas determinadas deste ano para cortar padrões de vida e fazer o relógio voltar atrás, provocaram esse início de uma nova série de lutas de classes em muitos países, começando na Grécia. Depois de seis greves gerais na Grécia, a segunda metade de 2010 viu greves e protestos de massa aumentarem de ímpeto em outros países, especialmente França, Portugal e Espanha. Na Itália tem havido crescentes chamados por uma greve geral, enquanto na Grã-Bretanha começaram a se desenvolver de baixo demandas por uma oposição ativa, que foram muito fortalecidas pelo protesto de 50.000 estudantes em novembro. Na Irlanda se desenvolve um ânimo explosivo, mas é possível que isso se reflita primeiro no resultado de eleições antecipadas. Os países da Europa Central e Oriental não são imunes a protestos, com grandes manifestações e greves contra cortes salariais e sociais na República Tcheca, Lituânia, Romênia e Eslovênia. Na Romênia o impacto combinado da restauração capitalista e da crise econômica levaram 49%, segundo uma pesquisa de setembro de 2010, a acreditar que a vida era melhor antes de dezembro de 1989, apesar de 69% dizerem que antes 1989 “não havia liberdade”.
6. 2010 viu os jovens em vários países começarem a jogar um papel importante nos protestos. A recente mobilização dos estudantes universitários e secundaristas em apoio dos trabalhadores franceses marcou uma nova etapa, enquanto na Áustria, Grã-Bretanha, Irlanda e Itália um grande número de universitários também tomaram as ruas em oposição aos cortes na educação. Na Grã-Bretanha taxas universitárias mais altas e o fim súbito das pequenas bolsas semanais dos estudantes de 16-18 anos estão provocando uma resposta determinada de muitos alunos. Os jovens também jogaram um papel chave na Alemanha, nos protestos de massa contra o projeto ferroviário Stuttgart 21 e contra a retomada do transporte de lixo nuclear em novembro.
7. Em toda a Europa a maioria dos governos é profundamente impopular ou até odiado, apesar da aparente exceção da reeleição da coalizão conservadora na Suécia, que reganhou apoio poucos meses antes da eleição, já que a economia cresceu. Em alguns países não é certo por quanto tempo o atual governo pode sobreviver. A espetacular crise de 2008 na Islândia, e a brutalidade com que sua população foi tratada pela Grã-Bretanha e Holanda, destruiu o governo de direita. Na Irlanda o governo mal se sustenta enquanto na Itália a ruptura entre Berlusconi e Fini colocou a possibilidade de eleições antecipadas. Na Grécia, apesar de romper a maioria de suas promessas eleitorais de 2009 quase imediatamente, o governo do Pasok continua por falta de alternativa. As altas taxas de abstenção, sem precedentes, nas eleições locais de novembro, indicam tanto uma oposição à austeridade quanto a falta de uma alternativa de massas ao Pasok. Os duradouros protestos, com um enorme apoio, contra o projeto da estação ferroviária “Stuttgart 21” na Alemanha ilustra a crescente alienação perante muitas instituições parlamentares e estatais em vários países.
8. Comentaristas capitalistas falam muito do fato de que, diferente das crises do século 20, que viram significativos giros à esquerda, a primeira fase da atual crise capitalista viu forças políticas e de extrema-direita ganhando eleitoralmente em vários países. Mas como o número de greves gerais e protestos de massa mostraram, o movimento dos trabalhadores está entrando em ação, e isso já começou a criar um sentimento anticapitalista. Isso minará a única nota positiva para as classes dominantes – que enfrentam vários problemas – a ausência de um partido de trabalhadores que desafie o próprio capitalismo. Isso é resultado da continuidade do impacto do colapso dos países stalinistas, o giro à direita no movimento dos trabalhadores e a transformação da maioria dos partidos stalinistas e de trabalhadores burgueses.
9. Embora o efeito do colapso do stalinismo e a subsequente ofensiva ideológica antissocialista tenha feito com que, até agora, as classes dominantes europeias não enfrentassem um desafio determinado ao próprio capitalismo, a crise já teve profundos efeitos.
10. Isso significa que, até agora, apesar da hostilidade contra os bancos e a palavra de ordem de que “não iremos pagar por sua crise”, não tem havido protestos generalizados contra e em oposição ao capitalismo em si. Mas a lógica da crise, o fato de que, para muitos, os padrões de vida estão caindo sem nenhuma perspectiva de recuperação, ao lado da atividade dos socialistas, preparará o caminho para que o próprio capitalismo seja posto em questão. Esse questionamento se estenderá aos partidos políticos, instituições e estruturas existentes. As velhas maneiras de fazer as coisas serão desafiadas por uma situação, no melhor dos casos, de padrões de vida estagnados e, no pior, mergulhos na pobreza. Muitos dos que foram encorajados ou forçados ao autoemprego ou a criar pequenos negócios serão selvagemente explorados e o movimento dos trabalhadores precisa fazer um apelo programático a eles, para impedir que algumas dessas camadas sejam atraídas pela direita. Uma chave para o futuro é que a experiência das lutas colocará a questão de como a ofensiva dos capitalistas pode ser detida e, à medida que os trabalhadores, jovens e vários setores da classe média percebem que esse sistema não pode oferecer qualquer perspectiva iminente de uma vida melhor, qual é a alternativa?
Situações políticas voláteis
11. Neste período de crise, a falta de governos estáveis e o desejo de “incorporar” a oposição pode levar a coalizões oficiais ou informais, incluindo “grandes coalizões” entre partidos majoritários ou governos de coalizão “nacional”, para “lidar com emergências”. Mas o capitalismo é muito flexível. Na Bélgica a falta de um novo governo desde as eleições de junho não impediu o governo “interino” de implementar indiretamente os ataques.
12. Eleições, sejam feitas no prazo ou antes, agora podem produzir suas próprias complicações para as classes dominantes. 2010 viu a grande dificuldade de formar governos na Holanda e Bélgica (esta devido principalmente às complicações da questão nacional na Bélgica) e a primeira coalizão na Grã-Bretanha em período de paz desde os anos 1930. Esses resultados eleitorais são produto da queda do apoio de muitos dos partidos stalinistas, reformistas e burgueses tradicionais, mais o novo período volátil. A crise, e algumas vezes a ruptura, de muitos velhos partidos, já visto na Itália e em menor medida na França, simultaneamente abriu as portas e tem sido o resultado da ascensão de novas forças de diferentes características.
13. Embora pesquisas de opinião passadas mostrassem possibilidades para o NPA na França e o Syriza na Grécia, das novas formações de esquerda apenas o Die Linke na Alemanha tem sido capaz de um impacto eleitoral considerável. Embora o NPA ainda tenha potencial, especialmente em torno de seu radicalismo algumas vezes verbal e da posição pessoal de Besancenot, não é certo que isso será traduzido em votos. Mas como vimos antes na Itália, França, Holanda e Escócia, sucessos eleitorais não são de modo algum uma garantia de desenvolvimento futuro. Parte da razão do desempenho fraco do Syriza na eleição grega de 2009, 4,6% comparados com pesquisas que o mostravam com cerca de 18% no início de 2008, foi o voto de “menor mal” no Pasok. Contudo, como muitos dos líderes das novas formações de esquerda, os líderes do Syriza não entenderam esse voto ou como o apoio ao Pasok seria minado pela experiência dele no governo, e essa é uma razão, junto com a completa incapacidade dos líderes do Syriza de responder política e organizativamente à crise e às demandas da luta de classes, para a confusão que absorveu o Syriza no ano passado.
14. A situação social e econômica mais volátil fez com que as eleições em muitos países testemunhassem a súbita ascensão (e algumas vezes quedas rápidas) de diferentes forças burguesas ou pequeno-burguesas, como o Wilders’ PVV na Holanda, o FDP na Alemanha, os LibDems na Grã-Bretanha, o NVA em Flanders e os Verdes na França e Alemanha.
15. Contudo, vitórias eleitorais não necessariamente significam garantia de popularidade, mesmo onde, como na Alemanha, a economia cresceu por causa das exportações. Lá, o ano depois da eleição de 2009 viu um tremendo colapso no apoio à coalizão CDU/CSU/FDP e especialmente ao próprio FDP.
Tensões econômicas
16. Mas o crescimento econômico da Alemanha, como o de outros países europeus, é frágil e pode já ter passado de seu auge. A especulação aberta sobre o futuro dos governos, do euro, das rivalidades e mudanças de alianças dentro da UE mais o aumento dos protestos são todos presságios dos problemas à frente.
17. Assim, 2010 não foi o ano que as classes dominantes europeias esperavam quando aprovaram a chamada “Estratégia de Lisboa” em 2000. Em vez disso, a UE enfrenta uma de suas mais graves crises, já que as tempestades econômicas e políticas colocam o futuro da zona do euro, e até das atuais estruturas da UE, em questão.
18. A crise do euro afundou a UE em amargas lutas internas, à medida que os governos nacionais procuram culpar forças estrangeiras ou governos rivais pela crise. Por um tempo a Grécia, e especialmente os trabalhadores gregos, foi o foco de demonização, responsabilizada pela crise do euro e exigindo “esmolas” do resto da UE. Havia um elemento de verdade de que uma crise da “dívida soberana” (pública) na Grécia poderia provar ser o elo mais fraco que geraria problemas, especialmente na zona do euro, mas logo ficou claro que há uma série de elos fracos, no que é uma “cadeia de crises”. Assim, os especuladores e comentaristas capitalistas falavam dos “PIIGS” (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) como os países em crise da zona do euro.
19. Contudo, muito do que a UE apresentava como o “progresso” dos anos 2000 foi, de fato, um violento ataque neoliberal a muitos dos ganhos adquiridos pelo movimento dos trabalhadores ao longo de décadas. Essa era a essência da “Estratégia de Lisboa”. Não foi por acidente que o governo alemão social-democrata/verde de Schröder chamou seu pacote de cortes neoliberal de 2003 de “Agenda 2010”. Em grande parte por causa dos líderes sindicais, essa ofensiva conseguiu abaixar os padrões de vida em muitos países. Na Áustria a parcela dos salários no PIB caiu de 62% em 1995 para 55% em 2008, enquanto a quarta parte mais pobre dos trabalhadores austríacos sofreram uma queda real de 12% real nos salários.
20. Esse tipo de “sucessos”, mais as ilusões no euro e no crescimento econômico mundial, explicam porque os líderes da UE foram pegos completamente desprevenidos pelo início dessa crise, uma crise que pôs em questão o chamado “projeto europeu” e a sobrevivência da zona do euro em sua atual forma.
21. Embora a crise internacional que começou em 2007 fosse o gatilho final para o fracasso da UE em alcançar suas metas de 2010, alguns países europeus já sofriam com as mudanças globais que ocorriam no capitalismo. Embora essa calamidade pegasse praticamente todas as classes dominantes e seus políticos desprevenidos, não foi nenhum tipo de evento “anormal”. Pelo contrário, ela derivava da natureza do próprio capitalismo e do caráter do crescimento econômico especialmente nas últimas duas décadas.
22. Ao mesmo tempo, também revelou o caráter verdadeiro e os limites da UE. Esse é o significado da nova rodada de disputa entre as potências da UE e o debate agora aberto sobre o futuro do euro e a discussão (e provavelmente pelo menos elementos de planos de contingência) da possibilidade de pelo menos um país ser expulso da zona do euro. Mas a discussão não tem se limitado a países sendo expulsos da zona do euro, mas também, numa situação extrema, a Alemanha saindo.
Crises sucessivas e a crise do euro
23. Embora o enorme pacote de 750 bilhões de euro em maio de 2010 tenha posto um fim à crise imediata provocada pela revelação da verdadeira situação financeira da Grécia, isso trouxe apenas uma estabilidade temporária. Desde então, saltos abruptos nos títulos das taxas de juros indicam novas crises em potencial, ou a ameaça de crises, à medida que ressurgem dúvidas sobre as finanças de países individuais da zona do euro.
24. A crise de novembro na Irlanda foi causada parcialmente por Merkel forçando um acordo para que em futuras crises financeiras os investidores teriam que arcar com as perdas (“cortes de cabelos”) sobre seus investimentos. Os outros países da UE não estavam em condições de desafiar o imperialismo alemão, que é a base financeira da qual o euro e a UE dependem. Merkel agiu em parte para deter a crescente oposição dentro da Alemanha que dizia que ela estava “resgatando” outros países.
25. Contudo, esse acordo de outubro de 2010 acelerou, mas não causou, os eventos, à medida que os mercados financeiros rapidamente aumentaram as taxas de juros para empréstimos à Irlanda, numa tentativa de cobrir parte de potenciais futuras perdas. Significativamente, enquanto exigiam que as classes trabalhadora e média sofressem cortes, as instituições financeiras usaram seu poder para resistir às propostas para que arcassem com suas perdas. A pressão subsequente para que a Irlanda aceitasse um resgate e ainda mais austeridade, mais a “supervisão” internacional que vinha com ela, refletiam um quase-pânico. Muitas classes dominantes temiam que um colapso bancário irlandês pudesse iniciar uma crise internacional ao estilo Lehmann e/ou que a crise sobre a dívida da Irlanda pudesse logo colocar a Espanha sob uma pressão similar. Embora um “resgate” pudesse ser oferecido a pequenas economias como a Grécia, Irlanda e Portugal, uma crise espanhola poderia colocar toda a zona do euro em risco.
26. Mas, o futuro da zona do euro não está ameaçado apenas por uma nova crise de “dívida soberana”. Também há tensões causadas pelas tensões e desequilíbrios do sistema do euro, um sistema que de muitos modos trouxe vantagens para o capitalismo alemão contra vários de seus rivais. Como o CIT argumentou antes da introdução da moeda do euro em 2002, essa situação põe em questão quanto tempo a zona do euro pode sobreviver em sua forma atual. Claramente a integração da economia europeia foi muito longe e produziu uma situação onde, ao lado de imensos levantes políticos, uma reconfiguração ou ruptura da zona do euro seria extremamente destruidor. Mas isso em si não seria suficiente para impedir, numa época de crise, que um país ou grupo de países deixem a zona do euro, ou, como Merkel ameaçou em março de 2010, seja expulso.
27. Há repetidas tensões e choques de interesses entre os diferentes países europeus, algo que a China está tentando explorar com suas ofertas de ajuda financeira à Grécia e Portugal. Ao mesmo tempo, entre as maiores potências da UE há uma luta pela proeminência, se não pela supremacia. Como resultado da crise, Grécia e cada vez mais a Irlanda, como países do euro, estão sendo postas sob controle crescente da EU, na verdade da Alemanha, a maior potência econômica da UE. Em ambos os países há ressentimentos, com elementos anti-imperialistas, com o que é corretamente visto como perda de soberania para a UE, BCE, FMI e mercados financeiros. A oposição popular a isso crescerá e os marxistas se esforçarão para dar a ela um caráter anticapitalista ao invés de nacionalista.
Nova recessão econômica
28. Já antes da tempestade de novembro estava claro que a leve recuperação econômica desse ano, uma mistura de recuperação temporária e da continuação do crescimento na China, não encerrou os distúrbios da Europa. Isso apesar do fato de que em alguns países, especialmente na Alemanha, há aqueles que tem esperanças de que o pior acabou. Contudo, está claro que essa recuperação não tem bases firmes ou raízes nos eventos internos da UE. A grande dependência da Alemanha nas exportações é especialmente frágil e, se revertida, teria grandes efeitos, como visto antes na queda dramática de 6,8% no PIB entre a primavera de 2008 e 2009. Em toda a Europa houve um crescimento de empregos precários, temporários ou limitados, de meio período, e de trabalhadores forçados ao “autoemprego”, todos os quais estão longe de serem um pleno emprego genuíno.
29. Para os trabalhadores alemães esse crescimento econômico teve diferentes efeitos. Em 2010 alguns setores tiveram ganhos, por exemplo, na metalurgia um aumento salarial de 3,6% e pagamento igual para os contratos temporários, e também algumas empresas, especialmente a automotiva, deram aumentos salariais antes do acordado nos contratos. Mas 2009 foi o primeiro ano desde 1949 em que não apenas os salários reais, mas também os nominais, caíram, ao mesmo tempo que a pressão da gerência dentro dos locais de trabalho continua a aumentar. Além disso a maioria dos novos empregos é temporário, podem ser facilmente perdidos quando a economia parar de crescer. Apesar disso, o recente crescimento econômico criou algumas esperanças de que o pior acabou, na Alemanha e alguns países economicamente ligados a ela. Em novembro de 2010 35% dos alemães temiam o desemprego, comparados com 59% um ano antes. Essa é a razão porque as novas medidas de austeridade do governo, dirigidas principalmente para as camadas mais pobres, ainda não provocaram uma oposição em larga escala.
30. Mas vários países da Europa enfrentam situações econômicas muito, muito piores e, mais importante, sem saída fácil. 2009 viu enormes quedas de PIB nos países bálticos (a Lituânia sofreu o pior, com 18%) e em países como Finlândia (8%), Irlanda (7,1%) e Islândia (6,8%). À medida que 2010 progredia, a taxa de crescimento de outros países europeus diminuía.
31. A situação instável é uma razão para as contínuas divisões dentro das classes dominantes sobre o quão longe e rápido os ataques aos padrões de vida devem continuar e se deve-se tomar mais medidas para aliviar aspectos da crise.
32. O que é claro é que dentro da UE não há base para uma recuperação econômica sustentada, uma situação piorada pelas ofensivas que a maioria dos governos lançaram para implementar medidas de austeridade. Isso está sendo brutalmente visto na Grécia e Irlanda, cujas economias, na verdade, ainda estão em declínio, enquanto países como Portugal e Espanha não estão muito atrás. A ofensiva do governo britânico é justificada pela esperança de um renascimento das exportações, mas não é seguro que o capitalismo britânico possa reconstruir seus setores não financeiros. Todos os sinais são de que a economia mundial está mais uma vez desacelerando e recessões de “duplo mergulho” se aproximam do horizonte. As perspectivas para a economia mundial também são importantes para as perspectivas econômicas da Alemanha, já que sua rápida recuperação em 2010 se baseou apenas em exportações. Uma combinação de uma década de rebaixamento dos valores reais dos salários e a taxa conversão das moedas nacionais ao euro estimulou a competitividade do capitalismo alemão na zona do euro e internacionalmente. Por exemplo, mais de 20% da produção das automobilísticas alemãs agora é vendida para a China e a Alemanha pode no melhor da hipóteses enfrentar estagnação se, como é provável, a economia mundial desacelerar. Uma recessão mundial mais séria produziria mais uma vez outra rápida queda na produção alemão e teria enormes consequências sociais e políticas.
Resistindo às ofensivas das classes dominantes
33. Sintomáticos do caráter fundamental dessa crise econômica, os ataques e cortes estão, em muitos países, atingindo não apenas a classe trabalhadora e os jovens, como também amplos setores da classe média. Pela primeira vez desde os anos 1930 cortes salariais foram feitos na maioria dos países europeus, por cortes diretos, como na Irlanda e Grécia, ou reduzindo o tempo de trabalho com perdas no pagamento ou por uma combinação de ambos. Esses ataques não são simplesmente feitos por causa da queda na produção econômica, altos empréstimos estatais e do desejo da classe dominante de manter os lucros e minimizar a taxação. Sob a cobertura dessa crise a classe dominante continua sua ofensiva para impor a agenda neoliberal, almejando enfraquecer a classe trabalhadora, baratear a mão de obra e cortas os gastos sociais. Assim, em muitos países são as camadas mais fracas da sociedade e as áreas mais pobres que são mais atingidas.
34. As esperanças de muitos estão sendo destruídas por perdas de emprego, cortes nos serviços e, em alguns países, o fardo da dívida adquirida nos tempos do “boom” para financiar a habitação ou a vida cotidiana. Cada vez mais a juventude europeia, agora sofrendo de desemprego em massa ao estilo de uma depressão, não vê qualquer futuro seguro. Ao invés, enfrenta a perspectiva de uma mistura de empregos temporários, desemprego, o aumento do custo da educação e aumento das dívidas. Essa crise afeta os países de diferentes modos. Alguns, como Grécia e Portugal e muitos do Leste Europeu, enfrentam crises fundamentais e há perspectivas limitadas para eles sob o capitalismo. Nestes países, e outros como Irlanda, algumas das camadas mais enérgicas podem emigrar na esperança de encontrar uma saída. Mas muitos jovens querem contra-atacar. Camadas amplas da juventude, incluindo algumas dos banlieues (periferias), uniram-se à luta do outono de 2010 na França, mostrando o potencial para atrai-las para a luta de classes. Os governos estão começando a enfrentar a resistência dos jovens e da classe trabalhadora com medidas que apontam para métodos mais repressivos e autoritários contra as manifestações e as lutas dos trabalhadores, como mostrado pelo uso de poderes de emergência por Sarkozy contra operários do refino de petróleo e a efetiva militarização dos controladores de tráfego aéreo pelo PSOE.
35. Os anos passados viram giros abruptos na consciência. À medida que a crise mundial se desenrolava em 2007, 2008 e 2009, no início naturalmente havia um forte medo do espectro dos anos 1930 e, em alguns países, houve elementos de um efeito paralisante enquanto o desemprego crescia, refletido na disposição de alguns trabalhadores de aceitar cortes salariais. Ao mesmo tempo havia uma onda de raiva, especialmente contra os bancos, com os protestos se centrando no chamado de “não vamos pagar por sua crise”. Contudo, essa primeira onda de protesto, carecendo de uma perspectiva socialista, em certa medida foi dissipada em alguns países europeus com a esperança de que os pacotes de emergência governamentais impediriam um desastre total. Agora o medo e a raiva estão sendo renovados, especialmente contra os bancos, à medida que o impacto a longo prazo dessa crise em termos de padrões de vida e perspectiva se torna mais claro. Isso está criando condições para saltos na consciência, onde as ideias do socialismo começarão a reviver dentro do movimento dos trabalhadores e os socialistas serão capazes de ganhar uma audiência mais ampla para suas ideias e propostas.
36. Mas, como os últimos anos também mostraram, a luta de classe e protestos não se desenvolvem em linha reta. Pode haver sentimentos temporários de esmagamento pela crise e de que pouco pode ser feito. Tais sentimentos passarão, mas as lutas em si têm um ritmo de avanços, pausas e reflexão, antes de recomeçar, talvez em uma nova forma.
37. Desde 2007 tem havido uma forte reação e o início da resistência à crise e à tentativa natural dos capitalistas de descarregar seus custos sobre seus ombros. Como o CIT explicou antes, se existissem mesmo partidos stalinistas e socialdemocratas fortes, do tipo que existia há 30 anos atrás, essa crise teria rapidamente provocado o questionamento do próprio capitalismo e o crescimento de uma consciência socialista entre uma camada mais ampla da classe trabalhadora. Mas o que salvou o capitalismo, até agora, tem sido a fraqueza política da classe trabalhadora, como resultado do retrocesso da consciência de classe nas décadas passadas, o que significa que não tem havido contraposição geral do socialismo como alternativa ao capitalismo.
Sindicatos e a crise
38. Isso não tem sido por causa apenas da decadência e transformação dos velhos partidos reformistas. Há muitos anos a maioria dos líderes sindicais procuram impedir que os sindicatos joguem um papel político, especialmente de desafio ao capitalismo, apesar das raízes e objetivos socialistas de muitos sindicatos. As últimas décadas viram uma integração renovada de muitas cúpulas sindicais na sociedade burguesa, seja através do Estado ou das direções das empresas. Isso deixou muitas delas completamente incapazes de dar qualquer forma de resposta combativa a essa crise.
39. Alguns líderes sindicais, como os da Irlanda, terminaram aceitando os argumentos da classe dominante e concordando com cortes salariais. Mas, por causa das raízes dos sindicatos, sob pressão eles podem ainda pelo menos fazer gestos, como quando o ÖGB austríaco teve que rever sua saudação inicial ao orçamento governamental de 2011. Mas os elementos pró-capitalistas sempre procuram limitar a luta, como os líderes sindicais do sul da Europa se esforçando para assegurar que os dias de protestos sejam válvulas de escape ao invés de mobilizações para mais luta. O DGB alemão foi obrigado a organizar “semanas de ação”, mas lutaram para que os protestos não fossem o início de qualquer campanha séria, algo que foram capazes de fazer porque o crescimento econômico de 2010 diminuiu a pressão sobre eles. Na Grã-Bretanha o TUC atrasou a realização de uma manifestação nacional o máximo possível, e depois a ligou à campanha eleitoral Trabalhista.
40. É por isso que os socialistas, como parte da luta para transformar os sindicatos existentes em organizações combativas, se esforçam para construir uma ativa militância de base que pressione os líderes existentes, que sejam a base para uma futura direção militante e, onde necessário, tomar as iniciativas eles mesmos. A burocratização dos sindicatos, a integração de muitos líderes ao capitalismo e as restrições legais também preparam o caminho para a possibilidade de eclosão de movimentos espontâneos. Contudo, a França, e outros países como Portugal e Espanha, ilustram como a pressão de baixo pode forçar mesmo líderes sindicais de direita a liderar pelo menos alguma ação, embora o quão longe estão preparados a ir é outra questão. Tal pressão também pode produzir uma polarização dentro dos sindicatos que crie novas lideranças ou mesmo divisões. Nas recentes lutas francesas, foi significativo que os sindicatos de esquerda do SUD, criado em 1988, e a CGT, o mais antigo e maior centro sindical, estivessem na linha de frente dos protestos.
41. O declínio na militância sindical na maioria dos países, significa que órgãos especiais, como assembleias junto com comitês de fábrica ou ação, precisam ser criados para envolver trabalhadores sindicalizados e não-sindicalizados na preparação e realização das lutas. Mas, como a França mostrou recentemente, lutas nacionais, especialmente contra o governo, precisam ser coordenadas e ter uma estratégia clara, mesmo quando se desenvolvem espontaneamente ou de baixo. Isso, por sua vez, levanta a questão de quem está guiando politicamente a luta. Seja formalmente ou não, a maioria dos líderes sindicais de hoje são membros de “partido de colaboração de classe”, e precisam ser substituídos por membros de “partido da luta de classe”, dos quais os mais conscientes serão os marxistas.
42. Em muitos países a classe dominante aprovou novas leis para limitar os direitos sindicais e o impacto da ação grevista, como as incrivelmente complicadas regras para aprovação de greves na Grã-Bretanha ou as leis de Sarkozy para forçar a manutenção do chamado “serviço mínimo” durante as greves. Mais medidas antissindicais podem ser introduzidas como parte do processo de governos com novos poderes mais autoritários, para tentarem lidar com lutas e protestos futuros. Mais tais leis de classe podem apenas ter efeito enquanto os trabalhadores não sentirem a necessidade e a confiança de desafiá-las.
Greve geral de volta à agenda
43. Como a Irlanda mostrou, os líderes sindicais podem atrasar, mas não impedir para sempre, que os trabalhadores entrem em ação. Isso é mostrado pelo modo como a greve geral voltou à agenda, apesar das tentativas de muitos líderes sindicais de evitar a questão. Greves gerais já ocorreram em países como Grécia, Portugal e Espanha, e na Alemanha a questão do direito de chamar uma greve geral é algumas vezes levantada por Lafontaine e os elementos mais à esquerda do Die Linke. Significativamente, na Espanha e Portugal os líderes sindicais foram forçados a chamar um dia de greve geral pela pressão da base e na Itália o chamado pela greve geral foi enormemente popular na manifestação da FIOM em outubro em Roma.
44. Para os marxistas um dia, dois ou mesmo três dias de greve geral são uma importante arma para unificar a classe trabalhadora e outras camadas oprimidas, dar confiança à construção de manifestações de força e alertar a classe dominante, mas ela precisa ser parte de uma estratégia para construir o movimento, não uma dissipação de vapor puramente simbólica. De outro modo, ela pode ser usada para cansar ao invés de mobilizar.
45. O desenvolvimento da luta pode colocar a questão de uma greve geral ilimitada, algo que pode até se desenvolver quase espontaneamente, numa situação similar à França de 1936 e 1968. Claramente, a classe dominante e a maioria dos atuais líderes sindicais tentariam chegar a um acordo que lhes possibilitasse acabar com tal movimento. Mesmo se tal greve geral começasse mais como um protesto, quanto mais tempo durasse mais desafiaria o governo e colocaria a questão de quem governa o país. Isso, como a França de 1968 mostrou, rapidamente coloca na agenda a questão do programa concreto e dos passos que o movimento dos trabalhadores tem que realizar para derrubar o capitalismo.
46. Atualmente, mesmo onde há partidos que ainda falam formalmente de socialismo ou luta, isso se combina com uma abordagem diária reformistas e, no caso do KKE grego, sectarismo que ajudou a impedir lutas unificadas. Esses partidos, como o Die Linke em seu esboço de programa, podem falar de “socialismo” mas na verdade não colocam o socialismo como alternativa à miséria acumulada do capitalismo. Na França embora o NPA algumas vezes faça declarações radicais, nem mesmo justifica seu nome formal e, em sua atividade diária, não argumenta contra o capitalismo.
47. Essa situação de enorme oposição aos ataques, mas sem direção clara pode, na ausência de uma força marxista potente, levar ao crescimento de ideias confusas. Em casos de extremo desespero camadas frustradas, especialmente da juventude, podem começar a empreender ações terroristas, algo que tem ressurgido na Grécia.
A extrema direita, imigração e nacionalismo
48. A combinação da ausência de uma forte alternativa dos trabalhadores, junto com imigração de larga escala, tem dado oportunidades em diferentes países a uma mistura de forças populistas de direita, nacionalistas, de extrema direita e semifascistas. Geralmente elas se baseiam na hostilidade contra a “elite”, na crescente incerteza com o futuro causada pelo neoliberalismo e a crise, enquanto também atiçam o medo da imigração e o nacionalismo.
49. Em alguns casos, como na Áustria, Hungria e Países Baixos, essas forças estabeleceram um apoio eleitoral significativo, mas instável, no caso do FPÖ há vários anos agora, e na Bélgica e França é possível que haja um ressurgimento da VB e FN. Tendo visto os enormes problemas do FPÖ austríaco depois que Haider concordou em entrar no governo em 2000, nesta etapa elas são mais cautelosas em entrar num governo. O PVV de Wilders nos Países Baixos tenta evitar esse perigo apoiando, mas não entrando no novo governo minoritário do VVD e CDA. Jobbik na Hungria, que teve quase 17% na última eleição, também se mantém fora do governo, pelo menos por hora. O recente aumento dos votos de Chrysi Augi na Grécia é um sintoma da polarização que a crise social pode trazer e um alerta de como o desapontamento com os governos, nacionalismo e a ausência de uma alternativa socialista clara podem dar oportunidades à extrema direita. Ao mesmo tempo, os sucessos da extrema direita podem atiçar contramovimentos significativos, como aconteceu na Suécia desde que os “sueco-democratas” seguraram as eleições ao parlamento. Mas, como a Áustria mostrou, embora tais contramovimentos possam mobilizar certas camadas, sem um programa que enfrente as questões que a extrema direita explora, eles não conseguirão necessariamente minar o seu apoio.
50. Em muitos países, não apenas a extrema-direita, mas também partidos de governo usam as comunidades imigrantes como bodes expiatórios para os problemas sociais e econômicos. Algumas vezes, isso é disfarçado como um “choque cultural”, especialmente contra o Islã. Ao mesmo tempo, o fato de que os imigrantes são excluídos da sociedade e quase sempre as primeiras vítimas dos cortes pode dar às forças reacionárias e grupos fundamentalistas religiosos oportunidades de criar raízes entre esses setores mais oprimidos da classe trabalhadora. Alguns partidos burgueses tradicionais tentam copiar pelo menos partes do programa da extrema direita. Isso tem sido óbvio na Dinamarca, onde os governos conservadores e da socialdemocracia têm adotado as políticas do racista Partido Popular Dinamarquês. Mesmo o Partido Popular Socialista tem colaborado com o DPP e usado propaganda islamofóbica. Outro perigo com o aumento dos votos nos partidos de extrema direita é o aumento da violência e atividades neonazistas.
51. A imigração se tornou uma questão ainda mais poderosa neste período de crise econômica e social. Já antes da crise a imigração dos novos países da UE e de fora da Europa era uma grande questão em alguns países. Fora a Alemanha, a maioria dos grandes países europeus recentemente viu grandes aumentos populacionais, a Espanha vendo o maior aumento, de 39.803.000 em 1999 para 45.989.000 hoje. Essa imigração foi encorajada por patrões que buscam mão de obra barata, mas o sistema capitalista desorganizado mal pode lidar com isso, resultando na acumulação de questões sociais como pressões na habitação, serviços etc. O fato da população da Alemanha começar a cair ligeiramente não impediu o debate começado ali depois da recente publicação do livro de Sarrazin sobre a integração e não-integração das comunidades de imigrantes à Alemanha, especialmente muçulmanas. Há questões que precisam ser enfrentadas de modo que defendam as comunidades imigrantes de ataques e preparem o caminho para lutas conjuntas, respondendo aos medos e questões de todos os trabalhadores. Sem uma estratégia clara de construção da unidade dos trabalhadores contra cortes salariais e perda de empregos, a abertura dos mercados de trabalho da UE em maio de 2011 aos cidadãos de todos os últimos países que entraram na UE, pode aumentar ainda mais a hostilidade contra os trabalhadores imigrantes.
52. Uma Fortaleza Europa contra imigrantes e refugiados é uma das principais características da União Europeia. Um literal muro tem sido construído no norte da África, e campos desumanos de refugiados foram criados em países fronteiriços como a Líbia. Foi criada uma força militar, a Frontex, com aviões, helicópteros e navios. Refugiados que chegam à Europa são tratados como criminosos e explorados como mão de obra super-barata e sem direitos.
53. A tentativa de Sarkozy de desviar a luta contra sua lei de aposentadoria atacando os ciganos foi uma descarada ação de dividir para governar, que falhou totalmente. Mas esse tipo de tática, normalmente acompanhada pelo nacionalismo, era de se esperar. Os ataques anteriores da burguesia internacional aos trabalhadores gregos foram uma tentativa de pressionar a população grega e bloquear uma resposta internacional. Está claro que setores da burguesia tentaram fazer o mesmo em relação à luta dos trabalhadores franceses para impedir a elevação da idade de aposentadoria dos 60 anos. Como na Grécia, houve uma tentativa deliberada de desinformação, mas rapidamente ficou claro que havia uma tremenda solidariedade internacional com a luta francesa, de fato muitos viam a França como um exemplo de derrota das medidas de austeridade e alguns países, como Bélgica, fizeram ações de solidariedade. Os protestos de 29 de setembro foram um pequeno passo na direção certa, mas previsivelmente os líderes sindicais não tentaram construir sobre esses protestos. O CIT já jogou um importante papel levantando demandas claras que possam ser usadas para construir um contra-ataque internacional na qual também podemos construir apoio para uma federação socialista democrática da Europa, sobre uma base igual e voluntária, como alternativa à UE capitalista.
54. Em muitos países a questão nacional ressurgiu ou está ressurgindo, com as tensões resultantes. No País Basco a “solução” norte-irlandesa está sendo apresentada como o exemplo a seguir para o ETA, embora ela não tenha resolvido as questões e permitido o crescimento de forças sectárias que se opunham ao “processo de paz”. Na Bélgica o recente sucesso eleitoral do NVA levantou o espectro da possibilidade de uma nova crise nacional neste país. Nos Balcãs ainda há questões não resolvidas na Bósnia-Herzegóvina e Kosovo, mais o conflito não resolvido entre Grécia e Macedônia. A Grécia também está envolvida no conflito com a Turquia a respeito de Chipre, do mar Egeu e do espaço aéreo militar.
55. Na Europa Central e Oriental há toda uma série de questões nacionais, questões fronteiriças e direitos de minorias nacionais irresolvidos. A raiva entre seus vizinhos provocada pela decisão da Hungria de dar cidadania aos de origem húngara que vivem fora das atuais fronteiras, impostas em 1919 pelos vitoriosos da I Guerra Mundial, é um exemplo de como essas tensões podem se desenvolver dentro da própria UE.
Limites do reformismo
56. O movimento dos trabalhadores não pode ignorar essas questões, que podem ganhar proeminência se ele não mostrar uma saída socialista geral da crise.
57. Refletindo as diferentes situações objetivas, a consciência nos diferentes países europeus é mais diferenciada agora do que era no início dessa crise econômica.
58. Há a possibilidade muito real de países, especialmente alguns dos países ex-stalinistas e os menores países, afundarem numa profunda catástrofe. Em tais países haveria explosões de raiva, amargura e desespero, mas ao mesmo tempo dúvidas sobre o que pode ser feito. Seria posta a questão de qual futuro sob o capitalismo tais Estados teriam. Já há a crescente imigração da Grécia, Irlanda e Portugal, sem falar dos países bálticos e da Europa Central etc., mas, diferente de antes, agora não é tão fácil ir para os EUA, América do Sul ou Austrália. E, é claro, uma grande crise econômica global atingiria tremendamente os países da UE, especialmente a Grã-Bretanha, com sua dependência nas finanças globais, e a economia baseada em exportações da Alemanha.
59. Contudo, responder à questão “o que pode ser feito” não é necessário apenas em pequenos países, é necessário em todos os países. Com a incansável propaganda de que “não há alternativa”, que os mercados não podem ser ignorados e o fato de que os estrategistas capitalistas não estão nem mesmo tentando sugerir um futuro róseo ao movimento dos trabalhadores, significam que os socialistas precisam dar uma ideia clara do que seria imediatamente possível quando o capitalismo for derrubado. Concretamente, é preciso mostrar como os padrões de vida poderiam ser melhorados usando-se as capacidades e tecnologias existentes quando o domínio do lucro for destruído, e depois como uma sociedade socialista pode oferecer uma sociedade que será genuinamente melhor amanhã do que é hoje. Essa é uma das tarefas da abordagem de transição hoje.
60. A busca inevitável por uma saída desse lamaçal capitalista e as limitações impostas pelos líderes pró-capitalistas inevitavelmente levarão os trabalhadores a oscilarem e combinarem diferentes campos de luta e resistência – protestos, greves e eleições.
“Menor mal” e o desafio de construir novos partidos dos trabalhadores
61. Essa é uma razão porque temos vistos alguns dos antigos partidos de trabalhadores tradicionais ganharem eleições com base de que eram uma alternativa “não tão ruim” ou o “menor mal”, mesmo que muita pouco resultado fosse realmente esperado. Essa foi a base da vitória do PASOK em 2009, a chegada ao poder da coalizão socialdemocrata/verde de esquerda islandesa no início de 2009 e, pouco antes da crise realmente chegar, a eleição de Akel como presidente cipriota em 2008. Hoje, o Partido Trabalhista Irlandês e o PS da França subiram nas pesquisas de opinião.
62. Mas essa recuperação eleitoral não é automática, especialmente quando esses partidos perdem sua base e raízes dentro da classe trabalhadora. Na Alemanha o SPD, até agora, não ganhou realmente com a queda do apoio do governo Merkel e ainda está perdendo membros. Esse é um reflexo de que setores significativos da classe trabalhadora não esqueceram o histórico do SPD no governo, especialmente o pacote de cortes “Hartz IV”, e ilustra a oportunidade em potencial que formações de esquerda têm agora entre trabalhadores e jovens críticos e radicalizados. Na Grã-Bretanha o Partido Trabalhista está ganhando ligeiramente enquanto a coalizão ConDem perde apoio, mas é limitado por seu histórico no governo, seu próprio chamado por cortes nacionais (embora “menores”) e o fato de que a nível local está implementando cortes. É por isso que sucessos eleitorais individuais, como o do Pasok em 2009, não necessariamente significa uma renovação sustentável.
63. Contudo, apesar das oportunidades existentes, os anos recentes viram muitos falsos começos para as novas formações de esquerda que começaram a se desenvolver em vários países nas últimas duas décadas. Embora a situação objetiva fosse difícil, foi principalmente a fraqueza subjetiva que deixou passar as oportunidades. Geralmente suas lideranças tinham um início muito diferente da fundação dos partidos da Segunda ou Terceira Internacional que, apesar de sua história posterior, construíram seu apoio inicial na base de clara oposição ao capitalismo, participação nas lutas, pelo socialismo e, na maioria dos casos, sem compromissos com a classe dominante. Nos anos recentes muitas novas formações desenvolveram-se de um modo completamente oposto, com nenhuma oposição clara ao capitalismo, sem demandas ou estratégias de classe claras ou com disposição de fazer acordos podres com os antigos partidos reformistas.
64. Parcialmente isso reflete o legado, entre os líderes, do colapso pós-stalinista, uma falta de confiança e de perspectivas de construir um partido de trabalhadores de massas, vendo-se ao contrário como um grupo de pressão. Isso vê-se claramente entre os ex-líderes da LCR que chefiam o NPA francês. E também a busca desses agrupamentos por alianças governamentais com outras forças, algo que preparou o caminho para o colapso do PRC depois de sua participação num governo de coalizão pró-capitalista em 2006-8. Hoje o SP holandês move-se numa direção similar para se tornar a “esquerda” em um governo. Na Alemanha está ocorrendo um debate similar dentro do Die Linke sobre alianças estratégicas com o SPD e os verdes, e é uma razão porque a direção não está se esforçando de fato para construir o partido ou elevar seu apoio acima dos 11,9% ganhos em 2009. A nível estadual o Die Linke, continuando o caminho do antigo PDS, atualmente está em coalizão com o SPD em Berlim e Brandenburgo e os principais direitistas dentro da direção do partido desejam seguir esses exemplos de forma mais ampla.
65. Compreender as pressões eleitorais do “menor mal” não significa entrar em alianças podres com partidos pró-capitalistas, ao que claramente aspiram os líderes de muitas das novas formações de esquerda. Como esses líderes não colocam seriamente a tarefa de construir um partido que possa desafiar o capitalismo e ganhar a maioria da classe trabalhadora, eles não têm a perspectiva de que a entrada dos velhos partidos no governo dará a oportunidade de construir, algo que já foi visto várias vezes em diferentes países. Os marxistas precisam explicar, pelo menos em sua propaganda geral, a necessidade de um governo dos trabalhadores que transformará a sociedade e contrapor a esses governos que operam dentro do capitalismo. Isso deve se expressar de um modo apropriado à situação objetiva de cada país, na maioria dos países nessa etapa os marxistas colocam esse objetivo em termos da necessidade de construir um movimento que possa derrotar o capitalismo.
66. Contudo, a fraqueza das novas formações de esquerda não significa que todas elas tenham esgotado seu potencial. Na França Besancenot, o líder público do NPA, ainda tinha 56% de aprovação numa recente pesquisa de opinião, algo que ainda pode ser traduzido em apoio concreto para o NPA. Mas as políticas dos atuais líderes do NPA fazem com que tal apoio não seja usado para lançar as bases para um novo partido de trabalhadores de massas, ao contrário, se esforçam para serem um grupo de esquerda que pressione o PS e o PCF. Dentro do NPA já emergiu uma oposição a essa estratégia, na qual o CIT joga um importante papel, algo similar aos eventos que também ocorrem em outros partidos como o PRC, Syriza e Die Linke.
67. Esse período tempestuoso significa instabilidade política e coloca em questão a longevidade dos governos. Muitos foram eleitos por causa da oposição aos governos anteriores ou apenas por hostilidade aos partidos rivais. No momento os “mals menores” como o Pasok rapidamente desapontaram, algo que pode acontecer a seguir na Irlanda. Em outubro os parlamentares islandeses fugiram pela porta dos fundos do parlamento para evitar os manifestantes raivosos com as medidas de austeridade da coalizão social-democrata/verdes e seu fracasso em proteger os padrões de vida. Nas eleições locais de novembro de 2010 na Grécia foi apenas a hostilidade contra o principal partido de direita que impediu que a perda de mais da metade dos votos do Pasok resultasse numa perda similar de cargos.
Problemas com as novas formações de esquerda e oportunidades para o CIT
68. Embora haja potencial para que uma força de esquerda de massas cresça na Grécia, a fraqueza política do Syriza e Antarsya, que torna seu futuro desenvolvimento e até a sobrevivência incertos, mais o sectarismo do KKE, minam severamente essas perspectivas a curto prazo. Contudo, mesmo com uma abordagem correta e crescimento de uma nova força de esquerda, um amplo desapontamento com um governo “menor mal” pode abrir as portas de uma vitória temporária para a entrada de partidos mais à direita no governo. Mas esse tipo de evento não impediria as forças marxistas de crescerem a partir das camadas mais radicalizadas.
69. Não se pode excluir que em circunstâncias extremas, como um colapso do sistema bancário, os governos possam ser forçados a tomar medidas temporárias, de “capitalismo de Estado”, para aliviar a crise, embora tentem reverter tais medidas o mais rápido possível. Tais medidas não alterariam a principal estratégia das classes dominantes, de diminuir os padrões de vida, mas seria uma resposta de curto prazo aos eventos. Situações de emergência ou explosões de raiva poderiam criar situações com características similares à dos anos 1930, com governos forçados a tomar algumas medidas para aliviar a crise.
70. O virtual colapso do PRC claramente tem tido um efeito muito negativo, algo que também pode acontecer com o Syriza na Grécia. Isso especialmente porque o PRC tinha, em certa época, raízes verdadeiras na classe trabalhadora e na juventude. Inevitavelmente seu colapso produziu ceticismo sobre a possibilidade de construção de um novo partido de trabalhadores e, entre alguns, uma contrariedade a tentar construir um novo partido argumentando que eles sempre falham. Embora entendendo tais sentimentos, o CIT defende que um partido de trabalhadores é necessário, e declara que ele deve aprender com as lições do passado para não ser um PRC 2. O fato de que o FIOM, a militante seção metalúrgica da CGIL, agora está atraindo apoio e inscrevendo membros entre trabalhadores não-metalúrgicos é um reflexo de como setores dos trabalhadores italianos estão se esforçando para achar uma arma que possam usar para contra-atacar. Mas o desapontamento com o PRC, depois do colapso do PCI, também pode fortalecer as tendências anarco-sindicalistas entre trabalhadores e anarquistas entre a juventude.
71. Mas não é apenas na Itália que trabalhadores militantes estão buscando um meio de contra-atacar. Em países onde mantêm algum apoio dentro da classe trabalhadora é possível que alguns dos stalinistas remanescentes possam jogar um papel atraindo e construindo com trabalhadores e jovens radicalizados. Isso parece estar acontecendo na Espanha, com a IU. Em outros países a situação é mais complicada, especialmente com o KKE na Grécia, que tem apoio de setores chave da classe trabalhadora, mas combina uma abordagem totalmente sectária para outros trabalhadores com uma mistura de nacionalismo, vagas demandas e glorificação de Stalin. As situações francesa e portuguesa diferem, com o PCF numa frente desconfortável com o PG (Partido de Esquerda), enquanto o PCP parece estar se radicalizando e se abrindo para o debate. Em Chipre, enquanto o presidente passa da implementação de reformas menores a implementar cortes, seu partido, o AKEL, parece estar se distanciando do governo, numa tentativa de manter seu apoio.
72. Nessa situação tempestuosa, os debates e discussões sobre o que o movimento dos trabalhadores precisa fazer fornecerá amplas oportunidades para os marxistas em diferentes arenas, incluindo camadas recém-ativas e tanto entre os membros quanto com os simpatizantes nos partidos novos ou radicalizados. Agora, camadas significativas dos trabalhadores e jovens já estão se radicalizando, entrando em oposição ao capitalismo e abertos a conclusões socialistas, que já estão tirando. Isso está criando as condições nas quais os marxistas podem rapidamente crescer. Onde atualmente não existe nenhuma formação de esquerda os marxistas intervirão nas lutas para construir suas próprias forças enquanto mantêm em seu programa o chamado por um e novo partido de trabalhadores de massas.
73. Já houve poderosas batalhas de classes, mas na realidade elas são o prólogo do que acontecerá no próximo período à medida que ficar mais claro que o capitalismo não pode oferecer um futuro melhor. É por isso que a visão do que seria possível, não apenas economicamente, mas também socialmente, ambientalmente e culturalmente, se o capitalismo for derrubado, é absolutamente crítico para a construção do movimento socialista. O chamado do CIT por uma federação democrática socialista da Europa não é simplesmente um objetivo, é a razão pela qual nos aventuramos a nos ligar às lutas nas diferentes partes da Europa e construir um movimento internacional que possa acabar com o capitalismo em seu local de nascimento histórico. A crise na Europa capitalista e na UE colocará a questão da alternativa socialista cada vez mais na agenda dos trabalhadores e jovens que combatem a ofensiva das classes dominantes. |